Você sabia?
* Por Urda Alice Klueger
Que
línguas falamos na América? A gente começa respondendo: português
e espanhol. Mas aí se lembra que nos EUA se fala inglês, e que
metade do Canadá fala francês. E que pelo Caribe e nas Guianas se
falam línguas como o holandês e outras, como o papiamento, em Aruba
e Curaçau, interessantíssima língua inventada pelos escravos
daquelas ilhas, no passado. Parece um monte de línguas, não? Mas
estamos nos esquecendo do quíchua e do aimará, primeiras línguas
de parte dos povos andinos – como segunda língua, eles costumam
aprender o espanhol, que é usado no dia a dia. Nem vamos falar de
todas as outras inúmeras línguas de outros inúmeros grupos
indígenas por esta América afora, como o Xokleng, quase aqui no
quintal de casa. Vamos logo aonde quero chegar: ao Guarani.
Acabo de voltar do Paraguai, e lá, milagrosamente, a língua guarani sobreviveu em toda a sua glória, e é a língua do dia-a-dia das gentes daquele país. Quando voltei, meu amigo Viegas, um intelectual, me perguntou:
-
E daí, e daí? Tu viste alguém falando mesmo guarani lá no
Paraguai?
Respondi-lhe
que lá todos falavam guarani como primeira língua e o tempo quase
todo, excetuando-se, claro, os menonitas do Chaco, sobre os quais já
falei na semana passada.
-
Mas tu viste mesmo? Quantas pessoas? – o meu amigo Viegas não
estava entendendo muito bem.
-
Viegas, TODOS falam guarani. Lá na casa do Aldo (família de classe
média-alta, onde me hospedara em Assunción – o Aldo é médico
aqui em Blumenau), todos falam guarani o tempo todo. Passavam a falar
espanhol quando eu chegava, por educação.
Tenho
a leve impressão que Viegas achava que a coisa era mais a nível da
gente pobre.
-
Mas tu tens certeza? Há um país aqui na América falando guarani?
-
Tem, Viegas. É coisa milagrosa, mas tem! De alguma forma, aquele
povo tão forte (e sobre o qual vivemos fazendo gozações) salvou
aquela antiga língua americana!
E
contei-lhe mais, da menina que vira na rodoviária de Assunción
entretidíssima a ler um livro infantil em guarani, sentada sobre
uma mala. Devia ter uns 8 anos. Na ocasião, eu acabara de fazer
amizade com 3 moças brasiguaias (brasileiros que estão devastando
todo um estado paraguaio, ao norte, acabando com a floresta e a
terra), e estava de papo com as brasiguaias (em português, é
claro), e chamei a atenção delas para a menina lendo o livro em
guarani. Elas se espantaram:
-
Nós também sabemos ler em guarani. Nossa primeira língua foi o
português, mas depois aprendemos o guarani na escola.
Meu
amigo Viegas quedou-se um pouco incrédulo, tipo assim como se
precisasse de umas horas para absorver uma coisa assim tão
desconhecida e tão próxima de nós.
E
então lhes digo que até aprendi duas palavras em guarani, e copiei
algumas saudações. Uma das palavras é água, que se escreve “y”,
mas quero ver alguém daqui conseguir aquela pronúncia musical com
que se diz água. Estão rindo de mim, não é? A outra é Ipacaray,
e os mais velhos haverão de se lembrar da música “Recuerdos de
Ipacaray”, e Ipacaray é um lago, que vi um pouco ao longe, mas
lindo e azul, e a palavra quer dizer: “água que tem fim”. Foi
pouco para duas semanas por lá, não foi? Mas o que não aprendi eu
copiei, e hoje deixo para vocês umas das lindas saudações
copiadas:
“Roipota
iporãba opamb’e nderegucrã!”
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e cinco livros (o 25º lançado em maio de
2018), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições),
“No tempo das tangerinas” (12 edições) e “No tempo da Magia”.
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