quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 8 anos, oito meses e trinta dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – A essência da vida.

Coluna De Corpo e Alma – Mara Narciso, crônica “A vaidade nossa de todos os dias”.

Coluna Da terra do sol – Marco Albertim, conto “Coito e morte”

Coluna Em verso e prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema, “Beleza”.

Coluna Porta Aberta – Elaine Tavares, crônica, “O tempo não para”.

Coluna Porta Aberta – Wanderlino Arruda, crônica, “Balanço de fim de ano”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com 
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.



  
A essência da vida

O novo ano está às portas pedindo passagem. Cada segundo que passa o torna mais próximo. Aliás, em muitas partes do mundo – em países da Ásia e da Oceania – já chegou. Seus habitantes já fazem o que a maioria de nós fará por aqui, em mais dez horas – redijo estas reflexões às 14 horas de 31 de dezembro de 2014. Ou seja, abraçam-se, soltam fogos, abrem champanhes, fazem juras e resoluções, a maioria das quais (quando não a totalidade) cairá no esquecimento, se não amanhã, pelo menos na próxima segunda-feira, quando a vida retomar seu ritmo normal. Enfim, tudo o que se faz, em todos os anos, nesta mesma época, se repetirá e está se repetindo onde já é ano novo. É certo que, por razões várias, conforme a realidade de cada um, nem todos estão comemorando, ou vão comemorar a passagem de 2014 para 2015. Suspeito que a maioria esteja nesse caso, enfrentando dramas pessoais ou familiares terríveis.

Há gente nascendo, gente morrendo, gente delinqüindo, gente amando, gente passando fome, gente chorando em desespero etc.etc.etc. por este mundão de Deus afora. Isso sempre foi e sempre será assim. É a realidade da vida que, os que podem, buscam esquecer, pelo menos em ocasiões como esta. Os que conseguem (e me incluo entre estes nos meus quase 72 anos de vida) são privilegiados, posto que raramente reconheçam esse privilégio. Na real, abstraindo fantasias e esperanças, este momento trata-se de mera mudança de números em uma folhinha e nada mais. Todavia, as pessoas (e eu também, claro) agem como se fosse o início de uma nova era, que fantasiam como próspera e radiosa. Todos os dias, e não apenas 1º de janeiro, são ou podem ser recomeços ou continuidades. Ou ambos. Embora muitas vezes nos pareçam “iguais”, os dias (nenhum deles)  nunca são. Nós é que não notamos as diferenças, a não ser quando atropelados por perdas e tragédias. Quase que mecanicamente, tendemos a considerar que o período recém-findo nos trouxe só amarguras e dissabores. Esquecemos, pois, das alegrias e bênçãos que tivemos.

Passamos a fazer planos muito vagos, não raro mirabolantes, para futuro próximo, acompanhados de resoluções que, insisto, raros cumprirão. Muitos dirão, ou pelo menos pensarão: “2014 já vai tarde!” Insensatos! Esquecem-se que nossa morte está em algum lugar do futuro? No fundo, no fundo, todos sabem, ou pelo menos intuem essa verdade. O que querem é se iludir, como se essa ilusão lhes desse forças para continuar vivendo. Em escassas dez horas – nas quais tantas coisas boas e/ou ruins ainda podem acontecer – pelo menos para nós que estamos regidos pela hora oficial de Brasília – entraremos, de vez, em novo ano. Aliás, na realidade, 2014 vai acabar só uma hora depois dos relógios marcarem meia-noite. Estamos em pleno horário de verão. Mas o que importa? Alguns farão essa observação, em meio às vaias dos que os cercarem. Assim que os primeiros fogos riscarem o céu, vão chover abraços e votos (a maioria feita à base de clichês surrados, repetidos ano após ano, num atentado à memória alheia) de felicidades, saúde e prosperidade, feitos só "da boca para fora".  São palavras mecânicas, formais, mera convenção social, mas de "bom tom" que sejam ditas. É uma farsa que se repete, geração após geração, com raras variações.


O jornalista, escritor e médico Wilson Luiz Sanvito escreveu, em um de seus tantos artigos publicados no “Jornal da Tarde”, de São Paulo, que “após uma longa vida, o homem é um pouco uma fusão de todas as pessoas que conheceu, todos os livros que leu, todos os crepúsculos que admirou, todas as obras de arte que apreciou, todas as músicas que ouviu”. Por esse critério, 2014 serviu-me como ano de enriquecimento, de acréscimo ao patrimônio intelectual e, sobretudo, sentimental. Novas e estimulantes amizades foram incorporadas às antigas, o que muito me envaidece e orgulha. E para minha alegria, nenhuma das que eu já tinha antes se perdeu.

Mas na próxima segunda-feira (isto se não for já amanhã ou depois), as solenes resoluções da véspera serão prontamente esquecidas. A vida seguirá seu curso, até o próximo final do ano. Para quem gosta de futebol (e este é o meu caso), já poderá, por exemplo, a partir de sábado, acompanhar a primeira competição de 2015: a Copa São Paulo de Futebol Junior. Estudos, trabalho, namoro, casamentos, separações, planos, sucessos, fracassos, encontros e desencontros, nascimentos e mortes... Tudo se sucederá de novo, meio que aleatoriamente. E continuaremos, como sempre, buscando a felicidade alhures, mesmo que ela esteja o tempo todo conosco, bem debaixo do nosso nariz sem que a notemos. Concluo que a esperança ainda é o grande alimento das nossas ilusões. E que estas se constituem, admitamos ou não, na verdadeira essência da vida...

Boa leitura.


O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
A vaidade nossa de todos os dias


* Por Mara Narciso
          

Existem diversas inteligências e também várias vaidades. A aparência física é a que se pensa primeiro. Sabe-se que as pessoas maravilhosas costumam ser senhoras de si. Metidas, inacessíveis e, não raramente, insuportáveis. Algumas são arrogantes e intratáveis, e pelo fato de, sem fazer esforço algum serem do grupo dos belos, sentem que podem tudo, e são superiores aos demais. Entende-se o motivo, pois desde cedo são paparicadas e tratadas como queridinhas. É uma vantagem incontestável que abre todas as portas e muitas outras.

As bonitinhas procuram melhorar, sendo simpáticas, agradáveis, se portando e se vestindo de determinada maneira para valorizar os dotes pouco evidentes. No vestir, destaca-se em primeiro lugar o caro, o de bom gosto e o que está na moda. Já se disse à exaustão que a melhor marca de veículo é carro novo, assim como, diz a voz das ruas, o homem prefere mulher nova. Piada verdadeira: quando um homem puxa a cadeira, ou abre a porta do carro para uma mulher, o amor ou o carro são novos.

Há pessoas tão limpas que em todas as situações parecem acabadas de sair do banho, frescas, vestidas com roupa nova, cabelos recém-lavados, mesmo sem corresponder à realidade. Podem se vangloriar, ou se sentirem vaidosas por essa aparência, pois há outras que inspiram o oposto. Parecem suadas e sujas, ainda que não estejam. Existe a vergonha de ser flagrado numa situação de não limpo, ainda que pego de surpresa. Outros procuram estar bem vestidos, como se esperassem visitas o tempo todo, como personagem de novela.

O carro é um forte argumento de vaidade e sedução, embora, com a sua popularização tenha se esvaziado essa habilidade não convencional, exceto quanto custa uma fortuna. Ainda assim, na entrada de uma festa, pelo menos em cidades médias do interior, costumam-se medir quem chega pelo tipo de carro do qual desce. Há quem repare o padrão da roupa, sapatos e cabelos, acontecendo em geral uma avaliação coberta de preconceitos, gerando desconforto para quem é observado. Em geral, essas análises nivelam por baixo, e até os aparentemente ricos podem ser considerados oportunistas ou herdeiros, sem méritos próprios. As línguas do despeito mostram a face mais mesquinha dos humanos que fingem viver bem em sociedade. Depois tem os beijos e os comentários das fotos nas redes sociais. Hipocrisia mastodôntica.

Numa festa, um grupo que esteja numa mesa, hoje visível mundialmente, considerando-se a exposição na internet, fica-se sabendo quem tem prestígio, quem é amigo de quem, quem é casado ou namorado de quem. A rotatividade tem desnorteado até os fotógrafos mais constantes. Sem mencionar celebridades, poderosos e paparazzi.

A profissão já teve mais destaque. A casa em que se habitam e os amigos que a frequentam passam por análises. Como estilos ricos podem ser forjados com prestações incontáveis de casa e de carros, a vaidade de quem sobrevive de aparência pode sofrer oscilações. Em se tratando de casa cara, a vaidade começa pela escolha do arquiteto e decorador da moda. Pode ser alguém consagrado, ou um novato que ganhou a sorte grande trabalhando para uma personalidade. Quando entra o fator inveja, um sentimento que se amarra à vaidade, começam as tentativas de cópia.

Mas não apenas bens materiais ou status possíveis de verificação é motivo de vaidade. Há quem se sinta íntimo de Deus e se ache melhor do que aquele que não esteja tão perto Dele. Mesmo quem garanta não ter vaidade e viver de forma despojada, consumindo apenas o básico, com uma lupa, ou às vezes até sem ela, pode-se ver que a pessoa tem orgulho por ser determinada coisa, seja física (bonitos olhos, belas pernas, barriga de tanquinho, juventude, cabelo liso, ter nascido em tal lugar), ter ido onde ninguém foi, ter feito algo incomum, ou ter um saber superior à média são descortinados. Os títulos de graduação entre militares, ou aqueles de mestres e doutores que substituíram os títulos de nobreza, também garantem uma crescente vaidade. Existe quem não tenha esse sentimento daninho?

Entre crianças: meu pai é alto, tem um carro maior, minha mãe tem belos cabelos, a sua mãe é gorda, sua merenda é ruim, a marca do meu isso ou aquilo é mais cara e melhor do que a sua. Sem falar no bullying de aparência, capacidade e outros comportamentos criticados em grupo, que minam a confiança da vítima.

Como os bens materiais são produzidos de forma inesgotável, assim como o conhecimento humano de coisas inúteis não param de se ampliar, a corrida pela vaidade é infindável, embora os recursos naturais do planeta estejam com seus dias contados. A sociedade civilizada corre na direção do comprar, e quem não corre é tido como excêntrico. A pretensa busca da felicidade é o motor do consumo de bens e serviços. A vaidade é seu combustível.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



Coito e morte*


** Por Marco Albertim

Na noite dos Reis, Maria Dulce saiu com a irmã para visitar os presépios. Saiu com a recomendação da mãe, de que trouxesse a descrição precisa de cada lapinha. Na  rua do Curtume, um reisado se anunciou ruidoso; era um reisado pobre, e as roupas conferiam pompa aos atores. O rei, com o culote até os joelhos, foi atraído pelo cetim lustroso do vestido da moça recém-chegada. O negro a conhecera no cabaré de Joaquina. Não a chamara para o quarto porque ela estava em companhia de moço endinheirado. Agora, com franjas no culote, blusa comprida de cetim, coroa e cetro, quis homenageá-la. Entregou-lhe o cetro. Puxou-a para o meio. Ela riu, desinteressada, grata. O Mateus fez um volteio entre os dois.

O cetim de Maria Dulce combinou com a função. Juntaram-se na homenagem o mestre, o contramestre, o Mateus e a Catirina. Os meninos, segurando candeias a querosene, fizeram a reverência. O mestre, com um apito, ordenou que seguissem para a visitação aos presépios.

Entraram em casas, recolheram dinheiro. Na última, com Maria Dulce segurando o cetro, deu-se na rua da Baixinha. O mestre apitou. O brilho convidou-os. Na sala, o rei e o cortejo atiraram os lenços nos ombros dos donos. O dinheiro veio dentro.

O amante de Maria Dulce surgiu do corredor. Atrás dele, a esposa, uma velha que já parira muito. Reconheceu Maria Dulce; não estava em sua casa, fora convidada para a cerimônia. Sentiu-se mal. Soprou no ouvido da dona da casa, a inconveniência de acolher gente de conduta sem boa-fé. O mestre, avisado pelo dono da casa, retirou-se com o cortejo.

O rei deu-se conta do desarranjo de Maria Dulce. Ordenou que começassem a dança da Alma, do Diabo e de Miguel. Fez-se a roda. O povo em redor. Maria Dulce foi coberta com um lençol branco, deram-lhe um rosário, instruíram-na a gemer; seria a Alma. O Diabo, de vermelho, com rabo e garras afiadas, persegue-a, puxa-a pelo braço; queria-a refém, levá-la às profundas.

Da janela da casa, a mulher do amante de Maria Dulce assistia, aprovando a escolha da meretriz como alma a pagar uma pena.

São Miguel, com asas brancas e uma espada na mão, interpõe-se. Trava-se a luta entre ele e o Diabo. O Diabo é vencido. Há um estouro de pólvora no meio da rua. O Diabo some de cena. Há alívio entre o povo.

A esposa do amante de Maria Dulce some no corredor da casa.

Maria Dulce devolve a roupa à moça que faria a função, e agradece.

Em casa, contou à mãe sobre o brilho de cada presépio. Fez do auto do reisado um conto de desfeita. A velha conhecera o negro de outras aparições como rei. Elogiou-o. Disse que a ele estava reservada a função de livrar a filha da injúria.

Maria Dulce e a irmã comeram goiabada antes de se deitarem, comeram sem medir os bocados numa das mesas dos fundos da casa.
- E agora, Dulce, o que você vai dizer ao homem? - a irmã, que nunca fora cozida por homens, quis saber.
- Nada. Ele viu tudo.
- Mas você entrou  na casa da amiga da mulher dele...
- Entrei como rainha, tinha todo o direito.
- E não foi para o inferno...
- Ninguém pode me mandar para o inferno. Porque todos nós já estamos inferno. Até a velha que queria me ver queimando na rua.

Na hospedaria...

Com o amante na cama, convenceu-o de que tinha a porção divinatória para dar-lhe o viço de macho. Ele sentira fastio, e agora nojo pela mulher que  parira seus filhos. Provera Maria Dulce de doces, mas se deixara subjugar pela esposa. Agora tinha a desforra na cama.
- Eu lhe dou todo o doce do mundo - rendeu-se.
- Eu só queria doce quando me fazia mal nos intestinos - confessou  ela.
- Vou lhe dar uma fábrica de doces para você não esquecer que foi com uma barra de doce que começou sua vida.
- Não precisa. Uma fábrica de doces não vai adoçar minha vida.

Com trinta e três anos, já tendo comido bacalhau  nos dois últimos natais, sentiu-se amputada quando Fabrício, o amante, prostrou-se no chão depois de coitá-la. O homem suara. Não teve tempo de gritar o gozo, caiu fora da cama. Ela chamou-o três vezes., segurou-o no pulso. Tinha o corpo quente, ele, e os olhos revirados.

*Do conto, Deus há de prover

**Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem três livros de contos e um romance.



Beleza


* Por Núbia Araújo Nonato do Amaral


Não possuo a beleza
etérea de uma ninfa
e se ouso transgredir
formas estabelecidas,
não me condenem
a pena máxima.
Sou muito mais alma
do que carne.

 * Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário


O tempo não para


* Por Elaine Tavares


E eis que vem um ano novo, embora nada de novo venha... Nos tempos antigos, os povos celebravam a cada estação. Havia o tempo de plantar, de colher, de descansar e de amar. Em cada equinócio e solstício se dançava e festejava, cantando com os deuses, sempre muitos...

Então vieram outras crenças, outros modos de vida, veio a dominação da igreja, um deus único, as festas piedosas... As gentes esqueceram da alegria, a simples e doida alegria de se estar vivo.

Neste primeiro de ano eu desejo que todos possam recuperar essa antiga tradição, de se celebrar em cada momento da vida, de se cantar aos deuses, aos tantos deuses que por aí circulam no coração das gentes. Essas nossas divindades inventadas pelo nosso medo e pela angústia de se saber mortal...

No calendário romano é o deus Jano que abre a fieira de deuses, o deus com duas faces, o guardião dos portões. O deus que é sombra e luz, verdade e mentira, amor e ódio, início e fim, um deus dialético, mesclado de tudo o que é humano.

Aqui na nossa Abya Yala celebra-se com Inti, o deus sol, e com outros tantos das mais variadas culturas. Os que não precisam de deuses também celebram o recomeço de um novo ciclo. Tudo é motivo para  festa e também, como nos tempos antigos, ainda se baila nos equinócios e solstícios. É só uma celebração, uma orgiástica celebração desta vida que temos, para a qual somos chamados a plantar, colher, descansar e amar. Agora é verão, puro verão, tempo de amar...

Vem o novo ano, mas o tempo não para...Em 2015 nada vai mudar se não nos pusermos a caminho, porque a estrada se faz assim, ao andar... Então, eu os convido ao borbulhar da champanhe, ao doce da cana, ao perfume do vinho ou ao simples gosto da água pura. Eu os conclamo para o ritualístico momento do primeiro momento dos restos de nossas vidas, neste primeiro de janeiro e em cada amanhecer de todos os dias.

Que venham as dádivas, os terrores, os risos e as lágrimas. Nós enfrentaremos com riso, prazer e luta.!!


* Jornalista de Florianópolis/SC
Balanço de fim de ano*


** Por Wanderlino Arruda


Nem só de contabilidade vive o homem. Não só de pão, não só de contas, de cálculos atravessamos os trezentos e sessenta e cinco dias do calendário. Nem poderia ser porque muito do que fazemos, do que tentamos fazer, do que alegramos e do que sofremos, não é passível de transformação em algarismos, em percentuais com pontos e vírgulas.

Os sentimentos, por exemplo, jamais serão medidos, pois qual é a dimensão do amor, da desilusão, da amizade, da tristeza? Dor e prazer têm tamanhos? Quanto aprendi, quanto deixei de aprender? Quanto ensinei? Eu poderia ter sido mais alegre, poderia ter evitado que tanto de sofrimento, de sacrifícios? Poderia ter feito as pessoas mais felizes, mais confiantes em si mesmas? Só perguntas, um mundo de interrogações, nenhuma resposta mensurável. Assim é a vida. Um mundão sem porteiras como tem dito o chamado filósofo de Brejo do Mutambal, tão citado pelos irmãos J e J.

Mas vamos a 1985 que estamos acabando de viver, de retirar dele todas as venturas e desventuras, toda uma vivência brasileira de aprendizagem política e social como há muito tempo não tínhamos em nossa história pátria. Examinemos todos os planos, do maior que Tancredo Neves começou a movimentar com suas viagens a vários países, com as entrevistas inteligentes recheados de conhecimento técnico, de cultura humanística, de visão do viver e do conviver, e dos planos menores, aqui pela velha Minas Gerais, até os acontecimentos desta sofrida e nunca esquecida terrinha de Gonçalves Figueira. Ficou melhor ou ficou pior? Mudou ou não mudou alguma coisa além do horário de verão? Há diferenças entre a velha e a nova República? Mudou o Natal ou mudamos nós, como diria o velho Machado de Assis? Só estou perguntando, a resposta é sua, minha senhora!

Façamos um exame dos acontecimentos e verifiquemos se o nosso conceito nacional melhorou diante dos outros povos do mundo. Estamos ocupando mais espaço na imprensa estrangeira com assuntos sérios e interessantes? Nossos diplomatas e negociadores de dívidas estão mais ouvidos e respeitados? As conferências do nosso Dom Helder Câmara continuam sendo aplaudidas? Será que o Jorge Amado será mesmo prêmio Nobel da Literatura? Em que pé fica nosso reatamento diplomático com o governo de Fidel Castro? Vamos ou não vamos abastecer o mercado chinês com mais de um bilhão de consumidores? Os Estados Unidos continuam sendo invadidos pela nossa indústria de aço e de sapatos? E como vai nossa (in) suficiência de petróleo, se é dele que a cidade de Nova Iorque se ilumina? No plano estadual, quantas viagens fez o nosso governador Hélio Garcia, quantos secretários demitiu, quantos secretários botou para dentro? E em Montes Claros, será que passamos em mais um teste?

Desculpe-me, minha senhora, se só estou fazendo interrogações. Foram tantos os acontecimentos deste nosso ano que acaba, que seria impossível aqui enumerá-los. O que é preciso responder fica na cabeça de cada um, uma vez que tudo depende de como estamos recebendo os impactos, os resultados, as atitudes, de como nosso comportamento fica mudado a cada hora e a cada dia. O que vale é o nosso conteúdo íntimo de felicidade, de fé, de esperanças. Nosso relacionamento com as pessoas melhorou? Estamos sendo mais fraternos? Se isso aconteceu, tudo bem, agradeçamos a Deus o ano de 1986! E vamos enfrentar o ano novo.

*CRÔNICA ESCRITA EM 1985

** Escritor, advogado, político e professor     

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 8 anos, oito meses e vinte e nove dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Recepcionando 2015.

Coluna À flor da pele – Evelyne Furtado, crônica, “O amor no bolso da alma”.

Coluna Observações e Reminiscências – José Calvino de Andrade Lima, poema, “Quem é o pai desse menino?.

Coluna Do real ao Surreal – Eduardo Oliveira Freire, conto, “Certa manhã”.

Coluna Porta Aberta – Adélia Prado, poema, “Sedução”.

Coluna Porta Aberta – Samuel C. da Costa, poema, “Lua mística (anoiteceu em mim)”.


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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


  
Recepcionando 2015



O ano de 2014, que em nossa mente parece recém-começado, está prestes a se ir de vez, sob o espocar de fogos (costume dos mais estúpidos e chatos), estouros de champanhas, abraços, beijos, votos de felicidade para o nascente 2015 e muitas esperanças das pessoas (de algumas), de que as coisas vão melhorar. Uns dirão: "Já vai tarde". Outros, mesmo 2014 não tendo acabado, já sentem saudades das coisas boas que lhes aconteceram. Outros, ainda, estarão tão bêbados na entrada do novo ano que não pensarão em nada. Ou, quem sabe, em meio ao torpor produzido pelos vapores etílicos, vão elucubrar se devem ou não tomar mais um copo. É a ronda inexorável e inflexível do tempo, que encerra mais um capítulo em nossas biografias, que não poderá mais ser retificado e muito menos refeito, de um número que não sabemos quantos serão.

Com a entrada do novo ano, nos aproximamos de outro evento esportivo, a exemplo da Copa do Mundo de futebol deste ano, que foi enorme sucesso fora de campo (e contundente vexame nos gramados, com a humilhante goleada que a Alemanha aplicou à Seleção Brasileira). Claro, refiro-me àqueles fatídicos 7 a 1 do Mineirão. A nova oportunidade de recepcionar atletas e torcedores de várias partes do mundo será a disputa das Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016. Espera-se que o País brilhe não apenas no que diz respeito à organização e ao legado que o evento possa deixar, mas também no terreno esportivo. A probabilidade, porém... não é nada animadora.

Lembro-me que, quando criança, o ano 2000 parecia ser um período remotíssimo, algo tão distante que não chegaria nunca e que a maioria achava que jamais testemunharia. Muitos não testemunharam mesmo. No entanto... já se passaram catorze anos, e entraremos no décimo-quinto, de um novo século (o XXI) e de outro milênio, o terceiro da Era Cristã e nada de tão especial aconteceu. Inúmeras fantasias, que nos meus tempos de menino – e de adolescente também, por que não? – eram divulgadas em relação a essa data, em um estéril e inútil exercício de futurologia, provaram-se ser o que sempre foram: fantasias, tolices, bobagens.

As previsões eram tão absurdas, que raiavam ao delírio. E o pior é que milhões e milhões de pessoas mundo afora acreditavam sem vacilar nelas e as difundiam, não sem alguns acréscimos próprios, pessoais.   Falava-se – pensando no aspecto otimista – que as viagens interplanetárias seriam rotina, por exemplo. Não são! Que as máquinas governariam o mundo e fariam todo o trabalho do homem e que este poderia gastar todo o tempo que tivesse apenas para o prazer e para as artes. Nada disso aconteceu! E diziam-se (e escreviam-se) outras tantas bobagens do tipo, como a construção de imensas cidades nos oceanos, a comunicação interpessoal por via telepática e vários e vários outros disparates do gênero.

Os pessimistas também não se faziam de rogados. Para eles, a humanidade jamais chegaria ao ano 2000, que seria o limite do "fim do mundo". A rigor, essa hecatombe ainda pode acontecer, independente de data, pelos mais diversos meios. Sempre pôde, dada a fragilidade deste pequeno planeta azul. Basta lembrar o que “teria” acontecido com os dinossauros há 65 milhões de anos, muito antes do surgimento do homem. Se aconteceu de fato, ou não, fica por conta da imaginação de cada um. No entanto... Pouca coisa mudou em relação aos anos 40 ou 50, por exemplo. Ou à primeira década do ano 2000, que veio, passou e nenhuma das previsões feitas em torno dele, boas ou más, se concretizou.

A Terra ficou mais povoada e poluída, é verdade. Agora, somos mais de 7,2 bilhões de tripulantes nesta cada vez mais apertada e suja nave cósmica. Algumas engenhocas tecnológicas tornaram a vida de alguns mais fácil, mas complicaram as de muitos outros, suprimindo-lhes empregos. As mazelas políticas, econômicas e sociais continuam as mesmíssimas, assim como as guerras, a criminalidade, o tráfico e consumo de drogas, o fanatismo religioso ou ideológico etc. Tudo isso aumentou apenas em quantidade. Pudera! A população do Planeta mais que dobrou em escassas quatro décadas.

Muitos podem achar que esta não seja reflexão oportuna, ou apropriada, para véspera de virada de ano. Essa é ocasião em que as pessoas planejam o futuro, embriagadas de esperança, achando que nada pode dar errado em suas vidas e no mundo. Mas esse planejamento é necessário? É útil para alguma coisa? É, pelo menos, viável ou possível? Não sabemos sequer se iremos sobreviver a esta noite! Além disso, é a imprevisibilidade que torna a vida esta aventura fascinante que de fato é.

Santo Agostinho deixou registrada uma reflexão muito sensata, e exata, sobre o tempo, esta sim oportuníssima para esta ocasião. Escreveu: "Se nada passasse, não haveria passado, se nada adviesse, não haveria futuro e, se não fosse, não haveria presente. Nem o passado nem o futuro existem de fato. Daí ser impróprio se falar em três tempos. A rigor o correto seria falar no presente do passado, no presente do presente e no presente do futuro. Os três modos estão em nosso espírito. O presente das coisas passadas é a memória, o presente das coisas presentes é a visão direta, o presente das coisas futuras é a espera". E não é? Já fiz essa mesma citação em outro texto alusivo à passagem de ano, mas ela continua oportuna como sempre foi e não faz mal algum repeti-la e reiterá-la; 

O sociólogo Roberto da Matta tem outra colocação para este caso. Acentua: "Tal é o tempo que corre, como lágrimas e sangue por dentro do espaço da casa. Casa que passa pelo tempo que tudo destrói, menos a vida contida pela teia de relações que constituem o nosso mundo social. Esses elos, que apesar do nosso individualismo e cosmopolitismo, ainda nos dobram e nos obrigam a fazer e a dizer coisas que não queremos e sabemos". Daí a conclusão lógica de que o mais racional e inteligente é viver cada momento com a máxima intensidade, já que pode ser o último.

O mais sábio é aproveitar cada oportunidade que surgir para acrescentar algum episódio marcante à nossa biografia e, principalmente, para fazer com que ela seja digna de ser escrita. Nem sempre, ou nem todas o são. Compete-nos nos empenhar para produzir obras e obras e mais obras consistentes, materiais ou no terreno das idéias, que evitem nossa segunda morte, esta sim definitiva: a do esquecimento. Que os próximos 365 dias sejam  feliz ronda no tempo, não grotesca ou penosa, mas repleta de episódios marcantes e inesquecíveis. Que sejam, sobretudo, o tempo do encontro da felicidade, a principal das nossas obrigações enquanto seres racionais. Feliz ano novo (antecipado) para todos!


Boa leitura


O Editor

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O amor no bolso da alma


* Por Evelyne Furtado


Rafael ama intensamente uma mulher. Para ele o amor aconteceu na maturidade, quando conheceu Amanda. Até então ele não amara de verdade. Ela correspondeu de imediato ao amor daquele homem doce e gentil, porém demorou a acreditar na felicidade.

Não seria um amor fácil. Teriam obstáculos: moravam em cidades distantes, onde trabalhavam e faziam pós-graduação.

No entanto, ele a convenceu, movido pela certeza da paixão, de que venceriam tudo. Amanda entregou-se à louca aventura do amor de Rafael e se perdeu na ilusão daquele amor.

Porém vieram os espinhos e a fizeram chorar. Ele secou cada lágrima de Amanda com rosas, versos e promessas. O tempo passou. Amanda tinha urgência e reclamava a presença do amado, cada vez mais. Ele a consolava dizendo que também sofria com a distancia, mas que a lembrança dos momentos felizes o confortava.

Com ela não aconteceu assim. Amanda foi murchando. Perdeu a confiança e o rumo. Então, deu-se o rompimento e ela quase surtou de dor.

Hoje se sabe que houve amor, sim. Mas em níveis diferentes. Amanda queria a convivência com Rafael.Ele estranhamente não tinha essa urgência. Dizia que já a amava antes de conhecê-la e que a amaria para o resto da vida.

Ela não vira, mas, no auge da paixão Rafael pegara uma boa porção daquele amor e colocara num bolso de sua alma. Se a tinha na alma, não precisava da presença dela para continuar amando-a. Talvez isso explique a felicidade constante de Rafael em contraste com a tristeza que rodeou Amanda por um longo tempo.


* Poetisa e cronista de Natal/RN 
Foto: Eglantine Mendes

Quem é o pai desse menino?*



**Por José Calvino



Os aborígines do Sertão,
da Mata e do Agreste,
respiram o ar do Morro
e dos Altos de Casa Amarela.

Todos eles cúmplices de um amor
desconhecido, que não deve
ser revelado.
O importante é que nasceu.

Quem é o pai desse menino?
É por aí, por aí...
Com seu cheiro de amor afro-brasileiro
subiu a ladeira a pique.

Ainda é tempo de amar,
o amor é infinito,
o seu segredo oculto
mostra e grita quando a liberdade chegar.

Somente o poeta conhece o segredo
através da poesia
com cheiro de jasmim
e não mais perguntaram:

“Quem é o pai desse menino?”



*Baseado na crônica “O grito da Arara”, do autor.



**Escritor, poeta e teatrólogo pernambucano. Vejam e sigam Fiteiro Cultural: Um blog cheio de observações e reminiscências – HTTP://josecalvino.blogspot.com/



Certa manhã


* Por Eduardo Oliveira Freire


A piscina está azul do céu e não tem sequer uma folha flutuando nela. Não há vento e tudo parece uma cena de um sonho. Estou no quarto e o vejo na piscina. Não brinca mais. Só está à beira da piscina. Vou ao seu encontro.
- Filho, por que não brinca?
- Pai, estou entediado. Parece que estou aqui faz muito tempo. Cadê todo mundo? Só vejo você.
- Vamos passear no campo, que acha?
- Pode ser, mas não acontece nada por aqui.
- Filho, está triste?
- Não, só estou cansado. Parece que faço a mesma coisa por tanto tempo.
- A vida é assim mesmo. Quer sorvete?
- Já sei, de creme, como sempre.
- Posso comprar outro. Quer ir comigo?
- Não, ficarei aqui, por enquanto.

***

O homem acordou e foi ao quarto vazio. Ainda não estava pronto para deixá-lo ir.  Manteria o fantasma do filho em seu sonho.

* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/


Sedução


*Por Adélia Prado


A poesia me pega com sua roda dentada,
me força a escutar imóvel
o seu discurso esdrúxulo.
Me abraça detrás do muro, levanta
a saia pra eu ver, amorosa e doida.
Acontece a má coisa, eu lhe digo,
também sou filho de Deus,
me deixa desesperar.
Ela responde passando
a língua quente em meu pescoço,
fala pau pra me acalmar,
fala pedra, geometria,
se descuida e fica meiga,
aproveito pra me safar.
Eu corro ela corre mais,
eu grito ela grita mais,
sete demônios mais forte.
Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.
É de ferro a roda dentada dela.

* Uma das mais consagradas poetisas brasileiras


Lua mística (anoiteceu em mim)


* Por Samuel C. da Costa


Para Luana D'Oliveira


É a escuridão!
Que toma conta do meu ser
Imperfeito!

E o sono não vem
O sonho não chega
E sei que ela não virá...
Deixou-me aqui sozinho
Inerte em mim mesmo

O brilho mágico da esplendorosa lua! 
Não chega a mim...
Agora não posso dormir tranquilo
Então parto sozinho
Para o cosmo infindo
A deusa Vênus
Com certeza me acolherá!
Nesta hora extrema

Amanhece em mim
Nix se foi...
O sono se foi
Morfeu se foi
O sonho não chegou
Hipnos a muito partiu
A musa sagrada não veio

Atravesso sozinho o deserto do real
Campo estéril do cotidiano
Mundo sem vida
Perco-me em meio à multidão
De vidas vazias

É meia noite no meu coração
E o sono não vem
O sonho não chega
E musa profana se foi...
Partiu em meia a bruma encantada
Ascendeu ao céu
Não voltará nunca mais


* Poeta de Itajaí/SC