quinta-feira, 19 de julho de 2018

Editorial - Reconhecimento e glória


Reconhecimento e glória


Os homens de pensamento e, sobretudo, os de ação, procuram um mínimo de reconhecimento pelo que pensam, fazem e são. Não vejo nada de errado nisso. Pelo contrário... Esse é o “pagamento” mínimo que se deve (e se pode) exigir pela “excelência”. A tendência natural na vida em sociedade é a de, se não glorificar, pelo menos conferir renome aos violentos, maldosos, homicidas e perversos. Não sei a que atribuir o fenômeno, que me parece (e de fato é) distorção comportamental, mas é o que ocorre em todos os grupos humanos e de todos os tempos. Este, no entanto, não é bem o assunto que lhes trago, hoje, para reflexão. Acompanhem meu raciocínio, que quase nunca é reto, mas que oscila como um ébrio que tente se equilibrar, pendendo ora para um lado, ora para outro...

Há pessoas que não buscam, como qualquer indivíduo normal, o mero reconhecimento pelo que fazem, pensam ou são. Extrapolam. São obcecadas por glória. Sonham em ser aclamadas por multidões. Fazem qualquer coisa por esse objetivo. Algumas de suas atitudes descambam para o ridículo. O que lhes importa é serem louvadas, por um número máximo de pessoas, por todos os meios possíveis e imagináveis: nas redes sociais, na imprensa, em praça pública, por onde transitam etc.etc.etc. Conheço inúmeros indivíduos com essa obsessão. E todos, invariavelmente, terminam a vida frustrados.

A glória raramente se sustenta (se é que tem alguma sustentabilidade). Via de regra é sucedida pelo esquecimento, pelo ostracismo, por um “banimento”, voluntário ou involuntário, da memória dos que o “glorificaram”. Este é seu lado amargo e frustrante. É preferível jamais conquistar notoriedade do que obtê-la e deixá-la se perder nas brumas do esquecimento. Pelo menos é o que acho. Os consultórios dos psiquiatras estão repletos de pessoas que passaram por essa experiência e que nunca conseguiram se recuperar. Do cume da vaidade excessiva despencaram no abismo da perda completa do amor próprio. Foram de um extremo a outro, via de regra sem escalas.

Milan Kundera define, no livro “A Imortalidade”, no que consiste essa armadilha na qual entramos muitas vezes sem pensar e raramente conseguimos sair e muito menos incólumes: “A glória significa que um determinado número de pessoas o conhecem sem que você as conheça; eles acham que, no que concerne à sua pessoa tudo é permitido, querem saber tudo sobre você, comportam-se como se você fosse propriedade deles. Atores, cantores, políticos sentem uma espécie de volúpia oferecendo-se dessa maneira aos outros”.

Como se vê, antes e acima de tudo, a glória traz inúmeros inconvenientes e desvantagens a quem se julga “abençoado” por ela, mas que na verdade encara uma maldição. Sua vida torna-se pública à sua revelia e a privacidade vai de cara para as cucuias. Quem se vê glorificado, por exemplo, tem que agir com rigorosa correção e não pode cometer nenhum deslize, o mínimo dos “pecadinhos” tão comuns, cometidos impunemente pelos anônimos. Se tiver uma amante... será um Deus nos acuda. O planeta inteiro tomará ciência. Caso tenha algum vício, este será escancarado. E vai por aí afora. Não terá liberdade para sequer pensar. Seus pensamentos mais secretos serão policiados e devassados sob potentes “raios-x”.

Elias Canetti escreveu o seguinte sobre os obcecados pela glória: “A massa do maníaco da glória é formada por sombras, ou seja, por criaturas que não têm outra razão de viver senão a de pronunciar um nome muito determinado (...) O rico coleciona montes e rebanhos (...) O detentor do poder coleciona homens (...) O famoso coleciona coros. Destes, quer escutar apenas o seu nome”. Existem pessoas assim? Existem. E não são poucas.

Claro que tudo o que escrevi se refere ao indivíduo exagerado, ao que vive em função de conseguir e tentar conservar a glória. Há quem saiba administrá-la e que não sente baque psicológico algum quando esta é sucedida pelo esquecimento. E caso sinta, pelo menos sabe disfarçar esse sentimento. Há muitos, até, que fogem dela e fazem todos os esforços imagináveis para serem esquecidos. Estes sentem, somente, alívio, quando as multidões que os glorificaram finalmente os deixam em paz.

Milan Kundera lembra, no livro que citei acima: “A glória não pertence só às pessoas célebres. Cada pessoa conhece ao menos uma vez sua pequena glória e ao menos por um momento sente o mesmo que Greta Garbo, Nixon ou um tigre esfolado”. Pois é, este cronista também já teve sua “glorícola”, quando era radialista e vivia assediado por um bando de fãs. A primeira reação, quando deixou de sê-lo, foi de surpresa. A segunda, de decepção. Mas a terceira e definitiva foi de alívio. Como é bom não ter ninguém nos nossos calcanhares!

A “glória” que agora procuro – que foi caracterizada com rigorosa propriedade pelo filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson – é a da amizade. Tornei-me, há bom tempo, “colecionador de amigos”. Raras são as perdas dessa minha “coleção”, embora as poucas que ocorrem sejam sumamente dolorosas e frustrantes. Com o tempo, contudo, vou aprendendo, mais e mais, a conservá-las, enquanto me empenho, simultaneamente, para ampliá-las, em quantidade e qualidade. Nesse aspecto, sou avaro: nunca me contento com pouco.

Sinto-me privilegiado pela quantidade e qualidade das amizades com que fui abençoado ao longo da vida. A cada novo amigo que vem se juntar aos tantos de longa data, sinto que a minha criatividade aflora e que a minha produção se multiplica. E isso tem sua lógica, já que a matéria-prima da atividade que exerço – tanto como jornalista, quanto como escritor – são os sentimentos, as ideias e as emoções. Em busca de explicação para isso, encontrei, casualmente, esta reflexão de Ralph Waldo Emerson, em um de seus ensaios, à qual já me referi: “A glória da amizade não é a mão estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo a delícia da companhia. É a inspiração espiritual que vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você”.

Não existe sensação melhor, creia-me, do que esta! Isto não tem preço! Muitos acreditam e confiam em mim. Não sei se frequentadores deste espaço (temo que não), mas em outros tantos sítios em que divulgo minhas produções. Claro que a mão estendida, o sorriso carinhoso e a delícia da companhia são importantes! Mas não há nada que se compare à crença e à confiança que alguém do seu convívio deposita em você. Essa é a verdadeira glória que procuro e da qual nunca abrirei mão: a amizade. As outras? Estou fora!!! Prezo demais minha privacidade para tornar a entrar nesta armadilha, que tanto já conheço. Reconhecimento sim, este será sempre bem-vindo. Glória? Jamais! E você, caro leitor, aposta no quê?


Boa leitura!

O Editor.


Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk

Nenhum comentário:

Postar um comentário