Desejável utopia.
A
Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada com pompa e
circunstância em reunião solene da Organização das Nações
Unidas, em 10 de dezembro de 1948, traz, em seu preâmbulo, o
seguinte: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e em direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir
uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Como
manifestação de intenção, é perfeita. Mas na hora de pôr em
prática esse magnífico texto... Temo que ainda se trate de letra
morta. E nada indica que venha a ter, um dia, a pretendida
praticidade e. sobretudo, universalidade.
Há
determinados temas que detesto abordar. Os direitos humanos é um
deles. Não porque não aprove esses princípios que, de tão
elementares, deveriam ser consensuais e prescindir de bombásticas
declarações. Muito pelo contrário. Não, também, por
desconhecimento de causa. Os direitos humanos são um princípio tão
óbvio, que o mais bronco dos broncos, o alienado dos alienados sabe
do que se trata. E testemunha, a cada momento, sua desavergonhada
violação.
Se
há um assunto sobre o qual não consigo escrever com serenidade e
equidistância, é este. Curiosamente, é um dos temas sobre os quais
mais escrevi. E sempre rilhando os dentes, nauseado e cheio de
revolta, não raro até com vergonha de fazer parte da espécie
humana. Pode parecer uma declaração dramática em excesso, mas quem
me conhece e convive comigo sabe que não é.
“Bem,
as coisas, nesse aspecto, melhoraram muito, em relação a apenas um
ou dois séculos atrás”, dirão os mais otimistas. Será? Então
não há mais nenhuma violação dos direitos fundamentais do homem?
Ninguém nasce, mundo afora, privado desde o berço da liberdade e
todos, rigorosamente todos são tratados com igualdade em termos de
dignidade e direitos? Ora, ora, ora.
Claro
que, oficialmente, a escravidão, que até meados do século XIX era
considerada “legítima” e “normal”, pelo menos oficialmente é
tida como delito grave e as leis preveem severas punições a quem
lança mão desse nojento expediente. Então não há mais escravos,
posto que de forma disfarçada? Todos, absolutamente todos os cerca
de 7,6 bilhões de seres humanos são livres, libérrimos e têm seus
direitos rigorosamente respeitados, desde que respeitem seu limite,
que está onde o direito do próximo começa? Ora, ora, ora, nem o
mais alienado dos alienados crê nessa balela.
Tempos
atrás, escrevi um pequeno ensaio sobre a “escola de ditadura” em
que somos “matriculados” desde o nascimento, condicionando-nos à
submissão alheia. Observei, em determinado trecho: “As primeiras
palavras que mentalizamos, na tenra infância, tão logo começamos a
engatinhar e a tomar contato ativo com o mundo, é no sentido de
restrição. ‘Não mexa nisso, não faça aquilo, não ponha isso
na boca’ e vai por aí afora. Claro que os que nos dizem essas
coisas (no caso nossos pais), agem no intuito de nos proteger. Mas é
a nossa primeira ‘lição de ditadura’. Muitas outras virão a
partir de então, ao longo de toda nossa vida. E as proibições vão
aumentando de grau e de intensidade à medida que crescemos. Passam a
ser uma constante no lar, na escola, no trabalho etc.”.
E
não é o que acontece? As coisas já foram piores. Éramos educados
não apenas mediante coação simbolizada por palavras, mas até não
muito, eram comuns, a qualquer pretexto, os castigos corporais. No
referido ensaio, também observei: “É um duro aprendizado para a
vida em comunidade, onde precisamos abrir mão de parcela
considerável de liberdade individual, em favor do grupo. Claro que
as restrições são incômodas, antipáticas e impopulares. O homem,
no entanto, somente é totalmente livre nos estritos limites da lei.
Afinal, nosso direito começa somente onde o dos outros termina”.
Deveria ser assim, mas não é.
Ditadores
cínicos e cruéis ainda abundam, mundo afora, e pintam e bordam e
cometem as piores atrocidades para se manterem no poder.
Desgraçadamente, esses pilantras brotam como ervas daninhas
justamente nos países mais pobres do Planeta, onde imperam a miséria
e a ignorância. Locupletam-se às custas da profunda carência da
população e, quando eventualmente são depostos, quase nunca
devolvem aos cofres públicos o que deles surrupiaram. Esse tipo de
tirania sempre existiu, mas não tomávamos conhecimento dele.
Contudo, como as comunicações via satélite reduziram o Planeta à
aldeia global apregoada por Marshall McLuhan, temos, em âmbito
ampliado, uma situação idêntica à da França de julho de 1789,
quando o princípio dos direitos humanos foi, pela primeira vez,
reconhecido. E isso em pleno século XXI do Terceiro Milênio da Era
Cristã. A fome, o desemprego, a falta de perspectivas de vida
atormentam severamente a dois terços da humanidade, enquanto o um
terço restante segue, estupidamente, incensando o “bezerro de
ouro”, crente que a capacidade de tolerância ao sofrimento dos
desvalidos seja infinita e inesgotável.
O nosso tempo, aliás, é o das grandes contradições. Nunca se falou tanto, por exemplo, em direitos humanos e jamais eles foram tão e cinicamente desrespeitados. Temos que agir, posto que ordeira e pacificamente, para modificar essa trágica realidade. Sei que se trata de mera utopia, mas que nos convém abraçar e tentar concretizar. Nós escritores, temos uma arma poderosa para isso: as ideias. Não podemos nos omitir, embora os resultados sejam duvidosos e, mesmo se vierem a ocorrer, tendem a ser a longuíssimo prazo. Porquanto (embora a afirmação, óbvia, já tenha se transformado em clichê), a omissão dos bons propicia a perversa atuação dos maus. Tenhamos isso sempre em mente!
É
dever dos cidadãos que vivem sob democracias estáveis (mesmo que só
na aparência) a cobrança de explicações sobre os desvios de
conduta de seus governantes no que diz respeito aos direitos humanos,
o que, convenhamos, raramente acontece. Não é somente no Terceiro
Mundo que as arbitrariedades ocorrem. É indispensável que essas
mazelas sejam exemplarmente punidas, ao amparo da lei, acima da qual
ninguém pode estar (e rigorosamente sob a sua égide) para que o
exemplo de respeito à vida e à dignidade humana frutifique e atinja
às comunidades mais atrasadas e carentes do Planeta.
Com
isso, haverá um parâmetro factível, que possibilitará contínua
evolução no campo do Direito em âmbito global. Se isso for feito,
certamente será lançada a semente, pelo menos uma, que conduzirá
toda a humanidade, a longo prazo (mesmo que isso venha a demorar um
milênio ou mais), a uma era de compreensão e de fraternidade, tendo
a justiça por corolário. Utopia? Certamente! Mas tão desejável,
que convém se empenhar ao máximo para torná-la, algum dia,
concreta.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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