segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 7 anos, seis meses e um dia de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Ponte entre duas culturas.

Coluna Em Verso e Prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema “Sutil”.

Coluna Lira de Sete Cordas – Talis Andrade, poema “A longa espera”.

Coluna Pássaros da mesma gaiola – Daniel Santos, crônica, “Gestos inaugurais”.

Coluna Porta Aberta – Roberto Corrêa, artigo, “Mistério e fé”.

Coluna Porta Aberta – Raul Longo, artigo “O complexo de vira-lata e a lata de lixo dos Estados Unidos”.


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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária” – José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com  
“Aprendizagem pelo Avesso” – Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
 “Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br



Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação. 
Ponte entre duas culturas

O “sacerdote-artista” Deoscoredes Maximiliano dos Santos – que além de líder religioso de culto nagô é, também, artista plástico e escultor – ou, Mestre Didi, como queiram e como é mais conhecido, é um escritor nitidamente de ficção. Talvez o leitor estranhe essa conceituação quando souber que quase metade de sua obra, ou seja, seis dos catorze livros que publicou, é de não-ficção. Ainda assim, tem que ser considerado como ficcionista, que “elegeu” o conto como o gênero em que se especializou. Os outros livros seus, em sua grande maioria, embora não ficcionais, têm alguma relação com as histórias que escreveu. Talvez as exceções sejam “Democracia e diversidade humana. Desafio contemporâneo” e “Pluralidade cultural e educação”.

As quatro outras publicações têm, de uma maneira ou de outra, algum tipo de relação com os contos que escreveu. Elas são, a saber: “Yorubá tal qual se fala” (1950), “Porque Oxalá usa ekodidé” (1966), “História da criação do mundo” (1988) e “Nossos ancestrais e o terreiro”. A leitura desses livros permite entendimento maior dos seus relatos ficcionais, porquanto os contextualiza. Para mim, Deoscoredes estabelece uma espécie de poonte entre duas ricas e relativamente ignoradas culturas: uma antiqüíssima, a africana e outra ainda em formação, a brasileira. Seu principal mérito é o fato de manter-se rigorosamente fiel à temática que elegeu, ou seja, a da cultura negra, dos dois lados do Atlântico, com seus mitos, lendas e pitorescas histórias que ele tão habilmente elaborou.

Se me pedissem para eleger apenas um único dos seus livros de contos, como sendo o melhor, eu não saberia qual escolher. Todos eles mantêm o mesmo padrão de qualidade, embora escritos com intervalos às vezes de dez, quinze e até de vinte anos um do outro. É uma uniformidade qualitativa rara em qualquer escritor, o que faz dele o que é: um dos melhores contistas da Bahia, Estado que produziu tantos e tão magníficos autores do gênero, e do País, que produziu e produz em muito maior quantidade.

Dois de seus livros foram publicados, em língua estrangeira, fora do Brasil: “Xangô, el guerrero conquistador y otros cuentos de Bahia” (que não tem versão em português e foi editado pelas Ediciones Silva Diaz, de Buenos Aires, em 1987) e “Contes noirs de Bahia” (com tradução francesa de Lyne Stone, lançado, em Paris, pela Editora Karthale, igualmente em 1987). Reportagens a seu respeito, enfatizando sua dedicação ao resgate da cultura negra no Brasil, foram publicadas em diversos jornais e revistas da Europa, da África e das Américas, nos países em que passou em viagens de estudo feitas na companhia da esposa, a renomada antropóloga Joana Elbein dos Santos.

Seus outros livros de contos publicados no Brasil são: “Contos negros da Bahia” (Edições GDR, 1961), “História de um terreiro nagô” (Editora Max Limonad, 1988), “Contos de nagô” (Edições GDR, 1963), “Contos crioulos da Bahia” (Editora Vozes, Petrópolis-RJ, 1976) e “Contos de Mestre Didi” (Editora Codecri, Rio de Janeiro, 1981).

Eu poderia escrever muito sobre o estilo peculiar de Deoscoredes Maximiliano dos Santos de narrar, de criar personagens, de urdir cenários e situações em suas histórias, mas não o farei. Para os que o conhecem, essas informações seriam redundantes e repetitivas. E, para os que não têm esse privilégio, recomendo que preencham essa lacuna lendo, eles mesmos, seus livros, que ganharão muito mais do que com enfadonhas teorizações. Mas, para não deixar estes últimos na mão, reproduzo alguns trechos do excelente trabalho de Giovanna Soalheiro Pinheiro, graduada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, no ensaio “Mestre Didi: entre o mito e a palavra falada”:

“ (,,,) Os contos são ora pedagógicos, ora satíricos, referindo-se, em seu sentido alegórico, aos costumes humanos. Na obra de Mestre Didi não é muito explícita a percepção diferencial entre mitos, lendas e fábulas, visto que há a confluência entre elementos históricos, sagrados e simbólicos. Pode-se afirmar apenas que alguns fatores de diferenciação, como por exemplo, o comparecimento de animais, determinam, em maior ou menor grau, tais classificações”. Dioscoredes, frequentemente, faz associações entre o folclore brasileiro e os mitos africanos, que ele próprio constrói. Exemplo disso é o que faz entre entes míticos como o nosso “Caipora” e Ossain, proveniente da África.

