quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)

LINHA DO TEMPO: Dez anos, cinco meses e três dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Gula fatal.

Coluna De Corpo e Alma – Mara Narciso, crônica, “’Para levantar a caboclada”.

Coluna Verde Vale – Urda Alice Klueger, crônica, “O menino que flutuava”.

Coluna Em Verso e Prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema, “Penumbra”.

Coluna Porta Aberta – Eduardo Carvalho, crônica, “O novo Jeca Tatu”.

Coluna Porta Aberta – Eliane Triska, poema, “Soneto do Encontro”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com 
“Aprendizagem pelo Avesso” Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.



  
Gula fatal



A natureza tem regras inflexíveis, gerais, válidas para absolutamente todos os seres vivos, que não podem ser burladas impunemente. Muitos até que tentam burlar. Contudo, quem se arrisca a passar por cima delas paga, invariavelmente, um preço, que não raro pode significar a perda prematura da vida. Nem tudo o que agrada os sentidos e nos dá prazer é saudável. Aliás, a maioria não é.

Lembro-me que um dos grandes sucessos de Roberto Carlos, nos anos 70, era uma canção cuja letra dizia, em determinado trecho: "...Porque tudo o que é bom é ilegal, imoral ou engorda" (talvez não seja literalmente isso o que escreveu o letrista, mas o sentido é esse). Pessoas de hábitos austeros, com alimentação frugal, dedicadas ao trabalho e ao raciocínio, parecem viver mais. Pareciam... Agora, já há prova concreta, baseada em estudos sérios e meticulosos, de que não se trata apenas de impressão, mas de certeza.

Estas considerações vêm a propósito de uma notícia, publicada pela imprensa, há já quase uma década, dando conta de que pesquisadores norte-americanos descobriram o tão desejado "elixir da longa vida". E o que isso tem a ver com as regras da natureza, ou com os hábitos alimentares (saudáveis ou não) das pessoas? Tem tudo!

Essa "fonte da juventude", que Ponce de Leon acreditava ter descoberto na Flórida, e que centenas de aventureiros procuraram em vão pelo mundo afora, não se situa em qualquer lugar remoto e perdido do Planeta, como muitos pensavam (e ainda podem pensar). Está em nosso organismo, no âmago das nossas células. Trata-se da proteína que os cientistas batizaram de "Sir2", responsável pela longevidade dos animais. E, por conseqüência, dos homens... É essa maravilhosa substância que impede a superutilização dos genes e, com isso, evita que as pontas dos cromossomas se desgastem, os preservando da degradação. Com isso, aumentam o tempo de vida dos que a possuem.

Até aí, tudo bem. Ocorre que essa mágica proteína só está presente no organismo das pessoas que se submetem a "regimes drásticos de alimentação". Em outras palavras, daqueles que, no dizer dos nossos avós, "comem para viver e não vivem para comer". Bem que se diz que não é apenas o peixe que "morre pela boca". E não é mesmo. Hoje, esses dois grupos (os que ingerem alimentos em quantidade muito maior do que a necessária e os que vegetam em permanente inanição) equivalem-se em quantidade. "E como sabemos disso?", perguntará o leitor céptico, que seja dado à prática da glutonaria.  Mediante a divulgação, pela imprensa, também quase uma década atrás, de uma outra pesquisa, intitulada "A Epidemia Global da Má Nutrição", levada a efeito pelo Instituto Worldwatch dos Estados Unidos.

Os autores deste estudo concluíram que o número de pessoas desnutridas no mundo (famintas, na verdade), que na época era de 1,2 bilhão de indivíduos, era, por incrível coincidência, o mesmo que o de obesos (os que comem em demasia e alimentos inadequados). Portanto, fica claro que mais de um terço da humanidade, não sabem (ou não podem) comer direito. A proporção entre os dois grupos permanece, hoje, praticamente a mesma.

