quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 9 anos, oito meses e vinte e oito dias de criação.

Leia nesta edição:

Editorial – Os livros mais vendidos de 2015.

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica, “Obra-prima”.

Coluna Contradições e paradoxos – Marcelo Sguassábia, conto, “Rá-tim-bum”.

Coluna Do fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, conto, “Uma companhia para o ano novo”.

Coluna Clássicos – Carlos Drummond de Andrade, crônica, “Feliz olhar novo”. 

Coluna Clássicos – Marta Medeiros, crônica, “Eureka!”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer – Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.



Os livros mais vendidos de 2015


O “ranking” dos livros mais vendidos em 2015 é, para mim, dos mais decepcionantes, com todo respeito aos autores que conseguiram a façanha de obter sucesso de vendas em um país que, convenhamos, não prima pelo hábito (e pelo gosto) da leitura. Refiro-me, aqui, especificamente, à relação divulgada pelo site Publishnews, especializado em pesquisa do mercado editorial. Tem, portanto, total credibilidade. Ademais, ele não difere muito de outras tantas listas divulgadas por outras mídias. É certo que o ranking ainda é parcial, sujeito a mudanças. Mas não creio que estas aconteçam nas principais posições. No “top 10”, não há, por exemplo, nenhum livro de poesias, o que sequer me espanta e nem surpreende, por não ser nenhuma novidade. Poetas temos muitos, e bons. O que não temos é leitores que apreciem poesia. Pior para eles. Crônicas e contos, igualmente, não aparecem entre as obras mais vendidas nas principais livrarias do País, muito menos ensaios, filosofia e peças teatrais.

Lideram a relação dos dez mais vendidos no ano dois livros que nem mesmo são livros. Têm seu formato e aspecto, é verdade, mas não têm textos, apenas desenhos. Destinam-se a serem coloridos, mas não por criancinhas do jardim de infância, como acontecia há não muito tempo, mas por marmanjos. Refiro-me a “Jardim secreto” e “Floresta encantada”, ambos da ilustradora escocesa Johanna Basford, lançados pela Editora Intrínseca, que ocupam, respectivamente, a primeira e segunda colocação do “top 10” da Publishnews. Vem em terceiro lugar um livro precioso, mas não de Literatura, como a entendo. Trata-se de “Philia”, do Padre Marcelo, tratando das questões de amor, notadamente pelo enfoque espiritual. É, porém, uma obra que recomendo. Foi lançada pela Editora Principium.

O quarto livro mais vendido de 2015 é “Nada a perder”, parte 3, do bispo Edir Macedo. É uma espécie de autobiografia do fundador da Igreja Universal, portanto, com público específico e vendas garantidas. Foi lançado pela Editora Planeta do Brasil. O 5º colocado no “top 10” tem tudo a ver com a internet. Trata-se do livro “Muito mais que 5inco minutos” (e não cometi erro de digitação: o cinco do título da obra aparece com o numeral 5 no lugar da letra “c”). Sua autora é a atriz, escritora e “vloger” curitibana Kefera Buchmann. Não me espanta seu sucesso editorial, já que ela conta com praticamente doze milhões de seguidores nas redes sociais (pobre de mim que não tenho sequer 1.200!!!). Seu livro, lançado pela Editora Paralela, pode ser considerado autobiográfico, já que ela narra várias histórias de situações que viveu.

Chegamos ao sexto lugar. Este é ocupado pela obra “Ansiedade: como enfrentar o mal do século”, de autoria de um campeoníssimo de vendas, que em todos os anos está, invariavelmente, presente, nos “top 10”, ou seja, Augusto Cury. O leitor já adivinhou que este lançamento da Editora Saraiva é um livro da linha de auto-ajuda. É uma obra que também recomendo, pelo seu útil e oportuno conteúdo. O sétimo lugar cabe ao polêmico “Grey”, da não menos polêmica autora inglesa E. L. James. Trata-se de novo livro da franquia “Cinquenta tons de cinza”, em que a história é contada do ponto de vista de Christian Grey. Também tem público cativo, sobretudo, o feminino. Se tivesse quer fazer uma avaliação dessa obra, assinaria embaixo a opinião do “Telegraph”, que a considerou “tão excitante quanto o diário de um agressor sexual”. Barbaridade!!!!

