quarta-feira, 31 de janeiro de 2018


Literário: Um blog que pensa


(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)


LINHA DO TEMPO: Onze anos, dez meses e três dias de criação.


Leia nesta edição:


Editorial – Mergulho no passado.

Coluna De Corpo e Alma – Mara Narciso, crônica, “Na Porta do Céu”.

Coluna Verde Vale – Urda Alice Klueger, crônica, “Meu momenrto de traficante”.

Coluna Em verso e prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema, “Lenda”.

Coluna Porta Aberta – Frei Betto, artigo, “Atrasos na Educação brasileira”.

Coluna Porta Aberta – Leonardo Boff, artigo, “Deus: Pai maternal e Mãe patriarcal”.

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CITAÇÃO DO DIA:

O mais feroz 

O homem branco é o mais feroz animal sobre a Terra.

(Nathaniel Hawthorne, romancista norte-americano).


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Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Mergulho no passado


A Literatura é uma atividade fascinante sob qualquer aspecto em que seja encarada. É instigante tanto para quem escreve, quanto para quem lê. Proporciona um campo virtualmente infinito de temas, além de diversos gêneros de ficção (romance, novela, conto, peça teatral e roteiro cinematográfico) e não-ficção (poesia, crônica, ensaio) ao escritor. Os assuntos podem enfocar uma única e determinada pessoa, ou um povo inteiro. Pode referir-se a tempos passados, muito remotos, ou avançar para um futuro também extremamente distante. Afinal, a imaginação não tem limites, nem de tempo e nem de espaço.

Há quem escreva somente ficção e concentre todo seu esforço e talento nos gêneros ficcionais. É uma opção e super válida. Caso tenha, de fato, talento, emplaca um ou mais best-sellers e marca seu nome na literatura do seu país. Convenhamos, esse tipo de escrita é o mais atrativo do ponto de vista comercial, pois é o que atrai maior número de leitores. Há, em contrapartida, todavia, escritores que transitam com a mesma familiaridade e desenvoltura em todos os gêneros, tanto de ficção, quanto de não-ficção.

Entre as obras ficcionais, alguns optam por concentrar a atenção em determinadas culturas, via de regra na do seu país de origem e situam seus enredos nos tempos atuais. Cenários, portanto, têm que ser compatíveis com essa época e personagens devem atuar de acordo com os costumes e comportamentos desse tempo.

Há, todavia, os que optam por tratar de outras culturas, que não aquela de onde vive. Caso se concentrasse na da região geográfica em que nasceu e reside, isso lhe possibilitaria todas as facilidades de pesquisa para dar o máximo de verossimilhança (quando não total) às suas histórias. Há romances tão bem arranjados, que o leitor fica em dúvida se a narrativa é coisa mesmo inventada pelo autor ou se trata de uma reportagem mais extensa.

O escritor carioca Alberto Mussa optou, porém, por um caminho pelo menos teoricamente mais difícil. Explora “várias” culturas, muitas das quais ou extintas, absorvidas por outras, ou em vias de extinção. Claro que isso implica na necessidade de um conhecimento (notadamente histórico) além da média. Requer muita, muitíssima pesquisa. O excepcional, no seu caso, é que ele “transita” por esses costumes e comportamentos, tão diferentes dos nossos, com uma impressionante naturalidade.

Trato desse escritor, que já conquistou seu espaço na literatura brasileira e que, a cada novo lançamento, consolida-o, mais e mais, e o amplia, a propósito do seu romance, nas livrarias de todo o País, intitulado “O senhor do lado esquerdo” (Editora Record). Trata-se do seu sexto livro, tão rico e original quanto os cinco anteriores.

Para caracterizar a opção literária de Alberto Mussa, recorro à enciclopédia eletrônica Wikipédia, que foi muito feliz em defini-la como a fusão “da tradição narrativa ocidental com os relatos mitológicos de outras culturas, como a afro-brasileira, a da Arábia pré-islâmica e a do Brasil indígena”. E essa escolha, que exige muito mais pesquisas (reitero), funciona? Para esse escritor, que atingiu a plena maturidade literária, ao completar, em 2011, época do lançamento do romance cinquenta anos de idade, sim. Isso a julgar pela recepção que seus livros vêm tendo por parte da crítica e do público.

