terça-feira, 30 de abril de 2013


Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 7 anos, um mês e cinco dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Fisgados pela ganância.

Coluna À flor da pele – Evelyne Furtado, poema, “Plenitude”.

Coluna Observações e Reminiscências – José Calvino de Andrade Lima, crônica, “Perdão de Deus”.

Coluna Lira de Sete Cordas – Talis Andrade, poema “Sexta-feira”.

Coluna Porta Aberta – Roberto Corrêa, crônica, “Doridas separações”.

Coluna Porta Aberta – Walter da Silva, crônica, “Tradições contradições 84”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: nenem138@gmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
 “Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

  

Fisgados pela ganância

A crise do “Encilhamento”, que afetou o Brasil em fins do século XIX, no governo do primeiro presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca, hoje é classificada pelos economistas de “bolha econômica” que, tão logo estourou, desarranjou a economia brasileira por muitos anos e retardou, em décadas, o desenvolvimento nacional. Da minha parte entendo que a denominação adequada para esse processo, que volta e meia se repete, em várias partes do mundo, com resultados igualmente desastrosos –  legalizado pelo decreto de 17 de janeiro de 1890, assinado pelo então ministro da Fazenda, Ruy Barbosa – caracterizou, isto sim, uma megafraude, que trouxe incontáveis prejuízos a milhares de pessoas de boa fé que foram fisgadas pela ganância.

Responda com franqueza, inteligente leitor: você considera normal e minimamente aceitável a venda de ações de empresas existentes apenas nos registros oficiais, sem sequer terem endereço que não fosse frio, que não tinham nem terreno, quanto mais instalações industriais, vendidas como sendo de empreendimentos existentes de fato e de enorme potencial de lucratividade? Eu não!!! Para mim, isto é pior do que o folclórico conto do vigário ou fraude similar *muito pior por sinal). O pior é que esses papeis tinham o aval do governo, o que os tornava atrativos e “confiáveis”.

Os mais espertos (sempre os há), compravam-nos, esperavam que se valorizassem (e alguns, dada a especulação, chegavam a decuplicar de valor em questão de dias) e vendiam-nos na alta, auferindo lucros para lá de exorbitantes. Já os incautos, muitas vezes julgando-se experts em finanças, ficavam com o mico na mão, acreditando que, se haviam se valorizado tanto, se valorizariam muito mais. Quando se davam conta... viam todas as economias escoarem pelo ralo.

Guardadas as devidas proporções, o encilhamento pode ser comparado à tal “bolha imobiliária”, que derrubou a economia dos Estados Unidos e que se refletiu diretamente na Europa, gerando a atual crise que ninguém sabe se, quando ou como vai acabar. O próprio apelido popular desse processo sugere por si só ação fraudulenta, destinada a enganar ingênuos. O real significado de “encilhamento”, na época, era o de “marmelada”. Foi emprestado das corridas de cavalo, popularíssimas em um período em que não havia ainda o futebol, como conhecemos hoje, arualmente grande paixão nacional.

A “jogada” do turfe, que caracterizava o comportamento nomeado com essa expressão de gíria, era muito simples. Alguém apostava determinada quantia em algum cavalo azarão, desses pangarés que sempre chegam nas últimas colocações, afirmando que tinha informações seguras de cocheira que ele iria ganhar. Um bando de ingênuos embarcava nessa onda, enquanto o espertalhão fazia aposta em separado no verdadeiro favorito. Claro que ganhava. Perdia certa quantia apostada no animal mambembe,  mas lucrava muito mais com a segunda escolha, no verdadeiro campeão.

O financista Leopoldo de Bulhões, citado por Afonso Taunay em seu livro “O Encilhamento: cenas contemporâneas da Bolsa do Rio de Janeiro em 1890, 1781 e 1892” (Editora Melhoramentos), observou, sobre o decreto de 17 de janeiro de 1890: “A medida decretada por Ruy Barbosa convertendo as apólices da dívida pública em papel moeda fez desaparecer uma dívida para criar outra muito mais onerosa”. Ao mesmo tempo em que os bancos ganharam poder de emitir papeis com valor monetário, o governo passou a garantir juros altíssimos, e portanto atrativos, aos investidores.

Criou-se, pois, uma “ciranda financeira” infernal, como a do fim do governo de José Sarney, que o Plano Brasil Novo interrompeu abruptamente em 16 de março de 1990. Como se vê, o País atravessou exatos cem anos tendo na especulação predatória recurso muito mais atrativo do que o trabalho dedicado, responsável e produtivo. Títulos de todos os tipos passaram a ser cotados em valores fantásticos, Circulavam como se fossem dinheiro e eram aceitos como tal. A mentalidade que predominava podia ser resumida por um famoso ditado que diz: “Cavalo encilhado não passa duas vezes”. Não havia nenhum investidor que não visse no encilhamento oportunidade de enriquecer rápida e facilmente e de assegurar seu pé de meia para o futuro. Ah, ganância, maldita ganância!

A moeda então – como voltaria a ocorrer cem anos depois, no governo José Sarneu, por causa da hiperinflação – deixou de ser atrativa. Foram criadas sociedades anônimas em profusão, para os mais variados tipos de negócio. Muita gente, até, abriu empresas de boa fé, mesmo sem ter vocação ou competência para tocar tais empreendimentos. Afinal... havia a garantia do governo. Havia mesmo?

É claro que essa loucura redundou em monumentais fracassos, em falências espetaculares e rumorosas, e em enorme complicação econômica para o País. Aquilo não poderia dar certo, como de fato não deu. Mas na onda dos honestos, indústrias fantasmas surgiram por todas as partes. Eram emitidas ações, reitero, de empresas industriais que não tinham sequer terrenos, mas que eram apregoadas como grandes tecelagens, promissoras fundições, sólidas fábricas de bens de consumo etc. etc. etc, E os incautos caíam como patinhos no monumental golpe. Afinal... os papéis tinham a garantia do governo.

Não tardou muito, porém, para que o sonho (na verdade pesadelo) terminasse. Essa infernal ciranda durou até 1892. Logo o papel moeda se multiplicou tanto, tão vertiginosamente, mas sem que tivesse o correspondente lastro ouro, que perdeu quase todo seu valor. Como conseqüência lógica, a inflação foi às alturas, alcançando taxas estratosféricas. Os preços, principalmente os dos gêneros alimentícios, foram às nuvens. Como se vê, foi – como se tornaria rotina no País – a população que pagou o preço daquela loucura, daquele delírio, daquela mazela (que da minha parte insisto em classificar de megafraude) do governo.

Não demorou nada para que ocorresse um previsível e lógico “crash” na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, a então capital federal do Brasil. Uma onda de falências espalhou-se por todas as partes, criando um clima misto de pânico e de revolta. Os prejuízos, para os que acreditaram na possibilidade do País queimar etapas no desenvolvimento, foram irreparáveis (como foram imensos os lucros dos espertos especuladores). A situação econômica e financeira do Brasil, interna e externa,  agravou-se demais. E durante décadas e mais décadas ninguém mais quis sequer ouvir falar em ações e, consequentemente, em sociedades anônimas, no País. Pudera!

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk

Plenitude

* Por Evelyne Furtado

Não importa o quão fugaz
Não importa de onde vem
Nem para onde vai
Menos ainda se doerá amanhã
Ou depois
Agarre agora o que faz plenas
Tuas carnes
E deixa teu coração em paz.

* Poetisa e cronista de Natal/RN

Perdão de Deus

* Por José Calvino

Houve esta semana aqui no bairro de Campo Grande-Recife, um assalto à residência de um senhor muito religioso. Levaram reais, dólares, objetos de valores, etc. Me lembrei do personagem do livro “O Pai do Chupa”,Miguel Rodrigo Carrasquero, que sempre dizia: “Tem o Deus da bondade e o Deus da maldade, este último está tomando conta do mundo...”

Quando era vivo, o frade capuchinho Damião de Bozzano também, sofreu um assalto à sua residência. Levaram do Convento do Pina reais, dólares, jóias, máquinas fotográficas e um revólver trintoitão pertencente ao frei Fernando Rossi (sic) que ganhou quando abençoou, juntamente com frei Damião, armas amaldiçoadas por Deus.

Lá pediram proteção e felicidade que os cubram por toda a vida! Ora, as grandes armas para vencer são a paciência e o amor. O frei Fernando e o carola deveriam pedir perdão ao Deus da bondade porque devemos lembrar que cai no pecado aquele que se afasta de Deus para adorar outros deuses. O perdão em nome do Deus da bondade pelos pecados cometidos por eles (os religiosos e os assaltantes, pois é difícil encontrar ateus e atéias) possibilita voltar para Deus, recomeçar de novo e mudar as relações humanas exclusivamente para melhor.

* Escritor, poeta e teatrólogo. Blog Fiteiro Cultural - http://josecalvino.blogspot.com/


Sexta-feira

* Por Talis Andrade

Jonathan Swift
com a santidade
de deão da Igreja
de São Patrício
recolheu Stella
menina de oito anos
a quem educou
e sustentou
por toda a vida

Jonathan Swift
escreveu poemas pornôs
louvando padrecos
formando uma roda
em uma dança
em que cada um
penetrava o outro
em uma roda dos ventos
em um girar
que introduziu
o solitário Gulliver
no burburinho do mundo

Stella cresceu
e ficou bonita
Tudo aprendeu
Swift ensinou
para o bem de Swift
que morreu louco
de saudades de Stella
Stella estrela
na solidão de um asilo

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do“Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e“A República” (Natal). Tem 13 livros publicados, entre os quais o recém-lançado“Romance do Emparedado” (Editora Livro Rápido) e outros à espera de edição.

Doridas separações

* Por Roberto Corrêa

Há cerca de alguns anos fui envolvido pelo problema da separação de pessoas bem chegadas. Valeu-me motivação para duas crônicas: Os outros sofrem e Destroços da Separação. Naquela época, logo a seguir, escrevi: “voltei ao lugar do crime, ou seja, a casa construída pelo João de Barro para aninhar suas crias. Encontrei só destroços. Tudo empilhado, desarrumado, arrebentado. Valiosos tesouros que algum dia brilhavam e que apresentavam ter valor para a vida. Nada mais; tudo abandonado: sobre a mesa, pratos, louças em geral, material escolar, fotografias de um tempo aparentemente maravilho, que passou num piscar de olhos.”