O oitavo colocado é um fenômeno no mundo, que atravessa o tempo e encanta sucessivas gerações. Foi lançado no ano em que nasci (1943), pouco antes de eu completar três meses de idade, e desde então não parou de ser vendido mundo afora. Refiro-me a “O pequeno príncipe”, de Antoine de Saint-Éxupery. Em três semanas, completarei 73 anos de idade, e o livro do aviador francês continua vendendo a rodo. Ouvi muito medalhão, metido a entendedor de Literatura, dizer, com arrogância, que se trata de “história melosa e piegas”. Fico pasmo com a burrice de certas pessoas. Considero “O pequeno príncipe” delicadíssimo poema em prosa, daí encantar a tantas gerações. Esta edição, que foi a oitava em vendas de 2015, é da Editora Agir.

Estamos chegando ao final do “top 10” e, até aqui, não apareceu nenhum livro de impacto (à exceção da obra de Saint-Éxupery), desses geniais, lançados para durar. E... não vai aparecer. O nono colocado tem, também, tudo a ver com a internet. Trata-se de “Eu fico loko” (escrito assim mesmo, com “k” e sem o “u”, para caracterizar quem é tomado pela loucura), de autoria de Christian Figueiredo de Caldas. O título do livro é o mesmo do “vlog” que ele mantém no Youtube, com mais de 1,5 milhão de seguidores e mais de 100 milhões de visualizações. O autor conta, em vídeos (no Youtube) e em textos (no livro), histórias reais e inéditas, algumas das quais meio que constrangedoras, da sua infância e adolescência. Há quem goste. O que fazer?!

Finalmente, o “top 10” termina com uma obra de ficção. Trata-se de “Não se apega, não”, de Isabela Freitas, lançamento da Editora Intrínseca. A autora narra os percalços vividos por sua personagem para encarar a vida e não se apegar ao que não presta. Ah, apenas a título de informação, o décimo primeiro livro mais vendido de 2015 é, também, de Isabela. O título é um tanto parecido com o anterior: “Não se iluda, não”, do qual é uma espécie de continuação.

E daí, leitor, ficou decepcionado com o (mau) gosto literário dos que podem comprar livros (e que por isso compraram)? Eu fiquei. A culpa, porém, não é das editoras, que oferecem ao público aquilo que ele quer e que, ademais, lançaram obras muito boas que, no entanto, não “emplacaram”. Concluo que a culpa é dos professores de português, das escolas (públicas e particulares) dos vários graus. É fácil de concluir que eles estão pecando em apresentar aos alunos livros e autores que realmente valem a pena. E isso fará diferença enorme na vida deles, no futuro.

Boa leitura.


O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk     
Obra-prima


* Por Pedro J. Bondaczuk


A concretização de uma obra-prima, que seja marcante e intemporal, permanente e imperecível, exata e definitiva, é a ambição de todo o artista, seja de que arte for. Claro que este também é um sonho que venho perseguindo há anos. É possível que já a tenha produzido entre os milhares de textos que escrevi e publiquei e que só não me tenha dado conta disso. O veículo que tenho utilizado, o jornal, não se presta às idéias permanentes. É produzido, consumido e esquecido com uma velocidade muito grande, que aumenta com a implantação de novas e sofisticadas tecnologias. O mais provável, porém, é que ainda esteja à espera de ser produzida, no aguardo do momento certo, da oportunidade, que a rigor me compete criar ou provocar, para vir a lume.

Fiz, durante anos, incursões pela poesia, mas obtive pouco espaço para exibir meus trabalhos e testar sua aceitação. Tive breve passagem pelo conto, mas por ser um gênero que demanda tempo para ser bem trabalhado, acabei relegando a produção de histórias --- algumas premiadas em concursos regionais --- para uma ocasião "mais propícia". Talvez esta seja uma desculpa para ir adiando uma tarefa que deveria ser inadiável. Nesse aspecto, é possível que eu venha agindo como inúmeros personagens de filmes que assisti, que sem terem escrito um único livro, tendo, no máximo, esboçado alguns capítulos ou páginas, proclamam aos quatro ventos que estão elaborando "a grande novela americana". Finda-se a história, e nada. Não tinham sequer o cacoete de escritores.

No meu caso, tenho vasta produção, mas o que falta é um veículo que lhe dê uma certa permanência, que lhe confira alguma sobrevivência. E, sobretudo, que exponha esses trabalhos à crítica que realmente importa: a dos seus destinatários finais: os leitores. Como? Da maneira mais prática possível: comprando ou deixando de comprar meus livros. Para tanto, porém, preciso publicá-los. Isto demanda tempo, paciência e muito esforço. Requer que haja oportunidades por parte de editores, coisa que até aqui não tive.