A esse propósito, Giovanna assinala, no seu citado ensaio: “A aproximação entre os dois seres lendários revela a riqueza e a universalidade dos mitos e lendas das várias tradições, sendo possível notar a presença desse sincretismo cultural em vários contos do autor aqui estudado”. E, para completar esse raciocínio, reproduzo o parágrafo final, com que Giovanna encerrou seu brilhante ensaio:

“(...) Percebe-se, portanto, que as palavras, na obra de Mestre Didi, soam como uma bela música que ouvimos em momentos de angústia. São imprescindíveis, pois conduzem harmonia e beleza rara aos ouvidos e às consciências. Formam imagens de tempos infindos, mágicos e misteriosos, nos quais se construíam valores verdadeiramente humanos. Propalar e resgatar as tradições da ancestralidade é manifestar um profundo afeto às próprias raízes, mostrando às várias gerações o patrimônio artístico e cultural que foi, durante séculos, comprimido a um plano inferior. Didi, a meu ver, é mestre universal, por várias razões: sua obra artística é esplêndida e, sobretudo, reflete a consciência límpida de uma sociedade que também é afro-brasileira”. Precisa escrever mais?!!! Claro que não!!!

Boa leitura.


O Editor

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk.                 
Sutil

* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral

Chore, sem gritar.
 Rasgue, sem despedaçar.
 Toque, porém de leve.
 Exale, sem embriagar.
 Sucumba, mas só de
mentirinha.
 Adormeça, mas sem
 desligar.
 Abra os olhos, sem
 pestanejar.
 Não se atreva a
perder-me de vista

 * Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário

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A longa espera

* Por Talis Andrade

O doloroso da solidão
este desespero sem espelhos
Este silêncio coxo sem esperança
sem o descanso de um corpo noutro corpo
A cambaleante andança
de emparedado em asfixiante câmara
A vigília o desamparo
na noite derradeira
a velha senhora
apresente sua corrupção
A velha senhora de amargo nome
apareça A cabeça de serpente
de atemorizante fascinum
ou com o medonho semblante
de ensangüentada espada
no formato duma alfanje

O doloroso da solidão
esta vigília este desamparo
A solidão torna longa a noite
A solidão torna escura a noite
A escuridão faz crescer o medo
o medo da escuridão maior
que nos espera lá fora

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).



Gestos inaugurais

* Por Daniel Santos


A bem dizer, ainda não há ritmo. Apenas uma pressão entre luz e treva fermenta expectativas. Rompe-se, afinal, o pesponto que unia as duas partes e a vazante da claridade vence onde, antes, vigoravam meios tons.

No entanto, ainda não é a manhã. Não, plenamente. O sol, sem a insolência que assumirá mais tarde, quando a pino, atravessa a vidraça da cozinha e, quase humilde, toca a fruteira de cristal no centro da mesa.

Ali, aquenta as mangas que sentem amolecer sua crosta rugosa,  desprendem eflúvios e engordam amorosas, agradecidas. Há por toda parte uma promessa de incêndio, mas, por ora, só um rubor tinge o instante.

Mas o velho calça a chinela e levanta pra cuspir, sem consciência dos seus gestos inaugurais. Um clarão progressivo adere às superfícies a etiqueta de um novo dia. Nada nem ninguém pode deter tanto assombro.

E agora, sim. Agora é a manhã. O pigarro, a bica da pia, o canto do galo, o tilintar das canequinhas de flandres ... ouve-se em tudo o conjugar de um gerúndio só regozijos. As portas se abrem, a vida chama para a rua.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Mistério e fé

* Por Roberto Corrêa

Para complementar o artigo anterior em que terminamos dizendo algo sobre mistérios, julgamos conveniente prosseguir, embora de maneira sucinta, como sempre fazemos. O melhor esclarecimento sobre o que sejam mistérios, o encontramos no antigo II Catecismo, passo inicial da instrução religiosa dos antigos cristãos católicos (dos septuagenários para cima).

Reza o livreto: “que são os mistérios? Os mistérios são verdades superiores à nossa razão, as quais devemos crer, ainda que não as possamos compreender. Por que devemos crer os mistérios? Devemos crer os mistérios, porque foram revelados por Deus, que sendo Verdade e Sabedoria infinita, não nos pode enganar nem ser enganado.

Serão os mistérios contra a razão? Os mistérios são superiores, mas não contrários à razão que nos persuade a admitir os mistérios. Porque os mistérios não podem ser contrários à razão? Os mistérios não podem ser contrários à razão, porque o mesmo Deus, que nos deu a luz da razão, nos revelou os mistérios, e Ele não pode se contradizer.

Onde se encontram as verdades reveladas por Deu? As verdades reveladas por Deus se encontram na Sagrada Escritura e na Tradição.”

Precisávamos nos encontros religiosos nos dedicarmos mais ao estudo didático da religião cristã porque os ensinamentos não são difíceis, mas relativamente complexos e muitos, por exemplo, entendem que mistério é sacramento.

A criação, a encarnação, a redenção, são mistérios, mas não sacramentos Os sacramentos da Igreja são sete, quase todos comportando místicas explicações, mas a Eucaristia pode ser considerado o Mais fantástico dos mistérios. De qualquer forma, porém, como precisamos aprofundar e intensificar a fé é útil revolvermos fatos ou acontecimentos tidos como misteriosos, exemplificando-se com a escolha da vocação, a proteção pessoal e familial e até a predestinação.

O nosso cotidiano necessita ser preenchido com atividades honestas saudáveis na correta aceitação das normas ínsitas no coração do homem, codificados em sua consciência pelo indelével direito natural. Essa, aliás, a luta de todo cidadão de bem que espera desfrutar da vida aqui no planeta Terra com toda tranquilidade e na expectativa de que a vida futura será de eterna felicidade.