Basta informar que a sua obra já foi publicada em dez países e traduzida para sete idiomas diferentes. Nada mau, não é mesmo? E mais, seus livros são objetos de estudo em diversas universidades da Europa, dos Estados Unidos e, notadamente, do mundo árabe. Claro que esta é uma façanha para raros e que sejam, antes e acima de tudo, competentes no que fazem. E sua competência é inquestionável, comprovada, até, pelos prêmios que já ganhou. Os principais são o “Casa de lãs Américas”, o cobiçado “Machado de Assis”, da Biblioteca Nacional e, por duas vezes, o que é conferido anualmente pela Associação Paulista dos Críticos de Artes (APCA).

Seu livro de estreia foi “Elegbara”, em 1997, pela Editora Revan, reeditado em 2005 pela Record. Trata-se de obra de não-ficção, incluída na lista da Revista Brasil entre as melhores do País em 2005. São narrativas de fatos que se passam entre os séculos XVI e XX, referentes às histórias do Brasil, de Portugal e da África. Aliás, o continente negro, com seus costumes e tradições, é presença recorrente nos livros de Mussa.

Sua segunda obra, “O trono da rainha Jinga”, foi de ficção, mais especificamente, um romance. O autor caracterizou-a da seguinte forma: “Concebi-a para o formato clássico de novela policial, com crimes, investigadores, múltiplos suspeitos e um mistério, que só se desvenda nas últimas páginas”. “Onde a novidade?”, poderá perguntar o leitor. A novidade é o fato da trama se desenvolver no Rio de Janeiro, mas não no atual, contudo no do século XVII. E nela Mussa esbanja seu enorme conhecimento de história e da cultura africana. Esse livro foi publicado em 1999 pela Editora Nova Fronteira e republicado, em 2007, pela Record.

O romance “O enigma de Qaf”, de 2004, valeu-lhe os prêmios “Casa de lãs Americas” em 2005 e da APCA em 2004. Na sequência, o escritor carioca lançou outra obra de ficção – diria que “mista”, pois nela o autor mistura fatos reais com outros tantos inventados por ele, no que poderia ser caracterizado, forçando um pouco a barra, de “ensaio-ficcional” – “O movimento pendular”, publicado em 2006 pela Editora Record. Foi esse o livro que lhe valeu o Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional e também da APCA no ano do seu lançamento.

O penúltimo dos seus lançamentos, que por suas características merece comentários a parte (que pretendo fazer oportunamente), foi “Meu destino é ser onça”. Veio a público em 2009. Nele Mussa esbanja seu talento, desta vez de ensaísta.

Com “O senhor do lado esquerdo”, o escritor carioca retorna à ficção, fixando o local e o período em que a história transcorre no Rio de Janeiro de princípios do século XX, durante a presidência de Hermes da Fonseca. Oportunamente, voltarei a abordar com maiores detalhes a obra deste eclético, erudito e criativo autor. Por enquanto, fica a sugestão de leitura de algum (o melhor seria de todos) dos seus seis livros.

Boa leitura!

O Editor.


Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk

Na Porta do Céu

* Por Mara Narciso

Aos seis anos de idade, em 1961, eu fazia o então chamado curso pré-primário no Colégio Imaculada Conceição, tradicional colégio de freiras em Montes Claros. As irmãs belgas eram as proprietárias, mas havia freiras brasileiras, algumas delas, pessoas carentes que não tinham outro modo de ascensão social que não fosse a vida religiosa. Muitas tinham apenas o curso primário e davam aulas de religião. Eu era pobre, mas os colegas vinham de famílias abastadas, de fazendeiros e outros próceres da comunidade montes-clarense.

Meu pai tinha trabalhado como contador técnico em uma representação de automóveis Volkswagen e depois foi proprietário de uma loja de roupas. As minhas colegas estudavam música no conservatório, tocavam piano e moravam em casas de dois andares no centro da cidade, com enormes quintais com pomares que ocupavam todo o quarteirão, além da piscina. Eu as frequentava, mas elas não iam ao nosso pequeno apartamento (coisa rara na época), onde morávamos e pagávamos aluguel.

Tínhamos aulas de religião no primeiro horário e rezávamos todos os dias. As irmãs traziam cartazes com passagens da Bíblia. Havia um quadro sobre o dilúvio, que muito nos amedrontava, e outro, também apavorante, que representava o inferno. Eu gostava muito de estudar, mas não gostava tanto do colégio, porque me sentia pouco a vontade, porém permaneci nessa escola por dez anos.

Havia missa para os alunos diversas vezes por semana. Íamos à capela rezar e entoar músicas religiosas depois do recreio. Na entrada da igrejinha havia uma cuba de água benta, na qual molhávamos a ponta dos dedos e nos persignávamos com tal líquido. Eu me sentia muito contrita, e rezava com muita fé. Havia sessões de confissão e de comunhão para os alunos mais velhos.

Mas, neste ano específico, eu participei de duas peças de teatro organizadas pelas professoras. Ah, como eu amava o teatro! Ficava como louca quando tinha oportunidade de ver as marionetes, ou alguma peça levada por pessoas de fora do colégio.

Um dia resolveram fazer uma representação com os alunos. Eu era considerada desinibida e fui escalada para ser o Lobo-Mau na história de Chapeuzinho Vermelho. A roupa marrom com rabo e tudo me foi emprestada pela escola. É claro que, tão menina, não sabia representar, mas consegui chegar ao final.

A formatura no mês de dezembro foi uma grande festa. Ensaiamos muitas vezes a peça: “Na Porta do Céu”. Muitos personagens desfilariam suas vidas e seriam avaliados por São Pedro, que, pra lá de austero, analisaria cada história antes de assinar o passe livre. Quase não deu para participar do grande dia, porque tive catapora, mas me recuperei a tempo.

No transcorrer da peça, algumas pessoas já tinham entrado no céu, e eu estava na fila tentando fazer o mesmo. São Pedro, cujo papel foi representado pelo Senhor Paulo César Gonçalves de Almeida (tenho fotos) que é o Digníssimo Reitor da UNIMONTES, permanecia postado à porta, bradava palavras de ordem, e depois de uma breve conversa com o interessado, o mandava entrar. Estava demorando, e eu era a última pessoa da fila. Quando chegou a minha vez, todos tinham entrado: meninas com suas bonecas, mulheres, homens e anjos e eu lá fora esperando. Então São Pedro me olhou severamente e disse:
- Não, você não pode entrar no céu, Rugelina, porque está com o rosto pintado de “rouge”. Quem usa maquiagem fica fora do céu!

As cortinas se fecharam debaixo de uma salva de palmas. Depois, novamente se abriram para que os alunos, meninos e meninas de seis e sete anos pudessem receber os aplausos da plateia, os nossos pais em sua maioria.

No meu cantinho no palco, como única criança excluída de entrar no céu, eu acabei de aprender valores e arbitrariedades. Afinal, mais importante do que o interior das pessoas, a parte externa determinava, e determina quem vai entrar onde.


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”



Meu momento de traficante

* Por Urda Alice Klueger

Em setembro de 1996, eu e minha amiga Lúcia viajávamos pelo Noroeste da América do Sul. Tínhamos chegado a Cartagena, no Caribe colombiano, e dali pretendíamos seguir em direção à Venezuela. Já tínhamos uma rota traçada, passando por Mérida e Coro, em direção a Caracas, mas daí surgiu um probleminha: para irmos à Venezuela, teríamos que seguir por uma estrada onde, só naquela semana, a guerrilha colombiana já havia queimado dez ônibus. Para não termos problemas na estrada, nossos planos balançaram. Que fazer? Fomos estendendo nossa estada na linda cidade de Cartagena, pensando no que fazer, até que resolvemos mudar de rumo: ao invés de seguirmos de ônibus para a Venezuela, tomaríamos um avião para Aruba, e depois, de lá, voaríamos diretamente a Caracas.

