Reconhecimento e glória
Os
homens de pensamento e, sobretudo, os de ação, procuram um mínimo
de reconhecimento pelo que pensam, fazem e são. Não vejo nada de
errado nisso. Pelo contrário... Esse é o “pagamento” mínimo
que se deve (e se pode) exigir pela “excelência”. A tendência
natural na vida em sociedade é a de, se não glorificar, pelo menos
conferir renome aos violentos, maldosos, homicidas e perversos. Não
sei a que atribuir o fenômeno, que me parece (e de fato é)
distorção comportamental, mas é o que ocorre em todos os grupos
humanos e de todos os tempos. Este, no entanto, não é bem o assunto
que lhes trago, hoje, para reflexão. Acompanhem meu raciocínio, que
quase nunca é reto, mas que oscila como um ébrio que tente se
equilibrar, pendendo ora para um lado, ora para outro...
Há
pessoas que não buscam, como qualquer indivíduo normal, o mero
reconhecimento pelo que fazem, pensam ou são. Extrapolam. São
obcecadas por glória. Sonham em ser aclamadas por multidões. Fazem
qualquer coisa por esse objetivo. Algumas de suas atitudes descambam
para o ridículo. O que lhes importa é serem louvadas, por um número
máximo de pessoas, por todos os meios possíveis e imagináveis: nas
redes sociais, na imprensa, em praça pública, por onde transitam
etc.etc.etc. Conheço inúmeros indivíduos com essa obsessão. E
todos, invariavelmente, terminam a vida frustrados.
A
glória raramente se sustenta (se é que tem alguma
sustentabilidade). Via de regra é sucedida pelo esquecimento, pelo
ostracismo, por um “banimento”, voluntário ou involuntário, da
memória dos que o “glorificaram”. Este é seu lado amargo e
frustrante. É preferível jamais conquistar notoriedade do que
obtê-la e deixá-la se perder nas brumas do esquecimento. Pelo menos
é o que acho. Os consultórios dos psiquiatras estão repletos de
pessoas que passaram por essa experiência e que nunca conseguiram se
recuperar. Do cume da vaidade excessiva despencaram no abismo da
perda completa do amor próprio. Foram de um extremo a outro, via de
regra sem escalas.
Milan
Kundera define, no livro “A Imortalidade”, no que consiste essa
armadilha na qual entramos muitas vezes sem pensar e raramente
conseguimos sair e muito menos incólumes: “A glória significa que
um determinado número de pessoas o conhecem sem que você as
conheça; eles acham que, no que concerne à sua pessoa tudo é
permitido, querem saber tudo sobre você, comportam-se como se você
fosse propriedade deles. Atores, cantores, políticos sentem uma
espécie de volúpia oferecendo-se dessa maneira aos outros”.
Como
se vê, antes e acima de tudo, a glória traz inúmeros
inconvenientes e desvantagens a quem se julga “abençoado” por
ela, mas que na verdade encara uma maldição. Sua vida torna-se
pública à sua revelia e a privacidade vai de cara para as cucuias.
Quem se vê glorificado, por exemplo, tem que agir com rigorosa
correção e não pode cometer nenhum deslize, o mínimo dos
“pecadinhos” tão comuns, cometidos impunemente pelos anônimos.
Se tiver uma amante... será um Deus nos acuda. O planeta inteiro
tomará ciência. Caso tenha algum vício, este será escancarado. E
vai por aí afora. Não terá liberdade para sequer pensar. Seus
pensamentos mais secretos serão policiados e devassados sob potentes
“raios-x”.
Elias
Canetti escreveu o seguinte sobre os obcecados pela glória: “A
massa do maníaco da glória é formada por sombras, ou seja, por
criaturas que não têm outra razão de viver senão a de pronunciar
um nome muito determinado (...) O rico coleciona montes e rebanhos
(...) O detentor do poder coleciona homens (...) O famoso coleciona
coros. Destes, quer escutar apenas o seu nome”. Existem pessoas
assim? Existem. E não são poucas.
Claro
que tudo o que escrevi se refere ao indivíduo exagerado, ao que vive
em função de conseguir e tentar conservar a glória. Há quem saiba
administrá-la e que não sente baque psicológico algum quando esta
é sucedida pelo esquecimento. E caso sinta, pelo menos sabe
disfarçar esse sentimento. Há muitos, até, que fogem dela e fazem
todos os esforços imagináveis para serem esquecidos. Estes sentem,
somente, alívio, quando as multidões que os glorificaram finalmente
os deixam em paz.
Milan
Kundera lembra, no livro que citei acima: “A glória não pertence
só às pessoas célebres. Cada pessoa conhece ao menos uma vez sua
pequena glória e ao menos por um momento sente o mesmo que Greta
Garbo, Nixon ou um tigre esfolado”. Pois é, este cronista também
já teve sua “glorícola”, quando era radialista e vivia
assediado por um bando de fãs. A primeira reação, quando deixou de
sê-lo, foi de surpresa. A segunda, de decepção. Mas a terceira e
definitiva foi de alívio. Como é bom não ter ninguém nos nossos
calcanhares!
A
“glória” que agora procuro – que foi caracterizada com
rigorosa propriedade pelo filósofo norte-americano Ralph Waldo
Emerson – é a da amizade. Tornei-me, há bom tempo, “colecionador
de amigos”. Raras são as perdas dessa minha “coleção”,
embora as poucas que ocorrem sejam sumamente dolorosas e frustrantes.
Com o tempo, contudo, vou aprendendo, mais e mais, a conservá-las,
enquanto me empenho, simultaneamente, para ampliá-las, em quantidade
e qualidade. Nesse aspecto, sou avaro: nunca me contento com pouco.
Sinto-me
privilegiado pela quantidade e qualidade das amizades com que fui
abençoado ao longo da vida. A cada novo amigo que vem se juntar aos
tantos de longa data, sinto que a minha criatividade aflora e que a
minha produção se multiplica. E isso tem sua lógica, já que a
matéria-prima da atividade que exerço – tanto como jornalista,
quanto como escritor – são os sentimentos, as ideias e as emoções.
Em busca de explicação para isso, encontrei, casualmente, esta
reflexão de Ralph Waldo Emerson, em um de seus ensaios, à qual já
me referi: “A glória da amizade não é a mão estendida, nem o
sorriso carinhoso, nem mesmo a delícia da companhia. É a inspiração
espiritual que vem quando você descobre que alguém acredita e
confia em você”.
Não
existe sensação melhor, creia-me, do que esta! Isto não tem preço!
Muitos acreditam e confiam em mim. Não sei se frequentadores deste
espaço (temo que não), mas em outros tantos sítios em que divulgo
minhas produções. Claro que a mão estendida, o sorriso carinhoso
e a delícia da companhia são importantes! Mas não há nada que se
compare à crença e à confiança que alguém do seu convívio
deposita em você. Essa é a verdadeira glória que procuro e da qual
nunca abrirei mão: a amizade. As outras? Estou fora!!! Prezo demais
minha privacidade para tornar a entrar nesta armadilha, que tanto já
conheço. Reconhecimento sim, este será sempre bem-vindo. Glória?
Jamais! E você, caro leitor, aposta no quê?
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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