A
promessa
*
Por Gustavo do Carmo
Foram
colegas na faculdade de comunicação social.
ELA,
inteligente, bonita, esforçada e talentosa, conseguiu vencer na
carreira. Começou a trabalhar em uma afiliada de uma emissora de
televisão no interior do estado do Rio, de poucos investimentos.
Mudou-se para outra emissora da região, só que representante da
maior do país e, em poucos anos, estava fazendo reportagens de vídeo
na cidade do Rio, matriz do importante canal. Aparecia todos os dias
nos telejornais da manhã e da tarde.
ELE,
com limitações intelectuais, desatento, relaxado com a aparência,
pessimista, indisciplinado e burocrático, ficou desempregado e
morando com os pais idosos. O pai o sustentava com o dinheiro da loja
de auto-peças onde ELE não quis trabalhar. Era sempre cobrado pelo
pai, que desistiu. Tentou atuar no jornalismo e na publicidade,
correu atrás, mas nada conseguiu por causa dos seus defeitos. Acabou
deprimindo-se. Ainda mais depois que sua mãe teve uma infecção
urinária, o que afetou a capacidade cognitiva dela e a deixou com o
vocabulário e ações limitadas.
Ansioso
por causa disto e do seu fracasso pessoal e profissional, perdia o
sono todas as noites. Acabava assistindo ao telejornal da manhã da
tal emissora onde ELA trabalhava. E acabava vendo-a todos os dias:
linda, determinada e competente, fingindo ser simpática para
entrevistar o povo trabalhador e falando para o público. De início,
mudava logo de canal quando ELA aparecia. Mas passou a vê-la só
para conferir se a ex-colega usava aliança de casada ou estava
grávida. Ficava ainda mais ansioso quando reparava em vários anéis,
que não sabia se eram anéis mesmo ou aliança. E a roupa larga às
vezes o enganava.
Para
não vê-la, um dia decidiu ir até a padaria, no outro lado da linha
do trem que corta o bairro. Numa esquina, ELA o avistou, o reconheceu
(aparentemente não lembrou que ELE a ajudou em um trabalho de grupo
da faculdade e, portanto, lhe devia um favor) e tentou entrevistá-lo.
ELE não sabia que ELA estava em sua área, pois não tinha ligado a
televisão. ELA chegou a segurar seu braço. Mas ELE conseguiu
desvencilhar-se e atravessou a rua sem ver o trânsito. Foi
atropelado por uma van de transporte público.
Desesperada,
entrou em estado de choque. ELA reconhecia, sim, o favor que devia a
ele. O cinegrafista da emissora chamou socorro. Acompanhou a vítima
na ambulância e tratou de avisar aos parentes dele quando recebeu
seus documentos e celular.
Sentindo-se
culpada, já na emissora, fez uma promessa à amiga editora de
imagens: largaria o noivo empresário e se casaria com o ex-colega de
faculdade caso o rapaz se recuperasse. Não precisou cumprir. ELE não
resistiu ao traumatismo craniano.
Deprimido,
seu pai passou a loja para o sobrinho e se aposentou. Sua mãe ficou
perguntando repetidamente pelo filho a cada cinco minutos. A
bela repórter casou-se e pediu transferência para São Paulo, onde
foi exibir sua beleza, determinação, talento e simpatia forçada,
tendo o MASP como fundo de algumas de suas passagens no vídeo. Nunca
mais voltou ao Rio de Janeiro. Esqueceu-se completamente do ex-colega
de faculdade e que tinha nascido no sul fluminense. Tornou-se uma
paulistana nata, como os filhos que teve, incorporando até o
sotaque.
A
semelhança com fatos e personagens reais deste conto pode não ser
mera coincidência, mas esta é puramente uma história de ficção.
*
Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração.
Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de
São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess
- http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe
-http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
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