* Roberto Corrêa é sócio do Instituto dos Advogados de São Paulo, da Academia Campineira de Letras e Artes, do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico, de Campinas, e de clubes cívicos e culturais, também de Campinas. Formou-se pela Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Fez pós-graduação em Direito Civil pela USP e se aposentou como Procurador do Estado. É autor de alguns livros, entre eles "Caminhos da Paz", "Direito Poético", "Vencendo Obstáculos", "Subjugar a Violência”, Breve Catálogo de Cultura e Curiosidades, O Homem Só.


O complexo de vira-lata e a lata de lixo dos Estados Unidos

* Por Raul Longo

Felizmente o complexo de vira-latas vem sendo superado por muitos brasileiros. Até em São Paulo, onde parte da população para se aproximar àqueles aos quais idealiza como superiores elege para governantes os ligados ao grupo do melhores amigos de Henry Kissinger e Bill Clinton, já se aperceberam que: ou modernizam a forma de pensar politicamente ou a cada gestão se perderão mais para trás na história do país.

Mas a cura do complexo de vira-latas iniciou-se mesmo a partir de um processo de choques sequenciais. Quando menos se esperava o Brasil, como estado e entidade sócio-político internacional, passou a ser respeitado. Nem mais exigem que se espere no capacho da porta de entrada ou que se tire sapatos para ser revistado em aeroportos.

Romper com tantas décadas de condicionamento não é mesmo fácil. Afinal, o desencanto é sempre traumático.

Desde sua independência os Estados Unidos sempre foram governados por um mesmo sistema de interesses de elites econômicas divididas em Democratas ou Republicanos. Sucedem-se políticos de dois únicos grupos a representar a ditadura de uma mesma classe social, mas todo mundo sempre acreditou naquele país e governo como padrão de democracia, mesmo quando promoviam golpes de estado contra governos realmente democráticos como os de João Goulart ou Salvador Allende.

Apesar de ali a vida de um negro não valer mais do que um assovio, criou-se o mito de que a civilização estadunidense fosse a mais livre e humana do planeta como se não fosse daquele governo e militares o maior genocídio já praticado em toda a história da humanidade, contra duas cidades civis de um país já derrotado e rendido: Hiroshima e Nagasaki.

E ha quem acredite piamente no heroísmo e na bondade de uma covardia a se repetir periodicamente, como no Vietnã, contra povos indefessos a usar bambu contra alta tecnologia bélica e bombas napalm.

O engodo do 11 de Setembro de 2001 despertou muita gente e mesmo que muitos ainda não consigam aceitar que aquele governo tenha sido capaz de ordenar um atentado contra o próprio povo, a certeza de que algumas horas de treino em teco-teco não habilitariam ninguém às manobras dos Boeing que atingiram o World Trade Center tem exercido forte impacto nas mentes de muitos.

Também houve a arrogância de decisão unilateral de invasão, a mentira das armas químicas do Sadam, a guerra desnecessária, o genocídio, as crianças esfaceladas, as humilhações de Abu Ghraib, as torturas de Guantánamo e todas essas realidades há muito sabidas, mas que só então se projetaram como intermitentes flashes da verdade antes velada, negada à própria consciência que forçosamente se viu obrigada a despertar, cada qual envergonhado do hipnótico condicionamento à que se expôs comportando-se como vira-lata.

Claro que ainda nem todos despertaram, mas são muito menos os adormecidos embora em determinadas classes sociais o condicionamento persista e em regiões onde essas classes compõem a maior parte da população

Um caso típico de eleitores do DEM e do PSDB, por exemplo, que há muito tempo ocupam o topo do ranking da corrupção anualmente divulgado pelo STE, mas mesmo assim seguem elegendo prefeitos e até governadores aqui e ali. O DEM, que ocupa o primeiro lugar no ranking da corrupção é seguido pelo PMDB. E, logo depois, os tucanos.

Considerando que o PMDB é o maior partido político do Brasil, está presente em cada município e tem muito mais do dobro de integrantes que o PSDB, é até compreensível que conste como o segundo da lista com maior quantidade de corruptos… Mas o DEM?!!! Um dos menores partidos políticos do Brasil, integrado apenas pelo coronelato: latifundiários, banqueiros e empresários! A elite econômica e financeira desse país! Só gente rica! Campeão de corrupção todos os anos?…

Claro! De alguma forma essa gente tinha de ficar rica, não é? E não há forma mais fácil de ficar rico nesse país do que explorando o complexo de vira-lata daqueles que hoje até podem ser poucos no resto do Brasil, mas aqui em Santa Catarina, de recente colonização europeia, com todos os preconceitos que vão desde os éticos/raciais até os econômicos/sociais, o complexo de vira-lata é tão forte e a cada dois anos sempre se eleja o guarda caça preferido do dono.

Uma questão de cultura e para se entender as diferenças culturais entre Santa Catarina e demais estados do país, convém lembrar que em Pernambuco, que tem um dos menores PIBs do Brasil, o orçamento anual destinado às atividades cinematográficas é de R$ 13 milhões. Em Santa Catarina, que está entre os cinco maiores PIBs do país, o governo do estado destina anualmente R$ 3 milhões.

