segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Leia nesta edição:

Editorial – A menininha dos olhos verdes.

Coluna Em Verso e Prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema “Auspícios”.

Coluna Pássaros da mesma gaiola – Daniel Santos, crônica, “Tudo passa, o que fica é sentimento”.

Coluna Lira de Sete Cordas – Talis Andrade, poema “Sermão de Santo Antonio”.

Coluna Porta Aberta – Lêda Selma, poema, “Tempo implacável”.

Coluna Porta Aberta – Elaine Tavares, artigo “Resistem as gentes na aldeia Maracanã”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária” – José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com

“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: nenem138@gmail.com

“Aprendizagem pelo Avesso” – Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br

“Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br

“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

A menininha dos olhos verdes

O ano acabou! Simples assim! Fim, the end, c’est fini, es finito. Ou, como Rubem Braga intitulou memorável crônica (o que, no caso dele, é redundância, já que tudo o que esse mestre escreveu é digno de leitura, reflexão e, se possível, imitação) alusiva a época como esta, na passagem de 1952 para 1953 (período já tão distante, mas que parece ter sido ontem!): “Passou”. Passou e levou para o passado sem retorno sonhos, ilusões, projetos e até vitórias que mal puderam ser saboreadas, quanto mais digeridas.

Levou, também, diga-se de passagem, tristezas, desilusões, perdas de entes queridos e um montão de problemas. Alguns deles, admito, foram devidamente solucionados. Menos mau. Outros, tiveram solução parcial, o que também não é tão ruim, posto que não seja ideal. Outros tantos, todavia, acabaram postergados, somente adiados, empurrados com a barriga para um incerto e vago amanhã, o que, provavelmente, os irá agravar ou... talvez, não. Sabe-se lá!

Hoje pela manhã, ao despertar, mais especificamente durante meu banho matinal, fiquei matutando, debaixo do chuveiro, sobre o que escrever nesta data, mas que ninguém ainda tenha escrito. Que pretensioso que sou! Por que essa obsessão pela originalidade?! Será que ainda existe algo referente a final de ano que alguém já não tenha escrito, em alguma época e lugar? Duvido! O que se faz, cada vez com maior freqüência, é o exercício da variação em torno do mesmo tema. Ou, conforme o meu gosto e mania por superlativos: do mesmíssimo assunto. Varia a forma de dizer as coisas, dependendo de quem as diz, de sua cultura, experiência, visão de vida etc.etc.etc. O conteúdo, porém, é sempre o mesmo. Não tem como.

Mas seria tão importante assim ser original? Qual o problema de repetir, com minhas palavras e minha emoção, o que milhares, milhões, quiçá bilhões já disseram e escreveram em tantas épocas e lugares? O sol nasce todos os dias, ou seja, é um processo que se repete há pelo menos 4,5 bilhões de anos, e nem por isso determinados amanheceres deixam de ser belos. Ou certos ocasos não são maravilhosos. Ou as flores perdem o encanto de uma primavera para outra.

Um tema recorrente, nessas ocasiões, explícito ou apenas implícito, é o da esperança. Boa parte das pessoas espera que os próximos 365 dias sejam melhores, em todos os sentidos, do que os precedentes. Para muitos, serão. Para tantos outros (temo que para a maioria) se mostrarão dramáticos, frustrantes, possivelmente terríveis, e por uma série de motivos e circunstâncias. Muitos sequer verão o ano seguinte, encerrando seu ciclo na Terra. Em contrapartida, milhões de outros verão o novo ano pela primeira vez, de visita a este Planeta ora belo, ora sucursal do inferno, por um tempo que ninguém é capaz de determinar.

Escrevi, se não me engano ontem, esta mensagem no Facebook, que é o que penso neste momento: “O ano que está às portas vai nascer, como tantos outros, sob o signo da esperança. É mais uma oportunidade que a vida nos confere para corrermos atrás dos nossos sonhos, para concretizarmos nossos ideais e para conquistarmos o que está bem ao alcance das nossas mãos, mas que teimamos em não alcançar, por causa do medo, da descrença e da desesperança: a felicidade. Para obtermos êxito nessa empreitada é necessário que cumpramos determinadas (e indispensáveis) condições. É fundamental, por exemplo, que estejamos predispostos à alegria, à esperança e ao bom humor. É imprescindível que saibamos amar e que não tenhamos receio de nos expor, por medo de nos ferir. E que conquistemos (e conservemos) dezenas, centenas, milhares, quiçá milhões de amigos”.

Apenas pequei por excesso de otimismo (certamente influenciado pelo ambiente da época) no trecho final da mensagem, quando afirmo: “Cumprindo essas condições, não há o que temer”. Não haveria de fato? Há, sempre há o que temer! Infelizmente! Os fatos são imprevisíveis, para o bem ou para o mal. É um exercício de suprema tolice fazer previsões, e acreditar nelas, sobre algo que não aconteceu e que possivelmente jamais acontecerá. Pode ocorrer, é verdade, e até de forma muito melhor do que a prevista. Mas... deixo estas reticências no ar, para que vocês as preencham.