Já estávamos a quase vinte dias viajando pelo Equador e pela Colômbia, fazendo a rota dos europeus e dos israelenses (brasileiro não viaja pela América Latina), ficando nos mesmos albergues que eles, que vêm aos milhares conhecer a América. Europeu não gosta muito de banho e, quando em viagem pelo terceiro mundo, não gosta muito de trocar de roupa. Convivíamos com essa tribo há quase vinte dias, e tínhamos adquirido alguns hábitos, como o de usar a roupa sem passar e o de andar desleixadas com a aparência, embora não dispensássemos o banho sem o qual brasileiro não sabe viver. Além disso, minhas mochilas de lã de lhama estavam sujíssimas de tanto serem arrastadas pelas rodoviárias e albergues.

Chegou a manhã de viajarmos para Aruba. Sabíamos que lá era primeiro mundo, e demos uma caprichada na aparência: Lúcia vestiu um vestido caribenho recém comprado; eu encarei um short branco. Achamo-nos muito chiques diante da tribo europeia, e fomos pegar o avião, que, em mais ou menos meia hora nos levou até Aruba.

Morro de rir quando me lembro. No momento em que nosso avião chegou ao aeroporto daquela ilha paradisíaca (antiga colônia holandesa - hoje país, com moeda própria, língua própria, bandeira própria), chegaram também outros dois aviões, um da Holanda e um dos Estados Unidos.

Desembarcamos todos ao mesmo tempo e atulhamos a sala de emigração de Aruba. O pessoal dos outros aviões vinha chiquérrimo, tinha comprado coisas novas, de grife, para aquelas férias. Pensei no meu pobre short branco e na minha camiseta muito usada e vi a diferença, e ela ficou muito maior quando reparei nas malas dos passageiros dos outros voos: eram modernas, elegantes, novas: contrastavam violentamente com as minhas sujas mochilas de lã de lhama. Corajosamente, fiz de conta que não tinha visto nada daquilo e continuei na fila que não andava.

Pois é, nossa fila não andava. As filas do pessoal dos outros voos iam diminuindo rapidamente, e nós não saíamos do lugar. Lúcia e eu nos cutucamos, e passamos rapidinho para uma outra fila. No mesmo instante um guarda percebeu:
- Pessoal do voo da Colômbia tem que ficar na outra fila!

Entendemos logo em seguida o porquê da diferença. Enquanto os holandeses e estadunidenses tinham seus passaportes carimbados rapidamente, quem vinha da Colômbia era minuciosamente revistado.

Chegou a nossa vez da revista. Revistaram e revistaram, e não acharam o que estavam procurando. Éramos casos especiais, e fomos introduzidas numa sala especial. O cara da imigração nos crivou de perguntas: tínhamos reservas de hotel? Não, não tínhamos. O que viéramos fazer em Aruba? Passear. E por aí afora.

Dei-me conta, então, da nossa situação. Para Aruba, parecíamos umas maltrapilhas, com aquelas roupas simples e aquelas mochilas de lã. Além de maltrapilhas, portávamos passaportes brasileiros e vínhamos da Colômbia, e não tínhamos sequer pouso certo em Aruba. Estava claro que só poderíamos ser traficantes. Onde estava a cocaína? Senti a barra pesando nas perguntas do homem, que nos amarrava a cara acusadoramente, e então achei melhor ser muito convincente:
- Moço, só viemos conhecer a ilha. Não vamos causar nenhum problema!

Não havia, mesmo, o que ser achado que nos comprometesse, e senti o contragosto do cara ao nos liberar de má vontade. Quase que a gente não entra em Aruba! Tive o meu momento de traficante!

Blumenau, 10 de Maio de 1997.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).




Lenda

* Por Núbia Araújo Nonato do Amaral

Reza a lenda entre os
povos de língua torta
que poeta é bicho de
inutilidades.

Que poeta vende sonhos,
que poeta come nuvens.
Diz ainda a lenda dos
sem noção, que poeta
alimenta calos na bunda
de tanto escrever.

Eu diria que, se poeta
vende sonhos e come
nuvens, ele arrota a
esperança que ameniza
os dias de quem desaprendeu
a sonhar.


* Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário




Atrasos na Educação brasileira


* Por Frei Betto


Os cortes no orçamento da Educação, feitos pela tesoura implacável de Temer, fazem de seu governo uma ponte para o passado.

O IBGE divulgou, no apagar das luzes de 2017, dados do PNAD que retratam a situação educacional do Brasil em 2016. O analfabetismo perdura em 7,2% da população com mais de 15 anos de idade. São 11,8 milhões de analfabetos, equivalente à população de Cuba, que erradicou o analfabetismo em 1961.

Convém lembrar que o PNE (Plano Nacional de Educação), aprovado em 2014, previa para 2015, ano anterior ao dos dados acima, a redução do analfabetismo, que abrangeria apenas 6,5% da população... Prevê ainda a erradicação total do analfabetismo no Brasil para 2024, daqui a sete anos. Além de Cuba, já eliminaram o analfabetismo, na América Latina, Venezuela, em 2005, e Bolívia, em 2008.

Entre os jovens de 14 a 29 anos, 33,4% estavam empregados mas não matriculados em uma escola, em 2016. Estudavam e não trabalhavam 32,7%. Estudavam e trabalhavam 13,3%. E o mais grave: a turma do nem nem, que nem estudava nem trabalhava alcançava o índice de 20,5%, ou seja, 24,8 milhões de jovens daquela faixa etária.

De cada 100 alunos que concluíram o ensino médio, apenas 7 aprenderam o suficiente em matemática, e 28 o conteúdo básico de língua portuguesa. Quantos de nossos universitários são capazes de fazer cálculos simples sem uso de calculadora ou redigir uma carta sem graves erros de gramática?

Apenas 53% dos adolescentes de 15 anos chegam ao ensino médio, com 34% deles ainda no ensino fundamental. Na média dos países ricos, 90% dos estudantes entre 15 e 17 anos já chegam nesta etapa.

Houve algum avanço no Brasil: a fatia de estudantes que concluíram o ensino médio subiu de 53%, em 2010, para 64%, em 2015.

Porém, na educação infantil os índices estão abaixo da média. Apenas 3,1 milhões de crianças de 0 a 3 anos frequentam creches, o que equivale a 30,4% da população nessa faixa etária.

O acesso ao ensino superior avançou no Brasil, mas ainda está abaixo da média. Só 15% dos adultos (25-64 anos) chegam a esta etapa do ensino, abaixo de países como Argentina (21%), Chile (22%), Colômbia (22%), Costa Rica (23%) e México (17%).

A diferença de salário entre quem faz faculdade e quem não faz é maior no Brasil do que em outros países: uma graduação pode render salário até 2,4 vezes maior no país, ante 1,5 na média dos países da Europa Ocidental. Se o profissional tiver doutorado, a diferença é de 4,5 vezes, mais do que o dobro da Europa Ocidental.

O salário pago aos professores brasileiros também está abaixo da média – paga-se o equivalente a 13 mil dólares por ano, em média, e 30 mil dólares nos países ricos.

Apesar da gravidade dos dados, Temer continua cortando verbas da Educação.

* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.






Deus: Pai maternal e Mãe paternal


* Por Leonardo Boff


Existencialmente falando. Deus é o nome que simboliza aquela terníssima Realidade e aquele Sentido amoroso, capaz de preencher a incompletude  do ser humano. Deus só tem sentido se irromper do nosso radical desejo  que para Aristóteles e Freud é infinito.

Essa Suprema Realidade (o Reale realissimum dos pensadores medievais) foi expressa no contexto da cultura do patriarcado: Deus comparece como masculino. Em consequência, todas as grandes religiões históricas se estruturaram ao redor no código patriarcal. Por isso, tais linguagens precisam ser hoje despatriarcalizadas se quisermos ter uma experiência totalizante do Sagrado. Nisso as mulheres podem ser nossas mestras e doutoras.

Fomos todos ajudados pela descoberta da existência, antes posta em dúvida, de uma fase matriarcal da humanidade, ocorrida há cerca de 20 mil anos. As divindades eram todas femininas. Isto significou uma virada na reflexão teológica. Hoje só fazemos justiça à nossa experiência do Divino se a traduzirmos em termos masculinos e simultaneamente femininos. Deus emerge numa linguagem inclusiva   como Pai maternal e como Mãe paternal. Como Deus-Ele e de Deus-Ela no dizer de muitas feministas.

Obviamente “Deus” ultrapassa as determinações sexuais, no entanto, vigoram valores positivos presentes nesta forma de nomear Deus. Masculino (animus) e feminino (anima) são princípios estruturastes de nossa identidade.

Todas as palavras do dicionário não conseguem definir Deus, pois Ele ultrapassa a todas. Vive na dimensão  do inefável. Diante dele mais vale calar do que falar; cabe viver uma atitude de respeito e de devoção.

Estimo, no entanto, que não podemos renunciar à palavra “Deus”em razão do rico significado semântico de sua origem sânscrita (di) e do grego (theós): a luminosidade que se irradia em nossa vida (o significado de di em sânscrito) ou a solicitude para com todos os seres, queimando com sua bondade toda malícia qual fogo purificador (o sentido originário do theós  grego).

As mulheres se impuseram a si mesmas a tarefa: como pensar o Divino, a revelação, a salvação, a graça, o pecado, partir da experiência das mulheres mesmas, vale dizer, a partir do feminino. No contexto da teologia da libertação, a questão é: como pensar Deus a partir da mulher pobre, negra e oprimida?

Nesse campo houve contribuições notáveis. Antes de mais nada,  as mulheres mostraram quão patriarcal e masculinista é o discurso dito normal e oficial que penetrou na catequese, nos discursos oficiais até na teologia erudita. Raramente os teólogos-homens conscientizaram seu lugar social-sexual-patriarcal.

A teologia ainda dominante constitui uma elaboração que os homens, como homens, fazem do Divino. Normalmente a teologia masculina é racional e busca o sistema. Ela é pouco espiritual, em distinção da teologia feminina que é mais narrativa, marcada pela inteligência cordial e pela espiritualidade.

A partir da experiência do feminino, o discurso teológico ficou mais existencial, inclusivo e integrador do cotidiano. Uma coisa é dizer Deus-Pai. Nessa palavra ressoam ancestrais arquétipos ligados à ordem, ao poder, à justiça e a um plano divino. Outra coisa é dizer Deus-Mãe. Nessa invocação emergem experiências originárias e desejos arcaicos de aconchego, de útero acolhedor, de misericórdia e de amor incondicional.

Onde a religião do Pai introduz o inferno, a religião da Mãe faz prevalecer a misericórdia e o perdão.

Por fim, cabe perguntar: em que medida o feminino/masculino são caminhos da humanidade para Deus? E em que medida o feminino/masculino são caminhos de Deus para a humanidade? Só temos um acesso integral a Deus mediante o feminino e o masculino, pois  “são à sua imagem e semelhança”.

Já C. G. Jung e Paul Ricoeur observaram que o masculino e feminino ultrapassam o âmbito da razão.  Entram na dimensão do Profundo, incognoscível, vale dizer, do mistério. Há, portanto, certa afinidade entre a realidade Deus e a realidade feminino/masculino, porque ambos são mistério,embora Deus é  sempre maior (sempre maior).

Se o feminino/masculino representam perfeições, então  se ancoram em Deus. Se assim é, o feminino/masculino adquirem dimensões divinas.

A teologia planteia ainda uma questão radical: a que são chamados, no plano último de Deus, o feminino e masculino? Esta questão é irrenunciável.

Numa formulação extremamente abstrata e generalista, mas verdadeira, podemos dizer: todas as religiões, por caminhos, os mais diversos, prometem uma plenitude e uma eternização da existência humana, masculino/feminina. Serão Deus por participação, no dizer do místico São João da Cruz. Será uma fusão com a Suprema Realidade que é amor e jogo de relações recíprocas. O Cristianismo se soma a esta compreensão  bem aventurada chamando-a o Reino da Trindade.