Voltei a lembrar destes textos ao ler no Correio Popular de 2/4/2013 mensagem de outro escritor de assunto semelhante , que tomo a liberdade de reproduzir: “tenho 65 anos e estou escrevendo esta carta dirigida àqueles que estão sendo recentemente premiados por Deus com a vinda de um filho, filha ou mais e faço-lhes um apelo: jamais abandonem seus filhos! Eu me separei de minha ex-esposa e abandonei minhas duas filhas e perdi a bênção de poder vê-las acabarem de crescer...Eu cumpri sim, com o pagamento de pensão determinada pelo Juiz, visitava-as aos domingos, supria suas necessidades extras, dava-lhes presentes de Natal, aniversário e Páscoa, mas de que vale isso se não lhes dei meu ombro para chorarem quando precisaram, se lhes neguei a segurança da minha presença, se não conduzi com minha mão firme nesse início de caminhada dessa estrada chamada vida e se não acompanhei os seus passos se alargarem?”

Nossa caminhada é repleta de erros e fracassos. Mas alguns são absolutamente fatais e de trágicas consequências. No relacionamento familiar o erro que motiva a separação ou o divórcio é doloroso e também pode ser trágico, culminando muitas vezes em sangrentas tragédias. Motivadas por erros de entendimentos (desentendimentos) ou de incompatibilidades (real ou fictícia), as vítimas podem não ser tão numerosas como em desastres horrorosos, mas sofrem bastante, ao menos de forma incruenta, o resto de suas vidas. Nós outros, bafejados pelos princípios cristãos que inspiram nossas vidas, todavia com fervorosa e constante oração, poderemos receber graças que nos ajudarão a superar ou ao menos aceitar com tranquilidade os doridos sofrimentos desses indesejáveis conflitos familiares.

* Roberto Corrêa é sócio do Instituto dos Advogados de São Paulo, da Academia Campineira de Letras e Artes, do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico, de Campinas, e de clubes cívicos e culturais, também de Campinas. Formou-se pela Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Fez pós-graduação em Direito Civil pela USP e se aposentou como Procurador do Estado. É autor de alguns livros, entre eles "Caminhos da Paz", "Direito Poético", "Vencendo Obstáculos", "Subjugar a Violência”, Breve Catálogo de Cultura e Curiosidades, O Homem Só.

Tradições contradições 84

* Por Walter da Silva

Ela está ali deitada faz alguns dias. Cumpre sua sina genética ditada pela natureza. Sua graça é Maricota. A raça, de porte pequeno, contrasta com um ar de arrogância, como se fosse gente. Mas é melhor do que. Faz parte dos galináceos, a fêmea dos galos. Sua correspondente humana também assim se chama, apenas porque varia de parceiros amorosos constantemente. Maricota se dá ao cuidado natural de permanecer assim por dias e dias, talvez vinte e dois. Dali daquela chocadeira ela só sai para cumprir suas necessidades básicas. Observo às vezes pasmo – no início – por vezes encantado com o cuidado prestado por ela, futura mamãe, nesses tantos dias de expectativa à sua futura prole.

Para observá-la, faço-o discretamente de modo que não a assuste em seu fado materno. Evito acender as luzes do local, isto porque ela resolveu chocar num cantinho escuro de uma das salas da casa, sobre uma velha e usada colcha de chenile. Não houve como transportá-la dali para o galinheiro, tarde demais. Resolvi mantê-la ali calidamente e longe de predadores. Por que me entusiasmo? Explico: quando menino, a mãe criava galinhas, mas não permitia que os dois filhos fossem até o galinheiro. Até hoje me pergunto por quê. E o que fiz é uma forma de me redimir desse tempo distante e trazê-lo de volta, guardadas as devidas proporções e causalidade. E minha mãe as criava em grande quantidade.

Agora cabe explicar as principais motivações que me conduziram a ser criador de galinhas. A primeira é que, habituado a consumir somente ovo de capoeira, percebi que podia reunir dois prazeres: ouvir o canto dos galos e poupar reais na compra do produto. Há naturalmente outra razão para isso, que consiste no prazer de sair à procura dos ovos recém-liberados. Curioso é que, quando botam os ovos, elas cantam no desenlace, quase exatamente a mesma melodia de uma marchinha de carnaval: “cócócócócócóróooooooooo, o galo tem saudade da galinha carijó”. É uma semicolcheia e uma nota longa. Se vocês quiserem e fizerem questão dos detalhes da produção, sugiro que procurem meu velho amigo, aposentado da TVU, Hugo Martins, que sabe mais de frevo do que eu de galinhas.

Pois muito bem. Nesta manhã saí à procura de Joaninha, de outra raça e bem obesa, cujo andar balouçante, indica que tem se alimentado demais. Ela estava escondida num lugar distante e ermo da área. E foi ali que andou depositando seus ovos. Outro dia, num domingo, vi a Joaninha procurar a tépida chocadeira da amiga Maricota, na esperança de lá depositar seu belo óvulo cor de marfim. Ah, teria imaginado a futura mamãe: aqui neste espaço tem ordem e progresso. E iniciou um choro irritante e declaradamente antagônico à amiga Joaninha.

Eu, atônito e deslumbrado com a circunstância, me houve por bem esperar para assistir ao desenlace. Quando a gorducha notou que a pequenina não a queria por perto, deu um salto meio estranho e liberou no chão seu frágil e proteico produto.

Da pequena altura de onde pulou, ainda pude aproveitar o alimento, quebrado, mas não de todo perdido. Levei-o à cozinha e o pus dentro de um pequeno recipiente apropriado. Interessantes as aves dessa espécie. Voam, cantam, caminham muito e prestam um grande serviço à casa onde se instalam. Cuidados há que serem tomados, como por exemplo, salvar o produto da predação dos pequenos répteis ou roedores que habitam por aqui. Preás, timbus, calangos e camaleões e outros que não consigo identificar. Não sei, todavia, se lagartixas apreciam ovos de galinhas. Sabe como é, na hora da fome, vale tudo. A mata atlântica propicia essa miscelânea de animais que, se não domesticados, ao menos conseguem sobreviver em meio ao solo rico em larvas, minhocas e insetos mil.

Sem esquecer que fezes de galináceos são aproveitadas para o adubo de plantas. Devo dizer, entretanto, que o cuidado de começar com uma meia dúzia de aves é a maneira mais prudente. A reprodução é bastante acelerada e, para cada grupo de ovos, tem-se uma perda mínima de um ou dois que não conseguiram a proeza de se transformar em pintinhos. O que mais me interessa a mim pessoalmente, não é o clímax, o nascimento. Esse longo e natural processo de eclosão da vida animal é que me deixa cada vez mais convicto de que Darwin tinha mesmo razão.

Os dois galos presentes no território já puderam estabelecer uma perfeita harmonia de convivência, isto porque cada um tem sua companheira. Um não invade a privacidade aviária do outro. Por falar em galo cantador, Don Alejandro é o nome que dei ao pequeno e ao de porte maior, por ser de compleição meio estranha, resolvi chamá-lo de Travecock, pela sua grande semelhança com um famoso desfilante de velhos carnavais.


Todo esse esforço poderá não conduzir a nenhum sucesso, mas ao menos fornece duas boas fontes de satisfação: a medida exata de proteína animal que um velho necessita e o prazer de ouvir de madrugada, antes do “Cooper”, o orgulhoso e sonoro canto dos galos. Se toda essa aconchambrança significa algo de útil ou não, só o tempo dirá. Na pior das hipóteses, proporciona ao morador um velho e nostálgico prazer maternal: dá ração às galinhas sem nenhum constrangimento ou proposital senso de ridículo.

Camaragibe-PE, 24/4/2013

* Escritor

segunda-feira, 29 de abril de 2013


Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 7 anos, um mês e três dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – República dos Banqueiros.

Coluna Em Verso e Prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema “Só”.

Coluna Lira de Sete Cordas – Talis Andrade, poema “Poema pela paz”.

Coluna Pássaros da mesma gaiola – Daniel Santos, crônica, “A brevidade de um passo no passeio”.

Coluna Porta Aberta – Edir Araujo, poema, “Ame a vida”.

Coluna Porta Aberta – Raul Fitipaldi, artigo “36 anos da ciranda das Velhas Loucas”.

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Livros que recomendo:

Balbúrdia Literária” – José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: nenem138@gmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso” – Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
 “Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.



A República dos Banqueiros

O decreto que criou o que ficou conhecido como “encilhamento” – gíria emprestada do turfe que significava algo equivalente a “marmelada” em apostas de corridas de cavalo – foi muito mais amplo do que simplesmente permitir aos bancos que fizessem emissões de moeda e de apólices da dívida pública em dobro dos respectivos lastros de ouro. Ele foi baixado em janeiro de 1890, sendo que o ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, assinou-o na calada da noite, sem consultar ninguém, sequer seu superior hierárquico, no caso o presidente Marechal Deodoro da Fonseca. A forma como esse dispositivo legal foi posta em prática gerou grande escândalo político, um dos tantos de um período com fartura deles, tanto pala maneira como ocorreu, quanto e principalmente por seu teror e posteriores consequências.

O primeiro ministério da República ficou dividido a esse respeito. Parte fez vistas grossas ao decreto, parte aprovou0o, posto que com relutância e restrições, mas dois importantes ministros – Demétrio Ribeiro e Campos Salles –  opuseram-se vigorosamente a ele. Em bão! Ainda assim, a medida acabou sancionada. Antes não o fosse. O decreto trazia uma lista enorme de concessões aos bancos, descaracterizando, inclusive, sua atividade essencial e dando-lhes um poder virtualmente ilimitado para atuar na economia brasileira em todos seus setores a ponto do próprio regime que sucedeu à monarquia ser chamado, pejorativamente, por vastos setores da imprensa, de “República dos Banqueiros”. E foi, de fato, no que o País se transformou nesse lamentável período.

O curioso é que Ruy Barbosa foi escolhido como ministro da Fazenda, na composição do primeiro ministério republicano, exatamente por manifestar, publicamente, intransigente e firme oposição a esse sistema que implantou, urdido na gestão do último gabinete monárquico, o do Visconde de Ouro Preto, mas que entrou em vigor, apenas, dois meses após a proclamação da República, com a sanção do infeliz decreto. E este foi muito mais amplo do que o originalmente concebido no fim do regime anterior. Era tão danoso, que a então Província de São Paulo não aderiu, por completo, aos seus termos.

Por intervenção decisiva de Campos Salles, os paulistas criaram uma espécie de “banco regulador” para impedir os desmandos das demais instituições bancárias existentes e que viessem a ser criadas. Mas, no restante do País, a medida vigorou integralmente, sem que os bancos tivessem qualquer tipo de fiscalização ou de restrição. Os banqueiros estavam com a faca e o queijo nas mãos, para atuar a seu bel prazer. O que levou Ruy Barbosa a agir como agiu, inclusive contra o que tantas vezes apregoou que era contrário às suas convicções? Ele nunca explicou. Não, pelo menos, de forma convincente.