Sobre a esperança, vem-me à memória um comercial que vi estes dias na televisão (se não me falha a memória, do Bradesco), que achei sensível e inteligente. E poético. Tão poético que Mário Quintana, ou Carlos Drummond de Andrade, ou Cecília Meirelles certamente o assinariam – se não o texto veiculado, sintético como se exige de um, anúncio de televisão (que é caríssimo, cobrado por segundo), pelo menos seu conteúdo – e que interpreto à minha maneira.

Minha interpretação é a seguinte:

O comercial alude a uma belíssima senhora que tem o dom de se renovar a cada período e nunca morre, é eterna. Reside no prédio do tempo, de doze andares. Começa cada ano como inquilina do primeiro andar. A cada mês, todavia, muda-se para o pavimento superior seguinte, enquanto se transforma fisicamente: desenvolve-se, passa de menininha para a condição de adolescente, depois amadurece, começa a envelhecer, mas nunca perde a beleza. Ao chegar ao décimo segundo andar, já é uma velhinha, posto que ainda bela, de uma beleza sutil e incomparável. Só que, em vez de seguir o ciclo natural da vida, e morrer, por peculiar e inimitável sortilégio, no momento certo... se transforma. Vira, de novo, belíssima e saudável menina, como no ano anterior, e anterior e anterior. E como certamente voltará a acontecer no próximo, e no próximo, e no próximo, enquanto o edifício e os seres humanos que o habitam existirem.

Caso eu perguntasse a essa linda menininha, de inesquecíveis e brilhantes olhos verdes, como ela se chama, estou seguro que me responderia, com luminoso e maravilhoso sorriso nos seus perfeitos lábios: ESPERANÇA!!!

Cito outra mensagem que partilhei no Facebook, inspirada nessa alegoria sugerida pelo comercial do Bradesco: “Há pessoas tão desencantadas face aos seus sofrimentos, aos tropeços que experimentam, aos fracassos que vivenciam e às decepções que colecionam, que asseguram não ter mais nenhuma esperança na vida. Estão erradas. No fundo, bem no âmago de seus corações, escondidinhas, estas ainda se fazem presentes. Não há quem não as acalente, mesmo que secretamente, ou de maneira inconsciente. Até mesmo os moribundos, que vislumbram o espectro da morte ao seu redor, esperam uma miraculosa reação do seu organismo e a recuperação. Sempre que uma esperança morre, face à dureza da realidade (e isso é bastante corriqueiro), outra nasce de imediato, silenciosa e até despercebida, porém mais forte e vigorosa. O poeta salvadorenho, Carlos Henrique Ungo”, escreve estes versos sobre a esperança:

“Ela sempre esteve aí
encolhida entre nós
escondida e em silêncio como menina travessa
tão somente à espreita
e ansiosa para ser descoberta”.

Esta é, pois, a mensagem que lhes deixo, para sua reflexão, nesta passagem de ano. É original? Claro que não!!! E precisa ser?! Asseguro-lhes, todavia, que é honesta, é sincera e vem do fundo do coração. E, para complementá-la, deixo-lhes uma recomendação: “Não se separem, jamais, da linda menininha de olhos verdes. Acompanhem-na o tempo todo, em cada um dos andares em que ela estiver e, quando retornar ao primeiro, permaneçam juntos, repetindo sempre, e sempre, e sempre o mesmo ritual, enquanto o tempo lhes permitir”. E tenham felicíssimo Ano Novo!!!

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk 
Auspícios

* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral

Que a poesia atravesse fronteiras
rompendo limites.
Que os poetas não se acanhem
diante das dívidas e tribulações.
Que os papéis em branco
se tornem cada vez mais
raros.
Que as tolices de amor
escondidas nas últimas páginas
de seu caderno, ganhem asas
despertando suspiros e paixões
com a doce magia dos arautos
da imaginação.


* Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário
Tudo passa, o que fica é sentimento

* Por Daniel Santos

Em meados de dezembro saí em férias da cidade e, ao regressar na segunda semana de janeiro, soube de uma história ... Não sei se alegre ou triste, talvez alegre e triste a um só tempo, mas acima de tudo tocante.

Tocante, porque se refere ao imbatível poder da inocência para reanimar criaturas já vencidas pelo desencanto. Tal aconteceu a um grande amigo que, em estado de desespero, recebeu a visita do anjo. E se salvou!

Marido dedicado a uma esposa que tinha olhos apenas para ele, perdeu-a subitamente duas semanas antes do Natal, vítima de um desses males cardíacos, e seu único desejo era, então, meter uma bala na cabeça.

Só não o fez, porque caberia a ele cuidar do filho de cinco anos, a quem pretendia surpreender na noite santa. Para tanto, chegou a comprar uma roupa de Papai Noel para se fantasiar durante a entrega dos presentes.

A viuvez, no entanto, não lhe dava ânimo para nada e, no auge da apatia, chegou a revelar ao filho que o velho Noel não existia, era pura invencionice de gente desocupada que gosta de iludir as criancinhas.

Mas o menino era mais esperto e descobriu a fantasia vermelha amarfanhada no fundo do armário. Assim, na noite de Natal, enquanto o pai choramingava na penumbra da sala, o filho começou a se vestir.

Primeiro, a calça, cujas pernas ele meteu dentro das botas. Depois, a jaqueta, a peruca branca, o capuz, o bengalão e, por último, a barba que, grande demais para seu rosto, caía sobre o peito como um babador.