* Leonardo Boff é teólogo e autor de “Tempo de Transcendência: o ser humano como projeto infinito”, “Cuidar da Terra-Proteger a vida” (Record, 2010) e “A oração de São Francisco”, Vozes (2009 e 2010), entre outros tantos livros de sucesso. Escreveu, com Mark Hathway, “The Tao of Liberation exploring the ecology on transformation”, “Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz” (Vozes, 2009). Foi observador na COP-16, realizada recentemente em Cancun, no México.






terça-feira, 30 de janeiro de 2018


Literário: Um blog que pensa


(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)


LINHA DO TEMPO: Onze anos, dez meses e dois dias de existência.


Leia nesta edição:


Editorial – Ajudando a nos ajudar.

Coluna Á flor da peleEvelyne Furtado, crônica, “A carta.

Coluna Observações e reminiscênciasJosé Calvino de Andrade Lima, artigo, “Poder Judiciário”.

Coluna Do real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire, conto, “Presente de Deus”.

Coluna Porta AbertaMarcelo Rubens Paiva, artigo,Recorde de estupidez”.

Coluna Porta Aberta – Márcia Savino, crônica, “Um dia de treino, o peixe podre do aeroporto e um lugar chamado Brasil”.


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CITAÇÃO DO DIA:

Risco sem precedente 

Está sendo criada uma arma de potência destruidora sem precedentes. A menos que seja instituído um controle internacional sobre o uso dos novos materiais ativos (urânio, plutônio, etc.), qualquer vantagem temporária, por maior que seja, será inevitavelmente superada pela ameaça permanente à sociedade humana.

(Niels Bohr, ganhador do Prêmio Nobel de Física, em carta escrita ao presidente norte-a\mericano Franklin D. Roosevelt e ao primeiro-ministro britânico Winston Churchill, em fevereiro de 1944).



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Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.




Ajudando a nos ajudar


O estudo da mente é fascinante e, quando aplicamo-lo a nós mesmos, nos leva ao importante, senão essencial, caminho do autoconhecimento. Muitos (talvez a maioria), temem esse encontro consigo próprios. Por que? Provavelmente por desconfiarem que poderão saber em detalhes o que não gostariam e prefeririam manter oculto para sempre. Tolice.

Quanto mais nos conhecermos, melhores condições teremos de corrigir nossa conduta, de rever e atualizar nossos conceitos e, principalmente, de descobrir e explorar potencialidades que nos tornem mais aptos, confiantes, equilibrados e, no final das contas, felizes.

Há, hoje em dia, todo um ramo da literatura que ficou conhecido como de autoajuda para possibilitar, ou pelo menos facilitar, esse autoconhecimento.. Há quem critique – quase sempre sem ter lido um único e reles livro do tipo – obras do gênero, afirmando, de maneira até irresponsável, que se trata de charlatanismo. É possível que haja, mesmo, alguns charlatães tentando vender felicidade em pílulas. Afinal, eles existem em todas as atividades. Mas a maioria dos que lidam com essa forma de literatura – e que reforça o que escreve com cursos, palestras e conferências – é gente do maior gabarito e da mais legítima seriedade e lisura.

Claro que nem tudo pode ser resolvido com as técnicas que eles propõem. Cada caso é um caso. Cada ser humano é um universo. Mas boa parte dos nossos desajustes – que nos causam sofrimentos psíquicos, afetivos e físicos – pode ser solucionada com esse tipo de ajuda.

Estima-se, grosso modo, que em torno de 60% das doenças que nos acometem têm origem na mente. E, nesses casos, as pessoas que se queixam desses males não estão fingindo, como podem pensar (e pensam) os desavisados (ou mal-intencionados). Em decorrência desses desarranjos mentais, afetivos e/ou comportamentais, o corpo acaba adoecendo de fato. E se a verdadeira causa não é diagnosticada, os tratamentos convencionais, óbvio, não funcionam. Com isso, tais males podem, ou pelo menos tendem a se agravar.

