O
comercial de Neymar ou a
autoindulgência bem paga
autoindulgência bem paga
*
Por Fernando Brito
Repercute
nas redes o comercial da Gillete com a “nenhuma autocrítica” do
jogador Neymar Jr. e eu, que vivo a escrever sobre política e
economia, não resisto a falar de futebol, sempre uma paixão e porta
de entrada na minha profissão, há 40 anos, na editoria de Esportes
de O
Globo.
Parto
do que diz o coleguinha Xico Sá: Neymar “não
foi à terapia, não foi ao divã, simplesmente dirigiu-se à caixa
registradora em mais um oportuno anúncio publicitário”.
Até
aí, nada de mais. Convenhamos, faz tempo que o futebol e seus
craques perderam sua natureza de paixão popular e foram, eles
próprios, devorado pelo marketing, com seus dentes de dinheiro e de
“dolce vita”.
Confesso,
porém que fiquei pensando no que o competente texto do anúncio diz,
num chororô que se desmancha a cada frase.
O
craque descreve, primeiro, as botinadas, joelhadas e agressões
que sofre em campo. Sofre. Mas em que os zagueiros agiriam com ele de
forma diferente da que fazem com Mbappé, Modric, Messi, De Bruyn,
Hazard ou Cristiano Ronaldo para ficar apenas em algumas
estrelas desta Copa?
Nenhum
deles é fisicamente menos vulnerável que Neymar, nenhum deles é
menos essencial a suas equipes de tal forma que não pudessem ser
alvos de defesas “botinudas”.
A
resposta me parece simples: nenhum deles cai cinematograficamente e,
por isso, a agressão, se não é verdadeira, é verossímil aos
árbitros.
Antes
de perder a bola com estas cenas dramáticas, Neymar perdeu boa parte
de sua credibilidade com o espalhafato e, hoje, nem mesmo quando
apanha de verdade convence que é veraz boa parte das pancadas.
Portanto, além do que apanharia, apanha mais, porque virou “bom de
bater”
A
seguir, ele diz que, se sofre em campo, muito mais sofre na vida: “eu
sofro dentro de campo mas, na boa, você não imagina o que eu passo
fora dele”.
Verdade?
Neymar descumpre o mandamento óbvio da pessoa exposta: ser discreto.
Ou, se não for, a encarar as consequências disto.
Há
muitas outras frases que, separadas, se tornam verdadeiros absurdos
ou confissões daquilo que negam.
“Quando
eu cesso a (paro
de)
dar entrevistas, é porque ainda não aprendi a te decepcionar”
quer dizer o quê? Que tem de aprender a decepcionar? Tirando Mbappé,
todos os outros, depois de algum jogo, estavam tanto ou mais
decepcionados e tanto mais decepcionaram. Mas trataram do assunto sem
se fazerem de vítimas, de injustiçados. Menos ainda pedem que os
outros aceitem sem reclamar as decepções que causaram.
“Quando
eu pareço malcriado, não é porque eu sou (seja)
um moleque mimado, mas porque ainda não aprendi a me frustrar”.
Deus meu, o que é um menino mimado senão o que não aceita
frustração?
“Você
pode achar que eu caí demais, mas a verdade é que eu não caí, eu
desmoronei …e isso dói muito mais que qualquer pisão em tornozelo
operado”.
Desmoronar
é da vida e não sou ninguém para julgar a reação do outro diante
de um fracasso dolorido. Se foi um pedido de perdão, não haveria
torcedor que não o desse, no tempo que o perdão precisa para ser
dado, pois não é algo que esteja pronto, na prateleira, esperando
para ser entregue a quem o pedir.
Mas
viria, quem sabe já no próximo jogo, no próximo drible, quem sabe
no próximo gol, ainda mais se fosse um daqueles onde as pernas ágeis
do atacante saltam sobre a chuteira bruta da zaga, dão dois ou três
passos trôpegos, se reequilibram e armam o chute fatal.
Neymar,
infelizmente, escolheu o caminho errado e produziu uma peça que, na
verdade, se volta contra ele próprio.
Talvez
não no bolso, de imediato, mas adiante, consolidando a imagem de
“chorão” com a qual não se faz ídolos. Porque aquele “quando
eu fico de pé, o Brasil inteiro levanta comigo”, é tão bem
redigido quanto inconvincente.
Uma
pena, porque talentos como ele surgem muito, muito raramente e, ao
contrário dos que acham que o futebol é o “ópio do povo” nos
gramados, penso que é e sempre foi fonte de orgulho, autoestima e
afirmação para os brasileiros.
A
gente também apanha, Neymar, no campo da política, às vezes com
mais brutalidade que na bola, e nem por isso tem razão em ser
autoindulgente.
“Tadinho”
não ganha jogo, rapaz.
*
Jornalista,
do blog “Tijolaço”
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