Assim arrumado, ou tão arrumado quanto conseguiu, saiu do quarto e entrou na sala de braços abertos para surpreender o pai com a boa nova: Papai Noel existia, sim! E, de uma corridinha só, se jogou no colo dele.

Do desencanto, o homem emergiu radiante e emocionado para um estado de graça que lhe aliviou o desamparo: abraçado ao seu neném-Noel, recebeu o melhor presente de Natal: a esperança em melhores dias.

Porque, afinal, tudo passa. O que fica é o sentimento, essa capacidade de se emocionar, de abraçar o próximo e desejar simplesmente um “Feliz Natal”. Isso mesmo: um “Feliz Natal” para todos nós.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Sermão de Santo Antonio

* Por Talis Andrade

As tentações se vestissem os seus andrajos
se apresentassem os rostos sem maquilagem
não seriam tentações
Se não tivessem formosa aparência
se não fossem magnificentes
não seriam tentações

(Do livro “Herdeiros rosa”)

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 13 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Romance do Emparedado” (Editora Livro Rápido) e outros à espera de edição.

Tempo implacável

* Por Lêda Selma

Em que instante do tempo,
a juventude do meu rosto
ficou presa no espelho?

Em que pedaço do tempo,
as ranhuras no meu corpo
foram, de vez, talhadas?

Em que silêncio do tempo,
as pálpebras se debruçaram
sobre meu olhar embaçado?

Em que passadas do tempo,
os cansaços sitiaram
redutos de meus desejos?

Em que dor o tempo esqueceu
amores, sonhos, encantos
e os segredos de meus pecados?

Em que estrela do tempo,
as lembranças se perderam
transfiguradas em rastros?

Em que frestas do tempo,
meus viços escapuliram
e levaram meus encantos?

Na face dessas verdades,
revejo as tramoias do tempo
e de mim sinto saudades.

• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.

Fotos: Ricardo Casarini



Resistem as gentes na aldeia Maracanã

* Por Elaine Tavares



Contra o “negócio” Copa do Mundo, a beleza e a força do mundo indígena se levantam

1556. Rio de Janeiro. Território Tupinambá

No meio da mata os Tupinambás espiam a baia. Desde há muito tempo (1502) que por ali havia chegado uma gente estranha. Traziam cruzes e armas que cuspiam fogo. Por anos foram empurrando os nativos para longe da praia, expulsando das terras que ocupavam em paz e destruindo seu modo de vida. Muitos tinham sido mortos, outros escravizados e uns poucos se embrenhavam para dentro da floresta, ainda livres. As batalhas eram frequentes, mas desiguais.

Em 1554, um jovem índio chamado Aimbiré, filho do cacique Kairuçu, depois de ver o pai capturado e morto por conta dos maus tratos na fazenda de Brás Cubas, em São Vicente, consegue fugir do cativeiro e começa a reunir-se com chefes de grupos indígenas que ainda andavam livres pela região. É ele quem vai costurar uma aliança histórica de resistência.

Naqueles dias andavam pela baia também os franceses, loucos para abocanhar riquezas. Os Tupinambás – que nos tempos da invasão dominavam todo o litoral – por algum motivo, acreditaram que aqueles poderiam ser amigos e se aliaram a eles para expulsar os portugueses. Lograram um pacto com os Goitacazes e os Guaianases, e essa parceria se configurou na famosa Confederação dos Tamoios, liderada por Aimbiré.

Os indígenas pelearam por mais de 10 anos contra os portugueses. Traziam na pele a marca da opressão e queriam suas terras de volta. Em 1565, Estácio de Sá desembarca perto do que hoje é o Pão de Açúcar e começa dali a resistência portuguesa contra os franceses e os indígenas. É quando funda a vila de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Com a ajuda do padre Anchieta, os portugueses vão se misturando a outras etnias indígenas, conquistando amizades e enfraquecendo a Confederação. Naqueles dias a coroa não atinava perder o comércio do pau-brasil, abundante na região. Por dois anos deram batalha aos indígenas. Esses eram chefiados pelo valente cacique Aimbiré, que conduzia os guerreiros pelas canoas através da baia da Guanabara em duros confrontos contra os invasores. Ainda assim, Estácio de Sá seguia distribuindo terra aos amigos portugueses, visando fortalecer suas posições.

Em 1567, os portugueses conseguem abafar o movimento indígena e expulsam os franceses da região. A Confederação dos Tamoios é derrotada, os povos originários do lugar são dizimados, as lideranças caem nas batalhas, e poucas famílias conseguem escapar pelo mato, garantindo assim a continuidade do povo indígena na região.

2006. Rio de Janeiro. Ocupação Guajajara

No meio dos prédios os Guajajaras espiam o grande estádio do Maracanã, templo de um esporte que chegou ao Brasil pelas mãos dos ingleses, num tempo em que a Inglaterra era dona do mundo. Remanescentes dos velhos guerreiros da Confederação dos Tamoios, os indígenas se embrenham na cidade maravilhosa para recuperar o que acreditam ser seu: uma pequena fatia de território. O mesmo espaço que foi palco da disputa sangrenta entre portugueses e tupinambás nos primeiros anos de invasão. O lugar em questão é um velho prédio localizado ao lado do estádio, que de 1953 até 1977 abrigara o Museu do Índio, criado por Darcy Ribeiro para ser justamente um espaço onde o homem branco pudesse compreender o modo de vida dos povos originários.