Mas um tal de Sistema Estadual de Incentivo à Cultura – Seitec, se orgulha ao anunciar a existência do Funcultural que investe entre 25 e 28 milhões no que eles chamam de cultura catarinense, mas que tem como instituição mais significativa o Balé de Bolshoi, da Rússia, ao qual se associa um festival que traz dançarinos e bailarinos para anuais expressões dessas artes nas culturas do hemisfério norte: balé clássico, jazz, street dance, break, hip hop, country, sapateado, etc..

Tudo muito bonito, mas jamais esperem algo como Antônio Nobrega ou qualquer coisa brasileira, pois que os nativos de “nossa terra, nossa gente” apesar de rosnarem para os “estrangeiros” do Brasil, pulam de alegria numa estreita identificação com os estrangeiros de fato.

Na sequência da relação do empregado pelo governo do estado de Santa Catarina para incentivo à cultura, o próprio Seitec cita meia dúzia de instituições de pouquíssima ou nenhuma significação pública, entre as quais alguns museus estáticos que se visitados duas vezes em uma década, na seguinte pode faltar luz que ninguém se perde.

E, por fim, segundo o Seitec o restante é empregado nas festas gastronômicas ítalo/germânicas como a Oktoberfest, a Festa do Marreco e a Festa do Pinhão. E pronto! Para a compreensão dos responsáveis pelo incentivo à cultura de Santa Catarina, isso é tudo e o suficiente para atrair os turistas para essa terra e essa gente tão fechada ao Brasil e tão aberta àqueles que pouco vêm para cá por preferirem o calor, a maior proximidade à Europa, e a cultura típica e popular de Salvador, Recife, Natal, Fortaleza, etc.

Perante esse panorama e também considerando o monopólio de comunicações do Grupo RBS que se somado aos 600 milhões sonegados pela Rede Globo a quem representa neste estado e no de sua sede, o Rio do Grande do Sul, perfazem um calote de 1 bilhão de reais a cada brasileiro, inclusive catarinenses. Mas catarinenses são nativos e como nativos se distinguem dos demais brasileiros.

Talvez por esta distinção prefiram continuar elegendo os mesmos políticos que desde os tempos da ARENA da famigerada ditadura militar, depois PFL, depois DEM e atual PSD, cumprem com o ritual e estilo do vira-lata que cuida da presa abatida para seu dono caçador.

E essas siglas partidárias, como todas as demais que aqui mantém diretórios estaduais, sem exceção, pertencem a um mesmo Bornhausen: o feroz, fiel e treinadíssimo guarda caças de Santa Catarina que há anos vive em São Paulo.

No caso da notícia abaixo reproduzida, como a Receita Federal por alguma suspeita razão não divulga o nome, seria uma leviandade responsabilizar Bornhausen por essas 350 toneladas de lixo tóxico, mas não há a menor dúvida de se tratar de alguém de seu bando. Não há dúvida porque esse tipo de despejo é recorrente aqui no estado. Não há muito tempo ocorreu o mesmo problema com containers encontrados no porto de Itajaí.

E se o lixo está chegando, no entendimento local é porque os catarinenses se confirmam como os melhores guaipecas* para a guarda do quintal!

*Guaipeca - Regionalismo do sul do Brasil equivalente a vira-lata.

350 TONELADAS DE LIXO TÓXICO VINDO DOS EUA SÃO APREENDIDOS EM SANTA CATARINA

“Fiscais da Receita Federal e do Ibama apreenderam no porto de Navegantes (a 111 km de Florianópolis), nessa terça-feira (10), 353 toneladas de lixo tóxico, importado dos Estados Unidos em 15 contêineres. Exames feitos na carga indicaram contaminação por chumbo, um metal pesado altamente poluente.

O importador declarou “cacos, fragmentos e resíduos de vidro” para burlar a vigilância. De fato, eram cacos de vidro, mas de tubos de raios catódicos (usado em tubos de imagem de televisores antigos), que têm um teor de chumbo de 11%. A Receita não divulgou o nome do importador.

O material era destinado ao processamento em indústrias. Segundo a Receita, o valor da mercadoria era baixo, quase o mesmo do frete. De acordo com o Ibama, a importação de material contaminado é vedada pelo acordo internacional da Convenção da Basileia. O país exportador (no caso os Estados Unidos) é obrigado a receber de volta o material exportado, no prazo de cinco dias. Os procedimentos para a devolução já foram tomados pela Receita”. (Fonte: UOL).

* Poeta, escritor e jornalista


domingo, 29 de setembro de 2013

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 7 anos e seis meses de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Original, pitoresco e, talvez, único.

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Palavra e objeto”.

Coluna Direto do Arquivo – Leandro Barbieri, poema  “Declaração de amor”.

Coluna Clássicos – Hilda Hilst, poema, “De tanto te pensar”...

Coluna Porta Aberta – José Ribamar Bessa Freire, artigo, “A guerra de Iranduba”...

Coluna Porta Aberta – Elaine Tavares, artigo “O 20 de setembro”.


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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com “Aprendizagem pelo Avesso” Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
 “Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br



Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk.As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Original, pitoresco e, talvez, único

O nome é exótico, original, possivelmente único. Para alguns, isso é uma vantagem, pois facilitaria a memorização. Para outros, porém, esse é um aspecto que lhe é desfavorável. Tanto que é conhecido em toda a Bahia e, principalmente, em Salvador, como Mestre Didi. Refiro-me a um dos maiores ficcionistas baianos, Dioscóredes Maximiliano dos Santos, cujo conto, “O garoto e o cachorro encantado”, é o quinto, na ordem de publicação, na antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963), que tomei por base para esta série de estudos sobre a nata dos escritores de ficção desse Estado, que forneceu (e fornece) à Literatura nacional tantos e tão bons artistas da palavra.