O primeiro grupo paga um preço intolerável pela gula do segundo. E este, por sua vez, paga o inflexível preço, cobrado pela natureza, pelos excessos que comete. Tudo, provavelmente, ficaria bem se ambos partilhassem os seus extremos. Ou seja, se os gulosos comessem menos e se a parte que deixassem de comer fosse destinada aos que não têm recursos para comprar a comida de que precisam. Essa possibilidade, contudo, não passa de utopia.

Os "regimes drásticos de alimentação", responsáveis pela existência no organismo da proteína da longevidade, não significam, evidentemente, a privação de alimentos. Caso significassem, os mais pobres entre os pobres da Terra teriam vidas longas, no mínimo centenárias, e não morreriam precocemente de doenças de fácil combate, que ceifam multidões, nos chamados Quarto e Terceiro Mundo. Alimentar-se bem é, portanto, questão de "qualidade", não de "quantidade".

No Brasil, a Worldwatch detectou, naquela oportunidade, que 36% da população já estava no time dos "gordinhos", ou seja, naquele grupo de risco, que precisava fechar, urgentemente (pelo menos um pouco mais), a boca, se não quisesse morrer de forma repentina e prematura. É a justa punição da natureza para aqueles que participam do indecente e absurdo processo de exclusão, que nos faz duvidar da existência de uma genuína civilização no mundo, nesta segunda década do terceiro milênio. Na África, por outro lado, há 150 milhões de crianças desnutridas, com seu desenvolvimento físico e mental seriamente comprometido, sob o risco de morrerem de inanição ou das seqüelas da subnutrição! O consolo está na conclusão de que dois terços da humanidade (a maioria, portanto) alimentam-se de forma adequada e saudável, pelo menos por enquanto. Tomara que os extremos finalmente se toquem. E que a fome, esse flagelo filho do egoísmo e da injustiça social, seja, um dia, banida da face da Terra... É improvável, mas tomara que aconteça. A natureza faz a sua parte para promover esse equilíbrio.  Falta o homem...

Boa leitura!


O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Para levantar a caboclada


* Por Mara Narciso



O verbo “montesclareou” transformou as Festas de Agosto de Montes Claros. A cultura está a cada dia mais viva. Sem datas precisas, as manifestações culturais espontâneas, populares e religiosas não têm documento de fundação, assim como as palavras criadas podem não ter suas paternidades comprovadas. Houve um período em que as festas minguaram, mas ressurgiram e agora acontece o apogeu. Agarrados aos céus, os dançantes remanescentes superaram adversidades, não rejeitaram apoios, nem acréscimos, nem aculturamentos, também não se incomodaram com os teóricos, que, tomando atitudes opostas, explicam aos participantes quem são eles e como devem agir.

Nas manifestações dos caboclinhos, marujos e catopês, Maria do Socorro Pereira Domingos, de 38 anos é assediada e fotografada, porque é Chefe do Primeiro Terno de Caboclinhos do Divino Espírito Santo. Está no comando da caboclada, de viola em punho, subindo e descendo as ruas nos dias de festa desde a morte do pai, Joaquim Poló, há oito anos. Já participou dos festejos por diversas vezes grávida, mas agora é diferente, pois está em gestação adiantada de gêmeas. Saiu vestida de vermelho, a cor do terno, com um cocar vermelho, camiseta e uma ampla saia rodada, tocando e cantando, mas, por ordens médicas, não dançou. Vai completar oito filhos e segura um menino pequeno pela mão. Não liga para as câmeras, e, completamente à vontade, mas com poucos sorrisos, atende a todos. Devido ao seu estado interessante, procura sentar-se à sombra, tomar água, mas não para de orientar seus comandados. Seu marido, por timidez, não gosta de ser fotografado.

Quando o desfile começa, a cacicona Socorro sai à frente de uma das filas e a sua filha Suziane Pereira Domingos, de 18 anos, puxa o cordão do outro lado. Como a mãe, a moça toca viola, e sai no terno desde um ano de idade. Seguindo a tradição, também com o título de cacicona, tem poder no grupo, ensina e corrige. Seus conhecimentos musicais, a devoção e os rituais foram passados pela família. Os irmãos são Guilherme, que é violeiro, Gustavo, Sabrina e Sara. O terno tem também violão, cavaquinho, rebeca, e a Bandeira do Divino, que é vermelha. As crianças, vestidas com saiotes e cocares de penas coloridas, camiseta cor da pele, cantando e dançando, levam arco e flecha e seguem os músicos.

Joaquim Poló, pai de Socorro, era violeiro da Marujada e os Caboclinhos eram comandados por Luizinho. Após uma troca entre amigos, Poló ficou com o comando dos caboclos. Socorro foi a primeira menina a desfilar no grupo. Eram apenas meninos descalços e nus com tanga de penas de galinha e uma vez seu pai a colocou entre eles e desafiou Mestre Zanza a dizer qual era a sua filha. Ele titubeou. O pai não participou por um período, e ela ficou parada uns anos também. Muito doente, Poló quis que ela seguisse. Então, decidiu levantar a caboclada. Todos ajudaram, conseguiu força, lutou, gostou e vai continuar. De contra-mestre foi a mestre. “Os caboclinhos são os índios, que festejam na cidade, cantam, batem flecha, dançam a dança do cipó, cantam o cântico da morte, dobram o instrumento, trançam fita, elevam o mastro, fazem o jogo de porta-bandeiras e tudo vai seguindo pela tradição oral. Com o tempo, os meninos, envergonhados de usar saia de penas, foram saindo. Foi quando chamei as meninas”, diz a cacicona. E completa: “os caboclinhos são coisas do Divino Espírito Santo, que meu pai deixou pra mim”. Pessoas de fora são aceitas, mas precisam respeitar os rituais, ensaiar, ter compromisso, visitar as bandeiras e fazer orações.

Ser a única mulher mestre num universo masculino gera preconceito. Este vem de dentro e não de fora. Quando Socorro começou tinha vergonha, usava cabelo curto, disfarçava. Mas superou, e chegou a ter apenas mulheres nos caboclinhos. Depois os homens voltaram. Nos dias de desfile, o terno sai cedo, almoça depois das 15 h e só volta tarde da noite. O cansaço não atrapalha, pois celebrar Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espírito Santo é brincar no meio da fé, da luz, do ritmo e da devoção. O prazer dessas experiências não se define: vive-se!

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



O menino que flutuava


* Por Urda Alice Klueger


Era julho de 2006 e um pequeno menino tão lindinho quanto uma pintura de anjo flutuava como que no espaço, liberado que estava da força da gravidade. Ao seu redor havia uma mãe. Decerto que ela era ainda bastante jovem; decerto que o menino tinha traços de anjo porque se parecia com ela. Imagino como essa mãe estava desassossegada, assim cheia de ansiedades, mas sem saber direito quando aquele menino que flutuava irromperia de dentro dela para ocupar os seus braços.

No desassossego que a dominava, decerto que ela já passara a ferro o enxovalzinho recém lavado que fizera para aquela criança; decerto que não conseguia parar quieta. Ouvi dizer que todas as mães, um pouco antes de darem à luz, ficam ansiosas e expectantes. Na sua ansiedade o instinto lhe falava, e lhe dizia que logo teria nos braços um menino (ou uma menina?) que faria diferença no mundo. Coração de mãe não se engana, e o instinto lhe dava a certeza sobre o ser especial que abrigava. E ela também sabia o quanto aquela sua criança seria amada na vida. Ansiosa, desassossegada, ela esperava.

Alguma dor incerta, algum prenúncio de dor devia lhe dizer que o tempo de ter seu menino nos braços chegara. E, flutuante, o pequeno menino com traços de pintura de anjo também esperava. Já no outro dia estaria à mercê da força da gravidade; já no outro dia estaria sem aquele abrigo onde agora estava, mas teria arranjado outro: o dos braços da sua mãe.

Tudo ainda era confuso e indistinto para ele: um menino assim pequenino ainda não sabe decidir, programar, tomar decisões. Um menino ainda tão pequeno só sabe de si que é tempo de nascer e de aprender a respirar e a sobreviver - ainda é o instinto que o comanda. Mas, no mundo líquido onde flutua, seus macios cabelos, que também estão flutuando, já cobrem a semente do cérebro privilegiado que terá; no seu peito, que é delicado quase como o peito de um passarinho, um pequenino coração que muito pulsará pela humanidade já bate violentamente.

E, como todas as crianças do universo, no dia anterior ao seu nascimento, o instinto lhe diz que será muito amado. E ele terá a sorte de ser do grupo privilegiado, que terá amor, carinho, comida, mãos protetoras e amparo até tomar o rumo do seu caminho. Muitas e muitas outras crianças que nascerão no dia seguinte não terão a mesma sorte. Isto, acima, é o que era para ser, e foi escrito faz bastante tempo para um menino de verdade que nasceu de verdade e tornou-se grandioso de verdade, e faz gente muito feliz de verdade. Vamos ver agora o que aconteceu de verdade em julho de 2006, no Líbano, quiçá na Palestina:

Julho de 2006, e a loucura tomava conta do mundo, mas mesmo assim aquela mãe carregava dentro de si o tesouro que era aquele menino com frêmitos de esperança no Futuro dele. Ela vivia no Líbano, mas a mesma história poderia ter sido igual em diversos pontos do mundo. Sua terra estava sendo duramente castigada por mísseis invasores, mas sabe como é, sempre existe a Esperança - até que um dos mísseis derrubou a parede de sua casa e tirou-lhe, dentre tantas outras coisas, a vida.

Vizinhos e amigos sobreviventes acudiram-na, socorreram-na, mas ela já tinha morrido. Então era mister salvar o menino que ainda estava dentro dela, e todos se apressaram a fazê-lo. Alguém bateu a foto daquele salvamento, mas já era tarde. Estilhaços haviam entrado na sua barriga que abrigava o menino, e ele também estava morto, com profundo corte nas costas que nunca se agasalhariam nos braços da mãe que também já não existia, que nunca se encostaria numa carteira de escola, que nunca seria o Ser Especial do qual era promessa. Está aí acima a foto, ela diz tudo. O menino que flutuava agora está enterrado debaixo da terra. Por quanto tempo vamos ficar indiferentes?
Blumenau, 24 de Julho de 2006.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e quatro livros (o 24º lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).



Penumbra



* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral


Encontrei-a assim, na penumbra.
Alheia, quieta, imóvel.
Pouco se incomodou com minha
aproximação, não sou uma ameaça,
não sou um predador.
Gostaria de vê-la em nuances, respeitei
sua entrega, seu devaneio.
Retirei-me sem fazer comparações
não seria justo para mim
nem seria justa para ela...

 * Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário


O novo Jeca Tatu



* Por Eduardo Carvalho


Alguém precisa anunciar a existência de um novo Jeca. Visualmente diferente, e também com alguns hábitos adaptados à vida mais urbana, essa reencarnação do caboclo preguiçoso infesta agora as maiores cidades brasileiras. O Jeca Tatu hoje é um piraquara do Rio Pinheiros, vacinado, bem nutrido pelos melhores aperitivos, de bigode tingido, com meia dúzia de cursos de vinho no currículo e bônus no fim do ano para passear no shopping.

O Jeca Tatu antigo levava para a feira o que a “natureza derrama pelo mato”. O shopping hoje é o mato do novo Jeca Tatu. É onde ele se abastece de acordo com o seu primeiro princípio: desde o Jeca clássico, “seu grande cuidado é espremer todas as conseqüências da lei do menor esforço”. E nenhuma prática social mais civilizada, se não estiver alinhada com esta regra primordial, consegue ser absorvida pelos hábitos do Jeca Tatu, O Incivilizável.

Antes, o Jeca Tatu não tinha consciência do estado espiritual bruto em que desperdiçava a sua vida. O novo Jeca, porém, já familiarizado com algumas letras, provavelmente sabe que existe o risco de ser confundido com o antigo. E por isso ele se empeteca com pequenos sinais do progresso, como um carro alemão. É que o Jeca contemporâneo, porque vive no ar-condicionado, sob luz fluorescente, acha que consegue dessa forma escapar de ser Jeca. Só que conforto não educa. Apesar de materialmente mais civilizado, a jequecie resiste indomada no seu espírito e em quase todos os seus gestos.