O território onde está o prédio tem larga vinculação com os indígenas. Primeiro, era o seu mundo original. Depois, com a vitória portuguesa foi passando por várias famílias até que em 1865, o então proprietário, Duque de Saxe, doou a grande mansão que construíra para que o governo federal a transformasse em Centro de Pesquisa sobre a cultura indígena. Nada aconteceu. A casa acabou abrigando a Escola Nacional de Agricultura e só décadas depois sediou o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI).

Quando o SPI foi transferido para Brasília em 1964, o prédio passou para a mão dos militares. Foi só em 19 de abril de 1953 que o casarão retornou para a vida indígena, quando Darcy Ribeiro instituiu o Dia do Índio e criou ali o museu. Mas, o espaço não ficaria muito tempo dedicado ao abrigo da história indígena. Em 1977 o museu é transferido para o bairro do Botafogo e o prédio passou para o controle da Companhia Nacional de Abastecimento, que praticamente o abandonou.

Ao longo dos anos, a velha casa foi ruindo e nunca sequer foi tombada pelo Patrimônio Histórico. Só que para os indígenas aquele lugar é espaço sagrado, templo de resistência e foi assim que em 2006 cerca de 20 pessoas – indígenas de várias etnias – decidiram ocupar o prédio, dispostos a fazer dali um ambiente de acolhimento para todos os irmãos que chegam à cidade maravilhosa, além de guardar a memória ancestral das gentes que viveram naquele território desde os tempos imemoriais.

A casa foi tomada e começou a batalha pelo tombamento e recuperação. Desde então as comunidades originárias vêm travando grande batalha institucional para manter o prédio, criando um pólo de produção de cultura e de conhecimento sobre os povos originários. Mas, a exemplo dos tempos da invasão, novos Estácios de Sá armam suas esquadras e dão combate aos indígenas. Ao que parece, nada muda nas terras de Pindorama.

2012. Rio de janeiro. Copa do Mundo

Pois em julho desse ano, completamente surdo aos desejos dos povos indígenas e dos movimentos sociais para que fosse feito o tombamento do lugar, o governo federal vendeu a área ao governo do Rio de Janeiro. A proposta do governador Sérgio Cabral, singela, é derrubar o prédio para que sirva de espaço de mobilidade para as pessoas que virão assistir aos jogos da Copa do Mundo de 2014. Mais uma vez, a cultura indígena sendo solapada em nome de um deus estranho: nesse caso, o dinheiro.

Hoje seguem vivendo no prédio perto de 20 pessoas, representando etnias de diversas regiões do país: Guajajara, Pankararu, Xavante, Guarani, Apurinã, Fulni-ô, Pataxó e Potiguara, entre outras. Várias casas foram erguidas no lado de fora, uma vez que o prédio principal está em ruínas, apesar de servir para algumas atividades. A proposta dos ocupantes é recuperar o prédio e transformá-lo na primeira Universidade Indígena do país. Atualmente já são ministradas aulas de língua Tupi Guarani, inclusive para professores universitários e acontecem manifestações culturais, rituais, pinturas de corpo, feitura de comidas típicas das etnias na cozinha coletiva, ensinadas medicinas nativas e contadas histórias das tradições indígenas.

Segundo as lideranças vivem mais de 30 mil índios no espaço urbano do Rio de Janeiro e o casarão deverá ser também um ponto de referência para a sobrevivência da cultura de todos eles. Nesses dias, quando a demolição se aproxima, muito mais gente está se unindo aos moradores originários, tentando fazer pressão para que o governo estadual reverta a situação. Já foram feitas audiências públicas na assembleia estadual, caminhadas, protestos, ações judiciais. Tudo o que dá para fazer dentro da ordem burguesa. Mas, nos governos, todos estão surdos.

Para se ter uma ideia do que pensam basta espiar a fala do Superintendente Federal de Agricultura no Estado do Rio de Janeiro, Pedro Cabral, em entrevista aos jornais: “A memória dos índios será preservada, talvez com uma loja de artesanato para eles venderem seus materiais”. Para eles, índio é folclore. Já Sérgio Cabral insiste: “vamos derrubar”. Mas, na aldeia Maracanã, o povo segue em resistência.

E tu, cara pálida?

A verdade pode soar incômoda, mas, índio, no Brasil, é estorvo. Por conta disso, eles são assassinados, estuprados, dominados, chutados, queimados, escondidos, degradados. Só que nem sempre foi assim. Antes da invasão dos portugueses os grupos étnicos, mais de 200, iam construindo suas vidas, dentro dos limites de suas culturas. Vivendo em terras férteis e abundantes não chegaram a constituir uma civilização como os astecas, incas e maias, premidos pelas dificuldades geográficas. Eram caçadores, coletores, e sentiam-se livres na imensidão das terras tropicais.

A chegada dos estrangeiros colocou o mundo de cabeça para baixo, todo um modo de vida ruiu. Com os portugueses vieram a cruz e o arcabuz, exigindo a fé num deus estranho e impondo a escravidão. Estarrecidos diante da violência dos homens de além-mar, os habitantes originários dessas terras foram se embrenhando no interior. Os que não conseguiram foram exterminados. E assim foi se fazendo esse imenso Brasil.

O índio era um animal sem alma que não servia sequer para ser escravo. Por isso, o extermínio, o genocídio. Com o passar do tempo, as etnias que se embrenharam pelo interior também foram sendo encontradas. Com a chegada dos imigrantes, as terras que eram espaços de liberdade, começaram a ser aradas e escrituradas, passavam para outras mãos, viravam mercadoria, coisa que se compra.

Na solidão das noites, os grupos indígenas que tinham sobrevivido ao massacre dos primeiros tempos também foram sendo destruídos, um a um. Eram chamados de bugres, selvagens, animais. Precisavam ser “civilizados” para que aceitassem pacificamente o roubo de suas terras e vidas. Assim se criaram os “bugreiros”, os bandeirantes, uma gente que fez fortuna caçando e matando índio e que até hoje são apontadas como “heróis nacionais”.

De novo, os habitantes originais da grande Pindorama eram um entrave para o progresso que representavam os imigrantes. No início do século XX uma nova versão de contato começou a se fazer. Já não era mais o tempo da morte, do extermínio, mas da inclusão. Os indígenas começaram a ser procurados para que pudessem sair do seu estado “selvagem” fazendo parte da “civilização”.

Com o lendário Marechal Rondon acabava-se a caça e começava um processo de integração. Foi ele quem criou o Serviço de Proteção ao Índio, em 1910, com sede no Rio de Janeiro, então capital da República. O objetivo era dar amparo e ajudar no processo de integração. Mas, apesar de todos os esforços e da boa vontade de muita gente do calibre de um Rondon, a integração do índio à sociedade que se criou a partir do genocídio nunca se deu de verdade. Fora do seu lugar sagrado, os povos originários seguiram sendo vistos como um estorvo. Os que se integraram na vida fora das matas, foram perdendo suas referências culturais, e ainda assim seguiram sendo discriminados. E os que aceitaram viver em aldeias, amargam até hoje a falta de direitos e de terra.

Apesar da história triste de morte, destruição e genocídio, os povos indígenas nunca se entregaram sem luta. Desde os primeiros dias da invasão, quando perceberam que ali estava a opressão, as comunidades resistiram. Resistem ainda hoje por todo o país, na luta pela demarcação das terras, contra a invasão de seus territórios, contra os megaprojetos que destroem a vida, pela garantia de seus direitos. E não é diferente o que acontece hoje no Rio de Janeiro. Tão pouco o que querem: um prédio, uma universidade, um espaço para que sua gente possa descansar a cabeça e cultivar sua cultura. Ainda assim, a sanha por lucro, dinheiro, negócios, prevalece.

A Copa do Mundo, que pretende atrair turistas de todo o planeta, trará com ela mais um massacre. Que fazer diante disso? Da impotência frente à fria lógica do capital? Talvez seja hora de evocar Aimbiré, a alma sagrada da Confederação tamoia, o desejo secular de liberdade das gentes indígenas para viver sua cultura, seus deuses, seu modo de vida. E, com essa força, iniciar uma rebelião que acerte o ponto mais sensível dessa gente que quer derrubar a aldeia Maracanã: o bolso. As formas? Haveremos de encontrar...

* Jornalista de Florianópolis/SC

domingo, 30 de dezembro de 2012

Leia nesta edição:

Editorial – Sic transit gloria mundi

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Renovação das ilusões”.

Coluna Direto do Arquivo – Aliene Coutinho, poema “Mais um Natal”.

Coluna Clássicos – Rubem Braga, crônica, “Passou”..

Coluna Porta Aberta – Raul Longo, poema “Feliz Homem Novo!”.

Coluna Porta Aberta – Leonardo Boff, artigo “O encanto dos orixás”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária” – José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com

“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: nenem138@gmail.com

“Aprendizagem pelo Avesso” – Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br

“Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br

“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk.As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Sic transit gloria mundi

O tempo, implacável e duro, não perdoa nada e ninguém em sua ação destruidora. Nos abate, desgasta, derruba e, finalmente nos aniquila, quando menos esperamos, e não raro sem aviso. E quando o processo de decadência começa e, principalmente quando se acelera, quase nunca, sequer, nos reconhecemos ao nos olharmos no espelho ou ao vermos nossa fotografia, tamanhos são os estragos que faz em nossa aparência e, não raro, em nossas mentes. Mas essas mudanças para pior, essa decomposição física, moral e às vezes espiritual, dificilmente se dá de repente. É lenta. A princípio é imperceptível. Todavia é contínua e implacável. “Sic transit gloria mundi”...

Foi isso o que aconteceu com o pintor e escultor Salvador Dali. Foi vencido pelo tempo, que o deteriorou, abateu, humilhou e lhe tirou a alegria e o gosto de viver. E esse processo de decadência acelerou-se após a morte de Gala, sua amada e companheira, ocorrida em 1982 e adquiriu maior velocidade ainda a partir de 1984, quando seu físico fragilizado por doenças e acidentes, levou-o a se afastar das vistas do público, para conservar, pelo menos, um tantinho que fosse de dignidade.