É possível que seu nome, tão diferente e, sem dúvida, exótico, não seja o único. Eu não conheço nenhum outro que se chame assim, mas... nunca se sabe. De uma coisa, porém, eu tenho “quase” certeza (pois certos, de fato, absolutamente convictos, nunca podemos estar, e a propósito de nada), que não há nenhum outro escritor chamado Dioscóredes. Não, pelo menos, minimamente conhecido. Este, porém, não é o aspecto mais relevante que cerca essa figura tão original. Há muitos e muitos outros. Antes de entrar no assunto que nos interessa, ou seja, seu estilo literário e sua temática, o que abordarei no seu devido tempo, é interessante lembrar algumas coisas pitorescas e, no mínimo, inusuais, que cercam esse original homem de letras baiano.

Destaque-se que se trata de escritor negro. Bem, o leitor poderá argüir-me, com razão: “No que isso tem de originalidade, quando se sabe que o Brasil produziu dezenas de escritores negros, ou mulatos?”. E citará, certamente, nomes como Lima Barreto, João Cruz e Souza, Machado de Assis e um punhado de outros mais. Todavia, há que se reconhecer que isso é relativamente raro, em um país tão injusto e preconceituoso, como é o Brasil e que conta, conforme censo do IBGE, com população majoritariamente composta de descendentes de africanos, mesmo que essa descendência seja remota. Ou será que estou inventando algo que não possa ser facilmente comprovado? Claro que não!

Tido bem, Dioscóredes não é o “único” (e em momento algum afirmei que era) escritor negro, nem do País, e muito menos da Bahia. Mas é o único, pelo menos dos que conheço, que tem como tema “exclusivo” a cultura, as artes e as tradições trazidas há alguns séculos da África e assimiladas por todos os brasileiros, indiferentemente de sua cor, sexo, raça, condição econômica ou situação social etc.etc.etc. incorporando-se ao nosso comportamento cotidiano, à nossa forma de falar, de comer, de pensar etc. e, sobretudo, à nossa maneira peculiar de ser. E isso em ficção e não-ficção. Sua relativamente vasta obra, constituída de 14 livros, é toda, rigorosamente toda voltada a essa temática. Não conheço nenhum outro escritor que tenha feito o mesmo. Você conhece?

Querem outra originalidade de Dioscoredes? É o único sacerdote de culto nagô que também é escritor (e dos mais cultos e preparados). O Brasil e, sobretudo, a Bahia, conta com dezenas, talvez centenas ou, quem sabe milhares, de pais e mães de santo. Quantos deles, porém, se dedicam, simultaneamente, à Literatura? Eu não conheço nenhum. Você conhece? Todos eles estão familiarizados e convivem com um universo de magia e riqueza ancestral em que se revela “o saber do povo”, conforme Jorge Amado observou. Porém, a transmissão que fazem de tudo isso, de uma geração a outra, é feita de forma oral, com o risco de se perder muita coisa e de outras tantas serem deturpadas. Afinal, como diz o povão, “quem conta um conto, aumenta um ponto”. Dioscorodes, no entanto, faz isso por escrito. A salvo, portanto, de ambigüidades e deturpações.

Quando Mestre Didi escreve sobre aspectos desse culto e da cultura afro, em geral, o faz com absoluto conhecimento de causa. E sequer citei o fato dele ser, também, singular e original escultor, que ilustra o que escreve com esculturas apropriadas, que ajudam a fixar sua escrita na mente de quem lê. Giovanna Soalheiro Pinheiro, graduada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, escreve o seguinte, a propósito de Dioscoredes Maximiliano dos Santos: “Didi, nascido e criado na Bahia, é um dos maiores expoentes das tradições negras em nosso país. É nítida a estética vinculada às suas heranças, como ervas medicinais, búzios, contas e outros elementos sagrados formando um mundo densamente mágico e poético. O autor é, na verdade, um ‘sacerdote-artista’, senhor reinante na terra, cultor das fontes imemoriais e guardião dos mistérios inerentes à ancestralidade do seu povo”.

Talvez a melhor definição de Dioscoredes foi a dada por sua esposa, Juana Elbein dos Santos (renomada antropóloga e companheira de todas as viagens ao exterior, aos países da África, Europa e Américas, como destaca a enciclopédia eletrônica Wikipédia), que escreveu: “Mestre Didi... exprime, através da criação estética, uma arraigada intimidade com seu universo existencial, onde ancestralidade e visão de mundo africanos se fundem com sua experiência de vida baiana. Completamente integrado ao universo nagô de origem yorubana, revela em suas obras uma inspiração mítica material. A linguagem nagô com a qual se expressa é o discurso sobre a experiência do sagrado, que se manifesta por meio de uma simbologia formal de caráter estético”.

Por último, cito outra “originalidade” na vida de Deoscoredes (poderia mencionar dezenas de outras), esta ligada à sua família. Sendo ele o porta-voz da cultura africana e tendo por esposa uma antropóloga com os mesmos interesses, seria de se esperar que a filha seguisse o mesmo caminho ou pelo menos correlato. Contudo... não segue. Inaicyra Falcão dos Santos é cantora lírica! É graduada em dança pela Universidade Federal da Bahia, embora, também, seja professora doutora e pesquisadora das tradições africano-brasileiras, na educação e nas artes performáticas no Departamento de Artes Corporais de uma das maiores universidades do mundo, a tradicional e reputada Unicamp, aqui de Campinas.

Boa leitura.

O Editor.       


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Palavra e objeto

* Por Pedro J. Bondaczuk

O escritor sul-africano Stuart Cloete, em seu excelente romance “Balada Africana” (transformado em filme, que passou batido, pelo menos aqui no Brasil e pouca gente teve a oportunidade de ver), adverte, em determinado trecho do livro: “É preciso que não haja confusão entre a palavra – isto é, o nome – e a coisa em si. Nada – nem sequer um lápis – pode ser completamente descrito. A palavra, o nome, são apenas aproximações que transportam idéias associadas”.  

Muita gente comete esse tipo de erro e induz os incautos ao mesmo engano. Meras descrições dão, apenas, pálida idéia dos objetos descritos. Para sabermos como, de fato, eles são, é indispensável que os “vejamos”. Pessoas que nascem cegas, por exemplo, e dependam exclusivamente que outros lhes descrevam as coisas mais comezinhas e banais, formam idéias muitas vezes distorcidas e equivocadas delas.

Um dos equívocos mais comuns que tenho testemunhado refere-se à palavra “poesia”. Há quem confie, sem restrições, numa tal de “inspiração” e se esqueça do seu essencial complemento, a transpiração, o domínio vocabular, o pleno conhecimento do idioma, para se compor um poema que preste e que, mesmo que remotamente, mereça esse nome. E são muitos os que pensam assim.

Não há poesia latente nas coisas, pessoas, paisagens e outros seres vivos e nem no universo. Ela não é como os frutos maduros de uma árvore cujo único trabalho que tenhamos seja o de colhê-los para o nosso deleite e satisfação e dos que queiram, saibam e possam apreciá-la.. Não é assim que as coisas funcionam.

Tudo o que nos cerca é o que é, para nós e para qualquer outro. Há poesia (ou não há) somente dentro de nós. Ela nasce (ou não nasce) em nosso íntimo, na maneira como nos encaramos e a tudo o que nos rodeia: pedra ou água, treva ou luz, pessoas ou flores, insetos ou animais.

É da nossa sensibilidade e talento que nascem as metáforas, os versos, as rimas, a métrica, enfim, o poema. O poeta é um criador, que do barro imundo molda transcendências. Fá-lo, porém, com palavras. Torna razoavelmente concreta uma visão interior, um conceito, uma emoção, um sentimento. E raramente se satisfaz com o produto final, com o texto concluído. 

Isso, todavia, não é inspiração, como tantos pensam. Esta não passa de um relâmpago, de um lampejo, de uma fagulha, de brevíssimo clarão, que nos sugere “apenas” determinado tema ou, quando muito, uma ou duas palavras pertinentes ao poema que se pretenda compor. Nenhum, nunca, em circunstância alguma, já nasce pronto. Tem que ser composto. Fôssemos depender, apenas, da tal da inspiração, não haveria poesia alguma no mundo.

Até quem não tem talento para o gênero, pode ter, vez ou outra, essas fugazes “faíscas”. Todavia, se não forem talentosos, se não contarem com vasto vocabulário, se não tiverem a poesia em seu interior, por mais transpiração que venham a apresentar, não comporão poema algum.

A poesia é, dos gêneros literários, o mais incompreendido, complexo e, simultaneamente, o mais tentado, apesar de ser, também, o mais perigoso, por levar o indivíduo sem autocrítica, com extrema facilidade, ao ridículo.

Há quem pense, por exemplo, que se limitando a rimar “amor” e “flor”, “varonil” com “Brasil” e fazendo outras tantas rimas, ainda mais óbvias – que qualquer criança recém-alfabetizada é capaz de perpetrar – estará compondo uma obra-prima, que rivalize com as produções de um Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles ou Manuel Bandeira. Claro que não estará. Daí para o ridículo, nem é preciso destacar, é mero piscar de olhos, ou nem isso. Ademais, sequer é necessário rimar coisa alguma para se compor um poema.

Reitero, portanto: não há poesia latente nas coisas, pessoas, paisagens e outros seres vivos e nem no universo. Ela não é como os frutos maduros de uma árvore cujo único trabalho que tenhamos seja o de colhê-los para o nosso deleite e satisfação e dos que queiram, saibam e possam apreciá-la.

Mauro Sampaio expressa tudo isso neste poema intitulado “Poesia”:

“Não há poesia.
É apenas o Universo.
A árvore é árvore e o pássaro é pássaro.
Apenas a poesia da árvore ou do pássaro
em cada um de nós”.

Este, sim, foi um poeta magnífico e exemplar, que nunca se fiou nessa balela de inspiração. Tinha e esbanjava talento e cultura e fazia o que queria com as palavras (que conhecia como poucos), com a habilidade de quem de fato conhece a atividade. Sobretudo, tinha poesia dentro de si!


   
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 

Declaração de amor

* Por Leandro Barbieri


À mais bela de todas as mulheres
Minhas lágrimas
Meu pranto
Armas que me protegem
Das loucuras do silêncio

À mais talentosa de todas as artistas
Meus aplausos
Minha inspiração
Devoção

À mais fiel de todas as amigas,
Meus abraços
Agradecimentos
Expressões
Transparência


À mais forte de todas as fortalezas
Minhas angústias
Fraquezas
Desespero

À mais frágil de todas as meninas
Meus ombros
Minhas palavras
Minha arte

À mais amada de todas as amadas
O que me resta
Minha sina
Meu amor.

* Roteirista, diretor e pesquisador de Telenovelas nacionais. Escreveu Retrato da Lapa  (a primeira novela da TV a Cabo brasileira) e Umas & Outras (a primeira novela da Internet), as quais também dirigiu em parceria com Silvia Cabezaolias. Assina o roteiro da webnovela Alô Alô Mulheres na allTV, onde é diretor do núcleo de dramaturgia.

De tanto te pensar

* Por Hilda Hilst

De tanto te pensar, me veio a ilusão.
A mesma ilusão
Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.
De te pensar me deito nas aguadas
E acredito luzir e estar atada
Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.


De te sonhar, tenho nada,
Mas acredito em mim o ouro e o mundo.
De te amar, possuída de ossos e abismos
Acredito ter carne e vadiar
Ao redor dos teus cismos. De nunca te tocar
Tocando os outros
Acredito ter mãos, acredito ter boca
Quando só tenho patas e focinho.


De muito desejar altura e eternidade
Me vem a fantasia de que Existo e Sou.
Quando sou nada: égua fantasmagórica
Sorvendo a lua n'água.


* Poetisa, cronista, ficcionista e dramaturga.
A guerra de Iranduba

* Por José Ribamar Bessa Freire

Maria morava há mais de 13 anos no "Alagadinho", Cacau Pirêra, distrito do município de Iranduba (AM). Saiu de lá, onde vivia submersa durante a cheia, para realizar "o sonho de moradia" em área de propriedade do Estado. Fez roça no quintal. Plantou macaxeira, abacaxi, pimenta de cheiro e plantas medicinais. Acontece que a área foi grilada por particulares. E na quarta-feira (25), o trator, protegido pelas botas da polícia, entrou lá, esmagou plantinhas, esperanças, sonhos. Destruiu tudo.Só deixou lágrimas, fome e Maria, sem casa, sem roça, sem ter o que dar de comer aos filhos.

- “Vocês tem arco e flecha; a gente tem é bala”. Esse foi o "argumento" que um policial militar disparou contra uma índia Kokama, durante a operação dizque “pacífica”, iniciada na segunda-feira (23), para impedir o acesso a uma área ocupada por indígenas e não-indígenas, na rodovia Manoel Urbano (AM-070), região metropolitana de Manaus. Usou a "lógica" colonial do Raposo Tavares, Borba Gato e outros bandeirantes.

A violência da polícia contra os “invasores” foi ocultada e silenciada a exemplo do que ocorreu com os bandeirantes. As agressões físicas e os palavrões com os quais os policiais intimidavam até as mulheres e as crianças - nada disso emergiu nos relatos. As notícias, como regra geral, registraram uma “operação pacífica” de reintegração de posse da terra, com atuação "exemplar" do Estado que colocava um ponto final na “indústria da invasão”. O importante era que os “supostos índios” saíssem de lá.

"Supostos índios"

A versão dos "escrivães da frota" só foi contestada porque uma equipe de pesquisadores do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA), documentou tudo, entre eles a antropóloga Márcia Meneghini, que realizou trabalho de campo durante os três meses de “invasão”.

- Nesse período - escreve Márcia - descobrimos que não se tratava de uma “invasão”, mas de um ato de mobilização coletiva em torno da legítima reivindicação da posse de terra numa área de propriedade do Estado “supostamente” grilada por particulares. Esse ato de mobilização é chamado de “ocupação” pelas pessoas que dela participam. Nesse sentido, ela é vivida e representada como algo que lhes pertence: a terra. Recebe o nome de “Comunidade Deus é por nós”.

A extensão e localização da área variam conforme quem divulga: Km 5 ou Km 6? Quantos são: 10 mil ou 18 mil? O que se sabe é que entre eles há centenas de índios, mas até isso os zeguedegues cretinos questionam com indagações sobre se os "invasores" tem RANI (Registro Administrativo de Nascimento Indígena), se usam cocar, tanga, arco, flecha. Em caso contrário, concluem que não são 'índios de verdade', são 'civilizados', 'aculturados' e portanto - incrível! - sem direito à terra. Surge na imprensa nova categoria ignorada por antropólogos - o “suposto índio”.

Mas afinal o que seria esse “suposto índio”, que nunca é ouvido? É uma categoria criada para esconder um problema antigo - a distribuição de terra na região metropolitana de Manaus. Ela designa índios que migraram para Manaus. São Kokama, Kambeba, Paumari, Mura, Arara, Tukano, Tuyuka, Sateré-Mawé, Macuxi, Tariano, Piratapuia, Carapana - distribuídos em 1.040 famílias - segundo informaram os índios a Márcia Meneghini, que acompanhou neste sábado (28) a operação de reintegração de posse, quando a FUNAI ainda negociava a permanência dos indígenas na área.

Nem o juiz, nem a Polícia e nem a mídia ouviram os pesquisadores da Nova Cartografia Social da Amazônia. Se fizessem a consulta, saberiam que as manifestações surgem porque uma apropriação desigual da terra vem definindo a configuração da cidade. Manaus tem sua história marcada pela prática do Estado de conceder terras a particulares para benefício de grupos do poder. Mas quando grupos étnicos se mobilizam, para juntos reivindicarem a posse comum de terra do Estado, são rapidamente taxados de “supostos índios” com o objetivo de desqualificá-los.

Sabá Kokama

- “Cuidado com os índios. Não se aproxime deles. Eles podem te prender como refém. Vá até onde está a polícia”. Este foi o conselho que um policial deu à antropóloga Márcia Meneghini, quando ela perguntou se poderia entrar na área. Saíam os “invasores” e entravam mais de 400 policiais. Um helicóptero, com um homem armado, sobrevoava o local. O policial não podia imaginar que aquela mulher branca, alta, magrela, de mochila e tênis, estava com medo dele - da polícia - e não dos índios.
Márcia cortou caminho pelo mato, longe da vista do policial, para entrar no lado dos “invasores”, dos “perigosos”. Fugiu da barricada policial. Foi encontrar com um dos líderes do movimento, Sebastião Castilho Gomes, mais conhecido como Sabá Kokama ou Sabá. Ele nasceu em Sapotal, Tabatinga, no Alto Solimões (AM). Começou no movimento indígena lutando com os Tikuna pela demarcação das terras indígenas Éware I e Éware II em Tabatinga. Já trabalhou na FUNAI e foi vice-presidente da União dos Povos Indígenas de Manaus (UPIM).

A atuação de Sebastião Kokama incomoda, porque chama a atenção do poder público para a problemática de moradia, saúde, educação, não apenas de indígenas, mas também de não indígenas, que vivem nas periferias da cidade. Em 2011, ele participou do “Movimento indígena por uma vida melhor”, conseguindo moradia para muitos índios. Hoje, o Parque das Nações Indígenas, no Tarumã, na zona oeste da cidade, é resultado dessa luta. "Falar numa “indústria da invasão” por “supostos índios” e “invasores” é camuflar o problema da terra" - diz a antropóloga.

Acusar os “invasores” de crime de degradação ambiental é outra forma de mudar o foco das discussões. O terreno reivindicado é extenso e abrange um grande areal. Na parte baixa, há igarapés entre as árvores da floresta. Sebastião Kokama comentou com a antropóloga que a floresta em questão não é nativa: “Quando chegamos era capoeira. Ali quem tirou foi o próprio governo para botar terra para ali [obra da Ponte Rio Negro]. Quem tirou as madeiras daqui não foram os índios, não. Foram as olarias e os empresários. Vocês já viram índio com caçamba aqui dentro?”.

Mobilização nacional

A polícia não quer conversa, usa a porrada como argumento. Casos de violência física foram relatados aos pesquisadores. O objetivo é isolar a área, quem está fora não entra. Um Tuyuka, de 16 anos, mostrou as marcas no corpo da agressão sofrida quando retornava com água e mantimentos ao local na manhã de segunda-feira (23). “Me algemaram e me jogaram dentro do camburão. O policial me trancou com ele sozinho na sala e disse: ‘agora nós vamos conversar’. Puxou o cassetete dele. O delegado [de Iranduba] chegou. [Eles] me seguraram e me deram um murro”, disse o menor.

O rapaz também contou que foi intimidado: “Eu me senti ameaçado, por [ele] dizer que ia descarregar uma pistola na minha cara”. Em seguida, segundo o menor, uma equipe do Conselho Tutelar apareceu e impediu que a violência continuasse. “Começaram a me dar guaraná, café, bolacha pra comer. Aí queriam me dar um monte de recurso: bolsa-escola, bolsa-família, minha casa-minha vida. Eu falei que não queria nenhuma dessas coisas. Falei que eu queria o meu direito. Que eles não podiam ter me batido. Não estava fazendo nada”.

Casas foram destruídas por tratores. Sem poder entrar, as pessoas se aglomeravam do lado de fora, relatando a violência da polícia. “Uma jovem, aqui, foi apoiar sua mãe, e um policial do Iranduba bateu nela. Todo mundo viu, agora ninguém pode falar nada, porque, se falar, ele volta de tarde e bate na pessoa”, afirmou J.W, cuja casa e objetos pessoais foram destruídos. “Estão quebrando tudo. Minhas coisas lá dentro estão quebradas. Dá até vontade de chorar. Já pensou um homem de 51 anos chorando? Mas é triste. A gente não tem onde morar”, continuou.

O Kokama, D.C., 20 anos, conseguiu fugir depois de ter sido agredido e algemado, quando tentava retirar seus pertences de sua casa. Levou um tapa na cara. "No descuido deles, eu puxei meu braço e sai correndo. Pulei a cerca e eles correndo atrás de mim. Só não me pegaram por causa do resto dos guerreiros que fecharam a rua para eles não passar”, explicou.

A guerra de Iranduba acontece no momento em que a bancada ruralista no Congresso Nacional lança poderosa ofensiva para anular os direitos dos índios e quilombolas garantidos pela Constituição Federal que comemora, agora, em outubro, 25 anos de vigência. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil está convocando, entre 30 de setembro e 5 de outubro, uma mobilização nacional em defesa dos direitos dos índios.

No sábado (28) à tarde, Michelle Kokama informou que a operação de retirada de índios e não-índios havia terminado. É uma vergonha para o Amazonas, o maior Estado do Brasil, onde a polícia dá porrada em índios que buscam um lugar para morar. Os amazonenses deviam fazer como os cariocas fizeram com o Sérgio Cabral: infernizar a vida do Omar Aziz. Cadê o José Ricardo Wendling e o Marcelo Ramos que estão sempre sintonizados com os interesses populares?

P.S. - Versão ampliada daquela que foi impressa no Diário do Amazonas, escrita a quatro mãos com Márcia Meneghini. Fotos de M.Meneghini e Glademir Sales. Ilustração Bambi&Mayara Advertising.

* Jornalista e historiador