domingo, 31 de julho de 2011







Leia nesta edição:

Editorial – Escrita com maestria

Coluna Direto do Arquivo – Laís de Castro, conto “Velha leoa”.

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, poema “Sementes do amanhã”.

Coluna Clássicos – Humberto de Campos, conto “Os submarinos”.

Coluna Porta Aberta – Leonardo Boff, artigo “Ainda o fundamentalismo”.

Coluna Porta Aberta – Jomard Muniz de Britto, poema “A morte máxima de Amy Winehouse”.


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Escrita com maestria


Disse o escritor britânico, Graham Greene, que "há sempre um momento no tempo em que uma porta se abre e deixa entrar o futuro". Há homens que são clarividentes. Têm uma percepção de realidade superior aos demais. Expressam, em suas vidas e obras, a sabedoria e os anseios intemporais do ser humano. São muito mais do que modernos. São eternos. São modelos, mestres, paradigmas. São especiais. São as portas por onde o futuro entra.

Um desses homens – escritor, e dos melhores – foi o professor Benedito Sampaio. Poucos conhecem-no, hoje. Por que? Porque seus livros não foram republicados após sua morte, tipo de omissão bastante comum das nossas editoras. Quem, como eu, teve o privilégio de adquiri-los, delicia-se com sua literatura e, sobretudo, aprende, e muito, principalmente a manejar corretamente nosso expressivo idioma. Afinal, foi professor de Português que marcou época na cidade que resido, Campinas, por seu rigor no ensino desta “última flor do Lácio, inculta e bela”, como caracterizou-a o poeta Olavo Bilac.

Há que se distinguir entre sua atuação no magistério e sua lide literária. E, na literatura, separar sua obra em prosa, da sua clarividente poética. Claro que todos esses aspectos se fundem, se amalgamam, se unem, para compor uma personalidade fascinante, um ser humano espiritualmente rico, capaz de dosar com maestria, emoção e razão, "cabeça de gelo" e "coração de fogo", constância e ousadia, conservadorismo no que deve ser conservado --- ou seja, os valores eternos, consagrados pelos séculos --- e progressismo.

Houvesse sido só professor, já teria reunido méritos mais do que suficientes para a “imortalidade”, aquela única possível a qualquer um de nós: a da memória. Mas, à cátedra, uniu sua pena brilhante e vigorosa, legando-nos uma obra sólida e memorável. A paixão de Benedito Sampaio pelo ensino era tamanha, que, mesmo depois de aposentado, em 1950, continuou dando aulas particulares para futuros acadêmicos de Direito e integrando, oficialmente, bancas examinadoras de concursos.

Esse escritor talentoso era muito cioso sobre o que, como e acerca de quem escrever. É dele esta advertência, na crônica intitulada "O Jornalista", publicada no livro "De Minha Chácara": "Ai das mãos sacrílegas que profanam o jornalismo! Ai daqueles que, arrebatando das mãos do jornalista a pena impoluta que tem a nobreza da espada, começa de brandi-la como o sangrento punhal que fere desapiedado as reputações legitimamente alicerçadas! Ai das mãos impuras que profanam com mentira e calúnia o templo augusto da Verdade! Ai da pena venal que deixou de ser de ouro, porque por ouro se mercadejou no balcão dos interesses mesquinhos!"

Embora espírito cordato, homem dotado de finíssimo senso de humor, Benedito Sampaio não temia enfrentar polêmicas públicas, em defesa da pureza da língua. Publicou, entre outras obras, os estupendos, claros e preciosos compêndios: "Elementos de Gramática", "Questões da Língua" e "Falar Certo" e mais a antologia "Leituras Fáceis". Como seria bom se as escolas adotassem livros do mestre, para ensinar português correto e bem escrito aos seus alunos! Temos visto compêndios que chegam a ser assustadores. Mais confundem do que esclarecem. Semeiam ideologias odiosas, a pretexto de incentivar a leitura. Preservar a pureza da língua é o dever primordial do intelectual.

Como cronista, Benedito Sampaio tem textos deliciosos, publicados nos dois jornais diários de Campinas – “Diário do Povo” e “Correio Popular” – consolidados nos volumes "O Cosmorama da Cidade", que foi premiado pela Academia Brasileira de Letras, e "De minha Chácara". Suas crônicas são, boa parte delas, na verdade, pequenos contos. São repletas de humor e revelam, sobretudo, um homem extremamente observador, conhecedor profundo da natureza humana, e refinado crítico de costumes. Além de intelectual apaixonado por seu país e pelo seu povo.

Criou tipos que encontramos a todo instante pela cidade, intemporais, perenes, mas de carne e osso. Como o doutor Abrenúncio, por exemplo, que se gabava de "ter lido tudo, sem ter lido nada". Como Binucho. Como o Lindoro, que lhe surrupiou o livro "Gramática Brasileira", do padre Figueira. Como o Zeferino. Como o Juca das Neves e seus álbuns. Como o poeta Gervásio. Como o pedante Nicote, dos pafós e das xaras. E vai por aí afora.

Não enveredou pelo romance, porque o gênero, provavelmente, não lhe aprazia. Benedito Sampaio adotava, na prática, uma norma basilar: jamais explorou a temática da degradação humana. E, mesmo quando retratava desvios de comportamento, tipos que agiam em desacordo com a moral e os bons costumes, deixava sempre, como conclusão, alguma mensagem proveitosa, algum ensinamento aos leitores. Não há um único texto do mestre explorando o sexo, a corrupção humana no mais alto grau, a violência absurda e gratuita, ou seja, o grande filão da indústria editorial de hoje. Sua pena era usada com talento, com perícia, com elegância, para instruir, para educar, para exaltar a família, a pátria, a amizade, a lealdade e todas as virtudes essenciais ao homem, para um convívio saudável em sociedade. Deixou-nos páginas impregnadas de esperança, deliciosas, sumamente originais, a comprovar que é possível o escritor praticar uma arte que promova a evolução do indivíduo, sem fazer apologia do derrotismo, da decadência, das chagas morais, cada vez mais expostas ao público, de forma abjeta e paranóica, nestes dias de tamanha obscuridade e solidão que a humanidade atravessa. Por isso, tomo-o por parâmetro em minha atuação literária.

Benedito Sampaio não possui um único texto, por menor que seja, que faça, mesmo que veladamente, a apologia do derrotismo. Suas críticas aos defeitos humanos --- uma realidade que se impõe ressaltar --- eram sutis, respeitosas, utilizando muitas vezes o expediente sempre didático da fábula, para extrair lições sobre as vantagens da virtude e da boa conduta, em detrimento dos vícios e da degradação. Isto, sem partir para aqueles sermões pedantes e hipócritas, que os falsos moralistas utilizam, com objetivos de autopromoção. Seus textos são, via de regra, bem humorados, mal escondendo o profundo amor que o autor nutria pelas pessoas menos aquinhoadas.

Foi, também, magnífico poeta. Suas poesias não sofrem os efeitos do tempo. Não são, portanto, modernas. São mais do que isso. São intemporais. São eternas. São poesias e nada mais. Estão reunidas, principalmente, no livro "Tangolomango". Trago, da sua autoria, como “amostra”, este belo poema:

Espelho

"Um dia,
da profundeza tenebrosa
do vazio não-ser,
a semente ignorada,
amorosa brotou.
Tenho a impressão que a semente amorosa fui eu.

A semente ignorada nasceu,
e se fez lágrima,
e foi crescendo:
e então fiquei sendo uma lágrima grande.


Do tamanho de um lago sem bordas,
que sem termos se espalha e se abisma no abismo.

Não ficou na Capela Sistina a tristeza e o pavor

da primeira mulher pecadora,
mas caiu no painel de minha lágrima...

O pranto imenso da catástrofe maior
não se imergiu no bom dilúvio do castigo:

Anda a boiar na minha mágoa.
Hiroshima explodiu! Houve um clarão sinistro
iluminando a minha lágrima...

Quando Nossa Senhora chorou,
ficou mais úmido o meu rosto!

Eu sou uma lágrima grande,
que rola pelas encostas
da montanha --- sofrimento!
Eu sou lágrima de lágrimas!
Das lágrimas universais:
Das lágrimas dos homens que nasceram desgraçados,
das lágrimas dos homens que viveram como tristes,
das lágrimas dos homens que morreram chorando...

Sou espelho de todas as lágrimas,
sou uma lágrima grande!

Mas disso não me envaído. Que glória haverá nas minhas lágrimas,
se até com as fitas tristes de Hollywood

eu me ponho a chorar?"


Boa leitura.

O Editor.


Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk






Velha leoa

* Por Laís de Castro


Foi quando joguei meus óculos de pesada miopia pela janela do ônibus. Dali para a frente, não precisaria ver mais nada. Aquela música, o batuque, todos aqueles instrumentos de lata e couro até agora cadenciam as batidas do meu coração num benéfico ritmo que me embala e anima. Comemora-se a liberdade do opressor e o nascimento de um novo país. Dia 12 de setembro de 1948, República dos Diamantes: no extremo norte da malfadada América do Sul, o sonho invade o ar como a fumaça das cigarrilhas, esse é nosso país e vai dar certo, que de ilusão também se vive e ninguém corta ilusão com faca. A Amazônia brasileira abaixo, o oceano acima, uma colônia francesa a oeste, a possessão holandesa explorada a pleno vapor a leste. O que farão eles com seu pequeno país, espremido entre tantas forças, ensanduichado entre duas colônias paupérrimas, o mar imenso e uma floresta. Importa, mas não importa e seria curioso, se não fosse trágico.