Pelo artigo 2ª do decreto, por exemplo, os bancos obtiveram a faculdade legal de operar nas seguintes áreas:

a) empréstimos, descontos e câmbio; b) Hipotecas a curto e longo prazo; c) Penhor agrícola sobre frutos pendentes, colhidos e armazenados; d)Adiantamentos sobre instrumentos de trabalho, máquinas, aparelhos e todos os meios de produção das propriedades agrícolas, engenhos centrais, fábricas e oficinas: e) Empréstimos de caráter e natureza industrial para a construção de edifícios públicos e particulares, e de ferrovias e outros, docas, melhoramentos em portos, telégrafos, telefones e quaisquer outros empreendimentos industriais: f) Comprar e vender terras, incultas ou não, parcelá-las e demarcá-las por conta própria e alheia; g) Encarregar-se de assuntos tendentes à colonização, fazendo os adiantamentos necessários, mediante ajustes e contratos  com os colonos ou terceiros interessados; h) Incumbir-se por conta própria ou alheia do dessecamento, drenagem e irrigação do solo; i) Tratar do nivelamento de orientação de terrenos, abertura de estradas e caminhos rurais, canalização e direção de torrentes, lagoas e rios e facilitar os meios necessários, mediante ajuste e condições, a qualquer cultura, criação de gado de todas as espécies e exploração de minas, principalmente de carvão de pedra, cobre, ferro e outros metais; j) Efetuar todas as operações de comércio e indústria por conta própria e de terceiros.

E olhem que este era apenas UM dos artigos (o 2ª) do malfadado decreto. Sequer destaquei a principal prerrogativa concedida às instituições de crédito, ou seja, a de emitir moeda e rótulos da dívida pública no dobro da quantidade de lastro ouro que dispusessem, limite este jamais respeitado. Com todas essas facilidades e atribuições, não é de se admirar, portanto, que, num único ano, o de 1890, surgissem 33 novos bancos só na cidade do Rio de Janeiro!!! E todos podendo emitir dinheiro o quanto quisessem. Nem é necessário ser economista para prever que essa “farra monetária” não terminaria bem, não é mesmo? E, de fato, não terminou.

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk


* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral

As bandeirinhas esquecidas
no varal, me causam
certa tristeza.
De cores esmaecidas
e esfarrapadas
prolongam seu destino
ao sabor do vento.
Uma chuva fina
compadecida as
desmancha... pronto
sina cumprida
.

 * Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário


Poema pela paz

* Por Talis Andrade


Só os cegos não viram
a filha de Nazin
de porta em porta
pelo mundo
a coletar assinaturas
para que jamais exista
outra Hiroxima sobre a terra

Só os cegos não viram
os brinquedos devorados
Só os cegos não choram
a face mutilada da menina
tão bonita outrora

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do“Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e“A República” (Natal). Tem 13 livros publicados, entre os quais o recém-lançado“Romance do Emparedado” (Editora Livro Rápido) e outros à espera de edição.

A brevidade de um passo no passeio

* Por Daniel Santos

Manhã cedinho, o velho passa de boina e chinelos pela calçada com o pão debaixo do braço. A cena é tão antiga que me parece perfeita, talvez porque ele ignore essa velocidade do cotidiano que o quer ansioso.

Um pé após outro, cumpre o percurso de volta à casa como quem sabe tirar eternidade da brevidade de cada passo no passeio e vai, assim, fazendo render uma vida que se despede já, mas sem trombetas.

Há uma solenidade insuspeitável nesse vagar em silêncio, um andar imperial, altaneiro, que nunca acelera as passadas, mas pontua o tempo com os calcanhares, pisa nele; não com desprezo, mas como quem macera.

Sim, como quem macera ... uvas, por exemplo. E tira seu sumo e aguarda a fermentação e bebe, enfim, do que domina até experimentar a vertigem. O velho emerge, então, com a conquista de mais um mistério.

Há sabedoria em quem caminha e pensa, em quem encaixa a reflexão no enclave complacente do tempo e faz com que ela germine ali, distendendo a duração e adiando os prazos para mais e mais tarde.

Para fazer render o bom, o velho não se apressa. Boina, chinelos, o pão debaixo do braço, chega em casa e bate a porta na cara do mundo, mas sem arrogância. Lá fora, o dia desatrela, afinal, o tropel do seu gerúndio.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.




Ame a vida

* Por Edir Araujo

Ai daqueles que esmorecem na primeira queda.
Acendam a luz, indolentes.
Ou preferem as sombras, sorvendo uma boa dose de tédio e melancolia.
Nos meus momentos de deserto,
busco acertar, às vezes erro.
Não me deixo abater.
Amo a liberdade! A vida!
Reflito sobre os pássaros que nas árvores fazem morada,
enquanto (eles) das árvores fazem gaiolas.
Pessoas com mau humor gratuito não me aborrecem,
antes tenho dó, elas estão sofrendo.
Ame a vida! Ame a liberdade!
Há uma ponte entre os abismos
e a vida, uma dinâmica.
Curta jornada de idas e vindas
Mas não me assusto, decido esperar
Até que avisto uma tênue luzinha no fim do túnel.
Se até meu jardim, após o sombrio orvalho da noite,
espera pelos douros do sol...

