Fundamentalismo
econômico
*
Por Frei Betto
O
passado costuma ser conhecido por eras, como as dos coletores e
caçadores, agricultores nômades e sedentários etc. Eras do cobre,
do bronze, do ferro...
A
antiguidade grega se destaca como era do nascimento da filosofia
(embora ela tenha outra mãe além da grega, a chinesa), assim como a
República romana se destaca como a era do direito.
Como
a nossa contemporaneidade será conhecida no futuro? Meu palpite é
que seremos conhecidos como a era do fundamentalismo econômico.
Porque
todas as nossas atividades giram em torno do dinheiro. Era do
business. Time is money. Do lucro exorbitante. Da desigualdade social
alarmante. Do império dos bancos.
Era
na qual apenas oito homens dispõem de renda superior à soma da
renda de 3,6 bilhões de pessoas, metade da humanidade. Era na qual
tudo tem valor de troca, e não de dom.
Esse
fundamentalismo submete a política à economia. Elege-se quem tem
dinheiro. Todo o projeto político é pensado em função de ajuste
fiscal, redução de gastos em programas sociais, cortes
orçamentários, privatização do patrimônio estatal, redução da
dívida pública.
No
altar das Bolsas de Valores, tudo é ofertado, em sacrifícios
humanos, ao deus Mercado. É ele que, com as suas mãos invisíveis,
abençoa paraísos fiscais, livra os mais ricos de pagarem impostos,
eleva as cotações do câmbio, abarrota a cornucópia da minoria
abastada e arranca o pão da boca da maioria pobre.
Outrora
meus avós, ao despertar de um novo dia, consultavam a Bíblia. Meus
pais, a meteorologia. Meus irmãos, as oscilações do mercado
financeiro.
Sucateia-se
o ensino público para fortalecer a poderosa rede de educação
particular. Propõe-se a reforma da Previdência para desobrigar o
Estado de assegurar aposentadoria e transferir o encargo aos planos
de previdência privada.
A
saúde há tempos está privatizada: médicos preferem fazer parto
por cesariana; cirurgias desnecessárias são recomendadas; o SUS não
funciona; os planos de saúde e os medicamentos têm aumentos
sazonais.
O
mais nefasto efeito do fundamentalismo econômico é, de um lado, a
acumulação privada e, de outro, a exclusão social. Quem tem
dinheiro prefere guardá-lo no banco e aplicá-lo no cassino
financeiro a usufruir uma vida mais saudável e solidária.
Quem
não tem padece a humilhação da pobreza, da carência de bens e
direitos essenciais, do salário minguado e do desemprego.
A
exclusão reforça as vias criminosas de acesso ao dinheiro e ao
fetiche das mercadorias: narcotráfico, roubo, sonegação e
corrupção. Agora o rei já não proclama “L’État c’est moi”.
Ele brada “In Gold we trust”.
*
Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou”
(Saraiva), entre outros livros.
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