sábado, 21 de julho de 2018

A boca - Adélia Prado


A boca

* Por Adélia Prado

Se olho atentamente a erva no pedregulho
uma voz me admoesta: mulher! mulher!
como se me dissesse: Moisés! Moisés!
Tenho missão tão grave sobre os ombros
e quero só vadiar.
Um nome para mim seria A BOCA
ou a SARÇA ARDENTE E A MULHER CONFUSA
ou ainda e melhor A BOBA GRAVE.
Gosto tanto de feijão com arroz!
Meu pai e minha mãe que se privaram
da metade do prato para me engordar
sofreram menos que eu.
Pecaram exatos pecados,
voz nenhuma os perseguiu.
Quantos sacos de arroz já consumi?
Ó Deus, cujo reino é um festim,
a mesa dissoluta me seduz,
tem piedade de mim.


* Poetisa, professora, filósofa e contista ligada ao Modernismo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário