A revelação de Rosemary
*
Por Celamar Maione
Seis da tarde. Como acontecia
durante a semana, Rosemary voltava cansada do trabalho, na condução
lotada. Com o pensamento distante, nem percebeu quando um ladrão se
aproximou e cortou sua bolsa, levando documentos e dinheiro.
Pensava na melhor maneira de
dizer ao marido que queria a separação. Quase dezenove anos
aturando Queiroz e a sogra que morava com ela. Não agüentava mais.
Os dois não faziam nada o dia inteiro e quando ela chegava em casa,
ficavam reclamando da vida.
Só percebeu que havia sido
roubada quando desceu do ônibus. Chegou em casa mais azeda e perdida
do que nunca. Assim que entrou e encontrou o filho, o marido e a
sogra sentados, assistindo TV, jogou a bolsa com raiva em cima da
mesa:
- Fui roubada e nem vi !
Levaram meu dinheiro e documentos.
Sem desgrudar os olhos da TV,
Queiroz respondeu:
- Bem feito! Garanto que
estava distraída conversando com uma dessas amigas malucas e nem viu
o ladrão se aproximar!
Rosemary, cansada e de cabeça
quente, não suportou a provocação que já era habitual. A
discussão começou:
- Enquanto eu fico
conversando com as minhas amigas malucas, você fica aí sentado com
essa cara de suíno, o dia todo, em frente à televisão e não sai
para procurar um emprego. Só faz peidar e arrotar. Péssimo exemplo
dentro de casa!
Marilda , a sogra, que a tudo
escutava , interferiu com ares de ressentimento:
- Você tem que dar é graças
a Deus de encontrar alguém como o Queiroz para ser seu marido. Homem
fiel está aí!
- Pois então pegue o seu
homem fiel, arrume as malas e saia da minha casa. Não agüento mais
sustentar vocês. Aproveito que o Jorginho fez 18 anos e acabo com
esse casamento. Casamento, não, escravidão. Aqui em casa só fica
meu filho. É bom que vocês saibam também que o Jorginho...
A sogra interrompeu Rosemary
aos gritos:
- Já sei o que vai dizer. O
Jorginho não é filho do Queiroz! Já desconfiava. Não tem nada da
família. Eu não disse, meu filho? O Jorginho não é parecido com
você!
Desconfiadíssimo,
principalmente porque a mãe vinha lhe atormentando os dias com essa
idéia, Queiroz levantou-se do sofá e sacudiu Rosemary:
- Quem é o pai do Jorginho?
Me diga! Quem é o pai desse garoto?
Rosemary continuou impassível,
olhando para o marido e a sogra. Incentivado pela avó, Jorginho
começou a questionar a mãe:
- Fala mãe ! O meu pai não
é o Queiroz?
A sogra, que não gostava da
nora, aproveitou para fazer intriga:
- Seu pai é o Arnaldinho!
Você tem o andar do Arnaldinho! Os dentes do Arnaldinho! Parece o
Arnaldinho na minha frente, quando garoto!
Queiroz arregalou os olhos. Os
lábios tremeram. Viu naquele instante a imagem de Arnaldinho com ar
debochado a lhe dizer:
- Você é mesmo um otário.
Criou meu filho pensando que fosse seu!
Arnaldinho era vizinho do
casal. Os três foram amigos na adolescência. Quando se tornaram
adultos, Rosemary chegou a ter um namorico com Arnaldinho, mas
casou-se com Queiroz e um mês depois, engravidou. Queiroz e
Arnaldinho viraram inimigos. Disputavam quem tinha o melhor carro, a
casa mais bonita. Quando ouviu o nome de Arnaldinho, enlouqueceu:
- Então é isso! Você se
casou comigo grávida do Arnaldinho?! Como pôde me enganar esse
tempo todo? Você e aquele cínico? Juntos? Rindo de mim?
A gritaria começou. A sogra
enfiava o dedo na cara de Rosemary, acusando-a de traidora. Queiroz
andava de um lado para o outro, esfregando as mãos. Ainda tinha
Jorginho querendo saber a verdade . Rosemary se calou. Queiroz foi
até o quarto e voltou para a sala aos berros:
- Vou tirar essa história a
limpo!
Abriu o portão e foi bater na
casa de Arnaldinho. Jorginho foi atrás. Rosemary se aproximou da
janela e ficou olhando para o nada. “Era muito coisa num dia só”,
pensava. A sogra, que começou a confusão, foi para o quarto rezar.
Queiroz esmurrava a porta da casa de Arnaldinho:
- Abre, seu covarde! Tá com
medo? Ou você só é macho para fazer filho na mulher dos outros?
Quando Arnaldinho chegou e viu
a confusão na porta de casa, desceu do carro enfurecido:
- O que você quer comigo? Que
escândalo é esse na minha porta, seu desocupado?
Os dois gritavam no meio da
rua. Pareciam galos de briga, ciscando de um lado para o outro.
Arnaldinho deu um soco em Queiroz, que, não agüentou a humilhação
e puxou o revólver da cintura . Foram três tiros certeiros no
peito de Arnaldinho. Jorginho correu e pegou a arma da mão de
Queiroz:
- Assassino! Você matou meu
pai!
Deu dois tiros no rosto de
Queiroz. A polícia encontrou Jorginho com a arma na mão. Foi
algemado e preso.
Dois dias depois, enlutada,
Rosemary foi visitar o filho na delegacia. Quando viu a mãe,
Jorginho correu para abraçá-la:
- Viu só mãe?! Matei o
Queiroz! Vinguei meu pai , mãe! Vinguei meu pai!
Rosemary abaixou a cabeça.
Demonstrava uma calma quase demente. Jorginho ficou branco:
- Fala, mãe! Arnaldinho não
é meu pai? Eu matei o meu pai? Fala! Queiroz era mesmo meu pai?
Responde, pelo amor de Deus! Responde!
Rosemary deu de ombros:
- Tarde demais! Não vai fazer
diferença agora .
Virou as costas e se foi, num
andar apressado, sem olhar para trás. No dia seguinte, quando o
carcereiro chegou para servir o café da manhã, encontrou Jorginho
morto. Enforcou-se com uma camisa que foi de Queiroz. O careceiro
teve dificuldade para abrir a mão direita do morto. Quando abriu,
encontrou uma medalhinha de São Jorge. Presente de Arnaldinho.
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Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e
redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo.
Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou
Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador.
Sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
Uma espécie de Capitu à moda de Celamar Maione.
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