A perspectiva jecocêntrica do mundo é inspirada na combinação da moleza com a malandragem. E nisso os dois Jecas são totalmente iguais. O Jeca clássico era esperto na venda de uma mula; o de hoje engana o comprador da moto que usa nos finais de semana. Ao contrário da previsão original, o Jeca Tatu na verdade se deixou, sim, penetrar pelo progresso. Mas não pela civilização. Ele tem cartão de crédito, acumula milhas e viaja de primeira classe; mas ainda não aprendeu como funciona a lógica de uma fila indiana.

O Jeca, antes e hoje, é incapaz de se comportar aceitavelmente. Inseguro para se apresentar dentro das regras, ele tenta fazer com que a sua vida funcione, eticamente, pelas beiradas do mundo civilizado. Mas essa suposta esperteza é também uma forma de se acocorar. O novo Jeca ainda é espiritualmente um vegetal, que “não fala, não canta, não ri, não ama. Só ele, no meio de tanta vida, não vive...”


* Escritor.
Soneto do Encontro

* Por Eliane Triska


Abafo no meu peito essa emoção
Encontro do Pai Nosso e Ave Maria
Escrevo de joelhos - Sim e Não
Nos passos regredidos à romaria.

Enquanto tu ao longe, eu suportava
Nos versos, rezas, lívida fraqueza
Agora que tu voltas a dor negava
Na dor que te esperava sobre a mesa.

Me negue! Diga: "Dor tu é passado!"
Queimado e escurecido no carvão
Do tronco que levou o supliciado.

Denegue! Réu confesso à bulimia
Que engole esse amor como um ladrão
E vomita toda a dor que ele sentia.

* Poetisa gaúcha residente em Canoas/RS


terça-feira, 30 de agosto de 2016

Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)

LINHA DO TEMPO: Dez anos, cinco meses e dois dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – O tempo está em nós.

Coluna À flor da pele – Evelyne Furtado, crônica, “Pronta?”.

Coluna Observações e Reminiscências – José Calvino de Andrade Lima, crônica, “Vândalos”.

Coluna Do real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire, conto, “Por milênios”.

Coluna Porta Aberta – Débora Vilela Petrin, poema, “Amor insano”.

Coluna Porta Aberta – Dinovaldo Gilioli, poema, “Cheio”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer” Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

 


O tempo está em nós


A infância ocupa em nossas lembranças (pelo menos nas da maioria das pessoas) um lugar especial. Ganha projeção, adquire destaque, permanece indelével, mesmo que tenha sido amarga, dolorosa, abandonada e frustrante. Ao que se deve esse comportamento? Possivelmente, à fraqueza da memória. Para preencher um vazio de lembranças, inventa-se uma fantasia qualquer e passa-se a acreditar nela. Todos com quem converso, com maior ou menor ênfase, falam desse período como de uma era dourada em que eram "felizes e não sabiam". Do que temos saudade, na verdade, não é de fatos e acontecimentos específicos dessa fase, mas de nós mesmos. Da inocência perdida, dos sonhos deixados para trás, dos ideais esfacelados pelo caminho. Rubem Braga, o guru de todos os cronistas, tem uma passagem reveladora a respeito.

Afirma, em determinado trecho da crônica "O sino de ouro", publicada no livro "A Borboleta Amarela": "...Cada um de nós quando criança tem dentro da alma seu sino de ouro que depois, por nossa culpa e miséria e pecado e corrupção, vai virando ferro e chumbo, vai virando pedra e terra e lama e podridão". É a isso que chamo de perda da inocência. Mas seria ruim essa transformação? Não seria mais seguro, prudente e racional pisar o solo da realidade, enfrentar cara-a-cara, de peito aberto, os perigos e as frustrações, correr atrás somente do que seja factível, desenvolver nosso potencial até seu real limite, sem extrapolar além das nossas possibilidades? Entendo que sim.

Particularmente, amo e valorizo toda a minha vida. Se fosse possível, gostaria de ser eterno, com todos os problemas que essa eternidade viesse eventualmente a trazer. Porém, tivesse que eleger determinada fase como a melhor, escolheria não a infância, mas a plena maturidade. Se não soube aproveitar determinadas oportunidades que apareceram nesse período, foi pela minha própria cegueira. Ademais, é preciso olhar sempre para a frente, mesmo sabendo que lá, em algum lugar do futuro (que pode ser o próximo segundo, quem sabe) está a nossa extinção. Mas pode estar, também, o sucesso, aquele êxito que perseguimos desde crianças e que, se obtido, nos tornará imortais no coração dos semelhantes. Pode estar o amor se ainda estiver ausente da nossa vida. Pode estar a felicidade identificável (pois na maioria das vezes somos felizes em determinados momentos ou períodos e não conseguimos nos dar conta disso).

Entre dar cordas à memória, em busca do que passou, e projetar um amanhã, que pode nem mesmo existir, prefiro, por uma questão de postura e formação, o segundo. O tempo é meu capital. Não posso desperdiçar nem um instante com lembranças inúteis. Quando não houver forma de fugir das recordações, que elas sejam usadas como matérias-primas de contos, crônicas ou poesias. Cyro dos Anjos escreve, no livro "Dois Romances": "Inútil tentativa de viajar o passado, penetrar no mundo que já morreu e que, ai de nós, se nos tornou interdito, desde que deixou de existir, como presente, e se arremessou para trás". Uso, sem dúvida, as experiências que adquiri. Mas para cumprir meu papel. Para deixar a obra a que me propus. Para evitar de repetir os mesmos erros que cometi. Para não tropeçar nos mesmos buracos e nem despencar nos mesmos abismos. Uso, sim, o que passou, principalmente a lembrança de quem já se foi, para fazer justiça com os que foram bons, gentis, amáveis e amigos, perpetuando alguns de seus atos e virtudes em textos.

André Maurois, em "Vozes da França", atribui essa aura de magia que conferimos à infância ao fato de nesse período não tomarmos ciência da real dimensão da maldade humana, por causa da proteção e abrigo que nossos pais nos garantem. Isto, contudo, podia ser verdade em seu país e em seu tempo e não no Brasil de 2016. Há meninos a dar com pau pelas ruas com dois, quatro, dez ou mais homicídios nas costas. Há  bandidos mirins muito mais escolados e experientes na arte de espoliar bens alheios do que assaltantes adultos, com várias penas cumpridas. Há crianças que são privadas da infância desde o nascimento, dada a fragilidade, a ignorância, a ingenuidade ou a irresponsabilidade de pais que não têm condições de cuidar sequer de si, quanto mais de pôr filhos no mundo. Será que elas vão encarar essa fase como "tempos mágicos"? Deixo para reflexão outra citação de Cyro dos Anjos: "Na verdade as coisas estão é no tempo e o tempo está é dentro de nós". Para não se extinguir comigo é que registro a sua passagem.



Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk 
Pronta?


* Por Evelyne Furtado


Nunca estou pronta. Toda hora constato que falta alguma coisa ou que tem algo sobrando em mim.

Às vezes saio de casa com a sensação que esqueci de por batom, que não trouxe o celular ou que estou sem dinheiro.

Nessas horas faço um check list para me tranqüilizar e muitas vezes constato que esqueci algo. Se der para voltar, ótimo. Caso contrário vou sem lenço, sem documento, ou sem os brincos.

Em outras ocasiões sinto que carrego peso demais. Bolsa abarrotada de quinquilharias, mala cheia de roupas que não usarei, lembranças volumosas ou excesso de expectativas. È o momento de retirar itens dispensáveis, embora tudo me pareça essencial.

Quando é o coração que pesa uma tonelada o trabalho para torná-lo suave é penoso. Haja oração, meditação, razão e lágrimas, enquanto busco novas conexões neuronais para suavizar a bagagem.

Na verdade creio que ninguém está pronto. Estamos continuamente nos adaptando ao presente e nos preparando para o próximo movimento da vida, para o qual, de forma a evitar ansiedades desnecessárias, usarei um pretinho básico, que pode até ser o vestido estampado, contanto que me deixe à vontade comigo mesmo.


* Poetisa e cronista de Natal/RN.
Vândalos



* Por José Calvino



Pela décima vez, a estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade é pichada.

Há oito anos (31/07/08),  houve um recital poético em homenagem ao centenário do poeta pernambucano Solano Trindade, que flagrou a fome no País e foi perseguido pelos seus versos. Foi lembrado no Pátio de São Pedro, próximo à sua estátua, com a presença de alguns poetas da Bahia, do Ceará, da Paraíba e do Rio de Janeiro.

Enfim, em minhas andanças pelo Recife constatei mais  vandalismo nas esculturas do Circuito da Poesia, no Centro do Recife. E o poeta que vos fala recitou “Os vândalos”:


Levaram a sineta
de Solano Trindade,
quebraram o cigarro
de Clarice Lispector,
o dedo de Carlos Pena Filho,
o nariz de Antonio Maria,
o sapato do pé esquerdo
de Mauro Mota,
as pontas do chapéu
de Luiz Gonzaga,
picharam o peito de Capiba,
João Cabral de Melo Neto
teve os olhos pichados de verde,
e cagaram nos livros de Ascenso!
Investindo contra as estátuas,
os vândalos estão contentes,
com o aval dos insensíveis.
Essa é a cara do Recife!

* Escritor, poeta e teatrólogo pernambucano.Vejam e sigam Fiteiro Cultural: Um blog cheio de observações e reminiscências – http://josecalvino.blogspot.com/
Por milênios


* Por Eduardo Oliveira Freire


Não conseguia se olhar no espelho e a cada século que passava, aumentava sua depressão. Tornou-se um predador terrível que atacava suas vítimas na calada da noite.

Porém, andando sozinho, resolveu caminhar pela madrugada cada vez iluminada e viu um monte de pessoas tirando selfies com seus celulares nos bares. Achou esta atitude interessante e resolveu comprar este "aparelho estranho".

Quando a mercadoria veio, descobriu seus mistérios e começou a se fotografar. Assustou-se a se ver e continuou a tirar selfies.

De repente, tornou-se mais humano.

* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/


Amor insano


* Por Débora Vilela Petrin


Parece que a minha alma,
Certas horas gruda em você
Como borracha e cola
Na combinação exata
De um amor insano.

Sem emendas paralelas,
Com tijolos e madeiras de pinho
Arma-se uma tenda urbana
Flores de jasmim reparam as arestas.

No perfume cítrico faz-se amor,
Diante da fumaça de velas
Na composição da sonata
Surgem flautas douradas.

O som se espalha nos corpos,
De alma espelhada
Em ritmo pacificador,
Blocos oxidáveis fecham os poros.

Toques rebeldes anseiam,
O cantar do bem-te-vi
Emergente do ébrio
Pousa seu hino aos amantes perturbados.

* Poetisa e escritora, natural de Piracicaba


Ilustração: André Serafim.

Cheio

* Por Dinovaldo Gilioli


tédio
cidade
CHEIA
de prédios

céu azul
borboleta Voa

Há gosto para todos
Há gosto para poucos
Agosto para cachorros loucos

* Poeta, tem 6 livros publicados, entre eles,“Cem Poemas” (Editora da UFSC).



segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)

LINHA DO TEMPO: Dez anos, cinco meses e um dia de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – É proibido....

Coluna Em Verso e Prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema, “Meu”.

Coluna Lira de Sete Cordas – Talis Andrade, poema, “A estudante”.

Coluna Direto do Arquivo – Cristiane de Sá, poema, “Neste dia ela chorou”.

Coluna Porta Aberta – Carmo Vasconcelos, poema, “Vendaval!”.

Coluna Porta Aberta – Cacá Mendes, artigo, “Passaporte para o mundo de Osasco”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer” – Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso” Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.