* Edir Araujo Autor dos livros A Passagem dos Cometas, Gritos e Gemidos, Amante das Trevas (em revisão), Fulana (em construção) e uma grande variedade de poemas, crônicas, contos e resenhas.


36 anos da ciranda das Velhas Loucas

* Pot Raul Fitipaldi

Lá, pelo ano de 1989 estava casado com uma bela pessoa, fascinante artista plástica e filha de um lindo trabalhador peronista, que tinha um apartamentinho da obra social em Mar del Plata, como boa parte da massa trabalhadora de classe média baixa. Já morava eu em Mi Buenos Aires Querido.

Era um entardecer turvo, cheguei cedo do Grupo Cultural que andava com algumas crises e me deitei para assistir TV. Nesse tempo a mídia monopólica era o mesmo lixo que agora. Havia uns flashes de 9 Diário, canal à época da família Romay. Senti o barulhinho da chave, minha companheira chegava; sentia-se desde o quarto o cheiro de cigarro forte, irritação nos pequenos movimentos. – Velhas loucas, gritou! Imprecava das velhas que eu estava assistindo na tela.

Marcela tinha demorado por causa de uma mobilização das Madres de Plaza de Maio, às que ela, como muita gente, tratava ironicamente de Las Locas de la Plaza. Parecia-me raro que mesmo uma intelectual se deixasse levar por tais monstruosidades da imprensa golpista. Mas, se deixava sim, e falava delas com fúria. Não lhes perdoava ter gasto grana num táxi desde o Centro até a Paternal por causa da lentidão do trânsito que elas propiciaram. Chuviscava pena e dor na rainha del Plata.

Como vivia absorvido nos problemas culturais desde o momento em que desci do ônibus de turismo que me levou de Montevidéu para Buenos Aires, em 1985, dei de ombros e não tive argumentos qualificados, calei. Segui assistindo a roda-marcha no jornal central; a jornalista poderia hoje ser perfeitamente da CNN. Seu nome é ainda Sílvia Fernández Barrios.

Eu segui atento. Eram muitas mulheres, entre 40 e 60 anos a maioria, giravam como pombas em ritual de esperança e justiça. Uma sensação de amor, loucura e rancor me levantou da cama. Acendi um cigarro, fui até a cozinha, voltei ao quarto, e lá seguiam as loucas.

Essa roda daquelas mães despojadas, roubadas, vitimadas, ironizadas, mudou para sempre a visão mundial do que significa ter um familiar desaparecido de forma violenta. Um morto vivo imortal que se vela todo dia, e se reencontra toda noite.


No dia seguinte, sexta-feira, atravessei por acaso a Praça de Maio, parecia que o chão se mexia, imaginei ou tudo girava ao redor. Algo mudou no dia anterior, só para mim, o resto de Buenos Aires sabia desse pequeno terremoto humano. Era a sensação de que esta Pátria Grande que baixa do Rio Bravo até Las Malvinas nunca mais voltaria a ser igual.

Na verdade, passavam-se doze anos que Las Madres de Plaza de Mayo vinham rodando e rodando, só que agora com ela giravam os jovens, os pobres de toda pobreza, as mulheres com suas demandas. Girava uma transição democrática ainda amarrada nos quartéis, a cultura nova de liberdade, todavia, tutelada. Doze anos girando e eu apenas tinha notado no dia anterior que, nos passos dessas mulheres, Hebe, Stella, Juanita, Azucena, caminhávamos para gritar um dia ALCARAJO, e tantas outras consignas pela Independência definitiva. Essa independência que com elas ainda hoje buscamos em mandato sereno, constante, inapelável, que nos deixaram nossos mortos, esses que nos deram a vida para mudar e para nos defender do Império e suas instituições moribundas.


Não sei que pensará hoje Marcela, passaram-se tantos anos: 24 da minha descoberta, 36 da primeira Ciranda das Madres de Plaza de Maio em 1977. Tudo mudou tanto graças a essa loucura.


* Jornalista

domingo, 28 de abril de 2013


Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 7 anos, um mês e dois dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Perfil da economia brasileira em fins do século XIX

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Dever de tentar”.

Coluna Direto do Arquivo – Marcos Alves, crônica “Laércio Villar: som, talento e magia”.

Coluna Clássicos – Mário Quintana, crônica “Um dia você aprende”..

Coluna Porta Aberta – José Teles, artigo “Garota de Ipanema (3)”.

Coluna Porta Aberta – Theófilo do Amarante, poema “Extratos de composição”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: nenem138@gmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso” Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
 “Cronos e Narciso” Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br



Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk.As portas sempre estarão abertas para a sua participação.




Perfil da economia brasileira em fins do século XIX

A despeito das várias crises políticas que afetaram o Brasil durante praticamente todo o período imperial – em especial nos seus derradeiros anos – havia inegável prosperidade econômica no País, pelo menos de alguns grupos específicos, sustentada pela agricultura, particularmente, pela produção do café, no último ano do governo de D. Pedro II, então entregue à refência do Conde D’Eu e da Princesa Isabel. As crescentes exportações do produto geravam sistemáticos superávits na balança comercial brasileira, a despeito das imensas importações. Na época, praticamente todos os produtos consumidos por aqui vinham do Exterior. Essas importações, porém, eram superadas, e muito, pelas vendas do café no mercado externo.