Esses caribenhos são duros na queda, têm personalidade, mas não dinheiro. São honestos, mas há focos de corrupção, feito pontos de catapora que, de repente, podem se unir sobre toda a superfície da pele e da terra daquele país ainda limpo, se eu acreditasse em deuses faria promessas pela salvação terrena daquela gente de bom senso e ótima vontade. No entanto e apesar disso, as máquinas das quatro indústrias que não se retiraram com a independência estão velhas e sem lubrificação, feito a alma deles que chega até aqui sucateada de tantas lutas, o coração coberto da poeira das estradas que levaram à libertação, o estômago vazio como as lojas, os pés sangrando e feridos como as mentes, tantas são as humilhações desde que se tornaram colônia de um país forte e cruel.

Nessa jardineira em que me meti depois dos dois dias de festas, todos falam espanhol, não dou um pio, para não ser identificada como uma estranha.

Enfiar a cabeça como avestruz num espaço que a luta não destruiu, que o sangue não manchou, entre os sonhos virgens daqueles ribeirinhos que o arrastão do horror das últimas lutas e o fugaz êxtase da vitória não embriagaram, carregando na mala a certeza de que óculos e tortura nunca mais, porque o que de pior e de melhor poderia ter visto, já vi.

A menina mais velha varre o terreiro de terra batida, lisa e dura como uma bola de bilhar, na faixa estreita que se fez morada, entre o caudaloso rio Cournatyne e a floresta tropical úmida. A casa de toras, o fogão de barro, as cadeiras toscas e uma rede. Uma só, mas logo haverá outra, porque as cordas vêm sendo cuidadosamente trançadas pelas mãos do irmão, artesão nato, perfeito, detalhista e cuidadoso. Ninguém lhe ensinou nada. Um dia, muitos anos depois deste, alguém lhe dará papel e tesoura e o menino se tornará um fenômeno, mas este dia está longe, por enquanto ele tece redes e canta a música dos bichos.

Tudo começou quando o pai e um irmão se puseram a caminho, na barcaça, e apearam onde o peixe era farto, bem longe de tudo e de todos, para uma pescaria e nada mais. Sem esperança, foram ficando e tocaram a vida como se toca a canoa, primeiro uma choupana, depois uma casa de madeira, frutos da floresta, sustos e medos dos bichos bravios que apareciam repentinamente, mas aqui sem mulher não dá para viver e se a gente for buscar duas na cidade. Duas mulheres, duas casas, dois anos e dois filhos depois a mulher do irmão encasquetou que ali naquela pobreza de comer peixe e fruta não vivia mais e foram embora na barcaça em que vieram. Na mesma barcaça que deixava ali, em regime de escambo, pleno século XX, o açúcar, o sal, um pequeno espelho e um sabonete uma vez, fósforos, melhoral e panos velhos de cama, mesa e banho, roupas próximas de trapos, contudo ainda de serventia. O tempo foi passando e entre os filhos nascedores e morredores restaram seis, os outros quatro estão enterrados atrás do mulungu, “mi padre no tenia ni pico para trabajar la tierra, tubo que usar un palo para hacer los agujeros”.

As crianças não têm nome nem fome, não têm documentos nem lamentos, não têm televisão mas o rio, a floresta e o pôr-do-sol se encarregam dos mais lindos espetáculos diários para seus olhos ávidos de novidades. Não tomam vacinas, mas não pegam piolhos dos colegas de escola, quem nunca pegou que levante a mão agora ou cale-se para sempre. Os dias não são numerados e nem batizados com nomes arbitrários, ninguém sabe se é domingo ou segunda-feira, o passar do tempo só se revela quando o calor vira o frio, a chuva vira sol, a lua cheia clareia as noites desenhando o perfil das árvores sobre as águas do rio e a minguante escurece tudo, enchendo de fantasmas a densa selva ali do lado. Ninguém vai ponderar o esvair de trinta janeiros ou de dezenas de natais, não há carnavais nem dias de finados, muito menos eleições ou revoluções, políticos infestados de poder, glória ou afundando como machado sem cabo em águas turvas.

Num dia qualquer, ao ver, da proa da barca, a menina varrendo o terreiro, um marinheiro desembarcou e pediu pra ficar. O pai vislumbrou ajuda naqueles braços fortes e um macho para cuidar da filha, ele andava cansado de pescar e caçar, os meninos demoravam a crescer. O homem da água doce veio com disposição dobrada, trouxe martelo e pregos, fez uma casa de madeira e vários filhos, eu gosto desse lugar, mas preciso comer galinha e ovos, trocou cem quilos de peixe por duas poedeiras com seu ex-capitão e foi daí que passou a existir um insólito galinheiro em plena selva, na distante década de 50, daquele século XX que ninguém verá mais.

Era assim quando eu cheguei imaginando que não haveria de existir nada mais a ver ou ouvir, nada mais a buscar além da paz daquelas margens, o rio azul descendo em vogas, como os sonhos. Pois havia. Acostumei à pouca roupa, a lavar a cabeça e os dentes com joá, você vai ver é melhor do que pasta de dente da cidade que um dia a barca deixou.

Criei defesas contra os borrachudos, os marimbondos-cavalo e outros monstros voadores e chupadores de sangue, que existem lá às toneladas e hoje nem vejo. Embalei os meninos menores com histórias de fadas e heróis que um dia eles iriam conhecer. E inventei que todos precisavam saber ler e escrever. Haja peixe pra trocar por lápis, cadernos e cartilhas. Haja peixe pra trocar por revistas, que um deles se tornou curioso. Haja peixe para a primeira viagem, que o outro quis ver a tal da cidade. Haja peixe para trocar por batom, pois a vaidade faz parte do inconsciente coletivo feminino.

As notícias políticas também chegavam, acérrimas. Eu me embrenhava pela mata, com medo do mundo real. Sentia a proteção da escuridão e dos bichos, seus olhos sobre mim, mas eles nunca atacam como os humanos, apenas se defendem, como a natureza.

A cidade estava chegando lá e eu tinha pavor, na fraqueza de meus já adiantados anos, não sabia mais quantos, a pele amassada feito um papel de seda velho, as pernas, antes torneadas e agora fornidas, os passos já trôpegos, o cabelo mais ralo e os olhos míopes sem os óculos que atirei longe. Primeiro veio a equipe de televisão. Por quatro longas horas me mantive entocada num buraco da floresta do entorno, que já conhecia palmo a palmo. Depois veio o jornal. E a revista. Trazendo balas, doces e brinquedos vagabundos, uma toalha de mesa. Davam de presente, para estragar os dentes dos meninos, o meu humor e excitar o consumo, nós que nada precisávamos, tínhamos esquecido o mundo e sido por ele esquecidos.

Queriam levar meu diário, de mais de vinte anos (imagino, pois também acostumei a não contar o tempo). Não deixei, fingindo de brava, escondendo assim minha fragilidade interior. Deixei tirar uma foto só, sentada no bote de tronco, meio de longe. Registraram em acetato e celulose meus olhos azuis e o cabelo esbranquiçado que guardava alguns sinais do antiqüíssimo louro dourado natural, que seduzia os tolos. Todavia nunca souberam que eu tinha um passaporte vencido do império britânico, era parte do colonizador que submetera o povo local a privações, por mais de um século. E expiava ali a culpa de ter servido a essa maldita causa por três décadas. Meu nome não digo nem sob tortura, os meninos me chamam de clara.

Eu me tornei uma velha e sábia leoa da selva. Atacar não ataco, mas sei me defender.

(Conto do livro “Um velho almirante e outros contos”)

* Jornalista e escritora, trabalhou décadas no grupo Abril (3 prêmios Abril). Trabalhou, ainda, na Editora Três (sob Luís Carta), na Editora Símbolo onde foi diretora da Corpo a Corpo, da Vida Executiva e, agora, é da Dieta Já. É autora do livro “Um velho almirante e outros contos”, pela Editora Siciliano.






Sementes do amanhã

* Por Pedro J. Bondaczuk

Garimpo, diligente e pressuroso, diamantes
(que, como todos sabem, são eternos)
nos riachos translúcidos dos seus olhos,
fontes de enigmas, surpresas e mistérios.

Sacio a sede, insaciável , de afetos
em seus lábios, sensuais e cálidos.
Torno coloridos os cinzentos sonhos
que, longe de você, são sem vida, pálidos.

Sinto o magnetismo mágico das suas mãos.
Esqueço dores e desgostos, todos medos.
Entro em êxtase, pois deliro de paixão
sob o toque magnético dos seus dedos.

Delicio-me com a ambrósia dos deuses
que, sôfrego, sorvo da ânfora da sua boca.
Minha alma vaga pelos paramos infinitos,
longe do mundo, distante desta vida louca.

O sol desponta. Dilui a névoa trevosa.
Sua presença torna a desesperança vã.
Deposito, em seu ventre, terra generosa
as sementes redentoras do amanhã.

Amo-a, querida, sempre amei-a e amarei.
Você é, do meu mundo, a mais brilhante estrela.
Amo-a desde a origem, desde... quando? Nem sei!
Desde antes de conhecer-me e de conhecê-la!