Visto, nos últimos anos que precederam sua morte, em fugazes e raras aparições na televisão espanhola, Salvador Dali não lembrava em nada aquela figura vigorosa, desafiadora, vaidosa e falastrona que o caracterizara. Era mera sombra do que havia sido: um ancião recurvado, que não podia (ou não queria) se locomover por conta própria dependendo, para isso, de uma cadeira de rodas, pálido, magro (diria que macilento), com as mãos tremendo incontrolavelmente em conseqüência do Mal de Parkinson e que começava a ser esquecido em vida pelos que tanto o bajularam quando no auge a ponto de “divinizarem-no”. “Sic transit gloria mundi...”

Seu médico pessoal, Dr. Jesus Garcia San Miguel, disse, em entrevista concedida, na ocasião, à agência de notícias “United Press International”, em julho de 1987, que o artista parecia ter perdido a vontade de viver. Nem precisava ter dito isso. As raras pessoas que viram Salvador Dali nessa época ou que conversaram com ele, percebiam isso mesmo a anos-luz de distância. O homem estava entregue, arrasado, decepcionado, derrotado. “Não há motivo físico para que Dali não coma ou não ande. Ele simplesmente não quer. Encontrou uma cadeira confortável e decidiu passar seus últimos dias sentado nela”, sentenciou San Miguel.

O homem que costumava viver em aposentos elegantes, em suítes no Hotel Saint Regis, de Nova York, por exemplo, nos oito anos em que morou nos Estados Unidos com sua amada Gala; o sujeito elegante e sofisticado, que insistia em ostentar título de nobreza e que habitava requintados castelos na Espanha, habituou-se ao refúgio, em seus últimos anos de vida, num espartano (diria miserável) quarto exíguo, de paredes nuas, tendo por acessório, somente, uma mesa de cabeceira metálica, pegada à sua cama. Não que não tivesse dinheiro para habitar acomodações melhores. Recursos tinha, e de sobra, para viver em suítes requintadíssimas dos mais luxuosos e reservados hotéis de cinco ou até seis estrelas de qualquer parte do mundo. Vivia, porém, tão mal, por opção. Porque perdera o gosto de viver.

Nada importa tanto a um artista, seja qual for a arte que pratique, do que o reconhecimento de sua obra. Ele alimenta-se de elogios (posto que todos neguem esses surtos intermináveis de vaidade) que lhe servem de alimento do qual não pode prescindir. Quando estes mínguam e, pior, quando faltam e, pior ainda, quando se transformam em críticas constantes e unânimes, agressivas e mordazes, morre de inanição. Exagero? Pensem bem se não é assim. O artista (e presumo que não haja exceções, mas meras graduações de vaidade) é vaidoso por excelência, até por natureza. Não pelo que é, por sua aparência ou por suas posses, mas pelo que faz, porquanto põe a alma em sua obra.

E subitamente, justo na pior fase da sua vida, Salvador Dali viu-se privado desse “alimento”. Pior, passou a colecionar críticas, muitas infundadas (a maioria), maldosas ou então feitas por quem não entendia bulhufas de arte, embora julgasse ser mestre no metier e tivesse farto espaço na mídia para destilar veneno, para dar vazão a sua ação deletéria e irresponsável. Os críticos foram unânimes em elogiar, por exemplo, as obras da primeira fase de Salvador Dali. Até aí, não fizeram favor algum ao artista. Limitaram-se a chover no molhado. A qualidade da produção do pintor, dessa época, era, é e sempre será incontestável. Nela havia vida, paixão, garra e uma tensão entre um meticuloso virtuosismo e temas fugidios e irracionais, mas de originalidade a toda a prova.

Todavia, nos trabalhos posteriores, por exemplo, aos anos 50, os críticos só viram defeitos e delírios de uma mente que classificaram de insana. Claro que exageraram. Dali produziu muitas obras geniais também nesse período, talvez até melhores do que na fase consensualmente elogiada. Por que seus detratores fizeram isso e multiplicaram seus ataques? Vá se saber! Inveja? Maldade? Ignorância? Provavelmente tudo isso e muito mais. Criticar é cômodo e fácil. Destruir o que quer que seja ou quem quer que seja, não apresenta a menor complexidade: é facílimo e acessível a qualquer imbecil detentor, se tanto, de apenas dois neurônios, tendo um deles avariado. Construir é que são elas.

Alguns de seus colegas, artistas como ele, foram pelo menos mais nobres, ou éticos, ou piedosos, ou apenas discretos (sabe-se lá), com o gênio catalão. Seu conterrâneo Joan Miró, por exemplo, disse que tinha “grande admiração pelo início de carreira” de Salvador Dali. Todavia, num gesto interpretado como de lealdade, absteve-se de comentar suas obras finais, tão combatidas e atacadas por quase todos. Essa abstenção, contudo, a mim parece a mais acerba e enfática das críticas.

E por que centralizo estas reflexões de hoje na fase decadente da vida e da obra desse artista que, à medida que o tempo passa, considero, mais do que quando ele estava no auge, um gênio? Porque sou provocador por excelência, como ele foi, posto que com foco e objetivo diferentes. Ou seja, os de induzir quem me lê a refletir, mesmo que tal reflexão venha acompanhada de impropérios contra mim.

Porque esse período amargo da vida do pintor exemplifica, com realismo nu e cru, e bem a caráter, o destino de boa parte, talvez da maior parte dos artistas que, ou morre na miséria, ou termina os dias decepcionada, amargurada e ridicularizada por imbecis medíocres, que nada fazem que preste e que destroem sonhos e fantasias dos realizadores. Por que? Talvez por instinto de vingança. Ou, suponho, não raro por pura maldade. E porque “sic transit gloria mundi...”

Boa leitura.

O Editor.

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Renovação das ilusões

* Por Pedro J. Bondaczuk

Os nossos sentidos, via de regra, nos enganam. Não raro (ou quase sempre), o que nos parece a mais concreta realidade, visível e palpável, não passa de ilusão. Mas se nos alertam a respeito, quase nunca acreditamos. Julgamo-nos sumamente bem-informados apenas porque lemos, assiduamente, jornais e revistas, ouvimos, no rádio do nosso carro, todos os noticiários; assistimos, atentamente, todos programas noticiosos de TV e, por isso (só por isso?), nos consideramos práticos, “realistas”, “pés no chão”. Será que somos de fato?

Nossos órgãos sensoriais, por mais úteis e eficientes que sejam, não captam, com exatidão, o que acontece ao nosso redor. Longe de nós, então... Iludimo-nos o tempo todo e não nos damos conta. Nossos sentidos não nos mostram, sequer, o que acontece conosco, no interior do nosso corpo.

Raramente, por exemplo, notamos, no dia-a-dia, a passagem do tempo que, no entanto, não cessa de se escoar. Subitamente, quando nos damos conta, já envelhecemos e não notamos que esse processo se deu não de repente, como chegamos a achar, mas aos poucos, em nosso cotidiano. Quando jovens, temos a ilusão de que permaneceremos sempre assim. Em nossa mente, só os outros envelhecem, nós não. Claro que as coisas não ocorrem dessa maneira, embora, em nosso íntimo, achemos que sim. Ou, pelo menos, nos comportemos dessa maneira.

Nutrimos ilusões e mais ilusões, o tempo todo, a vida inteira e não vejo problema algum nisso. Claro que, como tudo o que pensamos (e fazemos), se requer moderação também no ato de se iludir (ou deixar que fatos e pessoas nos iludam). Não podemos descambar, por exemplo, para o extremo, para a completa alienação, sob pena de, se o fizermos... Será, fatalmente, caso de internação num manicômio! Ou não? O que é a loucura senão a absoluta ilusão, o total desligamento da realidade?

Todos, certamente, no transcurso de mais este ano (que se encerra), nos desiludimos com algo ou alguém, por algum motivo, real ou imaginário, não importa. Uns, tiveram desilusões nos negócios. Outros, no amor. Outros, ainda, nas amizades e assim por diante.

Os mais fortes, mentalmente, substituíram as ilusões perdidas por outras, mais consistentes. Os práticos, após essas quedas, levantaram-se, sacudiram a poeira e deram a volta por cima, conforme diz a letra daquele samba do Paulo Vanzolim. Os tíbios, porém... Sentiram o mundo desabar sobre suas cabeças!

O escritor francês, Guy de Maupassant, constatou, não sem razão: “Choram-se às vezes as ilusões com tanta mágoa, como se choram os mortos”. Quem se desiludiu com uma pessoa amada, a quem julgava o suprassumo da perfeição e um dia descobriu que ela não passava de fraude, de engodo e não era nada disso e que, ademais, não lhe correspondia e o traía a todo o momento, sabe o quanto isso é verdadeiro.

E daí? É motivo para abrir mão da vida e da busca da felicidade? Claro que não! Era uma ilusão? É evidente que sim! Só por isso, a atitude mais realista é não amar mais ninguém? Claro que não! A pessoa equilibrada forjará mais uma, duas, dez, mil ilusões a respeito se for preciso e, certamente, voltará a se desiludir o mesmo tanto. E daí? Assim é a vida! Mas que dói..., não há dúvidas.

Marguerite Duras foi ainda mais longe e assegurou (provavelmente, por experiência própria): “Há ilusões que se parecem com a luz do dia: quando acabam, tudo com elas desapareceu”. E daí? É motivo para se dar por vencido? Reagir dessa forma não é sintoma de extrema fraqueza? Afinal, a vida é feita de ganhos e perdas, concretos ou ilusórios, não importa. E você, caro leitor, o que acha disso?

Marcel Proust, em um dos volumes do seu “Em busca do tempo perdido” (não me lembro qual deles), afirmou o seguinte sobre as ilusões: “Teoricamente sabemos que a Terra gira, mas nós não percebemos: o solo que pisamos não parece mexer-se e vivemos tranqüilos; o mesmo acontece com o tempo de nossa vida”. E não é o que acontece? Não temos a sensação da fixidez do Planeta, quando, na verdade, ele gira com incrível velocidade? E não nos entregamos, não raro, a tarefas inúteis, a pretexto de “passar o tempo”, quando, em verdade, este não cessa de se escoar, segundo a segundo?

William Shakespeare escreveu, em uma de suas peças: "A vida do homem é uma trama tecida de bons e maus fios". Confiemos no lado positivo das pessoas (principalmente no nosso) e não nos omitamos jamais, mesmo que os objetivos que perseguirmos se mostrarem ilusórios. A cada desilusão, criemos nova ilusão, mais próxima da realidade, mas não nos omitamos da vida.

Não deixemos de dar a nossa constante e permanente contribuição positiva para mudar o panorama sombrio que aí está, mas que não é irreversível. Façamos do novo ano um dos melhores e mais vitoriosos anos de nossas vidas. Apostemos nessa ilusão, vale a pena. Nós queremos isso! Nós podemos e, portanto, temos plenas condições de transformar esse mero potencial em realidade.

Transformemos nossas esperanças em certezas, agindo com competência e responsabilidade. Façamos dos nossos sonhos obras consistentes e concretas. Não nos envergonhemos de acalentar radiosas utopias. Transformemos nossas ilusões em realidades. Com esforço, talento e competência, faremos do novo ano que está às portas um período de contínuo e ininterrupto sucesso, estou seguro, com a inspiração e a ajuda de Deus!.

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

Ano Novo!

* Por Aliene Coutinho

Espero ansiosa
Que ele chegue...
Sob fogos de artifício,
Ao som de bandas
Marciais,
Com roupas brancas
E rosas brancas...
A beira do mar,
Do lago,
Ao lado de amigos,
De quem se ama.
Que ele chegue
E seja selado com
Beijos ardentes,
Entre carinhos
E palavras sinceras.
Que me traga
Alegria ,
Esperança,
E a vontade de
Vê-lo
Sempre chegar!


* Jornalista, professora de Telejornalismo.
Passou

* Por Rubem Braga

O ano passou. Não sei se vós, leitor amigo, ou vós, distinta leitora, o passastes bem. Eu, como já passei muitos, os tenho passado de todo jeito, e ainda hoje esse segundo que vem depois da meia-noite me perturba.

Já passei ano só, em terra estranha, ou – o que é mais amargo – na minha; ou andando como um tonto na rua ou afundado num canto de bar ruidoso; ou tentando inutilmente telefonar; dormindo; com dor de dente. E quando digo de todo jeito estou dizendo também de jeito feliz, entre gente irmã ou nos braços de algum amor eterno – braços que depois dobraram a esquina do mês e da vida, e se foram, oh! provavelmente sem sequer a mais leve mágoa nos cotovelos, apenas indo para outros braços.

Passam os anos, passam os braços; mas fica sempre, quando a terra dá outra volta em si mesma, essa emoção confusa de um instante. Conheço pessoas que fogem a esse segundo de consciência cósmica, afetando indiferença, indo dormir cedo – como se não estivessem interessadas em saber se esta piorra velha deste planeta resolveu continuar girando ou não. É singular que entre tantas festas religiosas e cívicas nenhuma chegue a ser tão emocionante e perturbe tanto a humanidade como esta, que é a Festa do Tempo. É como se todos estivéssemos fazendo anos juntos; é o Aniversário da Terra.

Se a alma estremece diante do Destino, o espírito se confunde; reina uma tendência à filosofia barata; vejam como eu começo a escrever algumas palavras com maiúsculas, eu que levo o ano inteiro proseando em tom menor, e mesmo o nome de Deus só escrevo assim para não aborrecer os outros, ou para que eles não me aborreçam..

Já ao nome do diabo, não; a esse sempre dei, e dou, o 'd' pequeno, que outra coisa não merece a sua danação. A ele encomendamos o ano que passou - e a Deus, o Novo. Que vá com maiúscula também esse Novo; fica mais bonito, e levanta nosso moral.

E se entre meus leitores há alguma pessoa que na passagem do ano teve apenas um amargo encontro consigo mesmo, e viveu esse instante na solidão, na tristeza, na desesperança, no sofrimento, ou apenas no odioso tédio, que a esse alguém me seja permitido dizer: "Vinde. Vamos tocar janeiro, vamos por fevereiro e março e abril e maio, e tudo que vier; durante o ano a gente o esquece, e se esquece; é menos mal. E às vezes, ao dobrar uma semana ou quinzena, ás vezes dá uma aragem. Dá, sim; dá, e com sombra e água fresca. E quem vo-lo diz é quem já pegou muito sol nos desertos e muito mormaço nas charnecas da existência. Coragem, a Terra está rodando; vosso mal terá cura. E se não tiver, refleti que no fim todos passam e tudo passa; o fim é um grande sossego e um imenso perdão.


* Escritor, um dos melhores cronistas brasileiros de todos os tempos

Feliz Homem Novo!

* Por Raul Longo
Que não seja mais
um ano
de tudo de novo
do mesmo velho Homem.
Que esse Homem
solitário e mesquinho,
voltado a si mesmo,
se faça farto e pleno
e não abandone ninguém
no caminho,
a esmo.
Que seja o ano do
Homem Sol,
alimento.
Que não seja o ano
de tudo de novo.
Do mesmo preconceito,
da mesma prepotência.
Um ano sem a sempre ausência
que envergonha a espécie
a cada lamento de criança
com fome.
A cada mulher
à qual não se respeita
nem o nome
nem a essência.
Para que não seja
apenas mais um velho
ano novo.
Que seja, enfim e de fato,
o ano do Homem Novo
e do enquanto
da noite de hoje,
desponte o encanto
do Sol
da eternidade do amanhã.
Feliz Homem Novo!


* Poeta, jornalista e escritor