Muitas vezes, as circunstâncias ameaçam conduzir-me ao desânimo, pondo em risco de colapso o maior sonho que tenho na vida --- que confessei publicamente em recente crônica --- que é o de ser escritor. Que é o de ganhar o meu pão de cada dia com a inspiração e sobretudo transpiração advinda dessa nobilíssima tarefa de revestir idéias com palavras corretas, medidas, exatas e adequadas. O romancista sergipano, Francisco Dantas, escreveu que "a vida quebra a gente, amolece a moleira e enverga até o pensamento". O sucesso tem um preço na maioria das vezes alto demais que nem vale a pena pagar. Por enquanto, venho pagando-o, sem levar "o produto".

Minha pretensão é escrever um romance. Trata-se de empreitada que requer verdadeira estratégia de guerra. É preciso agir, em primeiro lugar, como arquiteto, para planejá-lo. Depois, como engenheiro, para calcular sua estrutura e fornecer base sólida de idéias. Depois, como pedreiro, assentando tijolo a tijolo, com sólida argamassa e com o concreto do talento. Finalmente, vem o revestimento do estilo, das palavras medidas, das tiradas inteligentes, das frases, sentenças, períodos e parágrafos sonoros, ritmados, bonitos. Como na construção de um edifício, esse processo demanda tempo e organização. Mas a sustentação da vida tem prioridade. A manutenção pessoal e da família é mais urgente e inadiável. Aí reside o conflito.

Outra luta é a travada conosco, com nossas tendências, com nossas deficiências culturais, com nossos lapsos de memória ou de observação. Machado de Assis, em crônica publicada no volume III do livro "A Semana", escreveu: "Se eu houvesse de definir a alma humana, diria que ela é uma casa de pensão. Cada quarto abriga um vício ou uma virtude. Os bons são aqueles em que o vício dorme sempre e as virtudes velam e os maus..." Por este parâmetro, estou no meio termo. Vícios e virtudes, ambos, não têm tempo para se manifestar. Escrevo no mínimo 14 horas por dia. Nas dez restantes, durmo seis e quatro dedico à higiene e locomoção.

Com toda essa jornada, estou longe da realização. Não me refiro à financeira, já que essa não vou conseguir nunca. Já estou conformado com essa certeza, até porque bens materiais nunca foram o meu fascínio. Dalton Trevisan, "o vampiro de Curitiba", constatou: "O bom escritor nunca se realiza: a obra é sempre inferior ao sonho. O escritor é irmão de Caim e primo distante de Abel". Se sou bom ou não, não tenho a mais remota noção. Mas estou muito, muitíssimo distante da realização. A obra que produzi está  mil anos-luz longe dos delirantes sonhos que acalento.



* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk


                 
Ra-tim-bum

* Por Marcelo Sguassábia


- Não acredito que você me acordou uma hora dessas pra falar sobre "Parabéns a você"...
- Pois você vai me dar os parabéns depois que ouvir minha ideia. Ah, se vai!
- Ih, lá vem.
- Aqui no Brasil, o "Parabéns a você" tem registro no ECAD e dizem que é a segunda música mais executada no país. Sabe lá o que é isso, cara? A original é obra de duas irmãs americanas e a versão brasileira foi escolhida por concurso, em 1942. A vencedora foi uma mulher de Pindamonhangaba, Bertha Celeste Homem de Mello. Ela morreu em 1999 e apagou a velinha 97 vezes, quase todas ao som da própria música! Hoje, os direitos autorais estão nas mãos dos herdeiros. Mas o que me interessa mesmo é a segunda parte, aquela que diz assim:
"E pro(a) (nome da pessoa), nada?
Tudo!
Então como é que é? É!
É pique, é pique, é pique é pique, é pique,
É hora, é hora, é hora é hora é hora
Ra-tim-bum (nome da pessoa, nome da pessoa, nome da pessoa)"
- Nossa, que interessante. Eu não acredito que eu estou escutando essa merda toda às duas da manhã.
- Me escuta, caramba, me escuta. Quase me matei de pesquisar na internet, nos registros de direitos autorais e em tudo quanto é lugar pra descobrir quem cometeu essa baboseira do "pique pique". As origens são as mais absurdas possíveis. Misturam onomatopoéias de bandinha de circo, os estudantes de Direito do Largo de São Francisco e até um rajá indiano que teria visitado a faculdade em mil novecentos e bolinha. Já outras fontes afirmam que o termo "Ra-Tim-Bum" é uma maldição. Imagina só. Numa dessa, todo mundo na festa roga praga no aniversariante...
- Ok, amanhã você continua, tá bom?
- Resumindo, o fato é que essa parte do "Parabéns" não tem dono. Minha ideia é fazer o registro desse complemento e requerer os royalties de execução, radiodifusão e teledifusão, compreende?
- Só dessa segunda parte?
- Sim, a primeira é dos herdeiros da Dona Bertha.
- Dona Bertha? Que dona Bertha?
- Aquela, que eu acabei de falar, a velhinha de Pindamonhangaba. Depois dessa parte que eu quero registrar vem o manjado "Com quem será?" - que acabou se incorporando, sabe-se lá porque, ao maldito corinho natalício. Tentei descobrir o autor, pra propor uma ação conjunta de registro, mas não encontrei de jeito nenhum. Pesquisando, vi que a música desse "Com quem" dos infernos é baseada na Marcha Nupcial de Wagner. Pegaram a melodia de um gênio e enfiaram uma letra de retardado.
- E aquele trecho que parece coisa de beata velha, que fala "Com imensa alegria, suplicamos aos céus", quem foi que compôs?
- Sei lá, pelo jeito é uma segunda parte da letra que a Bertha fez, mas também não tenho certeza.
- Bom, posso voltar pra cama agora?
- Imagina a grana que dá pra ganhar só em buffet infantil. Esquece televisão e rádio, vamos focar só nas festinhas de criança. Eu espalho um exército de gente que está aí à toa, procurando emprego, e faço um acordo por comissionamento. Eles dão um jeito de entrar nas festas e, na hora de apagar as velinhas, gravam com celular a cantoria. Ninguém vai desconfiar de nada, porque quase todo mundo fica com o celular gravando nessa hora - a mais insuportavelmente previsível da comemoração. Com o flagrante na mão, é só mandar a cobrança dos direitos para os pais do fedelho. Tiro 10% de comissão para o fotógrafo e o resto vem limpo pra mim.
- Parabéns a você. Genial. Supimpa. Estonteante. Formidável. Bem.......bo....la.............do............................zzzzzzzzzzzz......................zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.......



* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).




Uma companhia para o ano novo



* Por Gustavo do Carmo



Dez... Nove... Oito...

— Sete... Seis... Cinco...

— Quatro... Três... Dois... Um...

— FELIZ ANO NOVOOOO!!!!!

Gilmar, Lopes e alguns amigos celebram juntos a entrada do ano novo. Estouram uma garrafa de champanhe que bebem no gargalo. Cantam em coro a tradicional música “Adeus Ano velho! Feliz Ano Novo! Que tudo se realize no ano que vai nascer...”. Assistem à queima de fogos feita na praia. Os fogos de artifício fazem os mais diferentes desenhos. E também os tradicionais coqueiros e corações.

Passada a primeira meia hora do novo ano, o espetáculo pirotécnico se encerra. Lopes e seus amigos finalmente terminam o que tinham começado: espancam Gilmar a socos e pontapés como um acerto de contas pela dívida de jogo que o rapaz tinha com o cassino de Parlattore, chefe de Lopes que o mandou seqüestrar o caloteiro e acertar as contas em uma ilha deserta.

Lopes e seus capangas deixam a ilha na lancha do patrão. Gilmar, com o rosto inchado e ensangüentado agoniza feliz, pois teve companhia para receber a chegada do ano novo, o que não acontecia há dez anos, desde que foi expulso de casa.


* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
 Bookess - http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe -http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
Seu  blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores



   
Feliz olhar novo


* Por Carlos Drummond de Andrade


O grande barato da vida é olhar pra trás e sentir orgulho da sua história. O grande lance é viver cada momento como se a receita da felicidade fosse o AQUI e AGORA!

Claro que a vida prega peças. É lógico que, por vezes, o bolo sola, o pneu fura, chove demais. Mas... Pensa só: tem graça viver sem rir de gargalhar pelo menos uma vez ao dia? Tem sentido ficar chateado durante o dia todo por causa de uma discussão na ida pro trabalho? Tá certo, eu sei, Polyanna é personagem de ficção, hiena come porcaria e ri, eu sei. Não quero ser cego, burro ou dissimulado. Quero viver bem. (Este) foi um ano cheio. Foi cheio de coisas boas e realizações, mas também cheio de problemas e desilusões... Normal.

Às vezes se espera demais das pessoas... Normal. A grana que não veio, o amigo que decepcionou, o amor que acabou...Normal. (O próximo ano) não vai ser diferente.

Muda o século, o milênio muda, mas o homem é cheio de imperfeições, a natureza tem sua personalidade que nem sempre é a que a gente deseja, mas e aí? Fazer o quê? Acabar com o seu dia? Com seu bom humor? Com sua esperança? O que eu desejo pra todos nós é sabedoria, é que todos nós saibamos transformar tudo em uma boa experiência!

Que todos consigamos perdoar o desconhecido, o mal educado. Ele passou na sua vida. Não pode ser responsável por um dia ruim. Entender o amigo que não merece nossa melhor parte. Se ele decepcionou, passa pra categoria 3, a dos amigos. Ou muda de classe, vira colega. Além do mais, a gente, provavelmente, também já decepcionou alguém. O nosso desejo não se realizou? Beleza, não tava na hora, não deveria ser a melhor coisa pra esse momento (me lembro sempre de uma frase que adoro: 'Cuidado com seus desejos, eles podem se tornar realidade').

Chorar de dor, de solidão, de tristeza, faz parte do ser humano. Não adianta lutar contra isso. Mas se a gente se entende e permite olhar o outro e o mundo com generosidade, as coisas ficam diferentes...

Desejo pra todo mundo esse olhar especial. (Este) pode ser um ano especial se nosso olhar for diferente. Pode ser muito legal, se entendermos nossas fragilidades e egoísmos, e dermos a volta nisso.

Somos fracos, mas podemos melhorar. Somos egoístas, mas podemos entender o outro. (Este ano) pode ser o bicho, o máximo, maravilhoso, lindo, maneiro, especial...

Pode ser puro orgulho. Depende de mim! De você! Pode ser. E que seja!!!

Que a virada do ano não seja somente uma data, mas um momento para repensar tudo o que fizemos e que desejamos, afinal sonhos e desejos podem se tornar realidade somente se fizermos jus e acreditarmos neles!

* Poeta, contista e cronista.



Eureka!


* Por Martha Medeiros


Cada semana, uma novidade. A última foi que pizza previne câncer do esôfago. Acho a maior graça. Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas não exagere... Diante dessa profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos. Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde.

Prazer faz muito bem. Dormir me deixa 0km. Ler um bom livro faz eu me sentir nova em folha. Viajar me deixa tensa antes de embarcar, mas depois eu rejuvenesço uns 5 anos. Vôos aéreos não me incham as pernas, me incham o cérebro, volto cheia de idéias.

Brigar me provoca arritmia cardíaca. Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago.Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano. E telejornais os médicos deveriam proibir - como doem!

Essa história de que sexo faz bem pra pele acho que é conversa, mas mal tenho certeza de que não faz, então, pode-se abusar. Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo faz muito bem: você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada.

Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde. E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda. Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou mozzarella que previnam.

Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser excepcionalmente bom, uau! Cinema é melhor pra saúde do que pipoca. Conversa é melhor do que piada. Beijar é melhor do que fumar. Exercício é melhor do que cirurgia. Humor é melhor do que rancor. Amigos são melhores do que gente influente. Economia é melhor do que dívida. Pergunta é melhor do que dúvida.

Tomo pouca água, bebo mais de um cálice de vinho por dia, faz dois meses que não piso na academia, mas tenho dormido bem, trabalhado bastante, encontrado meus amigos, ido ao cinema e confiado que tudo isso pode me levar a uma idade avançada. Sonhar é melhor do que nada.


* Jornalista, escritora e poetisa. 

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 9 anos, oito meses e vinte e sete dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Livros para colorir para adultos.

Coluna De Corpo e Alma – Mara Narciso, crônica, “Ando exausta de tanta solidão!”.

Coluna Verde Vale – Urda Alice Klueger, crônica, ”Ah, o maravilhoso Verão!”.

Coluna Em verso e prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema, “Antes”.

Coluna Porta Aberta – Pedro Du Bois, poema, “Rudimentos”.

Coluna Porta Aberta – Fabiana Bórgia, crônica, “Estamos preparados?”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com 
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.



  
Livros para colorir para adultos


O mercado editorial brasileiro mostrou algumas peculiaridades, neste ano de 2015 que ora se encerra, caracterizado por uma crise que ainda não se encerrou, uma delas, aliás, seguindo uma tendência que é internacional. Uma dessas “novidades” (que considero preocupante para os escritores, não importa se de ficção ou não ou de qual gênero), é a “explosão” de vendas de livros para colorir, para adultos, considerados como excelente terapia para desestressar os estressados (muitíssimos, convenhamos). Por mais que tentem me convencer do contrário, não considero esse produto como “Literatura”, embora admita que tenham lá algum valor, digamos, artístico. Para as editoras (as que apostaram nesse tipo de obra, que foram várias), a procura popular foi uma “festa”. E mais, foi o que se pode chamar de “salvação da lavoura”, numa época de vacas magérrimas, em que todos os setores econômicos foram e estão sendo afetados por grave crise, com severa retração de vendas.

Para que o leitor tenha uma idéia do que essa preferência (para mim, outro dos tantos modismos que volta e meia aparecem e logo declinam e somem) representa, informo que, apenas nos seis primeiros meses do ano, os tais livros para colorir para adultos já haviam gerado faturamento da considerável cifra de R$ 25 milhões!!! Nada mau para as editoras, não é mesmo? Não tenho os números finais e definitivos do ano, até porque ele ainda não acabou. Todavia estimo, com base em pesquisas informais que fiz, que as vendas,  no mínimo, na pior das hipóteses, tendem a fechar 2015 no dobro das cifras registradas em junho. A probabilidade, porém, é que sejam bem maiores, considerando-se as épocas em que as pessoas mais presenteiam amigos e entes queridos (como o Dia dos Pais e o Natal). Não me surpreenderei, portanto, se tiverem ultrapassado os R$ 100 milhões, se não mais.

Para o leitor ter uma idéia da “temperatura” a que chegou esta “febre”, basta citar que os dois best-sellers de 2015, em todas as relações dos mais vendidos no período, foram justamente dois livros para colorir para adultos: “Jardim secreto” e “Jardim encantado”, ambos da ilustradora escocesa Johanna Basford, publicados, um e outro, pela Sextante. Se foram absoluto (e surpreendente) êxito comercial (e não somente para essa editora, mas para todas que investiram no produto), considero (e tenho certeza de que serei contestado) o fato como mega fracasso literário. As opiniões das pessoas envolvidas com Literatura variam a propósito (afinal, como diz o surrado clichê, “em cada cabeça há uma sentença”). Para uns, é um fenômeno passageiro e, até certo ponto, positivo, dado o caráter dessas obras, principalmente pelo seu papel anti-estressante e interativo. Poderia ser encarado, portanto, como uma “terapia” de baixo custo. Para outros, no entanto (entre os quais me incluo), trata-se de ostensivo sintoma de infantilização do mundo atual (e particularmente do Brasil). Ou não?!!

Essa explosão de vendas, admito, pode até ter muitos outros aspectos positivos, do ponto de vista exclusivamente econômico. Afinal, movimentou outras indústrias, como a de lápis de cor, por exemplo, além de gráficas, ilustradores, editores etc. Isso, convenhamos, é benéfico. Gera empregos e renda. Sobretudo em época de retração econômica, de recessão (para muitos, de depressão) como esta que encaramos. Mas que não classifiquem esses livros para colorir para adultos como Literatura. Não são!!! Não têm nada a ver com essa fascinante, mas tão frustrante, atividade intelectual. Cauê Muraro observou, em matéria que publicou em 23 de junho de 2015 no portal G1, intitulada “Livros para colorir: entenda o fenômeno em 10 cifras impressionantes”, que “’todo ano tem algo assim’, afirma Cassia Carrenho, gerente-geral do PublishNews, portal que analisa o mercado. Dois exemplos de ondas anteriores: livros eróticos, como ‘Cinquenta tons de cinza’, e os religiosos. ‘O mercado editorial não lança moda, ele só segue a moda. Uma tendência em todas as áreas, não é só no editorial, de voltar um pouco às raízes, o 'handmade’, continua Cassia”.

E Muraro prossegue, em sua matéria: “Outra facilidade óbvia para trazer sucessos internacionais de colorir ao Brasil: eles não precisam ser traduzidos. Além disso, é comum que o ‘leitor’, depois de concluir a pintura, compre uma segunda obra. E eventualmente uma terceira, uma quarta... As próximas tendências do setor devem ser livros para colorir de nicho, temáticos. A nova leva terá títulos sobre gatos e bichos em geral, além de clássicos para colorir (tipo ‘O pequeno príncipe’) e uma série sobre ‘cidades do mundo'”. Eu não veria mal algum nesse “modismo” caso ele não afetasse a venda de livros, digamos, autênticos, de textos, destes em que os autores superam o maior desafio que todo bom escritor gosta de encarar: o de “fazer pensar os que podem”, como observou há mais de cem anos o pintor francês Eugene Delacroix. Todavia... afeta. Será que esses livros para colorir para adultos induzem pessoas à meditação? Caso induzam, não são de todo maus. Mas... tenho lá minhas sérias (e bem fundamentadas) dúvidas. Enfim... cada um gasta seu dinheiro como e no que quer, não é mesmo?

Boa leitura.


O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk            
Ando exausta de tanta solidão!


* Por Mara Narciso


A generalização é tão burra quanto a unanimidade. Hoje consideradas carrancudas, até recentemente as pessoas eram fotografadas sérias. Agora, nesta época de festas de fim de ano, em que a felicidade demonstrada nas centenas de fotos de famílias em êxtase, com vinte ou mais pessoas esfuziantes de alegria, contestar sua autenticidade é ficar fora dos parâmetros e ser apedrejado. Quem posta tais fotos no Facebook acredita que o público crê na veracidade da cena.

Felicidade por decreto. Isso tem tempo. No Dia do Fico, em 1822, disse Dom Pedro I: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Diga ao povo que fico”. Estava, pois, decretado que é preciso ser feliz, ainda que seja num sorriso tipo exportação.

Tradicionalmente, o Natal é a festa da família, ocasião em que se deve apaziguar os ânimos, virar a página, zerar os acontecimentos, praticar o perdão, largar as diferenças, abandonar a mesquinharia, deixar pra lá as desavenças, especialmente as financeiras. Brigas por causa de dinheiro? Na minha família, não. Irmãos que não podem se sentar à mesma mesa? Só se for na sua casa. Calúnia, injúria e difamação? Apenas na página policial do jornalismo marrom, nos programas escandalosos da TV, ou nos vídeos acéfalos da internet. Sobrinhos que não se toleram ou infidelidade conjugal no grupo? Nem em sonho!

Irmãos que não brigam por causa de dinheiro, só numa hipótese: não há nada a ser dividido. Nem mesmo o funeral dos pais. A presença dos velhos mantém frágil equilíbrio e a turma se suporta numa falsa harmonia. Morreu um dos dois, já começa a guerra. Poderá haver um cunhado (ainda bem que cunhado não é parente), para não aceitar o acordo. Já dizia Paulinho da Viola: “dinheiro na mão é vendaval [...] cada um trata de si/ irmão desconhece irmão”.

A intenção é boa. Todo mundo quer impregnar a si e aos outros, borrifando amor. E geralmente impregna, pois, pelo menos por um tempo, boas vibrações circulam. Um ou outro, fingindo contestar, diz coisas amargas, raivosas, contra a simbologia do Natal. Cede a um ou outro detalhe, mas o que quer mesmo é derrubar mitos. Não consegue.

Poucos lamentam se a alegria é fugaz e dura o tempo da foto ou do efeito alcoólico. E qual é a desta conversa estraga prazeres? Contestar a imagem radiante, quando se está empanturrado de felicidade, é coisa de recalcado. A obrigatoriedade de ser feliz é tão forte, que quem não consegue seguir o script está fora do contexto, um despeitado, que deveria visitar um psicanalista.

Diante de pessoas unidas, lindas e amadas, que se ocupam do bem estar umas das outras, não há espaço para tristeza, insatisfação, doença ou solidão “Todo mundo tá feliz/ Tá feliz/ Todo mundo quer dançar/Quer dançar/ Todo mundo pede bis/ todo mundo pede bis/ Quando para de tocar”, Xuxa cantava em “Tindolelê”. A família, aquele lugar onde é fácil ser feliz, deixa os infelizes deslocados, sentindo-se fora da propaganda de margarina. Poucos suportam gente lamurienta, mal-amada, não-realizada. Os tempos atuais determinam, e quem não atende ao efeito manada tem de se esconder.

A família feliz e linda está à beira da mesa farta, é hora da oração, afinal Jesus nasceu. Poucos se lembram dos desassistidos, enfermos e deprimidos. Há muitos que estão sós em suas casas e nas ruas. Culpa deles, que não souberam fazer as escolhas certas. Quem tocar no assunto é um frustrado demagogo.

As festas de fim de ano com suas diversas interpretações têm público cativo para cada tendência. A maioria quer festejar, comer, beber e presentear. Quem não se adequar a isso e mostrar insatisfação com os exageros precisa se enquadrar ou se calar. E que a carapuça não se assente em nenhuma cabeça feliz. Deixe estar. Por outro lado, não há vergonha em se sentir exausto de tanta solidão. Ainda que em meio a uma multidão sorridente.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



Ah, o maravilhoso Verão!

* Por Urda Alice Klueger


Eu nasci no verão, numa madrugada de carnaval, e a minha mãe me contou que, quando estava indo para a maternidade, a música que ouviu foi “Sassaricando”.

Dá para aquilatar o astral do meu nascimento; estou sassaricando até hoje, e sempre tenho a impressão de que o fato de ter nascido no verão e no carnaval foi que fez de mim uma pessoa que curte o verão mais que as outras.

Daí, hoje, perguntei ao meu amigo Júnior se ele tinha uma sugestão para a minha crônica, e ele me deu a felicidade de sugerir que eu escrevesse sobre o verão. Pôxa, como não tinha pensado nisso antes? O verão é o tempo mais maravilhoso do ano, dá para escrever trocentas crônicas sobre ele, e fico aqui, agora, pensando, o que mais agradaria ao leitor.

Podemos falar dos adoráveis incômodos do verão: os carros cheios nas sextas-feiras à noite, os congestionamentos a caminho da praia, a água que está faltando quando se chega lá, as queimaduras de sábado, que impedem o Sol de domingo, todas essas adoráveis coisas que seriam horríveis em outra estação, mas que dão um charme todo especial ao verão.

Podemos falar, também, das delícias e da suavidade das ondas nos dias de sol, do encanto das noites quentes, da lindíssima cor bronzeada que a população exibe em Fevereiro, das batidinhas de morango, do reagge ouvido no carro horas de congestionamento – tudo, tudo há para se falar quando é verão, mas acho que é melhor contar uma histórinha.

Desde menina que freqüentava a Praia de Armação do Itapocoroy (Penha/SC) e conhecia todos os seus segredos. Um deles é um costão lindíssimo que liga o canto da Praia de Armação à Praia de Paciência, que atravessei a pé pela primeira vez lá pelos 14 anos, e que nunca mais deixei de atravessar. Leva-se bem umas duas horas para se fazer o trajeto, subindo e descendo pedras de todos os tamanhos, mas a natureza, lá, é tão majestosa, que vale a pena qualquer sacrifício para atravessar-se aquele pedaço de mundo ainda desconhecido dos turistas. Fiz a travessia muitas vezes, em todos os verões da minha juventude, e fui fazê-lo de novo, já perto dos 40 anos.


Foi num Ano Novo, creio que na entrada de 1990. Fomos acampar em Armação, e na manhã de Primeiro de Janeiro, resolvemos inaugurar o ano fazendo aquela travessia pelo costão.

Minha turma ia muito animada, e já tínhamos vencido mais ou menos a metade do caminho, quando aconteceu o inesperado: depois de mais de 20 anos de prática naquelas pedras, eu escorreguei e cai de cara no costão. Dizer que me machuquei é pouco: fiquei foi lanhada pelo corpo todo, e corte de pedra sangra que é uma barbaridade. Que fazer? Voltar ou ir para a frente dava na mesma, estávamos na metade do caminho, e não havia, por ali, nada nem ninguém que nos pudesse acudir, além de minha irmã e meus amigos, que não podiam fazer nada. Decidi ser forte, e, brincando, pedi-lhes:
- Quem se perder, siga o rastro de sangue, que vai achar o resto da turma!

Capengando, sangrando no rosto, no corpo, na perna, continuei fazendo a farra, quando aconteceu o inesperado: lá em cima, um passarinho que parecia uma galinha resolveu se aliviar e, para usar uma palavra polida, deu-me um banho de cocô, abundante cocô líquido que me atingiu nos cabelos, nos óculos, no rosto, no corpo todo. Não tinha chorado ao cair, mas ai me deu vontade de chorar, só não adiantava fazê-lo. A solução foi entrar no mar e tomar um banho, o que até ajudou a diminuir os muitos sangramentos que as pedras tinham feito dois ou três minutos antes. Dentro do mar, via minha turma morrendo de dar risada, e acabei rindo junto. Que forma de começar um ano! Como seria ele?

Na verdade, aquele ano foi muito bom, E, como esses incidentes aconteceram no verão, ficaram com um gosto bom de verão. Os cortes sararam em uma semana, mas a história ficou para ser contada muitas e muitas vezes. Não é qualquer um que, no verão, consegue cair num costão e tomar um banho de cocô de passarinho quase ao mesmo tempo. Tem-se que ter-se nascido no verão, ao som da música “Sassaricando”.

Que pena que o verão não seja o ano todo! Já estou com saudades antecipadas dele!

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).


Antes


* Por Núbia Araujo0 Nonato do Amaral


Encarapitada no portão
a menina vê.
Olha curiosa o velho que
antes de sumir na esquina
devota um beijo ao vento
enquanto a senhorinha
o recolhe na curva do
coração.
Vê o padeiro e seu séquito
de abelhas.
O vendedor de sonhos que
não grita aos quatro ventos,
mas entoa uma canção
antiga de sua terra natal.
De repente a menina pula
e corre a chamar o avô
antes que o tempo escoe
e não sobre mais nada.

 * Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário