segunda-feira, 31 de agosto de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Suspense e mistério

Coluna Pessoas e histórias – Eduardo Murta, conto “Del semeou utopias mundo afora”

Coluna Pássaros da mesma gaiola – Daniel Santos, crônica “O tom da tarde”.

Coluna A vida como ela é – Celamar Maione, conto “O edredom”.

Coluna Sensibilidade e sutilezas – Aliene Coutinho, poema “Atitude”

Coluna Porta Aberta – Cacá Mendes, crônica, “H2O”.

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Suspense e mistério

Uma das temáticas mais exploradas, ultimamente, na literatura mundial e que, pelo visto, é um filão praticamente inesgotável, é a que traz à baila histórias de suspense, mistério e terror. Abundam romances, contos e novelas, quase sempre transformados em filmes campeões de bilheteria, com personagens exóticos, doentios, homicidas e aberrantes.
É uma sucessão de zumbis, de vampiros, de lobisomens e quetais que não acaba mais. Confesso que esses não são, exatamente, temas da minha predileção. Prefiro assuntos mais instigantes, mais inteligentes e, sobretudo, mais verossímeis, que tenham algo a ver com minha vida. A menos que se tratem, claro, de histórias criadas por um gênio, precursor de três vertentes literárias: ficção científica (ao lado de Júlio Verne), terror e mistério e contos policiais.
Refiro-me a Edgar Allan Poe, sujeito com uma vida tão cheia de incidentes, que sua biografia se constitui, em si, num enredo dos mais atrativos, interessantes e movimentados, posto que verídico. Esse escritor talentoso (na verdade genial) nasceu em 19 de janeiro de 1809. Sua data de aniversário eu não esqueceria jamais> Precede em um dia a minha.
Sua sucessão de infortúnios começou na mais tenra infância. Edgar era filho do ator David Poe Jr., que, no entanto, não assumiu a paternidade. Largou da mulher, com o bebê no colo, em 1810. A mãe, também atriz, Elizabeth Arnold Hopkins Poe, morreu em 1811, vitimada pela tuberculose. Subitamente, o garotinho se viu só, sem pai e nem mãe, ameaçado de abandono.
A providência, porém, agiu em seu favor. Um rico e bem-sucedido comerciante de tabaco de Richmond, na Virgínia, Francis Allan, adotou-o, posto que informalmente. A adoção nunca foi oficializada, mediante documentos. Todavia, o empresário criou-o como filho legítimo.
Não vou, claro, reproduzir sua história, dramática e infeliz. O que me importa é seu talento, enquanto escritor. Tanto que a maioria dos historiadores considera que a rica, prolífica e criativa literatura norte-americana começou, de fato, com Edgar Allan Poe.
Além de um dos fundadores da ficção científica, criou, também, o gênero de narrativas de suspense e de terror. Ademais, suas novelas como “Os crimes da Rua Morgue”, “A carta roubada” e o “Mistério de Maria Roget” estão entre as primeiras obras reconhecidas como policiais.
Os escritores atuais, de histórias de mistério, suspense e terror, com todo o respeito que me merecem, a despeito de esgotarem edições e mais edições, em sucessivos best-sellers e de terem seus enredos transformados em filmes campeões de bilheteria, não chegam nem aos pés de Edgar Allan Poe. Mas isso já é querer demais. Voltarei ao assunto oportunamente.

Boa leitura.

O Editor.



Del semeou utopias mundo afora

* Por Eduardo Murta

Daqui se vislumbra a geografia das veias ao dorso da mão de Del, enquanto risca sonhos ao ar. Está lá, junto às crianças, noutra manhã em que uma vez mais se apresentava como mero pescador de ilusões. Toureara inimigos ferozes e agora duela é com o tempo. O corpo num tremor singular. Peso da idade. Fazia anos não celebrava aniversários, porque, julgava, seriam mera ode à morte.

Daí esse reunir de meninos e meninas representar tanto. Era sinal de encantadora provocação à vida. Importava pouco seu sotaque arrastado ou o esquecimento momentâneo sobre o que dissera instantes atrás. Havia um quê de ternura travestida em utopia quando abria as aulas no barraco modesto, paredes por caiar. Exibia o giz à ponta dos dedos como a um troféu. “Nasce aqui o atalho para a revolução”, costumava repetir.

Soava grego aos alunos – 7, 8, 10 anos. Mas se rendiam àquela eloqüência estrangeira. Mal sabendo eles, tampouco os adultos, o que o levara até ali. Estes só se davam conta da madrugada em que o estranho aportou por lá. As vozes discretas indicando as vielas. Se seguiriam semanas de clausura. Um mensageiro entregando pão e leite. E, artigo raro naquelas bandas, jornais.

Foi a barba à Papai Noel que dominou as atenções na manhã em que se apresentou. A comunidade entre a desconfiança e a acolhida espontânea tão peculiar à gente local. Era domingo. Dia de feira. Del à vigília de dois assistentes, ouvindo o bom dia farto, replicando com muito prazer. Se deslumbrando com as barracas e, ao final, distribuindo legumes, frutas e verduras assim ao léu. A rádio comunitária tamborilou o acontecimento ao longo da tarde e das horas que viriam.

Em uma semana, lá estava ele. Ares de professor, soletrando o bêabá com a meninada no salão alugado à crista da vila. Dona Patrocina, mexeriqueira, logo daria relatos rocambolescos: que se tratava, no fundo, de rei expatriado aos sinais graves de que ia virando refém da memória e dos desencontros diplomáticos. Começara, descreveu ela, com a reunião de ministros em que irrompera o salão nobre em cerolão, perseguindo sete galinhas D´angola.

Culminara com a recepção aos novos embaixadores, em que, pleno chá das cinco, decretara rodadas de Mojito e Daiquiri junto à sessão de torradas e biscoitos típicos. A gota d´água viria na celebração aos 40 anos de conquista do poder. Em lugar do hino nacional, atacou de bolero, emendou com chá-chá-chá, arrematou com canções de ninar.

Por honra histórica, seria veladamente retirado de cena. Estudaram grotões da Amazônia, confins da Patagônia, vilarejos da Guiana. Mas, pura inspiração livre, elegeram o Aglomerado da Serra, um cenário de desigualdades que acalentaria qualquer sentimento transformador. Meses à frente, e Del já se ambientara. Ainda que vez por outra sonhasse com disparos de canhão cortando os céus. E despertasse, o pijama vermelho empapado em suor, com a miragem dos opositores bradando que manchara para sempre suas mãos em sangue inocente.

Se afeiçoara ao jeito tupiniquim de estilhaçar intimidades, como quem molha as plantas ou coa um café. Pensou, assim, que podia também compartilhar as deles. Iria revelar tudo. E a turma fez foi gargalhar na birosca de tábuas. Nove doses de rum barato, um charuto de oitava, que abandonara havia anos, foi enumerando o que enxergava como glória. A de ter comandado o maior movimento revolucionário entre os povos das Américas.

Mencionava, e os lábios tremiam ao pedido: morresse, onde quer que o enterrassem, cova simples que fosse, queria inscrição talhada em pedra: “Aqui descansa Fidel Castro, humilde semeador de utopias”. Fez-se um silêncio de quem pouco crê no que acabara de ouvir, que lembrava o dos opositores que nele viam um mero ditador e nada mais. Deu de ombros e, passadas trôpegas, estendeu o giz que trazia no bolso a um dos meninos à porta do bar. Revestiu o gesto de sentido emblemático, à crença de que, letra por letra, descortinava pequenos atalhos para a revolução.

* Jornalista, autor de "Tantas Histórias. Pessoas Tantas", livro lançado em maio de 2006, que reúne 50 crônicas selecionadas publicadas na imprensa. É secretário de Redação do jornal Hoje em Dia, diário de Belo Horizonte. Já teve passagens também pelos jornais Diário de Minas e Estado de Minas, além de Folha de S.Paulo e revista Veja. É um dos colunistas do Hoje em Dia (www.hojeemdia.com.br), onde publica às quartas-feiras.




O tom da tarde

* Por Daniel Santos

Após semanas de frio intenso, o domingo trouxe algum calor. Pude, então, me escarrapachar gostosamente no banco da praça, onde um sol sem trombeta, só doçuras, espargia por toda parte cristaizinhos de açúcar.

Pois foi ali, sentado, que vi um menino se aproximar do lago e atirar uma pedra, mode a fazê-la resvalar pela superfície o mais possível. Depois, outra e outra. E vibrava, se a pedra atingia a margem oposta.

Poucos perceberam a cena – tão trivial quanto encantadora, porque antiga. Afinal, desde sempre, os garotos têm esse gostinho de contrariar leis da física: em vez de afundar, a pedra mantinha-se veloz na tona.

E se ela ricocheteava quatro, cinco vezes, o menino olhava à volta, a ver se flagrava alguém admirado de seu feito, também ele orgulhoso da divertida forma de desobediência, tão próxima da criação, da invenção.

Cena antiga, sim. Nada que saltasse aos olhos de um pintor, de um fotógrafo, nem fascinasse multidões. Mas dava – a mim, pelo menos – o tom daquela tarde sem sobressaltos. Bonomia sem fastio, pura bênção.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.




O edredon

* Por Celamar Maione

Noite fria de quarta-feria. Macedo assistia ao jogo do Flamengo pela televisão, quando Marinilce apareceu na sala aborrecida.
- Não tá me escutando chamar lá do quarto?
- Fala?! O que é? Vou perder o gol do mengão.
- Depois você vê isso. Agora vai lá no quarto para pegar o edredon em cima do armário. Não alcanço.
- Edredon? Outro? Mas você não pediu para eu pegar um na segunda-feira?
- Pedi. Agora tô pedindo para você pegar outro.
- Como se gasta sabão em pó nessa casa – reclamou Macedo.
- O que tem uma coisa a ver com a outra?
- Usou o edredon dois dias e já colocou pra lavar?
- Não. Esse que você vai pegar é outro. Quem vai dormir com ele sou eu.
- Você?
- É.
- Você está querendo dizer que cada um vai dormir com um edredon?
- Nossa como você é inteligente! – debochou Marinilce.

Macedo, que ia se levantando do sofá, tornou a sentar-se.
- Macedo, eu quero dormir. Vai logo pegar meu edredon.
- É por isso que nosso casamento tá indo para o buraco. Agora cada um dorme com um edredon. Daqui a pouco dormiremos em camas diferentes...
- Não acredito que você vai arrumar briga por causa disso.
- Posso saber por que a princesinha quer dormir com um edredon só pra ela? – ironizou.
- Porque durante a noite você puxa o cobertor para o seu lado e eu fico morrendo de frio.
- E por que você não me acorda ou puxa o cobertor?
- Toda noite, Macedo? Não é mais fácil cada um dormir com um edredon?
- Não. Assim eu não posso ficar juntinho de você.
- Na hora que a gente dorme você tá juntinho. Depois você se espalha e aí quem se dá mal sou eu.
- Eu não vou pegar outro edredon. Nós vamos dormir juntinhos. Fim de papo.
- Ah é? Vou no seu Aníbal pedir para ele pegar o edredon pra mim!
- Duvido. Você não é besta.
- É?

Decidida, Marinilce abriu a porta. Macedo impediu-a de sair. A discussão recomeçou .
- Marinilce, desiste da história de cada um dormir com um edredon. Você está colocando nosso casamento em risco.
- Deixa de ser besta, Macedo. Dez anos de casados. Até parece que casamos ontem!
- Fim de papo, Marinilce! O jogo vai começar! Vai dormir com o edredon que tem e quando eu for deitar, me viro.
-Tá frio Macedo. De noite você vai puxar o edredon e quem vai ficar com frio sou eu!
- Isso vai dar em separação. Foi por causa disso que o casamento do Ismael acabou.
- O que tem a ver o casamento do Ismael com o nosso?
- Primeiro a esposa começou a dormir no sofá por causa da tosse do Ismael Depois, foi dormir na casa da mãe . E em seguida....arrumou um amante.
- Não dava para ele tomar um remédio pra tosse?
- Outro edredon, não! Fim de papo! O jogo vai começar. Psiu!
- Ah é? Então vou no apartamento da Judith pedir um edredon emprestado.
- Pois então, vá! Só estou lhe avisando : Nosso casamento está por um fio!

Marinilce saiu decidida. Tocou a campanhia na casa da vizinha. Sérgio André atendeu :
- Você poderia chamar a Judith?
- Hoje ela vai dormir na casa da irmã. Deseja alguma coisa? Entra – disse, simpático.

Marinilce achava o marido da vizinha pedante, mas aceitou o convite para entrar. Ele fez um café e gentilmente ofereceu a ela.
- Posso ajudar em alguma coisa?

Aquela pergunta delicada fez Marinilce gelar as entranhas. Estremeceu quando Sérgio André tocou-lhe levemente nos braços.
- Está sentindo alguma coisa? O café está muito quente?

Não respondeu. Um torpor estranho tomou todo seu corpo. Ajeitou a roupa e gaguejando despediu-se de Sérgio André.
- Eu falo com a Judith depois.

Saiu batendo a porta. Chegou em casa em estado de êxtase. Os pensamentos fervilhavam. Passou pela sala e não deu boa noite ao marido, que gritava sem tirar os olhos da TV:
- E aí? Pegou o edredon com a Judith?

Não respondeu. Cobriu-se ainda em estado de letargia e adormeceu. Sonhou que fazia sexo selvagem com Sérgio André. Acordou suspirando. Voltou a dormir e a sonhar. Com medo de desagradar Marinilce, Macedo dormiu com um lençol. Tremendo de frio, pegou no sono quando o dia clareava.

*Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.




Atitude

* Por Aliene Coutinho

A partir de hoje,
Eu só quero o que me faz feliz...
Ficar em casa sozinha quando me der na telha,
Receber e visitar quem me faz bem,
Manter ao lado quem me ama e dá carinho,
Cercar-me de gente bem humorada e inteligente,
Jogar vídeo game com os filhos de igual para igual,
Sentar, deitar e rolar no chão,
Dizer não sem medo, nem constrangimento,
Tirar o salto,
Limpar os armários e dar o que não me cabe mais,
Comer brigadeiro de colher sem culpa,
Ir ao clube no meio da tarde, mesmo que sozinha,
Assistir a um filme na telona indicado pela intuição,
Seguir meu coração,
Encher a cara se for preciso,
Ouvir aquelas músicas em alto e bom som,
Escrever poesia no meio do expediente,
Marcar ponto para ver o pôr do sol,
Andar no parque, sem cronometrar tempo e distância,
Dançar, dançar, dançar.
Viver o hoje,
Um dia de cada vez,
Deixar o amanhã ser amanhã,
Cuidar mais de mim,
Ter mais tempo para mim,
Gostar mais de mim.

* Jornalista e professora de Telejornalismo



H2O

* Por Cacá Mendes

Hoje eu não quero nenhum assunto, nada, nada. Só quero o ouvir duma música, quieto; ou duma água caindo duma cachoeira domeu (junto, assim mesmo) em mim. Sem dia, sem hora, nem consciência...

Eu quero água no meu olho, no meu corpo, eu quero água, água e coragem, muita coragem, muita, para enfrentar a claridade nessa escuridão... Água, água, é o que alivia. Somente ela alivia. Água.

PS: me mandaram esse filme ontem, sobre gaitistas. Se ser poeta, escritor, ou qualquer outro bicho artista não é fácil, imagine ser um gaitista... Alguém vai ouvir, vai. E isso basta, eu acho, eu penso. Veja: http://www.kinooikos.com/acervo/videos/425/

* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com

domingo, 30 de agosto de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Favoritos do Nobel

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Ladeira da Memória”.

Coluna Porta Aberta – Adélia Prado, poema “Mulher querendo ser boa”.

Coluna Porta Aberta – Cacá Pereira, poema “Peleja”

Coluna Clássicos – Paulo Mendes Campos, poema “Minha avó morreu sem ver o mar”.

Coluna Estante – Livros mais vendidos

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Favoritos do Nobel

A esta altura do ano, o secretário permanente da Academia Sueca, Horace Engdahl, e seus ilustres colegas de júri, que têm a responsabilidade de atribuir o Prêmio Nobel de Literatura a cada ano, estão na fase de “retiro”. Ou seja, estão em algum lugar mantido sob rigoroso sigilo (provavelmente até da família, quanto mais dos amigos e conhecidos) analisando os livros dos cinco principais candidatos à premiação.
Desde janeiro, mantiveram intensíssima atividade. “Peneiraram” cerca de 300 candidatos, inscritos por organizações culturais de várias partes do mundo. Primeiro, reduziram os possíveis favoritos a cem. Posteriormente, esse número foi reduzido ainda mais, após acaloradíssimos debates, sucessivamente, para 50, 20, 10 e, finalmente cinco. Um deles obterá, na segunda semana de outubro, a consagração. Qual deles? A esta altura, nem Engdahl e nem seus companheiros ainda sabem. E se soubessem... certamente não diriam a ninguém, provavelmente nem para suas mulheres.
Quais os critérios que os julgadores adotam? Qualidade literária? Experiência? Inovações? Ou prevalece o aspecto político? Muitos acusam a academia de fazer a escolha baseada neste último fator. Engdahl nega, enfaticamente. No ano passado, ele declarou, à agência de notícias norte-americana Associated Press: “Não se lê literatura com a mesma parte do cérebro como se vota num partido político”. Será?! Deixa pra lá. Da minha parte, prefiro dar um crédito a Engdahl. Mas que algumas escolhas têm “cheiro” de influência política, ah, isso têm mesmo!
Quais são os favoritos de 2009? Creio que são os mesmos de sempre, que se esperava que ganhassem em 2005, 2006, 2007 e 2008. A escolha do ano passado recaiu sobre um escritor que era considerado “zebra” nas bolsas de apostas, o francês Jean-Marie Gustave Lê Clézio.
E agora? O vencedor será alguém bastante cotado nos meios literários ou, de novo, será algum escritor desconhecido, que emergirá, de forma fulminante, do anonimato para a glória? A esta altura, tenho certeza, reitero, que nem Engdahl e muito menos seus companheiros de júri ainda sabem em quem irão votar.
Da minha parte, se tivesse que apostar em alguém, apostaria em algum dos favoritos de 2008. Entre eles, há quem já esteja na fila há pelo menos dez anos. E, como se sabe, “até água mole, em pedra dura, tanto bate até que...”.
No ano passado, a imprensa internacional apostava todas suas fichas no ensaísta italiano Cláudio Magris. Errou! Ainda não foi desta vez que este intelectual lúcido, mas polêmico, foi agraciado com o Nobel. Outros que concorreram, bem de perto, foram o poeta sírio Adonis e o romancista israelense (muito bom, por sinal) Amos Oz.
Outros concorrentes fortes (isto, a julgar pelo que diz a crítica especializada) são, a exemplo de 2008: Cees Nooteboom (holandês), Margaret Atwood (canadense), Carlos Fuentes (mexicano), Haraki Murakawa (japonês) e Philip Roth (norte-americano). Se eu tivesse que apontar um nome e não me deixassem ficar em cima do muro, apontaria este último, que, entre outras coisas, já conquistou dois Prêmios Pulitzer de Literatura, o que, convenhamos, não é pouca coisa. Enfim...

Boa leitura.

O Editor.



Ladeira da memória

* Pedro J. Bondaczuk

O sonho de todo escritor, que por algum motivo não possa se dedicar integralmente, de corpo e alma, à literatura, (via de regra em decorrência da necessidade de ganhar o “pão nosso de cada dia”, de assegurar o próprio sustento e o da família), sonha com a aposentadoria, para dedicar a totalidade do seu tempo à redação de suas memórias. Posso assegurar que não sou exceção. Estou, rigorosamente, dentro da regra.

Contudo, há uma dificuldade a mais em meu caminho. Optei por jamais me aposentar! Não por eventual necessidade financeira (graças a Deus, nesse aspecto, estou com a vida razoavelmente resolvida), mas por uma compulsão para o trabalho. Sou o que muitos chamam de “workaholic”. Ou seja, viciado em trabalhar.

É um vício incompreensível para muitos (que, certamente, me consideram um rematado imbecil), tenho certeza disso, mas que, para os que amam o que fazem, é fácil, facílimo de compreender. Sou apaixonado por jornalismo e, por mais que queira, não consigo largar dessa “cachaça”. Cuidado, portanto, você que está dando os primeiros passos na carreira jornalística. Esta é uma atividade que não somente apaixona, como “vicia”. E, depois de viciado... você jamais conseguirá viver sem ela.

Face ao exposto, surgiu-me um problema, aparentemente insolúvel. Como conciliar o jornalismo com a redação das minhas memórias? Existe alguma alternativa? Sim, e na verdade há muitas. Optei por uma delas que é como “matar dois coelhos com um único tiro”. Como ultimamente minha função básica no jornalismo (posto que não a única já que jamais deixei e nem deixarei de ser editor) é a de cronista de jornais, blogs e sites os mais diversos, pensei cá com meus botões: “por que não unir o útil ao agradável?” E é o que venho fazendo.

Passei a escrever crônicas de cunho marcadamente memoralístico. Dessa maneira, cumpro, com todo o rigor, os inúmeros compromissos que assumi (jamais dei qualquer mancada com alguém) e, simultaneamente, redijo as tão sonhadas memórias, que partilho com milhares (quiçá milhões, sabe-se lá) de leitores. E essas minhas experiências pessoais interessam a alguém? Sei lá! Creio que sim! Chego a essa conclusão face às inúmeras solicitações de novos jornais, blogs e sites por meus textos com esta característica.

Não foi por acaso, portanto, que “batizei” minha coluna bissemanal no Literário de “Ladeira da Memória”. Aliás, o objetivo da escolha desse nome foi duplo. Um deles foi o de homenagear um escritor que sempre apreciei, José Geraldo Vieira, homem de “sete instrumentos”, que além de escrever livros memoráveis, foi médico, professor de jornalismo na Faculdade Casper Líbero de São Paulo e ainda encontrou tempo e disposição para assinar uma coluna na Folha de S. Paulo, como crítico de artes plásticas.

O romance que mais me encantou, desse açoriano, que veio para o Brasil com menos de um ano de idade (mas não o único, faço questão de ressaltar), foi justamente “A ladeira da memória”. Antes que alguém me acuse de plágio, portanto, faço questão de revelar onde fui buscar inspiração para essa denominação. Esse título não é, portanto, casual. E cai como uma luva para caracterizar o teor dessas crônicas bissemanais que trago à sua apreciação, paciente e indulgente leitor, com afinco e assiduidade.

O pitoresco é que, sempre que eu descia a Ladeira da Memória (uma via pública no centro velho da capital paulista, quase que uma rampa, de tão íngreme que é), em direção ao Vale do Anhangabaú, onde ela desemboca, invejava esse nome. Já havia, claro, lido, relido e trelido o romance de José Geraldo Vieira e pensava em como aproveitar esse nome, sem que isso viesse a dar a mínima impressão de plágio.

E essa oportunidade apareceu mais de meio século depois, no Literário. Só que minhas crônicas fazem o trajeto exatamente inverso do que eu fazia no início dos anos 60. Em vez de descerem a Ladeira da Memória, sobem-na.

Resgatam para a posteridade episódios e experiências que me são caros e que (alguns) têm muito a ver com a vida e as lembranças de inúmeros leitores, que se manifestam, amiúde, a esse propósito. E o nome da minha modesta coluna, faz, sobretudo, justiça a um escritor talentosíssimo e vibrante, um tanto esquecido pelo público e pela crítica (ah, esse país sem memória!), pelo visto um workaholic como eu (a julgar pelas inúmeras atividades que exerceu), que foi esse mestre, esse crítico de artes, esse médico e, sobretudo, esse escritor, com “E” maiúsculo, José Geraldo Vieira.

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com




Mulher querendo ser boa

Por Adélia Prado

Me toldam horas de cinza
Rachadas de imprecação.
Ó Deus, não me humilhe mais
com esta coceira no púbis.
Responde-me sobre os mortos,
se mamam,
nesta lua visível em pleno dia,
do seu leite de sonho.

* Poetisa

Peleja

* Por Cacá Pereira

Cidade grande
vidro e cimento
vida sem tempo
terra de ninguém

Gente correndo
com medo de gente
ganha o tenente
perde quem não tem

Ô, cilada
me armou o destino
um severino
um bocó como eu

sumir na curva do rio
e bater no vazio
num mundo tão frio
sem anjo e sem Deus

Ô, saudade,
pelejo e não venço
sofro se penso
esqueço quem sou eu

Ainda encontro o caminho
e escapo sozinho
viver de mansinho
num cantinho meu

* Poeta



Mas minha avó morreu sem ver o mar

* Por Paulo Mendes Campos

A minha avó morreu sem ver o mar. Suas mãos, arquipélago de nuvens,
Matavam as galinhas com asseio, o mar também dá sangue quando o peixe
Vem arrastado ao mundo (o nosso mundo); no entanto no mar é muito diferente.
As gaivotas, mergulhando, indicam o caminho mais curto entre dois sonhos
Mas minha avó era feliz e doce como um nome pintado em uma barca.
Sua ternura eterna não temia a trombeta do arcanjo e o Dies Irae:
Sentada na cadeira de balanço, olhava com humor os vespertinos.
Sua figura pertenceu à terra, porém o mar, rainha impaciente,
O mar é uma figura de retórica. No porto de Cherburgo, há muitos anos,
Ouvi na cerração o mar aos gritos, mas minha avó jamais ergueu a voz:
Penélope cristã, enviuvada, fazia colchas de retalhos fulvos.
O mar é uma louça que se parte contra as penhas, enquanto minha avó
Fechava a geladeira com um jeito suave, anterior às geladeiras.
Igual ao mar, os dedos da manhã a despertavam num rubor macio;
Pelo seu corpo quase centenário a invisível vaga do sol se espraiava,
A carne se aquecia na torrente dos constelados glóbulos do sangue,
As pombas aclamavam outro dia da crônica do mundo (o nosso mundo)
E de uma criatura que se orvalha em suas bodas com a terra dos pássaros
Matutinos, das frutas amarelas, da rosa ensangüentada de vermelho
O verde, o miosótis, o junquilho, em tudo um rumor fresco de águas novas,
Um verdejar de abóboras, pepinos, um leite grosso e tenro, e minha avó
Com tímida alegria, indo, vindo, a prever e ordenhar um dia a mais,
Assim como as abelhas determinam mais 24 horas de doçura,
E enfim no litoral destes brasis, o mar afogueado amando a terra
Com seu amor insaciável, dando um mundo ao mundo (o nosso mundo)
E a gravidade intransigente do mistério. Mas minha avó morreu sem ver o mar.



Livros mais vendidos

(Semana de 26 de agosto a 2 de setembro de 2009)

Fonte: Revista Veja

FICÇÃO

1. A Cabana – William Young [ 1 51] SEXTANTE
2. Amanhecer – Stephen Meyer – [ 2 9] - INTRÍNSECA
3. Lua Nova – Stephenie Meyer [ 3 46] INTRÍNSECA
4. Eclipse – Stephenie Meyer [ 4 32] INTRÍNSECA
5. Crepúsculo – Stephenie Meyer [ 5 65#] INTRÍNSECA
6. O vendedor de sonhos – Augusto Cury – [ 6 58#] – ACADEMIA DA INTELIGÊNCIA
7. O vendedor de sonhos e a revolução dos anônimos – Augusto Cury – [ 7 15#] – ACADEMIA DA INTELIGÊNCIA
8. O caçador de pipas – Khaled Hosseini – [ 0 175#] – NOVA FRONTEIRA
9. A cidade do sol – Khaled Hossein – [ 9 71#] – NOVA FRONTEIRA
10. O pequeno príncipe – Antoine de Saint-Exupéry – [ 0 15#] – AGIR
11. O menino de pijama listrado – John Boyne – COMPANHIA DAS LETRAS
12. Leite Derramado – Chico Buarque – COMPANHIA DAS LETRAS
13. O negociador – John Grisham – ROCCO
14. Marcada – P. C. Cast e Kristin Cast – NOVO SÉCULO
15. A menina que roubava livros – Markus Susak – INTRÍNSECA
16. Os homens que não amavam as mulheres – Stieg Larsson – SEXTANTE
17. A menina que brincava com fogo – Stieg Larsson – COMPANHIA DAS LETRAS
18. Anjos e demônios – Dan Brown – [ 0 118#] – SEXTANTE
19. Por que você não quer mais ir à igreja? – Wayne Jacobsen e Dave Coleman - SEXTANTE
20. Noturno – Guillermo del Toro e Chuck Hogan – ROCCO

NÃO- FICÇÃO

1. Mentes perigosas – Ana Beatriz Barbosa Silva [ 2 40#] FONTANAR
2. Comer, rezar, amar – Elizabeth Gilbert [ 1 73] OBJETIVA
3. O clube do filme – David Gilmour – [ 3 11] - INTRÍNSECA
4. Uma breve história do mundo – Geoffrey Blainey [ 4 83] - FUNDAMENTO
5. O andar do bêbado – Leonard Mlodinow – [ 5 2] – JORGE ZAHAR
6. Beber, jogar, fazer – Andrew Gottlieb – [ 8 3] – PLANETA
7. 1808 – Laurentino Gomes [ 6 98] PLANETA
8. Uma breve história do século XX – Geoffrey Blainey [ 7 40] - FUNDAMENTO
9. Revolução na cozinha – Jamie Oliver – [ 9 9] – GLOBO
10. Marley e eu – John Grogan – [ 10 48#] – PRESTÍGIO
11. Michael Jackson – a magia e a loucura – J. Randy Taraborrelli – GLOBO
12. Resistência – Agnes Humbert – NOVA FRONTEIRA
13. 1001 vinhos para beber antes de morrer – Neil Beckett – SEXTANTE
14. O ponto da virada – Malcolm Gladwell - SEXTANTE
15. Dewey – Vick Miron e Bret Witter - GLOBO
16. Fora de Série – Malcolm Gladwell – SEXTANTE
17. O príncipe – Nicolau Maquiavel – VÁRIAS EDITORAS
18. A viúva Clicquot – Tilar J. Mazzeo - ROCCO
19. Um certo verão na Sicília – Marlena de Biasi – OBJETIVA
20. 1001 filmes para ver antes de morrer – Steven Jay Schneider – SEXTANTE

AUTO-AJUDA E ESOTERISMO

1. Cartas entre amigos – Fábio de Melo e Gabriel Chalita – [ 1 16] – EDIOURO
2. Quem Me Roubou de Mim? – Fábio de Melo [ 2 40] CANÇÃO NOVA
3. O Código da Inteligência – Augusto Cury [ 4 41] – THOMAS NELSON BRASIL
4. O Monge e o Executivo – James Hunter – [ 3 236#] – SEXTANTE
5 Por que os homens amam as mulheres poderosas? – Sherry Argov – [ 5 4#] SEXTANTE
6. Nunca desista de seus sonhos – Augusto Cury – [ 6 197#] - SEXTANTE
7. Confidencial – Constanza Pascolato – [ 10 4#] – JABOTICABA
8. Encontre Deus na cabana – Randal D. Rauser – [ 0 2] – PLANETA
9. A volta – Andréia Leininger, Bruce Leininger e Ken Gross – [ 6 3] – BEST SELLER
10. Casais inteligentes enriquecem juntos – Gustavo Cerbasi – [ 0 162#] – GENTE
11. Vencendo o passado – Zibia Gasparetto – VIDA E CONSCIÊNCIA
12. A Arte da Guerra – Sun Tzu – VÁRIAS EDITORAS
13. Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes – Stephen Covey – BEST SELLER
14. As sete leis espirituais do sucesso – Gustavo Cerbasi – GENTE
15. A arte da felicidade – Dalai Lama e Howard Cutler – MARTINS FONTES
16. A cabeça de Steve Jobs – Leander Kahney – AGIR
17. Mais tempo, mais dinheiro – Gustavo Cerbasi e Christian Barbosa – THOMAS NELSON BRASIL
18. Gêmeas - não se separa o que a vida juntou – Mônica de Castro – VIDA & CONSCIÊNCIA
19. O segredo – Rhonda Byrne - EDIOURO
20. Sem medo de viver – Max Lucado – THOMAS NELSON BRASIL

[AB#] – A] posição do livro na semana anterior
B] há quantas semanas o livro aparece na lista
#] semanas não consecutivas

Fontes: Balneário Camboriú: Livrarias Catarinense; Belém: Laselva; Belo Horizonte: Laselva, Leitura; Betim: Leitura; Blumenau: Livrarias Catarinense; Brasília: Cultura, Fnac, Laselva, Leitura, Nobel, Saraiva, Siciliano; Campinas: Cultura, Fnac, Laselva, Siciliano; Campo Grande: Leitura; Caxias do Sul: Siciliano; Curitiba: Fnac, Laselva, Livrarias Curitiba, Saraiva, Siciliano; Florianópolis: Laselva, Livrarias Catarinense, Siciliano; Fortaleza: Laselva, Siciliano; Foz do Iguaçu: Laselva; Goiânia: Leitura, Saraiva, Siciliano; Governador Valadares: Leitura; Ipatinga: Leitura; João Pessoa: Siciliano; Joinville: Livrarias Curitiba; Juiz de Fora: Leitura; Jundiaí: Siciliano; Londrina: Livrarias Porto; Maceió: Laselva; Mogi das Cruzes: Siciliano; Mossoró: Siciliano; Natal: Siciliano; Navegantes: Laselva; Niterói: Siciliano; Petrópolis: Nobel; Piracicaba: Nobel; Porto Alegre: Fnac, Cultura, Livrarias Porto, Saraiva, Siciliano; Recife: Cultura, Laselva, Saraiva; Ribeirão Preto: Paraler, Siciliano; Rio Claro: Siciliano; Rio de Janeiro: Argumento, Fnac, Laselva, Saraiva, Siciliano, Travessa; Salvador: Saraiva, Siciliano; Santa Bárbara d'Oeste: Nobel; Santo André: Siciliano; Santos: Siciliano; São José dos Campos: Siciliano; São Paulo: Cultura, Fnac, Laselva, Livrarias Curitiba, Livraria da Vila, Martins Fontes, Nobel, Saraiva, Siciliano; São Vicente: Siciliano; Sorocaba: Siciliano; Uberlândia: Siciliano; Vila Velha: Siciliano; Vitória: Laselva, Leitura, Siciliano; internet: Cultura, Fnac, Laselva, Leitura, Nobel, Saraiva, Siciliano

sábado, 29 de agosto de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Características da novela..

Coluna Jornalista do Sertão – Seu Pedro, crônica “Alunos podem aprender sobre transplantes de medula óssea”.

Coluna Clássicos – Vladimir Mayakowski, poema “Hino ao crítico”.

Coluna Porta Aberta – Camilo Mota, poema “Luar de Saquarema”.

Coluna Porta Aberta – Samuel C. da Costa, poema, “Movera-se como um encanto”

Coluna Porta Aberta – Camila do Valle, poema, “Mulher em processo”

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Características da novela

A novela, conforme vimos ontem, é considerada um gênero literário limítrofe. Ou seja, ora é confundida com um conto mais extenso, ora com um pequeno romance. A intenção do autor, na verdade, é a que conta. Os estudiosos de Literatura, porém, estabeleceram alguns parâmetros que a identificam e caracterizam.
O professor Massaud Moisés, por exemplo, detecta algumas características marcantes nessa forma de narrar uma história, que a distinguem de outros gêneros literários. Uma delas é a pluralidade dramática. Ou seja, a novela conta com vários enredos que a princípio parecem independentes, mas que, ao longo da narrativa, se ligam e se complementam.
Outro ponto a considerar é o chamado de “sucessividade”. E o que vem a ser isso? É a organização das várias células dramáticas em uma ordem seqüencial. Frise-se, todavia, que esta não precisa ser rigorosamente absoluta. A seqüência pode ser quebrada aqui ou acolá, sempre que a história principal que está sendo narrada assim o exigir.
Já o “tempo” da novela é o histórico, determinado pelo relógio e pelo calendário. A linguagem, por seu turno, tende a ser simples e clara, de acordo como se falava na época em que se passa a história principal e o local em que ela acontece (levando em conta, portanto, os vários dialetos).
A noção de espaço, por sua vez, é ligada à de tempo, acompanhando-o de perto no desenvolvimento da novela. O novelista não tem limites de personagens. Pode criar quantos julgar necessários.
Finalmente, no que se refere à trama, esta forma de narrar apresenta ritmo bem mais acelerado que o romance ou o conto, por basear-se, primordialmente, na ação. Daí prestar-se tão bem à radiodramatização e, principalmente, à teledramatização.
Resumindo, na novela temos a valorização de determinado evento que pretendemos transmitir aos outros, um corte mais limitado do que no romance e a passagem mais rápida do tempo, com o narrador ganhando maior importância como contador de um fato que já passou.
O crítico russo, Boris Eikhenbaum, distinguiu da seguinte maneira os três principais gêneros ficcionais, em artigo que escreveu em 1925: “O romance é sincrético, provém da história, do relato de viagem, enquanto novela é fundamental e provém do conto (Edgar Allan Poe) e da anedota (Mark Twain). A novela baseia-se num conflito e tudo o mais tende para a conclusão”.
Baseado nesses critérios, creio que a maioria dos contos que escrevi era (ou é), na verdade, um vasto conjunto de novelas. Mas isso importa? Fará alguma diferença para o leitor, a quem essas histórias se destinam, saber em que gênero elas são enquadráveis? Não, não e não!!! Claro que não!
Essa é uma preocupação que cabe, exclusivamente, aos acadêmicos e aos críticos, não a nós, escritores, que temos mais em que pensar para construir obras sólidas, interessantes, que permaneçam e nunca se deteriorem. E ponto final.

Boa leitura.

O Editor.



Alunos podem aprender sobre transplantes de medula óssea

* Por Seu Pedro

O esforço de uma mulher obstinada a ajudar o próximo foi recompensado. Sabedora que o transplante de medula óssea é a única esperança de cura para milhares de pessoas no mundo, que sofrem de doenças no sangue, Josefa Schimidt, paranaense de Ponta Grossa, há uma década promove campanhas de doadores de medula. Mas, a partir de novembro de 2005, com a idéia de suprir futuros doadores de conscientização e informações precisas, essa voluntária implantou o “Projeto Você Consegue”, que após três anos, foi reconhecido como ONG, a partir de um grupo de pessoas que viu importância na causa defendida por Josefa.

“O que tento fazer é provocar nas pessoas o desejo de se tornarem doadores”, diz Josefa, que agora vai mais além: “Lancei a idéia de implementar o tema medula óssea no currículo escolar, para que haja mais difusão e comprometimento com este tipo de doação”. E explica que qualquer pessoa pode ajudar a idéia de tornar obrigatório o tema, mesmo que em ensino transversal. Basta a assinatura eletrônica ao manifesto em favor do tema: “Sendo obrigatório na grade escolar, aumentará o número de doadores, conscientes da importância da medula no tratamento de doenças do sangue”, explica.

No Brasil o cadastro dos doadores é coordenado pelo Laboratório de Imuno-genética do Instituto Nacional do Câncer INCA. Isso é feito através do Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea – REDOME, que compartilha as informações com bancos de doadores do mundo inteiro. Atualmente existem mais de cinco milhões de doadores cadastrados em todo planeta. No Brasil o REDOME tem mais de 550 mil doadores cadastrados, número ainda pequeno, pois a probabilidade de encontrar um doador compatível é de uma em um milhão.

Josefa, em fala via telefone com o jornal Vanguarda, ressaltou: “Neste momento é que percebemos que nossos problemas rotineiros não têm o mínimo valor diante da luta diária de milhares de crianças, jovens, adultos e idosos pela vida. O que para o doador pode se resumir em um incômodo momentâneo, para o doente significa a cura”. E explicou: “Como procedimento cabível, para zelar pela saúde, como estabelece o Artigo 196 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, segundo o qual a saúde é direito de todos e dever do Estado, e dar conhecimento à população, o melhor caminho é a escola”.
Assim Josefa aponta a importância de implementar, em níveis Federal, Estadual e Municipal, a conscientização e solidariedade mútua, para que consigamos, cada vez mais, salvar mais vidas. “Como um meio de conscientização solidária, trazemos a idéia de implementar o tema medula óssea, no currículo escolar, para que este valor seja agregado durante o desenvolvimento e crescimento do indivíduo no meio social”, o que pode ser feito pelo site http://www.voceconsegue.net/.

Ao obter o número de assinaturas necessário, o manifesto será encaminhado ao Presidente da República para que sejam tomadas as providências necessárias para resolver este que é um sério problema brasileiro e mundial. “Sua participação é muito importante!”, conclui Josefa Schimidt.

(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.





Hino ao crítico

* Por Vladimir Mayakowski

Da paixão de um cocheiro e de uma lavadeira
tagarela, nasceu um rebento raquítico.
Filho não é bagulho, não se atira na lixeira.

A mãe chorou e o batizou: crítico.

O pai, recordando sua progenitura,
vivia a contestar os maternais direitos.
com tais boas maneiras e tal compostura
defendia o menino do pendor à sarjeta.

Assim como o vigia cantava a cozinheira,
a mãe cantava, a lavar calça e calção.
Dela o garoto herdou o cheiro da sujeira
e a arte de penetrar fácil e sem sabão.

Quando cresceu, do tamanho de um bastão,
sardas na cara como um prato de cogumelos,
lançaram-no, com um leve golpe de joelho,
à rua, para tornar-se cidadão.

Será preciso muito para ele sair da fralda?
um pedaço de pano, calças e um embornal.
Com o nariz grácil como um vintém por lauda
ele cheirou o céu afável do jornal.

E em certa propriedade um certo magnata
ouviu uma batida suavíssima na aldrava,
e logo o crítico, da teta das palavras
ordenhou as calças, o pão e uma gravata.

Já vestido e calçado, é fácil fazer pouco
dos jogos rebuscados dos jovens que pesquisam,
e pensar, quando a estes, ao menos, é preciso
mordiscar-lhes de leve os tornozelos loucos.

Mas se infiltra na rede jornalística
algo sobre a grandeza de Puchkin ou Dante,
parece que apodrece ante a nossa vista
um enorme lacaio, balofo e bajulante.

Quando, por fim, no jubileu do centenário,
acordares em meio ao fumo funerário,
verás brilhar na cigarreira-souvenir o
seu nome em caixa alta, mais alvo do que um lírio.

Escritores, há muitos. Juntem um milhar.
E ergamos em Nice um asilo para os críticos.
Vocês pensam que é mole viver a enxaguar
a nossa roupa branca nos artigos?

(Tradução de Augusto de Campos e Boris Schnaiderman).




Luar de Saquarema

* Por Camilo Mota

ao amigo Gerson Valle

A lua tem júbilos de quem a retém
sem a morte pensar.
Breve companheira do céu, onde foram os namorados?
— Para a noite longa passear,
fazer carícias,
esconder os prantos.
Lua entre ondas de branco desenhada em vago mar,
corre notícia de pescadores assombrados,
de noites sem afago, de prantos sem namorados.
— Noite dessas vou armar rede
à espera de todos os barcos
que sumiram em vagas brancas de meu luar.
Corre, lua, corre, para dizer do outro lado do mundo
que o dia nasceu do lado de cá.
Volta, lua, volta, que eu também quero namorar.

* Poeta

Movera-se como um encanto

* Por Samuel C. da Costa

Movera-se para frente
Depois de muito andar para trás
Movera-se para frente
E sem olhar para trás

Evoluiu
Cresceu
Enfim, moveu-se...
Sem que todos esperassem

* Poeta e cronista de Itajaí/SC

Mulher em processo

* Por Camila do Valle

as palavras secas, duras, masculinas
as palavras perigosas e pontiagudas entre gritos e sussurros
as palavras penetrantes:
autonomia, repertório, simultaneidade, dessublimador,
associação imagética, corte epistemológico, marcador
diferencial, narrador heterodiegético e a expressividadeem processo.É que uma mulher não faria assim.Fala em independência, vocabulário e junção.Ao que parece e por exemplo.A palavra, se é do homem e está na minha boca,o meu corpo sabe: só faço para me masturbar.

* Poetisa

sexta-feira, 28 de agosto de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – A (ainda) mal-resolvida novela

Coluna Contrastes e confrontos – Urariano Mota, crônica “As melhores músicas do mundo”.

Coluna No sopro do Minuano – Rodrigo Ramazzini, conto “Vinho”.

Coluna Do real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire – texto, “Pílulas literárias (XIX)”.

Coluna Porta Aberta – Abílio Pacheco, poema “Habitat”.

Coluna Porta Aberta – Giordano Zaguini Furtado, poema “Intercalação dos lados”.

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


A (ainda) mal-resolvida novela

Hoje, proponho-lhe um teste, arguto e paciente leitor do Literário (que pode, quem sabe, ser questão de um dos tantos vestibulares que ainda restam País afora). Responda-me, sem pestanejar, de que gênero são os seguintes livros (se romances ou novelas):
“Cândido ou o otimismo”, de Voltaire (1759); “A morte de Ivan Ilitch”, de Leon Tolstoi (1886); “Um estudo em vermelho”, de Sir Arthur Conan Doyle (1887); Billy Budd, de Herman Melville (1891); “A volta do parafuso”, de Henry James (1898); “Tufão”. De Joseph Conrad (1903); “A metamorfose”, de Franz Kafka (1915); “O velho e o mar”, de Ernest Hemmingway (1952); “Adeus Columbus”, de Phillip Roth (1959); “Aura”, de Carlos Fuentes (1962) e “O exército de um homem só”, de Moacyr Scliar (1973).
Pensou? Já chegou a alguma conclusão? Se sua resposta foi que estes livros são novelas, está certíssimo. Caso, porém, tenha respondido que são romances, não está de todo errado. Muitos professores poderão considerar que você acertou (caso essa questão conste de algum vestibular que você venha a encarar). “Mas como?!”, perguntará, intrigado e atôtino o sujeito que gosta das coisas bem explicadinhas.
Tentarei explicar, o melhor que posso, esse impasse, com alguma coerência. Para isso, no entanto, com a finalidade de organizar o raciocínio e ser o mais objetivo possível, recorro à enciclopédia eletrônica Wikipédia.
A novela é (ainda) um gênero literário limítrofe. Ou seja, ora é confundida com um conto mais extenso, ora com um pequeno romance. A intenção do autor, que se utiliza dessa forma de narrar uma história, é que, afinal de contas, importa. A caracterização de gênero é mera preocupação acadêmica de professores de literatura ou de críticos.
Wikipédia nos informa que a origem da novela remonta aos primórdios do Renascimento. Sua criação é atribuída ao escritor italiano Giovanni Boccaccio (1313-1375), com seu clássico “Decameron”. O livro é estruturado como uma espécie de compilação de dez novelas, contadas por dez personagens (daí seu título, do grego deca, dez), sendo sete moças e três rapazes, refugiados numa casa de campo para escaparem dos horrores da peste negra, que nesse período dizimou mais da metade da população mundial.
Boccaccio fez com que seus dez personagens, ao longo de dez dias de confinamento, para se ocuparem de algo e evitarem o tédio, contassem, todos os dias, uma história cada um. Estas deveriam ser subordinadas a algum tema proposto previamente por alguém do grupo.
Mais de um século depois, uma escritora recorreria ao mesmo expediente. A mesma estrutura criada por Boccaccio seria usada pela rainha consorte de Henrique II, Margarida de Navarra (1492-1549), para escrever o seu “Heptameron”.
Wikipédia ressalta que foi “apenas nos séculos XVIII e XIX que os escritores fundaram a novela enquanto estilo literário regido por normas e preceitos. Os alemães foram, então, os mais prolíficos criadores desse tipo de narrativa (em alemão novelle, plural novellen). Para estes, a novela é uma narrativa de dimensões indeterminadas – desde algumas páginas até centenas – que se desenvolve em torno de um único evento ou situação conduzindo a um inesperado momento de transição que tem como corolário um desfecho simultaneamente lógico e surpreendente”.
Por enquanto, essas informações bastam. Todavia, prometo voltar amanhã ao assunto trazendo à baila o que os estudiosos de literatura consideram como as características distintivas desse gênero que, convenhamos, é sumamente ambíguo.
Para mim, enquanto escritor (e tenho certeza que para você também), pouco me importa se alguma das minhas tantas narrativas seja considerada um romance mais curto, um conto mais longo ou venha a ser rotulada, genericamente, de “novela”. Como, no entanto, para estudiosos de literatura isso conta, e parece que muito, voltarei, com certeza, amanhã a este mesmo assunto.

Por enquanto, boa leitura.

O Editor.



As melhores músicas do mundo

* Por Urariano Mota


Todos os anos como uma praga voltam os nomes das melhores músicas do mundo, de todos os tempos, em nossa grande e pequena imprensa. Ingênuos, sempre arregalamos os olhos à procura de algum Pixinguinha. Inútil. “Sofres porque queres”, poderia nos dizer o anjo Pixinga, a repetir o nome de um dos seus choros.

Agora mesmo ainda repercute entre nós a ROLLING STONE’S 500 GREATEST SONGS OF ALL TIME. Lindo, não é? Até parece título de filme da Metro-Goldwyn- Mayer. Mas, respeito, esse leão está rugindo há muito, desde quando a mais antiga lista das 500 maiores foi construída. Antes, mas tão recente, pois tudo que vem de Londres possui o dom da eternidade, agora mesmo, em 2003, os leitores do jornal The Sun elegeram Bohemian Rhapsody, do Queen, a melhor música da história. Ouviram bem, de toda a história. And now, de fato, a revista inglesa Uncut elegeu os cinqüenta melhores discos e as dez melhores músicas de 2007. A lista faz parte da edição especial de fim de ano, com John Lennon na capa, of course.

Não sei se o espanto é uma condição indispensável da ingenuidade. Ou, se da palavra retiramos a qualificação de andar pasmado, idiota, não sei se o espanto é a condição de estranhar o que não é razoável. Porque notem. Não causa mais espécie, nem urticária, que os ingleses e a sua maravilhosa imprensa considerem-se não só no centro do mundo, do universo, mas que sejam o próprio mundo e universo. É natural, tão natural, acreditam-se, e não sabem por que ainda exista quem se espante de tão óbvia verdade. Não faz muito, um professor brasileiro perguntou a um colega inglês, mais apto, é claro, se ele falava outras línguas. Resposta: “Eu não preciso. O mundo inteiro fala a minha língua”. Pois, como diriam os nossos portugueses.

Todos sabemos que a ignorância não tem dúvidas. A ignorância somente possui certezas. Porque vejam, leiam, meditem: dizer que a música, esta ou aquela, inglesa, sem dúvida, é a melhor da história ou das já gravadas, não é outra coisa se não dizer que: a) os outros povos não têm música; ou b) outros povos até que têm, mas nada que se compare à canção inglesa. Para melhor falar do tamanho dessa aberração muito gostaria de não ser brasileiro. Gostaria muito de conhecer Jobim, Pixinguinha, Noel Rosa, Paulinho da Viola, como se fosse um nascido em lugar diferente do Brasil. Até para ter a graça da revelação que deve sentir um estrangeiro diante da música desses gênios. Gostaria de não ser brasileiro, para falar mais isento.

O que causa maior espanto, enfim, não importa se a estupidez mora à margem do Tâmisa, é saber que a nossa imprensa repita, como se inglesa fosse, como se em Londres estivesse, o que naquele mundo, grande mundo se noticia. Se fôssemos uma cultura da idade das pedras, se a nossa formação se limitasse a tocar tambor e mandar mensagens por fumaça, até que seria compreensível, ainda que injusto. Mas não, possuímos uma diversidade cultural, uma força musical que o mundo culto, Japão e Europa, até mesmo alguns ingleses, reconhece.

Por isso, recomendo aos leitores que não leiam mais, nunca mais as “nossas” listas de 500 melhores músicas, de melhor música da história, dos melhores álbuns de todos os tempos. Em lugar disso, leiam Machado, Lima Barreto, a poesia de Carlos Pena, de Manuel Bandeira, ao som de, perdoem a redundância da frase composta somente de sinônimos, Pixinguinha imortal anjo negro autor de Carinhoso. Depois ouçam Capiba, na voz de Claudionor Germano, “quem vai pra farol é o bonde de Olinda. Você diz a todo o mundo que é milionária, mas só te vejo andando a pé...”.

* Jornalista e escritor



Vinho

* Por Rodrigo Ramazzini

- Está tudo terminado entre nós!
- Não era eu, Isadora!
- Como não, meu Deus!
- Eu juro!
- Como não era?
- Porque não era eu... Simples!
- Te viram na tal da festa, criatura!
- Quem me viu? Diz...
- Não vou falar!
- Essa pessoa tem que provar que me viu! Quem foi?
- Não vou falar!
- Tem foto? Vídeo? Outra testemunha?
- Não! A palavra dela já basta...
- Só pode ser ter sido a Marisa... Rica amiga!
- Encontrou com ela na festa, foi?
- Meu Deus, Isadora! Acredita em mim! Eu não fui nesta festa...
- Sei! Finjo que acredito... Não foi a Marisa que me contou, não!
- Quem foi então?
- Não vou falar. Já disse, Bruno!
- Não fala, então! Mas é inacreditável!
- O quê?
- Tu confias mais no que as outras pessoas te dizem do que eu te falo!
- Claro!
- Como claro? Dois anos de namoro já não é o suficiente para confiar em mim?
- Não! A minha amizade com a Vane...
- Sabia! Só podia ser aquela invejosa... Tu acreditas nesta invejosa?
- Por que não acreditaria?
- Porque ela tem inveja do nosso amor!
- Não sei de onde tu tiraste isto?
- Mas é verdade! Lembra que ela tentou ficar comigo antes de começarmos namorar e eu não quis. Lembra?
- Nada a ver, isso! Passado...
- Passado nada! Ela morre de inveja do nosso namoro e está tentando atrapalhar o nosso amor, criando intriga, alimentando fofoca...
- Fofoca, Bruno? Ela me deu detalhes... Disse com quem tu estavas... A cor da tua camisa... E mais um monte de coisas...
- Que cor era?
- O quê?
- A cor da camisa que ela te falou?
- Vinho!
- Tá aí!
- Ta aí o quê?
- Me responde: eu tenho alguma camisa cor de vinho?
- Me deixa pensar...
- Tem até amanhã! Não vai encontrar...
- Que eu me lembre, não!
- Estou dizendo que não fui nesta festa! Eu não tenho uma camisa cor de vinho...
- Isto não quer dizer nada! Ela pode ter confundido...
- Ah tá! Ela pode dizer o que quiser que tu acreditas! Eu falo a verdade e não vale nada...
- Não é assim!
- Como não? Tu sabes bem que eu não tenho uma camisa cor de vinho... E outra. Lembrei agora: essa tua amiga não é flor que se cheire. Uma invejosa... Tu sabes bem! Lembra que ela já fez essa mesma fofoca para a Joseane aquela vez? E ficou provado que o Marquinhos não tinha culpa no cartório. Hoje, os dois estão aí bem felizes juntos. Se tivessem acreditado nela... Lembra?
- Pois é...
- Então!
- Tu juras que não foi nesta festa sozinho?
- Juro, meu amor! Vem cá me dar um beijinho...
- Se eu descobrir algo... Eu te mato, hein!
- Pode ficar tranqüilo! Eu não fui... Agora me abraça!

No outro dia

- Cara! Estava louco para falar contigo!
- O que foi?
- Marquinhos, tu não vai acreditar! Primeiro quero te pedir desculpa! Aliás, perdão! E te agradecer!
- Por quê?
- Desculpa por ter xingado na sexta-feira passada...
- Pelo episódio do vinho lá em casa antes da festa?
- Exatamente! Se tu não viras aquele abençoado vinho na minha camisa antes de irmos pra a festa e me empresta uma camisa tua... Aliás, na cor vinho... Viva o vinho! Eu era um homem morto!
- Por quê?
- A Vanessa nos viu na festa e contou!
- Putz! E aí?
- O que me salvou foi a camisa e os antecedentes da moça!
- Aquela minha estória?
- Exatamente!

* Jornalista



Pílulas literárias 19

* Por Eduardo Oliveira Freire

DÉMODÉ

Quis usar o primeiro presente que a mulher lhe dera. Aos seus olhos a camisa continuava nova. Ela quando o viu, deu uma gargalhada; o homem perguntou o por quê do riso e quis saber a opinião dela se estava bem com a camisa. Mentiu, dizendo que sim e se justificou que só ficou surpresa; no entanto, não ficou impune ao labirinto da memória. Quando olhou ao espelho da sala de jantar, viu-se a jovem dos tempos de faculdade, comendo um salgado no quiosque da “tia Marinalda”.

ESVAIR-SE

– NÃO QUERO. É que quando me beija fico exaurida e só quero dormir depois. Tem uma aparência frágil, mas pode ser tão perigoso como uma rosa repleta de espinhos. Deixa-me descansar nos seus braços. Em meu peito sinto as vibrações do seu coração e os espinhos a perfurar o meu.

LAÇOS

Um fantasma me enviou um e-mail e lhe respondi desta forma: "Você não sabe? Você morreu".. Então, ele apareceu, outro dia, com uma torta e conversamos sobre o passado. Concluiu que não havia mais a amizade entre nós, éramos dois estranhos. Resolvemos deixar os espectros da nossa juventude naufragarem nas profundezas da memória. Agora, buscamos uma nova amizade. Os laços se desatam, entretanto, ao reatarem, poderão surgir novos vínculos.

* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor.



Habitat

* Por Abílio Pacheco

Sempre são meus os olhos que habitam esta casa:
paredes de tábuas despregadas,
ratos podres pelos cantos,
sapatos empoeirados nos tapetes,
comida estragada nos lixeiros,
caibros comidos por cupins,
telhas quebradas no telhado,
varias trancas nas janelas,
teias de aranha nos portais,
fogão engordurado por descuido,
quadros mal pregados nas paredes,
livros espalhados pelo chão,
roupas sujas sobre a mesa,
porta e fechadura arrombadas a tiro;

e os meus olhos assustados e despertos
já não habitam mais em mim.

* Poeta, autor dos livros “Poemia" (1998)” e “Mosaico primevo” (2008).

Intercalação dos lados

* Por Giordano Zaguini Furtado

Então, através do olho
que é janela da alma,
minha alma se confunde
com a imagem refletida,
na fossa da praia de Cabeçudas.
E de tanto ver o dentro e fora,
Minha vista restou cega, suicida.

* Poeta em Itajaí/SC

quinta-feira, 27 de agosto de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Formas de narrar

Coluna Contradições e Paradoxos – Marcelo Sguassábia, conto “Conflito de encarnações”.

Coluna Pássaros da mesma gaiola – Daniel Santos, crônica “O giro da maçaneta”

Coluna Do Fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, crônica “Notícia que marca (de verdade)”.

Coluna Porta Aberta – Cacá Pereira, poema “Da peste”.

Coluna Porta Aberta – Matéria de utilidade pública,“a invisibilidade do AVC”.

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Formas de narrar

Há três formas básicas de se narrar uma história, não importa o gênero escolhido – se con0to, romance ou novela –, cada uma delas com várias nuances, claro, de acordo com o estilo de cada escritor. Numa delas, o narrador coloca-se na posição de personagem principal. A narrativa, neste caso, é toda feita na primeira pessoa.
É utilizada, em geral, nos enredos caracterizados pela ação. Cada personagem revela sua personalidade e suas motivações nos diálogos e, sobretudo, agindo. A utilização dessa maneira de contar a história confere-lhe, via de regra, mais dinamismo. Como leitor, é a minha preferida. Já como escritor... Sinto-me limitado e tenho dificuldades de apresentar os protagonistas da forma exata como os imaginei.
Na segunda forma de narrar, o escritor também assume o papel de personagem, contudo secundário. Não é, pois, o principal protagonista. É uma espécie de testemunha da história, embora envolvido nela. Participa dela, mas o foco não está sobre si. Embora a utilize, não o faço com a mesma freqüência das outras duas.
E qual é a terceira? Confesso que é a minha preferida. É a que tem o narrador como uma espécie de ser sobrenatural, onipresente e onisciente, tanto que penetra até na mente dos protagonistas e relata, em pormenores, ao leitor, até seus pensamentos e sentimentos mais secretos e impenetráveis.
“Comanda”, portanto, os participantes do enredo, como se estes fossem bonecos de marionetes, que só agem quando manipulados através de cordões. Creio que é a forma de narrar que dá mais conforto ao narrador. Permite-lhe escrever histórias mais densas, com maior conteúdo, em que cada ação é justificada pela respectiva motivação.
Tem o inconveniente, porém, de tornar os textos mais massudos, muito explicativos, do que muita gente não gosta. O leitor menos atento, por exemplo, aquele que se preocupa basicamente com a ação, em geral foge de livros que tenham esta forma de narrar.
Embora, reitero, eu prefira esta terceira opção, tenho me utilizado de todas as três, de acordo com as circunstâncias (e, claro, caprichos). Afinal, o enredo é meu, sai da minha imaginação e me reservo, portanto, o direito de narrá-lo como melhor me aprouver. E pago, evidentemente, o preço da minha escolha, caso não seja habilidoso o suficiente para me utilizar de outros artifícios, não importa quais, que prendam o leitor ao andamento da narrativa. Como faço isso? Esse é o “pulo do gato” que a onça não pode saber!

Boa leitura.

O Editor.



Conflito de encarnações

* Por Marcelo Sguassábia

- Oi, amor.
- Ichi, atrasou um minuto e trinta hoje, heim. Cheguei a alimentar a esperança de que não viesse mais.
- Imagina, quem é morto sempre aparece.
- Dá pra falar sério ou vai continuar com a brincadeira?
- Brincadeira por brincadeira, foi você quem começou com aquela do copo. Não se deve invocar espíritos levianamente. Você perguntava, eu respondia. Foi assim uma semana inteira, toda noite, lembra? Você xavecando, querendo saber da minha vida e da minha morte, cada vez mais interessado. Não tem por que estar reclamando agora. Quem devia reclamar na verdade era eu, pois me comunicava por uma porcaria de um copo de extrato de tomate com uma crosta de sujeira no fundo e trincado na borda. Bem ao seu estilo, diga-se de passagem. Macho, desleixado, com noções precárias de higiene e ainda por cima encarnado. Arghh!
- Pois então não viesse. O que você queria, taças de cristal da Bohemia? Eu diria que o copo utilizado estava à altura da sua elevação espiritual. Aliás, eu já devia ter desconfiado do seu nível quando, ao falar sobre espíritos obsessores naquela tábua com as letras do alfabeto, você escreveu obsessão com c cedilha. O Aurélio está à disposição em algum lugar do céu, você podia tomar umas aulas particulares com ele.
- Ah, só faltava você me jogar essa na cara. Aqui no mundo dos espíritos ninguém precisa se preocupar com ortografia, bastam as boas vibrações. Coisa que você há muito tempo não vem emitindo pra mim. Já cansei de explicar pra você que somos almas gêmeas e que estamos juntos desde que o mundo é mundo. Só nos separamos temporariamente por um desencontro de encarnações...
- Olha, por mim eu deixava esse desencontro desencontrado pela eternidade afora. Quando eu for dessa pra melhor você estará encarnando de novo, e assim sucessivamente. Vai ser melhor pra nós dois. Com tanto fantasminha simpático aí em cima, logo você esquece de mim.
- Ledo engano, meu charmoso boneco de carne. Estarei sempre ao seu lado.
- Tá, e a minha privacidade, onde fica? Heim? Falar em privacidade, nem na privada tenho sossego, até no banheiro você dá o ar da graça querendo discutir a relação. Tenha dó. Quero mais é que comece logo o horário de verão, já que escurece mais tarde e eu ganho uma horinha antes de você baixar pra me encher a paciência.
- Ok, prometo ser mais discreta em minhas aparições daqui pra frente.
- Melhor ainda se limitá-las a umas duas vezes por semana, quando muito. E dê preferência aos dias de faxina, quando eu não estiver em casa.
- Bom, eu não desci aqui pra brigar com você. Mudando de assunto, como estou hoje?
- Com toda certeza, mais pálida que o costume.
- E lhe agrada? Musas geralmente são pálidas.
- Embora a palidez nesse caso seja da natureza cadavérica. E decididamente não sou chegado em necrofilia.
- Que é isso querido, não curte uma alma pelada? Imagina nós dois num caixão de casal, com rendinhas negras e colchão de água...
- Não fala assim que é pecado. Na condição de espírito você devia dar o exemplo.
- Ai, que santinho. Leio seus pensamentos o tempo todo e sei que você é um devasso. E se continuar assim, vai direto pro inferno.
- Deus me livre. Pra encontrar você lá?


* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”




O giro da maçaneta

* Por Daniel Santos

Gostoso mesmo era passar a tarde com as amigas; pelo menos, de vez em quando. Cafezinho, bolo de laranja ... E conversavam de tudo, de tudo riam-se desbragadas como solteiras ainda sem noção de prazos.

É, mas estava para terminar, que ele, o marido, logo chegaria do trabalho. De mau-humor, sem sorrisos nem o previsível “boa noite”, ele abriria a porta num repelão, sem pudor de constranger a qualquer.

Aliás, só de pensarem na chegada dele, as mulheres sentiam-se desconfortáveis. Fazer o quê?! Ele tomaria o lugar onde elas folgavam à vontade. Não mais íntimas, mas formais ... quando ele chegasse.

E chegou. Primeiro, passos pesados lá fora. Depois, um pigarro forçado, algo raivoso, de quem intui desgoverno dentro da própria casa. Enfim, o giro da maçaneta como o ponteiro do relógio no fim do prazo.

Caladas, apreensivas, despediram-se da amiga, pegaram bolsas e sacolas e aguardaram que ele surgisse enorme, quem sabe até ameaçador, no vão da porta. Afinal, aquele olhar de exclusão. Na certa, assim seria.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.