Claro que não estou falando de distribuição de riquezas. A renda nacional estava concentradíssima em poucas mãos (guardadas as proporções, mais ou menos como ocorre agora), no caso, dos produtores e, principalmente, dos exportadores de café. Os superávits da balança comercial possibilitavam que o Brasil gozasse de amplo crédito internacional. Havia considerável reserva de moeda forte no País, o que permitia a abertura de uma profusão de bancos, de companhias de seguro e de empresas comerciais de toda a sorte. A agricultura (no caso, a do café) e o comércio eram, pois, os dois pilares da economia brasileira.

Esporadicamente surgiam, aqui e ali, algumas indústrias, em geral criadas por sonhadores que, no entanto, não dispunham nem de capital (sem o que não conseguiam se expandir e raramente tinham condições de sequer sobreviver) e muito menos de conhecimentos técnicos, necessários para tocar, com um mínimo de competitividade, esse tipo de empreendimento. Tanto seu maquinário quanto seus processos de produção eram incipientes, primitivos, rústicos, não raro artesanais (ou quase). A indústria nacional, portanto, não contava, naquele período, como fator econômico minimamente considerável.

O recurso daqueles ousados (não seriam temerários?) pioneiros da industrialização, o único, até para sobreviver, era o de apelar para o governo. E apelaram de fato. Foi então que nasceu o protecionismo oficial, mediante subsídios aos (raros) bens produzidos no País. A qualidade (levando em conta o primitivismo das máquinas e dos métodos de produção) até que era razoável. Claro que era nitidamente inferior aos similares importados. Mas nem tanto. O que pesava era o custo de produção, que, em alguns casos, era de até o dobro ou mais do que os trazidos do Exterior. Para que os preços fossem minimamente competitivos, teriam que ser subsidiados pelo governo. E foram. Ainda assim...

Os capitais investidos no comércio e nos bancos era originado, na totalidade, da atividade agrícola, a maior parte oriunda do café e alguma coisa da produção e exportação do açúcar. A indústria, subsidiada, só dava prejuízos. Não tinha como se auto-sustentar e se tornar economicamente viável. O lucro – seguindo a lógica capitalista e principalmente a do bom senso – era todo reinvestido nas atividades lucrativas. Essa progressiva aplicação teve maior incremento ainda após a campanha abolicionista. O fim da escravidão, ao contrário do que se pensa, trouxe mais vantagens do que desvantagens para a agricultura, que utilizava massivamente mão de obra escrava.

Explico. À medida que os agricultores foram obrigados, tão logo foi promulgada a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, a substituir o trabalho de escravos pelo de trabalhadores remunerados, seus custos caíram, em vez de crescer. Não precisaram mais investir na compra de homens trazidos da África, cujos preços não eram nada baratos, principalmente depois que a Inglaterra mobilizou sua marinha para perseguir navios negreiros. Ademais, os salários que os fazendeiros pagavam eram irrisórios, se comparados com os de outros países. Começou, portanto, a sobrar dinheiro na praça. E, para ampliar ainda mais seus ganhos, os agricultores investiram esses excedentes em setores que lhes davam seguros e polpudos retornos: no comércio e em serviços. Quanto à indístria... nem pensar!

A República, que foi proclamada pouco mais de um ano após a abolição da escravatura, em 15 de novembro de 1889, nasceu com o Rio de Janeiro, a então capital federal, atravessando furiosa “febre de negócios” Foi aí que se perdeu pé da realidade. O “Encilhamento” (sobre o qual tratarei na sequência, após esta breve contextualização), atribuído a Ruy Barbosa (então ministro da Fazenda), surgiu, na verdade, pouco antes, com um dos últimos gabinetes da Monarquia, o de Ouro Preto. Pelo menos no que se refere à sua concepção. É certo que a execução, e o desastre econômico que causou, se deram na gestão do Águia da Haia no comando da economia nacional, no primeiro ministério republicano.

Naquele tempo, os bancos tinham a prerrogativa de emitir moeda, com lastro em reservas de ouro que tivessem. O valor das cédulas emitidas, portanto, era assegurado. O Encilhamento, todavia, simplesmente mudou a natureza dessa garantia monetária. Em vez do ouro, o lastro passou a ser representado pela emissão de títulos da dívida federal. Foi aí que a coisa pegou. Mas... esta é uma história que fica para amanhã.

Boa leitura

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk       

Dever de tentar

* Por Pedro J. Bondaczuk

As maiores conquistas humanas foram empreendidas por grandes sonhadores. Todavia, esses homens e mulheres notáveis não se limitaram a sonhar. Agiram, trabalharam, lutaram e perseguiram seus sonhos, até que eles se concretizassem. Nisso é que se diferenciaram das pessoas comuns, que também sonham, mas sonhos pequenos, pífios, medíocres, tão minúsculos que findam por se diluir no ar. Além disso, nada fazem de concreto para torná-los realidade. Desanimam ao primeiro obstáculo e optam por lamentar fracassos, que poderiam ser só transitórios, em vez de extrair deles preciosas lições.

Temos que sonhar, sim, e sonhos grandiosos. Mas, sobretudo, devemos empenhar os melhores esforços na sua concretização, mesmo que jamais tenhamos sucesso. Conseguiremos, pelo menos, construir uma vida exemplar.