Caminharei ao seu lado, ungido, com devoção,
felicíssimo por encontrar minha verdade,
seguro e convicto, guiado por sua mão,
a vida toda, além da morte, pela eternidade.

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk






Os submarinos

* Por Humberto de Campos


À margem do Tietê, em lugar em que o rio se tornava mais claro e menos profundo, tomavam banho, uma tarde, sete ou oito crianças, de quatro a nove anos, entre as quais uma encantadora menina, a Lili, irmã do Armindinho, que era, no grupo, o mais insuportável e barulhento. Com a inocência peculiar à idade, apresentavam-se todos despidinhos, nadando, mergulhando, pulando, como um bando de golfinhos irrequietos.
O barulho que faziam, era, como facilmente se imagina, ensurdecedor. Entregues a si mesmos, rolavam-se na areia, atiravam-se terra, empurravam-se, nadando, ora de papo para cima, ora de papo para baixo, com as mãos em movimento dentro dágua, no "nado de cachorro", batendo com os pés, na imitação dos navios de roda, ou de barriga para o sol, agitando os braços ritmadamente, como escaleres em marcha pelo impulso regular de dois remos.
Estavam os pequeninos tritões no mais aceso do entusiasmo, quando o Armindinho propôs, gritando:
- Vamos brincar de submarino?
- Vamos! - concordaram os outros, aos pulos, com o busto fora dágua. - Vamos!
Unindo o gesto à palavra, o Armindinho atirou-se à frente dos companheiros, nadando, ágil, de peito para o ar, meio submerso, dando marcha ao corpo com o movimento das mãos debaixo dágua. Imitando o inovador, os outros pirralhos fizeram o mesmo, de papo para cima,, pernas estiradas, silenciosos, como uma verdadeira flotilha de submersíveis.
Momentos depois, de volta à margem, iam repetir a proeza, quando a Lili pediu, nuazinha, batendo as mãos:
- Eu também vou, mano, eu também vou! Sim?
O Armindinho encarou-a, com a superioridade de um oficial alemão, e protestou:
- Não; você não pode!
E virando-se para um dos companheirinhos, explicou, com a maior inocência do mundo:
- Ela não tem periscópio; não é?



* Romancista e contista maranhense, imortal da Academia Brasileira de Letras






Ainda o fundamentalismo

* Por Leonardo Boff

O ato terrorista perpetrado na Noruega de forma calculada por um solitário extremista norueguês de 32 anos, trouxe novamente à baila a questão do fundamentalismo. Os governos ocidentais e a mídia induziram a opinião pública mundial a associar o fundamentalismo e o terrorismo quase que exclusivamente a setores radicais do Islamismo. Barack Obama dos USA e David Cameron do Reino Unido se apressaram em solidarizar-se com governo da Noruega e reforçaram a idéia de dar batalha mortal ao terrorismo, no pressuposto de que seria um ato da Al Qaeda. Preconceito. Desta vez era um nativo, branco, de olhos azuis, com nivel superior e cristão, embora o The New York Times o apresente “sem qualidades e fácil de se esquecer”.
Além de rejeitar decididamente o terrorismo e o fundamentalismo devemos procurar entender o porquê deste fenômeno. Já abordei algumas vezes nesta coluna tal tema que resultou num livro “Fundamentalismo, Terrorismo, Religião e Paz: desafio do século XXI”(Vozes 2009). Ai refiro, entre outras causas, o tipo de globalização que predominou desde o seu início, uma globalização fundamentalmente da economia, dos mercados e das finanças. Edgar Morin a chama de “a idade de ferro da globalização”. Não se seguiu, como a realidade pedia, uma globalização política (uma governança global dos povos), uma globalização ética e educacional. Explico-me: com a globalização inauguramos uma fase nova da história do Planeta vivo e da própria humanidade. Estamos deixando para trás os limites restritos das culturas regionais com suas identidades e a figura do estado-nação para entrarmos cada vez mais no processo de uma história coletiva, da espécie humana, com um destino comum, ligado ao destino da vida e, de certa forma, da própria Terra. Os povos se puseram em movimento, as comunicações universalisaram os contactos e multidões, por distintas razões, começam a circular pelo mundo afora.
A transição do local para o global não foi preparada, pois o que vigorava era o confronto entre duas formas de organizar a sociedade: o socialismo estatal da União Soviética e o capitalismo liberal do Ocidente. Todos deviam alinhar-se a uma destas alternativas. Com o desmonte da União Soviética, não surgiu um mundo multipolar mas o predomínio dos EUA como a maior potência econômico-militar que começou a exercer um poder imperial, fazendo que todos se alinhassem a seus interesses globais. Mais que globalização em sentido amplo, ocorreu uma espécie de ocidentalização mundo e, em sua forma pejorativa,uma hamburguerização. Funcionou como um rolo compressor, passando por cima de respeitáveis tradições culturais. Isso foi agravado pela típica arrogância do Ocidente de se sentir portador da melhor cultura, da melhor ciência, da melhor religião, da melhor forma de produzir e de governar.
Essa uniformização global gerou forte resistência, amargura e raiva em muitos povos. Assistiam a erosão de sua identidade e de seus costumes. Em situações assim surgem, normalmente, forças identitárias que se aliam a setores conservadores das religiões, guardiães naturais das tradições. Dai se origina o fundamentalismo que se caracteriza por conferir valor absoluto ao seu ponto de vista. Quem afirma de forma absoluta sua identidade, está condenado a ser intolerante para com os diferentes, a desprezá-los e, no limite, a eliminá-los.
Este fenômeno é recorrente em todo o mundo. No Ocidente grupos significativos de viés conservador se sentem ameaçados em sua identidade pela penetração de culturas não-européias, especialmente do Islamismo. Rejeitam o multiculturalismo e cultivam a xenofobia. O terrorista norueguês estava convencido de que a luta democrática contra a ameaça de estrangeiros na Europa estava perdida. Partiu então para uma solução desesperada: colocar um gesto simbólico de eliminação de “traidores” multiculturalistas.
A resposta do Governo e do povo norueguês foi sábia: responderam com flores e com a afirmação de mais democracia, vale dizer, mais convivência com as diferenças, mais tolerância, mais hospitalidade e mais solidariedade. Esse é o caminho que garante uma globalização humana, na qual será mais difícil a repetição de semelhantes tragédias.

* Leonardo Boff é teólogo e autor de “Tempo de Transcendência: o ser humano como projeto infinito”, “Cuidar da Terra-Proteger a vida” (Record, 2010) e “A oração de São Francisco”, Vozes (2009 e 2010), entre outros tantos livros de sucesso. Escreveu, com Mark Hathway, “The Tao of Liberation exploring the ecology on transformation”, “Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz” (Vozes, 2009). Foi observador na COP-16, realizada recentemente em Cancun, no México.


A morte máxima de Amy Winehouse

* Jomard Muniz de Britto

Eles fingiram morrer aos 27 anos porque
sabiam pela inconstância da alma não
existir nada de novo para apreender.
E jamais acreditaram na Realeza e no
sonho americano, na idade de ouro das
vanguardas e, portanto, gozavam com
eternos desafios do ex-pe-ri-mental.
Tantas negações, morte máxima pelo SIM:
todas as coisas estão cheias de deuses
polivalentes, malvados e perplexos.
E os garotos(as), EMOS em seus ninhos
sem pergaminhos retornavam territórios
diferentes das encruzilhadas de Hamlet
aos solitários de Jesus. Ainda sonhando
perspectivas aglutinadoras de signos.
Permutando antropologias e antropofagias.
Além dos precipícios do prazer
e atavismos familionários .
Aquém dos chistes e enigmas, ou melhor,
das cotidianas tragicomédias.
Nada de novo para desaprender.
Tudo pelo êxtase da luta corporal
desacreditando potências do sol ao luar.
Amy nunca foi Alice no exílio dos
desvairados. Mas sua voz dilacerava
alegrias do amor juvenil por quem deveria
ser mais forte. Nada e tudo de sempre
nas tatuagens do vivencial em perigo.
Morrer aos 27 anos em estrelações
tentando escapar das dualidades:
Inconsciente/supereu; barbárie/civilização;
acasos/necessidades; beleza/simulacros.
Quando Arthur Carvalho admirou a voz
onipresente de Amy Winehouse, imaginamos
que algo do melhor poderia acontecer.
Apesar das mortes súbitas, do desamparo
fundamental e da agonia consumista.
Garota irada, Amy transfigurou nossas
loucuras sublimando o terror grotesco.

• Poeta e escritor

sábado, 30 de julho de 2011







Leia nesta edição:

Editorial – Artista dos sete instrumentos.

Coluna Direto do Arquivo – Juarez José Viaro, crônica “Mundo virtual”.

Coluna Clássicos – Fernando Pessoa, poema, “Eros e Psiquê”.

Coluna Porta Aberta – Urda Alice Klueger, crônica “Praia do Campeche - Anoitecer”.

Coluna Porta Aberta – Luiz Carlos Monteiro, poema “Os marginais”.

Coluna Porta Aberta – Clóvis Campêlo, poema “Poema ao guerreiro”.


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk.As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Artista dos sete instrumentos

A
expressão “artista dos sete instrumentos”, uma espécie de metáfora, é muito utilizada para caracterizar aquelas pessoas muito hábeis, que exercem, com a mesma perícia e competência, diversas funções, não necessariamente do meio artístico. Uso muito essa figura de linguagem, sempre que pertinente. Ela já caiu no domínio público. E o “sete”, da expressão, não é específico dessa cifra, mas Apenas aleatório. Não é necessário que a pessoa, assim caracterizada, exerça exatamente esse número de funções. Elas podem, por exemplo, ter três ou quatro, como podem, também, ter dez, quinze ou vinte aptidões diferentes.
Minha personagem de hoje merece, como poucos, que se lhe aplique essa designação. Mais ainda, por se tratar de artista. É personagem conhecidíssima no mundo da cultura, especificamente no da arte. Ela é, para que vocês tenham uma idéia, atriz, cantora, compositora, designer de moda, filantropa e... escritora. É exatamente por esta última habilidade que trago seu nome à baila nestas reflexões. Refiro-me à texana, natural de Houston (onde nasceu em 28 de setembro de 1967), Hilary Erhard Duff.
Caiu a ficha? Pois é, é ela mesma. Não há uma só pessoa razoavelmente informada, sobretudo sobre o que se passa no mundo artístico, que não a conheça. Talvez a maioria desconheça a sua faceta de escritora. Todavia, desde o lançamento do romance “Elixir”, essa talentosa artista entrou, de corpo e alma, também no fascinante e instável mundo das letras. Aliás, ela estará por estes dias no Brasil, mais especificamente na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, para autografar esse livro. Será, certamente, o maior chamariz desse evento, não tenho a menor dúvida.
Escrever sobre o seu sucesso, em todas as multi-atividades que exerce, é desafio digno dos famosos “doze trabalhos de Hércules”. Daí minha opção em concentrar-me, especificamente, em sua atividade de escritora. Hilary Duff conquistou o estrelato notadamente após interpretar a personagem-título do famoso seriado do canal de televisão a cabo Disney Channel, a Lizzie McGuire. Isso ocorreu em 2001.
No ano seguinte (2002), lançou-se como cantora, com o álbum natalino “Santa Claus Lane”. No ano seguinte, “estourou” nas paradas de sucesso, com a gravação de “Metamorphosis”, que em apenas dois anos vendeu cinco milhões de cópias, o que lhe valeu três discos de platina. E esse álbum continua vendendo a rodo, ascendendo a cifras astronômicas, estimadas, por baixo, em mais de 20 milhões de unidades. Como se vê, a “artista dos sete instrumentos” , quando faz sucesso, faz mesmo e por completo, não somente em parte. Para ela, como se vê, cabe bem outra expressão bastante popular: “o céu é o limite”.
Meu interesse, obviamente, reitero, centra-se na atuação de Hilary Duff como escritora. “Elixir”, seu livro de estréia, que é sucesso nos Estados Unidos (o que chega a ser redundante, pois tudo o que faz agrada críticos e admiradores) e que, logo, também o será no Brasil, principalmente após sua presença na Bienal do Rio de Janeiro, conta a história de uma jovem fotojornalista, Clea Raymond.
O enredo é picante e o ritmo do romance é alucinante. Hilary combina o poder de atração de um triângulo amoroso com emocionantes aventuras internacionais. “Elixir” prende a atenção do leitor da primeira à última página. O lançamento no Brasil, a cargo da Editora Id, ocorreu em 1º de junho de 2011. E, para os seus milhões de fãs brasileiros, que tendem a se tornar, também, seus leitores, aqui vai uma boa notícia. Essa (literalmente) “artista dos sete instrume4ntos” anunciou que já está escrevendo a continuação de “Elixir”. O novo livro tem, até, título: “Devoted”.
Clea Raymond, personagem central do romance de Hilary Duff, chama a atenção por ser filha de um afamado cirurgião, que também é um deputado de Washington, o que a torna alvo de armações e intrigas. Uma de suas fotografias, em particular, a assombra. É a imagem de um misterioso homem, que chama a atenção por sua estranha aparência. Quem é ele? Para complicar, seu ilustre pai desaparece e ninguém sabe como e nem onde está. Foi seqüestrado? Deixou por conta própria a cidade sem avisar ninguém? Corre perigo? Está vivo? Está morto?
Para responder a essas perguntas, Clea viaja pelo mundo, na companhia de seus melhores amigos, Rayna e Ben. Todavia, mais eu não conto, para não estragar o prazer dos leitores. Como escritora, pelo menos de ficção, essa mulher talentosíssima está plenamente aprovada. E nem sou apenas eu que a aprovo, mas é a crítica e, sobretudo, são os leitores.
E como pessoa, o que se pode falar dela? Muito! Trata-se, sobretudo, de um ser humano sumamente solidário, desses que repartem o muito que ganham com os que mais necessitam. Está envolvida com várias instituições de caridade. Além disso, é ferrenha defensora dos direitos dos animais. E as doações que faz são consideráveis e não apenas simbólicas, como muitos artistas e astros do esporte fazem, apenas a título de marketing pessoal.
Para que vocês tenham uma idéia, basta informar que, apenas para as vítimas do Furacão Katrina, doou mais de 2,5 milhões de refeições, além de US$ 250 mil em dinheiro. Não se esqueceu, também, dos atingidos pelo terremoto de janeiro de 2010 no Haiti, que devastou esse país, um dos mais carentes do mundo, aos quais fez polpuda doação.
Justificando seu fascínio pelos animais, Hilary explicou, em uma entrevista, ao responder a uma pergunta sobre o que faria caso não fosse a celebridade que é: “Eu sempre quis ser uma veterinária quando era mais jovem. Mas depois eu descobri que os animais morrem ali, de modo que não era um trabalho para mim. Definitivamente, faria algo com crianças ou animais ou algo assim”. É o sucesso de pessoas tão especiais, quanto esta, que me alegra e me faz vibrar. Sinto-me como partícipe dele. Salve, pois, esta grande e legítima “artista dos sete instrumentos”!!!




Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk






Mundo virtual

* Por Juarez José Viaro


Eu ando cansado desse mundo virtual da Internet. Tudo tão frio, tão distante, onde acabamos conhecendo pessoas apenas do mundo virtual e nos isolamos do mundo real, blá blá blá.

Resolvi tirar uns dias de descanso fora de São Paulo para me desplugar do computador. Fiz as malas, desliguei tudo, inclusive meu modem, e parti para uma praia distante, longe de qualquer lan house.

Foram dias maravilhosos, andei descalço na areia, tomei sol, respirei ar puro. Melhor ainda, sentei-me num banco em frente ao mar e me desliguei de tudo da vida mundana da Internet. Apenas observei as ondas do mar, indo e vindo, indo e vindo.

Outro dia, sentado noutro banco em frente ao mar, sentou-se a meu lado um senhor. Puxou conversa e conversamos demoradamente sobre vários assuntos. A crise do petróleo, a guerra do Iraque, os problemas do Brasil, a violência nas grandes cidades e o papo se estendeu pela tarde toda, enquanto as ondas do mar iam e vinham...

Senti que faltava isso em minha vida. Uma conversa real, com pessoas reais, que não estivessem frente uma webcam. Em tantos anos de acesso à Internet devo ter adquirido hábitos de internautas dos quais não consigo me desvencilhar. É como dirigir carro durante muito tempo. Depois, quando ando a pé na rua, eu me pego procurando o retrovisor para ver melhor alguém que cruzou comigo...

Fiquei a tarde toda assim, jogando conversa fora, com meu amigo casual, mas não virtual. O sol começava a se pôr no horizonte e eu senti que era hora de me despedir. Agradeci aqueles momentos de descontração, a gentileza do outro em conversar comigo e me despedi:
-- Um abraço, amigo! A gente tecla mais tarde...

* Jornalista e escritor. Publicou o livro de poemas “Aroma de Amora” e participou de movimentos literários em Osasco e São Paulo. Tem um romance inédito, “Viagem ao Interior”.






Eros e Psiquê

* Por Fernando Pessoa

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

• Poeta, considerado um dos mais consagrados escritores de língua portuguesa.






Praia do Campeche – Anoitecer

* Por Urda Alice Klueger


(Para Ilze Zirbel – se não fosse por ela, não teria ido àquela praia naquela noite)

Água daquela consistência e daquela cor eu nunca vira sequer no Caribe, e eu sempre digo que o Caribe é o lugar mais bonito do mundo no seu mar! Não sei se ali é sempre assim, ou se eu dera sorte de pegar um momento mágico em pleno andamento, ou se coisas acontecidas há mais de meio século ainda andam pairando por ali e criando aquele encantamento ... O que sei é que água daquela consistência e cor eu jamais vira, nem mesmo no Caribe, pois nem água era, mas um mar de líquido cristal de cor verde-azulada, manso, molengo e cintilante, a se desdobrar em mansas e pequenas ondas que viravam espuma branca com lentidão, e aquele verde-azulado do mar que era cristal contrastava com a luminescência do sol que já mergulhara por detrás da terra, mas deixara no céu aquela luminosidade de ouro que mais parecia coisa descrita em romance medieval – como, nos dias considerados de progresso, que são os dias de hoje, alguém pode se dar ‘a liberdade de dizer que o céu estava cor de ouro? O fato é que estava, assim naquela região por detrás das dunas, e era difícil decidir para onde olhar mais: para o cristal das ondas que se espraiavam em espuma ou para o dourado do céu do outro lado – e havia mais alternativas: lá adiante do meu caminhar o morro mais alto da Armação do Sul, numa cor também entre o verde e o azul, portava saborosa e fofa nuvem de glacê branco à guisa de chapéu – e havia a areia branca da praia, e os muitos surfistas parados, sem coragem de largar aquela beleza toda, pois onda mesmo não viria naquele dia, de jeito nenhum – e os cachorros enormes, mansos e como que cheios de ternura pelo mundo – e quase que ao alcance da mão, do lado do mar, como se fosse só um morro cheio de árvores, a Ilha que decerto fora muito sagrada para muita gente do passado – era o anoitecer de 29 de março na Praia do Campeche, Brasil, e a beleza era tamanha que a própria atmosfera era puro encanto, e eu própria virara um ser encantado que seguia pela praia com o dourado do céu à minha direita e os olhos pregados de fascínio naquela cor verde-azulada do mar de cristal líquido!
Lentamente, aquela cor da água foi-se transformando de verde-azulada em azul-azulada, e como que o céu, e o morro da Armação, lá adiante, e a atmosfera, tudo foi ficando da mesma cor – e por detrás das dunas a cor de ouro diminuía, ficava apenas sugerida, pois já fazia muito que o sol estava a se afastar do dia, e o andar descalça dentro da água de cristal líquido que molhava a barra do meu vestido era como que flutuar numa irrealidade.
Em algum momento, porém, tive que começar a voltar, pois a chegada da noite era iminente. E então o espanto, ao fazer a volta: bati de cara num céu todo róseo naquele lado, coisa de doido, de não se crer, portando imenso disco de prata no meio. O encantamento era tanto que fiquei meio perdida: seria a Lua? Seria, talvez, um Asteróide? Não seria coisa de duvidar, tendo em vista o tanto que Antoine de Saint-Exupéry freqüentara aquela praia na década de 1930. Titubeei, imersa naquele encantamento todo que me fazia como que flutuar na praia, tentando entender direito o que estava vendo. Se fosse um Asteróide, aquele lá seria um Príncipe? Mas seria aquele o Príncipe do Asteróide? No grande disco de prata, quem me olhava não era um menino de cabelos cor de trigal maduro, e nem era alguém que usava um comprido cachecol. Talvez não fosse um Asteróide, afinal. Seria a Lua, a minha própria Lua, a Lua deste meu Planeta? Só podia ser, mas como se fosse um Asteróide, lá na Lua também havia um Príncipe. Era encantado e muito cheio de prata, também, tanto que se confundia com o grande disco luminoso, mas era um Príncipe tão encantado quanto o do Asteróide. No meio daquele brilho todo que flutuava no róseo do céu, podia eu vislumbrar os seus olhos doces e cálidos, macios como avelãs que se comem em noite de Natal, e tão cheios de ternura pela Humanidade que até parecia impossível! Sim, aquele era o Príncipe da Lua, e tudo estava tão luminoso que custei um pouco a reconhecer os detalhes: o sorriso bom, o gorjeio de Passarinho na alma, a maciez da barba, a camisa de xadrezinho azul aberta no peito macio... Ai, a vida era boa demais! Lá naquele lugar encantado, quando menos esperava, o Príncipe da Lua estava ali tão próximo e tão lindo como estava todo o tempo dentro do meu coração!
Não há outra coisa a se fazer com um Príncipe assim além de amá-lo!

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR


Os marginais

* Por Luiz Carlos Monteiro

1

O negócio suspeito
no refúgio do beco
pela rua escondido

onde está a saída
dessa boca de fumo
onde um bar se pergunta

o que foge do medo
enlaçado no enredo
entre trama e recuo

indo e vindo ligeiro
se livrando do cúmplice
implicado futuro

caso haja revista
caso chegue a polícia
de plantão no subúrbio.

2

Eu agora estou preso
e me sinto perdido

nesse trampo do tráfico
tudo leva ao crime

minha mãe vai me ver
na TV com algemas

não tomei seu conselho
vou pagar minha pena

nesta hora maldita
é preciso ser prático

não adianta cinismo
de quem foi grampeado

meus comparsas esperam
a cobrar o indevido

pelo pátio e nas celas
qualquer um traz perigo

a direção e outros presos
que no aperto transitam

os chaveiros e agentes
monitorando os motins

dia e noite atentos
a vigiar nós bandidos.

3

O privilégio de poucos
é a desgraça de muitos

os inimigos lá soltos
com estiletes e chuchos

tudo é moeda de troca
desde a cachaça ao fumo

há sempre um golpe rasteiro
de violência profunda

não facilita a cadeia
a traição e os abusos

a influência o dinheiro
é que implode esse mundo.

* Poeta, crítico literário e ensaísta, blog www.omundocircundande.blogspot.com


Poema ao guerreiro

* Por Clóvis Campêlo

Para Ernesto "Che" Guevara

Toxina capitalista
caindo no precipício
de uma garganta profunda.
-
Ente revolucionário
morrendo à beira do mangue
de susto, de bala e vício.
-
No fim, apenas o início
de uma alegria que inunda
e estanca o sangue na lama
enquanto a vida derrama.


• Poeta, jornalista e radialista.

sexta-feira, 29 de julho de 2011







Leia nesta edição:

Editorial – Nenhum poeta é cavalo de corrida.

Coluna Contrastes e confrontos – Urariano Mota, crônica “Não sorria nunca de um preconceito”.

Coluna No Sopro do Minuano – Rodrigo Ramazzini, conto “Matemática”.

Coluna Visões do cotidiano – Silvana Alves, crônica “Amy: overdose de exageros sem Deus...”.

Coluna Do real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire, Notas “Pílulas literárias 86”.

Coluna Porta Aberta – Giovani Rohers Gelati, artigo,“ Egocentrismos e microfones”.


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


“Nenhum poeta é cavalo de corrida”


O poema é uma bola de cristal. Se apenas enxergares nele o teu nariz, não culpes o mágico”. Esta tirada genial é de um dos mais criativos e brilhantes poetas brasileiros de todos os tempos – que, aliás, não gostava de ser classificado dessa forma – Mário Quintana, que morreu, em 5 de maio de 1994, em Porto Alegre, aos 87 anos de idade.

Seus amigos definiam-no como um boêmio, não no sentido pejorativo do termo, mas como um homem que olhava a vida com ternura e com humor. Era um mestre da fina ironia, da tirada inteligente e carregada de lirismo, das definições inusitadas.

Certa feita perguntaram-lhe quem ele achava que era o maior poeta do País. Sem titubear, respondeu: “Deixe disso. Nenhum poeta é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”.

Quintana era assim: Simpático, bonachão, modesto, descomprometido tanto em termos de literatura, quanto em sua vida pessoal. Admirado, amado, até idolatrado, principalmente pelos jovens, não perdia a compostura. “Escrever...Mas por quê?/Por vaidade, está visto.../Pura vaidade, escrever!/Pegar da pena...Olhai, que graça terá isto/se já se sabe tudo o que se vai dizer...”, ironizou no poema “Da preocupação de escrever”.

Amava a vida, à qual encarava com muita ternura e ironia, saboreando-a como uma aventura digna de ser enfrentada, a despeito das injustiças, da miséria, da insensatez e dos horrores. “Dias maravilhosos em que os jornais/vêm cheios de poesia.../e do lábio do amigo/brotam palavras de eterno encanto...//Dias mágicos.../em que os burgueses espiam/através das vidraças dos escritórios/a graça gratuita das nuvens”, diz Quintana, no poema “O Milagre”.

Sua imagem, para os que o admiravam e amavam, estará sempre associada à palavra “alegria”. Por um feliz acaso, nasceu na cidade de Alegrete (em 29 de julho de 1906) e morreu em Porto Alegre. Parte de sua poesia foi escrita de modo não-convencional, em prosa, em forma de citações, carregadas de lirismo, mas sem a distribuição em versos.

“E, quando morto de mesmice, te vier a nostalgia de climas e costumes exóticos, de jornais impressos em misteriosos caracteres, de curiosas beberagens, de roupas de estranho corte e colorido, lembre-se que para alguém nós somos os antípodas; um remoto, inacreditável povo do outro lado do mundo, quase do outro lado da vida – uma gente de se ficar olhando, olhando, pasmado...Nós, os antípodas, somos assim”, escreveu em “Do inédito”.

“O que mais me comove, em música, são essas notas soltas – pobres notas únicas – que do teclado arranca o afinador de pianos”, observou em “Meu trecho predileto”. “Amar é mudar a alma de casa”, sentenciou em “Carreto”.

Não dá para falar em morte quando se trata de alguém que sempre foi um amante inveterado da vida. Quintana não morreu: ficou encantado e mudou sua alma de casa, para o coração dos que sempre o admiraram.

Tragédia? Nem pensar! Afinal, foi o próprio poeta quem constatou: “Não, o melhor é não falares, não explicares coisa alguma. Tudo agora está suspenso. E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes, o que é que derruba um castelo de cartas! Não se sabe... Umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca...Outras vezes, senta uma mosca e desaba uma cidade”.


Boa leitura.

O Editor

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk






Não sorria nunca de um preconceito


* Por Urariano Mota

Se alguém algum dia disser que Karl Marx roubou o socialismo dos nazistas, creio que diante de tamanho absurdo a maioria de nós não conseguiria conter um sorriso, ou mesmo a mais ruidosa gargalhada. E se esse mesmo alguém dissesse que haveria uma escala, uma hierarquia entre as raças, de tal modo que lá num pódio de muitos níveis, em primeiríssimo lugar estivesse a raça, vale dizer, a ariana, e lá no fim, no último dos últimos, estivessem os ciganos, os negros e os judeus, creio que talvez olhássemos o profundo ignorante à procura de um sinal de loucura. Antes, é claro, da mais estrepitosa risada.
No entanto, os motivos cômicos logo sofreriam um abalo se um mais avisado nos lembrasse que tais “piadas” foram ditas por Hitler e pelos nazistas. Ah, diante da lembrança do genocídio, do sofrimento e infâmia que tais cômicos impuseram ao mundo, toda a sua sangrenta palhaçada deixaria de ser motivo de riso. Pois o cômico, assim como a felicidade, a raiva, o amor, o ódio, toda manifestação legítima de humanidade, sempre se dá em um contexto de vidas e significados. E deles, um dos que merecem mais cuidado talvez seja o do preconceito, por mais cômico, absurdo e de irresistível comicidade pareça. Pois as caveiras também mostram os dentes, mas nunca são dignas de um sorriso.
Essas curtas reflexões nos vêm quando lemos as notícias do terrorista de extrema-direita na Noruega. Notem que ele, ou melhor, eles, porque o bravo rapaz não agiu só nem é uma exceção de loucura em um mar de sanidade, notem que à sua maneira ele atualiza – se é possível atualizá-las, em vez de retirá-las das tumbas - as ideias nazistas. Excertos de um seu comunicado dizem:
"Nós, a livre população nativa da Europa, por este meio declaramos uma guerra preventiva contra todas as elites marxistas/ multiculturalistas da Europa Ocidental... Sabemos quem vocês são, onde moram e vamos atrás de vocês. Estamos no processo de apontar cada traidor multiculturalista na Europa Ocidental. Vocês serão punidos por cada ato de traição contra a Europa e os europeus. Com o objetivo de romper com sucesso a censura da mídia marxista/ multiculturalista, somos forçados a empregar operações mais brutais e de tirar o fôlego, que resultarão em baixas."
Qual de nós, se visse essas linhas em um texto ou em um vídeo, qual de nós as acharia dignas de uma resposta fundada, fundamentada e, mais que isso, responderia a elas com as armas da razão, e da artilharia para melhor defesa? Poucos, nenhum, ninguém, a julgar pelas medidas e reações tomadas quando o criminoso as tornou públicas na web. E vem muito ao caso dizer que tais “ideias” na Noruega, na Europa hoje, e até no Brasil, com a devida tradução, não são incomuns nem, pior, expressam uma louca exceção. Há um certo tempo aqui e ali na Noruega, Inglaterra, e noutros mais puros, olhares atravessados e comentários resmungados falam algo parecido dos imigrantes não-brancos. Mas uma coisa é um olhar, dizemo-nos, uma coisa é um murmúrio, completamos, outra bem distinta é um massacre com bala dundum. Dessa última vez contra iguais em raça, porque estariam maculados pelo pensamento de aceitação para os diferentes.
No comunicado antes dos crimes o porta-voz dos seus iguais à direita falou as mais velhas piadas, que não mereciam o mínimo esforço para uma rápida contestação. Aquela coisa antiga de raça, “população nativa da Europa”... mas que raça pura?, nos perguntávamos. Risos, com muitos risos respondíamos. Aquela coisa absurda de “elites marxistas/ multiculturalistas da Europa Ocidental”. Putz, que é que é isso? Elite marxista, paradoxo, e multicultural, como se o mundo não fosse em si uma multicultura. Quá-quá-quá, esse cara é um humorista. E este “sabemos quem vocês são, onde moram e vamos atrás de vocês. Estamos no processo de apontar cada traidor multiculturalista na Europa Ocidental. Vocês serão punidos por cada ato de traição contra a Europa e os europeus”? Por favor, pelamordedeus, esse viking estaria mais para Hagar, o horrível.
E no entanto, vimos depois que o piadista devia ter sido tomado a sério e recebido de volta contra ele e assemelhados uma luta encarniçada, sem quartel, sem hora nem descanso. De todas as maneiras, modos e pensamentos, pela escrita, pelo verbo, por atos e ações. Da desgraça fica um alerta. Se continuarmos a julgar como piada os mais bobos preconceitos contra sexos, raças, em resumo, contra gentes, depois não seremos dignos sequer de pena. A nova e profunda depressão econômica, que não se aproxima lá, pois já começou, deveria redobrar a nossos cuidados. Uma primeira providência, de um ponto de vista intelectual, creio, seria não sorrir nunca mais de todo, do mais ridículo e risível preconceito. Pois preconceitos são muito graves. Eles sempre matam pessoas.

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.






Matemática

* Por Rodrigo Ramazzini

Na sala de casa...

- Pai!
- Hã!
- Paaaii!
- O que é? Estou te ouvindo... Fala...
- Quanto que é sete vezes oito?
- Por que tu queres saber?
- É para o tema de matemática da escola.
- Pergunta para a tua mãe...
- Eu não sei cadê ela...
- Procura!

O menino sai em busca da mãe. Retorna minutos depois...

- Não achei, pai!
- Então, espera aparecer! Fugir, ela não fugiu...
- Ah, pai! Ajuda!
- Tu não estás na escola para aprender isso?
- É que eu não lembro...
- Não lembra?
- Não!
- A professora não te explicou direito?
- É que...
- Fala! Porque se não eu vou lá na tua escola reclamar dela!
- Explicou, mas...
- Mas, o quê?
- Eu já disse... Eu esqueci!
- Não se fazem mais escolas como antigamente...
- Hã... Hã... Hã!
- Tu também não és santo, que eu te conheço! Aposto que fica o tempo todo conversando e não presta atenção nas aulas!
- Hã... Hã... Hã... É que...

Segundos de silêncio...

- Te senta ali naquela cadeira e não sai enquanto não finalizar esse tema da escola!
- Mas, pai!
- Castigo!
- Por quê?
- De uma vez!
- Pai...
- Vai de uma vez sem choramingar... E faz direito que depois eu vou corrigir!
- Quanto que é, então?
- Vai de uma vez...

O menino, com ar emburrado, senta-se na cadeira e fica a olhar a folha com o tema da escola. Enquanto isso, discretamente, o pai pega o celular e utilizando a calculadora, diz para si mesmo:

- Cinqüenta e seis! Não posso esquecer!


• Jornalista




Legenda: Com timbre de voz maravilhoso, bela e saudável. Essa é uma das poucas fotos de Amy Winehouse com aparência feliz.

Amy: overdose de exageros sem Deus...


* Por Silvana Alves


Este post não é porque sou fã de Amy, pelo contrário, acho que nunca parei para ouvir suas canções. Mas, diante do fato, era impossível não escrever nada. Algo me incomodou e aqui está este post, mais de lamentação e alerta do que de homenagem.
Amy era jovem, era linda no início da carreira, mas sua vida foi paralisada, antes mesmo de sua morte. O envolvimento com o álcool e as drogas fez com que essa jovem cheia de talento fosse parar na decadência. Hoje, um jornal de grande circulação nacional noticiou que a vida da Amy foi um reality show macabro. No fim de semana li uma declaração do ex-marido que dizia ter se arrependido em ter apresentado a heroína e o crack para Amy.
"Cometi o maior erro da minha vida ao usar heroína na frente dela. Eu a apresentei à heroína, crack e automutilação. Crack é a pior das drogas. Você fica paranóico, descompensado e totalmente desconfiado dos outros. Você pode ficar dependente rapidamente. A primeira vez que Amy usou crack, ela me pediu. Eu estava fraco e viciado e deixei-a experimentar. Começamos a usar tanto quanto heroína. Aí nossas vidas desmoronaram", disse ele, na época. (fala de, Blake Fielder-Civil, ex-marido de Amy).
Minha intenção não é criticar, nem julgar o certo ou errado. Minha intenção é apenas pedir a misericórdia a essa jovem que não soube lidar com a fama, sucesso e todos os acontecimentos em sua vida. Assim como Amy, tantos outros jovens perdem sua identidade, respeito e a vida por não terem se encontrado na vida, por não terem se encontrado com Deus.
É fácil a mídia criticar, as pessoas falarem que esse seria o fim dela. Mas, acima de tudo, como cristã, peço a Deus misericórdia para essa mulher que não conseguiu ouvir Deus em sua vida. Peço a Deus que conforte a família, e que pessoas que estejam no vício do álcool e das drogas possam se encontrar, se arrepender e entregar a vida para Deus. Amy tentou mudar de vida, mas não conseguiu... foi frágil e sua história teve um fim lastimável neste sábado 23, de julho de 2011.
Deus não rejeita um coração arrependido (Salmo 51.17).



* Jornalista formada pela FATEA (Faculdade Integrada Teresa D´Ávila). Duas palavras falam por mim: vida e poesia. Blog http://silvanaalvesjornalista.blogspot.com/






Pílulas literárias 86

* Por Eduardo Oliveira Freire

UM DIA NO PARQUE
Quando a filha foi fazer carinho no gato de rua e ele a arranhou, lembrou-se de um colega de infância que a empurrou quando tentou beijá-lo. Pensou: “ Existem almas tão violentas, que um carinho, para elas, significa cárcere.”. O gato desapareceu como o coleguinha.



MEIGA...
Deu esse nome à cadela recém nascida em homenagem à cachorra que cuidou dela por anos. Sua mãe a largava no quintal e se trancava em casa, para fugir ao seu reino utópico.


TRINDADE
A princesa Fantasia é amedrontada pelo Dragão, que vem das profundezas do inconsciente, enquanto o príncipe Razão a protege.

* Eduardo Oliveira Freire é formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, com Pós Graduação em Jornalismo Cultural na Estácio de Sá e é aspirante a escritor






Egocentrismos e microfones

* Por Giovani Rohers Gelati

Estive num seminário pedagógico há certo tempo. Uma jornada de cinco noites de palestras, introduzidas por apresentações artísticas. Muito bom, seja no conteúdo, seja no quórum. Creio que tenha ultrapassado 200 participantes. Uma vitória em face aos baixos índices de presenças nos seminários e debates educacionais que toda a hora surgem, acabam e pouca gente prestigia.
Uma das noites proveu-me de material para esta crônica: a propaganda velada e inoportuna, incômoda. A palestrante foi à frente, explicou seu primeiro slide e começou... a minha escola é isso, é aquilo, trabalha assim e por aí foi. Até consultei o cronograma para ver se previa a apresentação das atividades realizadas pela escola. Obviamente, não. A palestrante complementou, chamou toda a coordenação, os funcionários e professores.
Pensei que veria o pedido de palmas a eles. E, realmente, ele veio. A minha mente podia ter sido salva sem isso. Não é a primeira vez que um palestrante ou o “dono” do microfone tangencia o assunto pelo qual lá está.
Numa formatura de conclusão de curso policial, algumas semanas antes, o comandante dos formandos apossou-se do dito cujo microfone e começou a ladainha: obrigado tal empresa, a outra loja, a determinado empresário, deputado Fulano de Tal, obrigado!, meu chefe, à esposa.
Temos que “vender o nosso peixe”, mostrar-nos competentes. O jornal precisa seduzir o leitor, as notícias têm que prender a atenção. As crônicas necessitam emocionar, fazer refletir, concordar ou discordar, porque o pão diário não cai do céu. Mas, para tudo, tem hora. Num seminário, os presentes buscam algo que os acrescente, que refute ou ratifique seus pensamentos. O contrário a isso, decepciona.
O vendedor não pode ser chato. Chato não convence cliente. E dá efeito inverso, exatamente por este motivo a compra acaba não ocorrendo. Gera repulsa pelo vendedor e pelo produto.
Para algumas situações, cai bem um tanto de feeling ao palestrante ou vendedor. Menos egocentrismo e mais foco no que é importante e nos motivos que o levou a ser o centro das atenções nunca é fora de moda.

• Contista, cronista e escritor gaúcho, graduado em Língua Portuguesa pela PUCRS Campus Uruguaiana

quinta-feira, 28 de julho de 2011







Leia nesta edição:

Editorial – Brilho perene

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Em busca da felicidade”.

Coluna Aventuras em paradoxo – Fernando Yanmar Narciso, crônica “Ele-Homem”.

Coluna Contradições e paradoxos – Marcelo Sguassábia, crônica,“Contratamos’”..

Coluna Do fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, conto “Aliança”..

Coluna Porta Aberta – Guilherme Scalzili, artigo “Alopremos”..

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Brilho perene


Há poetas tão bons, tão profundos, de brilho tão intenso, que o tempo não consegue ofuscar e, pelo contrário, o realça ainda mais, como uma estrela radiosa que permanece por milhões de anos encantando algum eventual observador. Claro que há escritores de outros gêneros que também encantam e se perpetuam na memória de gerações. Citei, especificamente, os que lidam com poesia dada a maior dificuldade de se impor ao grande público. Há, ainda, muita resistência dos leitores em comprar livros do gênero e das editoras em p0ublicá-los.

Um desses poetas notáveis, que entra ano, sai ano, conserva (se não amplia) o seu prestígio, é Rainer Maria Rilke. Quase tudo o que se refere a ele é, digamos, exótico, original, diferente, que chama a atenção pelo inusitado. Vamos a alguns exemplos? Começo com sua nacionalidade. Ele nasceu em Praga, em 4 de dezembro de 1875. Bem, diante disso, todos dirão, certamente, que se trata de um checo, certo? Errado! Ocorre que essa cidade, e todo o território da atual República Checa, integravam, na época, o Império Austro-Húngaro. Até hoje, portanto, seus biógrafos, e todas as enciclopédias, caracterizam Rilke como de nacionalidade austríaca.

Outro aspecto inusitado refere-se ao seu prenome. Ele foi registrado como René. Todavia, mudou-o, já maduro, para Rainer. A terceira peculiaridade refere-se ao idioma em que produziu sua vasta, memorável e belíssima obra poética. Ele é tido e havido, com toda a justiça, como um dos melhores escritores de língua germânica de todos os tempos, ombreando-se a Johann Wolfgang Von Goethe. Todavia, muitos dos seus mais expressivos poemas foram escritos em francês. Há outras tantas peculiaridades em torno da sua figura, no entanto, as que citei já bastam para o que quero dizer.

Entrei em contato com a poesia de Rilke na adolescência e, encantei-me de tal forma com ela, que até hoje está entre as minhas favoritas. Aliás, ao amante da boa poesia, é difícil, se não impossível, não gostar desse poeta. Nos círculos literários que freqüento, não há um único escritor que não o aprecie. Para não gostar dele, só mesmo tendo um péssimo gosto, ou não apreciar a poesia como gênero literário nobre ou nunca ter lido nada de Rilke. Neste último caso, enquadram-se os néscios e arrogantes, os tais que afirmam, como se se tratasse de algo meritório: “não li e não gostei”. Desses quero distância!

A enciclopédia eletrônica Wikipédia define da seguinte maneira suas principais características literárias: “ sua obra é original, marcada pelo tratamento da forma e pelas imagens inesperadas. Celebra a união transcendental do mundo e do homem, numa espécie de ‘espaço cósmico interior’”. Concordo com essa descrição, que considero bastante fiel

Além de três dos seus livros, tenho centenas de poemas esparsos, transcritos de revistas literárias internacionais, todos digitados e gravados na memória do meu computador, para o meu deleite. Não passa uma única semana sem que eu leia algum (geralmente vários) deles. É um poeta, sobretudo, inspirador.

Destaco que Rainer Maria Rilke morreu muitos, mas muitos mesmo, anos antes de eu nascer, em 29 de dezembro de 1926, na cidade suíça de Valmont. Seus poemas, todavia, mantêm a atualidade temática e também a formal como se houvessem sido compostos, digamos, na manhã de hoje. Conheço poucos que conseguem essa façanha.

Nos seus 51 prolíficos anos de vida – morreu bastante jovem para os padrões atuais – legou-nos dez livros, vários deles relançados, volta e meia, quer na Europa, quer nos Estados Unidos ou no Brasil. E eles são os seguintes: “Vida e canções” (1894), “Geldbaum” (1901), “O livro das imagens” (1902), “O livro das horas” (1905), “Novos poemas” (1907), “A vida de Maria” (1913), “Os cadernos de Malte Laurids Brigge” (1910), “Elegias de Duino” (1923), “Sonetos a Orfeu” (1923) e “Cartas a um jovem poeta” (publicado postumamente em 1929). Oportunamente, tratarei de cada um deles, separadamente.

Por hoje, todavia, separei os três poemas abaixo, com excelente tradução do também brilhante poeta Augusto de Campos, para que quem tem “intimidade” com Rilke, se delicie com a sua inspiração e, quem não tem, tome conhecimento da sua obra e se interesse em pesquisar outras entre suas magníficas produções.

A Solidão

A solidão é como chuva.

Sobe do mar nas tardes em declínio;
das planícies perdidas na saudade
ele se eleva ao céu, que é seu domínio,
para cair do céu sobre a cidade.

Goteja na hora dúbia quando os becos
anseiam longamente pela aurora,
quando os amantes se abandonam tristes
com a desilusão que a carne chora;
quando os homens, seus ódios sufocando,
num mesmo leito vão deitar-se: é quando
a solidão como os rios vai passando...


O anjo

Com um mover de fonte ele descarta
tudo o que obriga, tudo o que coarta,
pois em seu coração, quando ela o adentra,
a eterna Vinda os círculos concentra.

O céu com muitas formas lhe aparece
e cada qual demanda; vem, conhece ---
não dês às suas mãos ligeiras nem
um só fardo; pois ele, à noite, vem

à tua casa conferir teu peso,
cheio de ira, e com a mão mais dura,
como se fosses sua criatura,
te arranca do teu molde com desprezo.


L’ange du meridièn

Na tormenta que ronda a catedral
como um contestador que o seu juízo
mói e remói, é um bálsamo, afinal
ser-se atraído pelo teu sorriso:

anjo ridente, amável monumento,
com uma boca de cem bocas: não
te ocorre vislumbrar por um momento
o quanto as nossas horas já se vão

do teu relógio, onde a soma do dia
é sempre igual, em nítida harmonia,
como se as nossas horas fossem plenas.

Pétreo, como saber das nossas penas?
Acaso teu sorriso é mais risonho
à noite, quando expõe a pedra em sonho?

Boa leitura.

O Editor.




Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk






Em busca da felicidade

* Por Pedro J. Bondaczuk

A busca da felicidade é o maior empenho do homem, embora poucos saibam, de fato, o que os faz felizes ou tenham a mais leve noção do significado desse conceito, que é vago e carregado de equívocos, com um significado diferente para cada pessoa. Filósofos, escritores, poetas e psicólogos têm apontado, através dos séculos, caminhos vários na busca desse "tosão de ouro", desse "santo Graal", desse ideal sem forma, sem que eles próprios, na maioria das vezes, o tenham encontrado.

O romancista V. S. Khandekar, no conto "Oito de junho", destaca como se dá esse equívoco, embora não explique o por quê: "Felicidade se parece com as montanhas. De longe são muito bonitas, mas de perto...". É o que acontece, por exemplo, com determinados relacionamentos. Muitos parceiros, que se julgam apaixonados, e muitas vezes fazem um sacrifício sobreumano para ficarem juntos "pelo resto da vida", imergem em um verdadeiro "inferno", de brigas e de desencontros, quando finalmente logram seu objetivo. Tais equívocos acabam se constituindo em regras, não em exceções. Basta atentar para o número de divórcios e separações, algumas traumáticas e até trágicas, que redundam em morte de um dos dois (quando não ambos) os pretensos "apaixonados".

Há os que acham que serão felizes amealhando fortunas. Quando (ou se) conseguem enriquecer, descobrem que continuam amargurados e carentes como sempre foram. A infelicidade é a tônica --- por razões de todos os tipos --- da maioria absoluta dos mais de 6,7 bilhões de indivíduos que habitam este Planeta. As razões são as mais diversas. Tantas que a generalização se torna ilógica. Uns são solitários, outros não se aceitam como são, outros ainda culpam o mundo por suas tristezas reais ou imaginárias e vai por aí afora. Os motivos abundam. Diz-se que a maior das obrigações do ser humano é a de ser feliz. Desde que descubra, aduziríamos, o que vem a ser essa tal de felicidade.

O doutor Maxwell Maltz, em seu excelente livro "Psycocybernetics" (sem tradução no Brasil), recomenda: "Se você está incluído entre os milhões que padecem de infelicidade e insucesso em conseqüência da inibição, deve deliberadamente praticar a 'desinibição'. Precisa exercitar-se em ser menos cuidadoso, menos preocupado, menos conscencioso". A fórmula funciona? Para alguns, talvez. Para todos, é contestável.

Muitos descobrem, na idade madura, que se obtivessem o que tanto desejaram quando jovens, teriam arruinado a vida. Outros, sentem-se infelizes pelas oportunidades que deixaram de aproveitar. Deduz-se que grande parte da infelicidade humana é causada pela insatisfação: consigo próprio ou com os outros; com o que se fez ou se deixou de fazer, etc. Para mim, ser feliz é ser útil. É poder servir, sem esperar recompensa. É a certeza de sempre poder, querer e fazer o melhor possível. É estar em paz comigo mesmo e, conseqüentemente, com o próximo.

O juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, Oliver Wendel Holmes, escreveu que "ser um jovem de setenta anos é às vezes bastante mais animador e auspicioso do que ter quarenta anos de idade". Se a pessoa se aceita como é, se tem a convicção de ter feito o melhor possível pela comunidade e pelo próximo, isso de fato acontece. Até porque, como observou o filósofo Ralph Waldo Emerson, "só contamos a idade de um homem quando ele não tem mais nada para contar". O indivíduo feliz é aquele que encontra razões para viver até o seu último sopro de vida. Ou pelo menos, esta é uma das faces desse diamante multifacetado chamado de "felicidade".

A esse propósito, Michael Drury acentua, no artigo "Diga sim à Vida", publicado em fevereiro de 1965 na revista "Seleções do Reader's Digest": "A vida é um processo de descobrir o que somos e o que podemos vir a ser. É muito possível que as coisas que dizemos tão decisivamente que nunca havemos de fazer sejam exatamente as coisas de que precisamos para nos completarmos. O esforço para romper padrões estabelecidos nos estimula --- é um ato de criação. Se você quer conhecer-se a si mesmo, diga 'sim' à vida". Pode não ser a receita, a fórmula infalível (se é que existe alguma), para a felicidade. Mas não deixa de ser uma maneira inteligente e criativa de viver.

A velha sabedoria chinesa, representada pelo pensador Lao-Tsé, define o que os antigos entendiam por "ser feliz": "Ter o suficiente significa felicidade; ter mais que o necessário é desdita. Isto vale para todas as coisas, principalmente para o dinheiro". O problema é definir essa "suficiência". Prefiro investir no verbo "ser"...


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk






Ele-Homem

* Por Fernando Yanmar Narciso

Um mil e novecentos e oitenta e um foi um ano muito importante para o mundo do entretenimento. Neste ano foi lançada uma linha de brinquedos que mudaria a cara da década e se tornaria fonte de inspiração de todos os moleques que nasceram antes de mim: MASTERS OF THE UNIVERSE, ou He-man para os íntimos. A verdadeira origem da franquia permanece um tanto nebulosa até hoje, mas a história mais comumente aceita é que, em 1982, o filme Conan, O Bárbaro, estrelado pelo fisiculturista com formiguinha nas calças Arnold Schwarzenegger foi lançado, alcançando um sucesso extraordinário, apesar dos efeitos especiais meio fraquinhos da época e de sua visão um tanto estranha da masculinidade. Reza a lenda que, aproveitando o embalo, a Mattel, uma das maiores fabricantes de brinquedos do mundo, tentou lançar uma linha de brinquedos baseada no herói e no vilão do filme. Tentou,
pois a diretoria da empresa bateu o pé, se fazendo de muito politicamente correta e dizendo que não queria saber de criancinhas brincando com o boneco de um bárbaro assassino e sexualmente ativo como o cimério fodão. Mas a produção já havia
recebido sinal verde e isso traria um prejuízo enorme para a empresa. Então os designers, muito espertinhos, decidiram simplesmente mudar a cabeça, as roupas e as armas dos bonecos e criar uma franquia própria.
Lembrem-se, estamos nos Estados Unidos, berço dos super-heróis, em plena década de 80. E não existia nada mais macho na época que um cara loiro, bronzeado, com músculos até na língua, desfilando por aí com botas e tanguinha felpudas, sem
falar no penteado igual o que o Sting usava na época. Só faltava um bigodão à la Freddie Mercury…
Mas, surpreendentemente, apesar de já existirem os bonecos dele e do Esqueleto, ambos não tiveram uma história oficial até meados de 1983, mesmo que as vendas já fossem consideráveis. Isso foi reparado pela pequena produtora de desenhos
Filmation, que criou a personalidade não apenas dos dois, mas de todo um universo de novos personagens e bonecos de ação, lançando-os numa era que combinava medievalismo com ficção científica e fazendo a guerra de Etérnia estourar nos quatro cantos do mundo por três anos e mais de 100 episódios. Na carona do sucesso de He-man, surgiu toda uma miríade de desenhos animados de ação que durou por toda a década, alguns muito queridos, outros que sumiram tão rápido como apareceram, mas poucos conseguiram enfrentar Príncipe Adam e sua turma de igual para igual.
Confesso a vocês que, quando criança, não dava muita bola para desenhos de ação, com seus roteiros razoavelmente complexos para um moleque hiperativo. Sempre preferi os desenhos mais clássicos, talvez para me distanciar do gosto de todos os meus primos e amigos, que só viam os desenhos da Globo. Até tentei gostar do guardião do castelo de Grayskull como qualquer moleque, mas achava tudo na série muito estranho, mesmo com a idade que tinha. Apesar de ser o, como diria Capitão Nascimento, Sr. Pica das Galáxias, He-man tinha uma personalidade nada norte-americana. Apesar de ter uns 200 quilos de massa muscular e ainda a espada mais poderosa já forjada, o “homem mais poderoso do universo” era incapaz de cortar inimigos com ela. Ele sequer enchia o Esqueleto de porrada, preferindo usar sua força monstruosa para arrebentar obstáculos ou simplesmente encurralar o inimigo de maneira criativa. E ainda vinha dar conselhos um tanto óbvios à audiência no final de cada aventura, como “escovem
os dentes todos os dias” ou “não atravessem a rua de olhos fechados”. Tamanho bom-mocismo não existe neste e nem em outros mundos. Depois mudávamos de canal e lá estava Jaspion, agindo como um legítimo samurai, empalando e degolando as desavenças com sua Spadium Laser ou atirando no rosto delas com sua pistolinha. Isso é que é heroísmo!
A animação era feita a toque de caixa, com muitas cenas reaproveitadas ou grosseiramente alteradas que se repetiam em todos os episódios. As expressões faciais praticamente não mudavam nos personagens quando estavam falando. Mas a coisa que mais me incomodava e ainda incomoda são aqueles efeitos sonoros cômicos, típicos de desenhos animados mais tradicionais, que simplesmente não casavam bem com a ambientação lúgubre de Etérnia. Mesmo assim, a relevância da série é inegável, e continua sendo o desenho animado mais lembrado da “década perdida”. Quem acompanhou, entupiu o guarda-roupa com os brinquedos e pulou festinhas de aniversário ao som da musiquinha gravada pelo Trem da Alegria nunca se esquecerá das longas tardes que passaram brincando com os bonecos absurdamente desproporcionais.
PELOS PODERES DE VOCÊS SABEM QUEM!

• Designer e colunista do Literário, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com