Há importante ramo da ciência médica para esse tipo de patologia. É a medicina psicossomática. Ou seja, a técnica de curar o corpo sanando não suas consequências, mas as causas: curando a mente. Um dos maiores especialistas brasileiros na matéria, o Dr. José Moromizato explica: ”Quando reprimimos nossos sentimentos, eles vão se acumulando até o ponto que nos machucam profundamente, atingindo algum órgão mais sensível”.

Uma espécie de sinal de alerta, ao qual devemos dar a devida atenção, que nos indica que há algo de errado com nosso estilo de vida, é o estresse. Trata-se de um dos grandes males do nosso tempo, caracterizado pela agitação, ruídos, poluição e tantas e tantas e tantas outras coisas que nos aborrecem e oprimem. E quando ele atinge determinado estágio... nosso organismo não resiste e entra em colapso. Afinal, há limite para tudo. E por que não haveria para as tensões?


É interessante notar que José Moromizato não é psiquiatra, psicólogo e nem psicoterapeuta. Atuou por mais de 20 anos como cirurgião. E, em sua especialidade, constatou que para males causados por distúrbios psicossomáticos, as intervenções usuais, inclusive as cirúrgicas, de pouco (ou de nada) adiantam.


Observou que no caso de vários pacientes, apesar das cirurgias, eficazes em tantos outros casos parecidos, nos decorrentes de distúrbios da mente elas não passavam de “paliativos”. “Apesar da intervenção, não raro a doença voltava a se instalar nos pacientes”, observou. E foi a partir dessa observação que desenvolveu a sua eficaz e revolucionária terapia. Ela consiste em uma série de exercícios – que não enumerarei aqui quais são, pois não se trata do caso – entre os quais um dos mais eficazes é o auto relaxamento.

O médico explica: “Quando o indivíduo tem a prática diária de relaxar, seus vasos sanguíneos estão propensos a maior elasticidade, e o sangue tende a circular com maior facilidade pelo corpo, chegando, inclusive, às extremidades com mais eficiência. Claro que o tratamento não consiste só nisso. Todavia, a eficácia (quando o diagnóstico é correto) é de praticamente 100%.

Uma das disciplinas que mais me fascinam, nessa linha do autoconhecimento, é a “Programação Neurolinguística”, conhecida pela abreviação PNL. Há vinte e sete anos, tive o privilégio e a honra de conhecer um dos maiores, senão o maior especialista nessa disciplina, o Dr. Lair Ribeiro, que além de escritor, é brilhante conferencista e palestrante motivacional. Ganhei dele cinco dos seus muitos livros (cataloguei 27, mas podem ser muitos mais), autografados, logicamente, que têm sido de imensa utilidade para mim.

E no que consiste essa ciência? Uma das definições mais claras dela é a dada pelo Professor Sebastião de Oliveira Coelho, em seu excelente artigo “PNL e Educação”, em que diz: A Programação Neurolinguística estuda como o cérebro e a mente funcionam, como criamos nossos pensamentos, sentimentos, estados emocionais e comportamentos e como podemos direcionar e otimizar esse processo. Em outras palavras: estuda como o ser humano funciona e como pode escolher a maneira que quer funcionar”.

Constatei, nos livros do Dr. Lair Ribeiro, que é essa, mesmo, a função dessa importante disciplina. Mediante suas técnicas, “programei” meu cérebro para o “positivo” e tenho conseguido realizar coisas que nunca antes suspeitei que conseguiria. Atesto, pois, sem medo de errar, a eficácia da PNL.

Especificamente, no que se refere à educação, o Professor Sebastião observa, em seu artigo: “A Programação Neurolinguística na Educação pode contribuir extraordinariamente para melhorar a autoestima dos professores e alunos e apresenta várias ferramentas, que com certeza, irão transpor algumas das barreiras que desafiam os professores em sala de aula. Diz mais: “Para o professor, é fundamental conhecer este sistema de interação, pois isto facilitará a intervenção com cada aluno no seu devido canal. O domínio desta ferramenta potencializará o aprendizado e, consequentemente, os resultados serão surpreendentes. E isso não vale a pena? Claro que vale!!!

Voltarei oportunamente ao tema, que é dos mais complexos e extensos, mas também dos mais úteis e fascinantes.


Boa leitura!

O Editor.


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