Não raro, abrimos mão dos nossos mais preciosos sonhos, ao concluirmos (ou somente desconfiarmos) que eles são impossíveis de se concretizar. Ou seja, que são inatingíveis, por serem demasiadamente altos. Trata-se de um erro. Não há mal algum em ousarmos em nossas pretensões e, principalmente, em lutarmos com todas as nossas forças e toda a nossa capacidade para atingir o supostamente (ou apenas imaginariamente) impossível.

Agindo assim, teremos, pelo menos, o prazer de uma boa luta, o que, certamente, nos engrandecerá. E quais são os grandes ideais que, desde o princípio da civilização desafiaram e desafiam mais do que nunca sucessivas gerações e que a humanidade ainda está longe, muito distante de alcançar?

São, na verdade, vários, cada um mais complexo e assustador do que o outro. São desafios monumentais para os ousados, os criativos, os idealistas, os competentes, os verdadeiros líderes, que comandam multidões apenas com o argumento dos seus exemplos. Um deles, e sem dúvida o mais complexo e aparentemente irrealizável, é o de convencer o máximo possível de pessoas (se possível, todos os mais de 7 bilhões de habitantes do Planeta, com sua diversidade de condições sociais, econômicas, políticas, psicológicas, culturais etc.) a substituírem a brutalidade pela razão.

Com todos os disfarces, criados (e aperfeiçoados) ao longo de dez mil anos de civilização, o que ainda prevalece no relacionamento do dia a dia (diria, cada vez mais) – e em todos os níveis de vida – é a lei da selva. É o mais forte (ou o mais apto) subjugando o mais fraco (ou mais incapaz). É possível essa transformação? Com a mentalidade existente hoje, quando estamos convencidos, de antemão, que se trata de causa sem esperança, a resposta óbvia é: não!!!

O que fazer? Desistir? Fazer de conta que tudo está bem? Entrar no jogo e procurar ser o mais forte? Entendo que não! Concordo com John W. Gardner quando afirma que “nosso dever como homens é tentar”, nos abstraindo do fato da tentativa ter ou não validade, de haver ou não mínima chance (ínfima que seja) de sucesso. Temos que entrar nessa batalha com a plena certeza da vitória. Se ela não vier... Paciência! Pelo menos teremos tentado. Combateremos o bom combate.

Outro desafio gigantesco é o de substituir a iniqüidade pela justiça. Todos nós, em algum momento de nossas vidas, em determinadas circunstâncias, nos colocamos na posição de juízes dos atos alheios (sejam eles quais forem). Sentimo-nos, contudo, injuriados quando nos reservam o papel de réus. Apesar da evolução do Direito, com o Código de Hamurabi, a Lei das Doze Tábuas de Roma, os princípios implantados por Sólon na Grécia Antiga e tantos outros avanços ao longo do tempo, ainda impera a prática do “dois pesos e duas medidas” (em maior ou menor grau, não importa) mundo afora. As leis, iníquas em boa parte, beneficiam determinadas camadas sociais e são sumamente severas com outras. Isso que há no mundo, atualmente, pois, não passa de caricato arremedo de justiça.

Um terceiro desafio, este até mais complexo do que os dois anteriores, é o de substituir a ignorância pelo esclarecimento. Convenhamos que hoje, mais do que nunca, abundam os meios para encarar essa tarefa. O que falta, no entanto, são líderes que se disponham a encará-la. Falta vontade dos que poderiam realizar isso, mas que, por comodismo, receio, egoísmo, ou seja lá porque for, não se dispõem a encarar esta batalha que reputo a mais meritória de todas. É sublime tirar alguém, não importa quem, das trevas da ignorância e conduzi-lo à luz da sabedoria!       

A responsabilidade maior, óbvio, cabe aos que foram melhor-dotados pela natureza. Afinal, não há limites para os gênios quando se propõem a criar o que as pessoas comuns não ousam sequer pensar. Por isso, são indivíduos especiais, e raros, presentes do céu à humanidade, para promover seu progresso material e espiritual. Contam com características ímpares e incrível clarividência.

Por isso conseguem enxergar “oportunidades” onde a maioria só vê “perigo”. Mas não se limitam a vislumbrar. Aplicam seu talento inato, com entusiasmo e confiança, nas tarefas a que se propõem. Operam maravilhas, enriquecendo as artes, a cultura e a ciência. São fatores imprescindíveis de progresso e bem-estar gerais.

Às vezes, somos dotados de genialidade, mas, por excesso de modéstia, sequer nos damos conta. A esse propósito, recorro, mais uma vez, a John W. Gardner – um dos gigantes da espécie na atualidade, fundador, em 1970, da “Common Cause”, organização popular de representação política, suprapatidária e sem fins lucrativos, ganhador de uma das maiores comendas civis dos Estados Unidos, que é a Medalha Presidencial da Liberdade – que escreveu, em um de seus livros: “Freqüentemente enfrentamos uma série de grandes oportunidades disfarçadas em problemas insolúveis”.
Quando isso acontece, e não conseguimos distinguir uma coisa da outra, ocorre um terrível desperdício de talento. Quem perde não somos, apenas, nós, mas toda a espécie. O compositor alemão, Ludwig van Beethoven, constatou, certa feita, a esse propósito: “Ainda não se levantaram as barreiras que digam ao gênio: ‘daqui não passarás’”. E não se levantaram mesmo! E “nosso dever como homens é tentar”. Sempre!!!!


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk