quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Mais vida para viver um grande amor


* Por Mara Narciso


Fui salva pelo pediatra Dr. José Estevam Barbosa. Num instante veio do seu consultório até minha casa com uma maleta. De lá tirou uma ampola de cálcio, injetando-o em minha veia e me devolvendo a vida. Uma infecção intestinal me adoeceu, desidratei-me e desenvolvi uma súbita hipocalcemia com tetania e morte iminente. Endureci toda, virei os olhos, e a minha mãe, enquanto esperava pelo médico, colocou uma vela acesa em minha mão. Eu tinha 10 anos. Salvei-me para viver grandes amores: viver paixões, me formar, me casar, ser mãe. E muitas coisas mais.

É tão comum convivermos com pessoas que tiveram um grave problema de saúde e superaram, que nem pensamos nisso. Já fiz contas nesse sentido. Meu pai, tetraplégico, estava acamado há cinco anos, devido a cinco AVC seguidos por cirurgias no crânio. Ele ficou em situação de morte por 13 vezes e retornou. Ainda que, vivendo em permanente sofrimento, foi dessa maneira que pude me aproximar dele e lhe dar afeto.

Num grupo de pessoas de meia idade, perguntem-lhes quantos deles estariam ali caso a medicina fosse primitiva? Boa parte pode ter sido salva por tratamentos que as curaram, que lhes permitiram viver de forma plena ou quase. É tão normal salvar-se que estranhamos quando a medicina apenas estanca a doença, ou a permite avançar devagar. E o que dizer das infecções que ainda matam? Custamos a acreditar que pneumonia ou infecção urinária pode acabar com uma vida. Sem contar as superbactérias, especialmente a aterrorizante KPC – Klebsiela pneumoniae carbapenemase, que foram criadas nos antibióticos, e viraram monstros quase incontroláveis, que vencem pessoas com imunidade enfraquecida.

Há mesas de bar, em que, se forem juntados os stents cardíacos dos componentes, se computariam uma pequena fortuna. Pena que, em vez de estarem bebendo pouco, comendo sem gordura, evitando cigarro e caminhando, fazem o oposto, e afirmam que se for para viver sem comer feijoada aos sábados, melhor morrer. Ah, esses homens, refiro-me aos teimosos, que nos dão alegria e preocupação, por sua mania de fugir dos médicos. Entre suas frases ouvem-se: detesto médicos; médicos não sabem de nada; quem procura acha; não “faço” toque retal, prefiro preservar minha dignidade; não confio nos remédios, eles me fazem mal.

Há médicos que têm prazer em dar más notícias. Eu mesma já me encontrei com alguns deles, ainda que neguem. Achar palavras na dose certa para falar a verdade, é arte. Adoçar irrita quem ouve, dar voltas gera desconfiança, minimizar a gravidade não convém, alarmar o paciente traz sofrimento extra. Há técnicas para se darem diagnósticos e prognósticos ruins, no entanto, para quem não as detêm, contar de maneira clara e suave é consenso. É tão bom ser tratado por médico interessado e humano.

Antigamente, quando não havia cura para muitas doenças, e, espante-se, no caso de infarto, a pessoa ia para casa “descansar”, em caso de câncer, não se dizia o diagnóstico, pois pouco podia ser feito. Exceção: Darcy Ribeiro teve câncer de pulmão em 1974, foi operado na França e viveu mais 24 anos, morrendo de metástases de um câncer de próstata, aos 74 anos. O preconceito era tamanho, que, estando exilado, foi-lhe permitido retornar de imediato ao Brasil.

Há pessoas que notam algo errado e nada fazem. Não entendo a lógica de se fingir que nada acontece. É melhor não saber, não tratar e morrer a mingua? Dr. Paulo de Tarso Salermo Del Menezzi, mastologista, sobre mulheres que não querem descobrir o que têm, falou que “quem procura acha, quem acha se trata e quem se trata vive melhor”. Vários concordarão com ele. Então, quem recebe uma nova oportunidade, que faça valer a vida que tem em sua frente. Que viva da melhor forma, ainda que, em alguns casos, com limitações. Trata-se para viver, e não para se lamentar. Afinal, tudo pode acontecer, inclusive nada. Então, que tal buscar uma boa razão para viver?

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


Paz e amor


* Por Urda Alice Klueger



(Para Eduardo Venera dos Santos Filho e para todas as centenas de milhares das vítimas da Colômbia, fora os desplazados)


Assinaram a paz da Colômbia ontem, meu amor! Como um sonho, como um presente inesperado do destino, de repente ligo a televisão e, de branco, usando guayaberas, todos estavam reunidos para assinar a paz, bem quando teu pequeno retrato de quando tinhas 25 anos me olhava candidamente, um retrato quase desconhecido, de um rapaz usando brilhantina, assim como não te conheci. Quando apareceste em minha vida a brilhantina já se fora e teus leves cabelos de luz se sacudiam e voavam ao vento de forma tão arrebatadora que ainda me sinto voando neles! Não sabíamos, naquela altura, que havia uma Colômbia em guerra – tão pouco sabíamos da vida além do amor!

Então ontem assinaram a paz da Colômbia, lá em Havana, bem naquele lugar onde eu estivera faz três semanas, junto aos irmãos que apostaram tudo, inclusive a vida, para que houvesse paz um dia. E eu perguntava a um dos companheiros sobre o que ele achava, e ele me dizia que os Estados Unidos precisavam acabar com a guerra de forma barata, pois já havia apostado todos os milhões de dólares possíveis no assassino Uribe, que se limitou a assassinar indiscriminadamente na tentativa de pôr fim à guerra, sem obter nenhum resultado. Insistia com o companheiro: “Mas há na História algum caso semelhante, em que o perdão imperou para se terminar uma guerra assim?” – e o companheiro me falava da Guerra Civil Espanhola e não me convencia, pois tanto quanto conheço, ninguém perdoou ninguém, ainda, na Guerra Civil Espanhola.

Mas ontem, assinaram a paz, e eu estava tomada de tal alegria, de tal euforia por aquele país onde, quando se estuda sua História, fica-se pasmo que ainda tenha sobrado alguém vivo, aquela Colômbia que sangrou abundantemente e absurdamente nos últimos 66 anos, que tinha que dividir aquela alegria com alguém! Quis o destino que a primeira pessoa com quem pude repartir minha alegria fosse uma das pequenas libélulas lá do Passado, coisas que não se explicam.

E depois que terminou a cerimônia eu fiquei olhando para aquele teu retrato com brilhantina e pensando num dia em que chegaste até mim com os braços abertos de alegria anunciando a tão esperada nova:

- Acabou a guerra do Vietnã! – e me prendeste no refúgio junto ao teu peito, onde eu nada temia. Nas semanas e meses seguintes soubemos que a guerra do Vietnã ainda não havia terminado de verdade.

Então fiquei pensando naqueles tempos de 1973 e nos seis meses para ajustes que foram acordados ontem na assinatura da paz na Colômbia.

Céus, é muita coisa para acabar de verdade com uma assinatura lá na paradisíaca Havana. Como, agora, desmobilizar os paramilitares, só para começar? Eles estão armados, e muito bem armados – o que vai acontecer ainda até que a sofrida gente da Colômbia possa ter a sua paz?

Quiçá tudo corra como se sonha!!!

Blumenau, 24 de Setembro de 2014.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).


Pequenez


* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral


Reduzo-me á pequenez
de seres que se desenrolam
aleatoriamente á minha
vontade.
Seres que imersos em seu
determinismo alcançam a
felicidade que jamais terei.
Seres minúsculos aos olhos
do homem que ousa esmagar
diariamente um quê de
essência divina.

 * Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário


Dilúvio


* Por Eduardo Pragmácio Filho


Eu renunciaria meus versos
se encontrasse uma praia mansa,
onde pudesse armar uma rede
para deitar meu pranto.

E, nesse dia,
beijaria teu corpo
inteiro,
ansioso,
sob o dilúvio moreno da pele,
sob as preces brancas de outrora.

(Do livro “Oblívio da ilusão”, Editora Imprece – Impressora do Ceará – Edições Poetária – Fortaleza/CE).


* Poeta de Fortaleza/CE




Padaria


* Por Luís Augusto Cassas


minha namorada
é mais bela que um brioche
mais elegante que um croissant
e mais transcendental
que pão quente com manteiga

às vezes endurece
como pão italiano
mas mantém a pose consistente
de uma bisnaga recém-fornada

mas eu a desejo
com a gulodice do meu amor
idêntico à calda de chocolate
derramando-se quente
sobre a massa folhada

(Do livro “A mulher que matou Ana Paula Usher”, Imago Editora – Rio de Janeiro).


* Poeta de São Luís/MA

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 9 anos, cinco meses e vinte e oito dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Quem será o sucessor de Patrick Modiano?

Coluna À flor da pele – Evelyne Furtado, crônica, “Pequeno texto sobre o perdão”.

Coluna Observações e Reminiscências – José Calvino de Andrade Lima, crônica, “Casa Amarela”.

Coluna Do real ao Surreal – Eduardo Oliveira Freire, crônica, “’O Caçador de Pipas”.

Coluna Porta Aberta – Glória Salles, poema, “Nos meus sonhos”.

Coluna Porta Aberta – Ana Deliberador, conto, “O despacho”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso” Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Quem será o sucessor de Patrick Modiano?


Os primeiros dias de outubro, há já 113 anos – desde 1901 – é um período de grande expectativa no mundo literário. É a época anual em que se conhece um novo ganhador do Prêmio Nobel de Literatura. Por coincidência, o primeiro e o último consagraram dois escritores franceses. A primeira conquista dessa polêmica, mas cobiçadíssima, premiação, em 1901, foi do poeta Sully Prudhomme (cujo nome verdadeiro era René Armand François Prudhomme). O último a ser premiado, em 2014, foi o romancista Patrick Modiano, cujos livros lançados ultimamente no Brasil tive o privilégio de ler e de comentar.

O Prêmio Nobel de Literatura é dos mais criticados, mundo afora. Eu mesmo (para usar uma linguagem característica de torcedor de futebol) sou dos que mais têm “cornetado” as decisões da Academia Sueca, responsável por escolher os ganhadores. As críticas (minhas e de tantos outros), ressalte-se, são mais (posto que não exclusivamente) pelos que nunca foram premiados, posto que com reconhecidos méritos literários, do que sobre os que ganharam o prêmio. Neste último caso, as contestações envolvem, quando muito, 10% ou até menos dos escolhidos. Convenhamos, a escolha é complicadíssima e duvido que algum dia seja consensual e minimamente justa, por sua própria abrangência. Ou seja, envolvendo escritores supostamente do mundo todo e não apenas de parte dele.

Raciocinemos. Há, no planeta Terra, 246 países de fato, embora nem todos reconhecidos pela comunidade internacional. Destes, apenas 192 contam com assento na Organização das Nações Unidas. Estranhamente, a Fifa, entidade que rege o futebol mundial, tem 20 membros a mais do que a ONU. Admitam ou não, todos esses países (no caso os 246), têm sua cultura. Contam com artistas de todas as artes, entre as quais a Literatura. Ou seja, têm, também, seus escritores, conhecidos, contudo (salvo uma ou outra exceção) somente em âmbito interno. A probabilidade é que muitos deles (quem sabe, a maioria) sejam excelentes. Mas quantos deles têm a mais remota possibilidade de sequer serem cogitados para o Prêmio Nobel? Óbvio, um percentual ínfimo, virtualmente próximo de zero.

Para haver, posto que remotíssima, justiça, os “candidatos” teriam que ser (e muito por baixo) pelo menos qualquer coisa em torno de um milhão. Todavia, como julgar livros de tanta gente? Claro que não há como! Justo ou injusto, a Academia Sueca adota um critério que torna pelo menos viável certo julgamento (que, ademais, depende quase que exclusivamente do gosto dos julgadores). Em setembro de cada ano, a entidade envia centenas de cartas a pessoas e instituições qualificadas para que indiquem candidatos ao prêmio. Fica, porém, a pergunta: será que algum leitor, ou crítico literário ou qualquer organização que lide com Literatura de Tonga, da República Malgaxe, de Kosovo ou de Timor Leste, por exemplo, recebem esses convites? Afinal ali há leitores. E, por conseqüência, há escritores. Mas... A resposta é óbvia e dispensa qualquer comprovação. É um sonoro e enfático NÃO!!!!

E olhem que, os que podem indicar candidatos, são os mais diversos. São os membros da Academia Sueca e de outras organizações similares, professores de literatura e linguística de universidades, antigos vencedores e presidentes de sociedades de autores em seus países. Mas de quantos estamos falando? Certamente que não dos 246 que existem. E nem dos 192 que integram a ONU. São, quando muito, de uns 50, se tanto. E não creio que o número chegue a tanto. Sabem quantos estão habilitados, cumprindo todas as regras de candidatura da Academia Sueca, neste ano, para se tornarem sucessores de Patrick Modiano? Não ascendem a centenas de milhar, nem a dezenas de milhar e nem mesmo a um milhar. Eram, até maio passado, 198. Isso mesmo, menos de 200!!! Nesse mês de cada ano, porém, conforme o regulamento prevê, é feita rigorosa triagem. E o número de postulantes é reduzido a apenas CINCO. Cinco entre 7,2 bilhões de habitantes. Quem são eles? É um segredo de Estado. Só se pode especular a respeito.

Especulações a propósito, aliás, abundam, embora raramente alguém acerte, com base não nos cinco indicados finais, mas nos 198 originalmente inscritos. Nas casas de apostas européias – sobretudo nas inglesas onde se aposta sobre praticamente tudo – apostadores contumazes fazem sua “fezinha”. Uma vez ou outra, alguém acerta e fica rico caso o premiado seja o que apostadores brasileiros costumam chamar de “zebra”. Até, provavelmente, a próxima semana, ou no início da seguinte, portanto, ficará no ar a pergunta que poucos (ou que ninguém) conseguirão acertar. Quem será o sucessor de Patrick Modiano? Sim, quem será?

Boa leitura.


O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk       
Pequeno texto sobre o perdão



* Por Evelyne Furtado



"O perdão é uma necessidade absoluta para a continuidade da existência humana”. A frase do Bispo da Igreja Anglicana sul-africana, Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz,  nos oferece a importância do perdão para a boa convivência entre os seres humanos.

A citação, acima, está inserida no sentido macro do ato de perdoar. O Bispo Tutu preocupa-se com toda humanidade partindo de sua experiência antiapartheid, demonstrando, assim, a largueza do seu gesto, uma vez que ele próprio nasceu negro em um país que praticou a segregação racial até bem pouco tempo.

As religiões judaico-cristãs pregam o perdão e uma das atitudes mais significativa nesse sentido foi o perdão do Papa João Paulo II àquele que tentou assassiná-lo. Um ato de amor e grandeza espiritual.

Da visão macro à minha visão. Em mim os ódios não frutificam. As raivas, sim. E as exponho. Já guardei umas mágoas, que me fizeram muito mal. Porém sempre busquei a libertação desses sentimentos. Não por ser superior ao outro. Mas pela minha própria paz de espírito.

Fui muitas vezes magoada e, por certo, também magoei. A impressão que tenho é que a minha dor é maior; de que eu não merecia aquele tratamento, pois sou uma pessoa conciliadora e afável. Ainda assim, eu busco o perdão.

Se quem me feriu, foi por mim amado, é questão do tempo o perdão. Refiro-me às relações mais próximas, aquelas entre familiares, amigos e  amores.

Eu trabalho esse perdão e procuro alforriar a mágoa em meu peito. Na maioria das vezes consigo, ainda que nem sempre seja fácil.

O perdão é o amor em exercício. O amor no sentido maior. Quando eu perdôo, estou praticando o amor, embora esse ato não signifique passar uma esponja no que ocorreu. Não trato aqui do perdão Divino, portanto, algumas vezes, não conseguimos conviver da mesma forma com quem nos feriu.

Nesse campo das emoções humanas, uma das formas mais difíceis do ato de perdoar é a prática do autoperdão. Para que eu me perdoe, preciso aceitar que errei. Assumir minha falha e entender que é essa falibilidade que me faz humana.

Se feri, conscientemente, ou não, peço perdão. Reconheço meus limites e espero. Reflito que talvez seja mais difícil pedir para ser perdoado, pois o orgulho fala mais alto, todavia, não custa exercitar e começar aceitando o erro para em seguida se dirigir ao outro, em um ato de humildade.

Quanto ao auto-perdão, que é diferente da indulgência, pratico-o todos os dias quando me reconheço menor que Deus e sinto que a misericórdia Dele é maior do que tudo que conheço.

Não almejo o púlpito ou a santidade. Estou longe de ser santa. Trato apenas da experiência de vida e de uma leitura um pouco mais ampla da difícil arte de viver. Já tomo os meus venenos diários, portanto, dispenso o rancor e me liberto através do perdão.

Ah, é importante dizer que não sou Madre Tereza, nem Irmã Paula, portanto, não batam muitas vezes. Não oferecerei a outra face muitas vezes.

* Poetisa e cronista de Natal/RN

Casa Amarela


* Por José Calvino


No passado,  Casa Amarela era considerada o bairro mais populoso do Recife, mas, lembro-me bem como a minha Casa Amarela era tranquila e animada! Com a reestruturação política, em 1988, o saudoso bairro perdeu toda sua área de morros..., exceto o Alto de Santa Isabel, acredito ser por  sua padroeira (vide (1)* “Casa Amarela”- III estrofe), enquanto os demais foram elevados à categoria de bairros. Sobretudo, destaco o Morro da Conceição e Alto José do Pinho, que sempre eclodiram em efervescência cultural. São movimentos independentes, verdadeiras riquezas culturais, com a participação de alguns de seus habitantes. Sem apoio dos órgãos competentes aos eventos locais, como consta nas crônicas, livros (livretes), CD’s, etc. Este ano (2015) surge agora um projeto da Prefeitura do Recife em parceria com a Fundação Gilberto Freyre, que contempla a Zona Norte no mapa turístico do Recife, previsto para acontecer até dezembro. Mas até agora isto não saiu do papel. E, sem pessimismo, ao meu ver estão querendo é aparecer, pois a realidade deve ser dita face a qualquer propaganda enganosa. É o meu papel de escritor e de cronista social, defendendo a liberdade de opinião, pois estamos cansados de tantas promessas dos governos municipal, estadual e federal.

Enfim, termino esta crônica com a música Casa Amarela:

Casa Amarela

 I

Recife cidade linda
De uma natureza infinda
Do nordeste do meu Brasil
Tens um subúrbio afastado
Por Deus belo abençoado
Com tantas belezas mil:

II

Casa Amarela, ô,
Casa Amarela
Terra das morenas belas
Onde nasceu a minha ilusão

Casa Amarela
Não é por ser onde moro
É o lugar que eu adoro
Com todo o meu coração.

III

Tem na subida da ladeira
Uma santa padroeira
A virgem Santa Isabel  (1)*
Onde o sambista apaixonado
Faz seu samba ritmado
A saudação a Noel.

Onde o sambista ritmado,/ com seu pinho acompanhado,/ faz sua oração fiel.(de minha autoria anos 60).

Nota - Casa Amarela - I estrofe de minha autoria, acrescentado anos 60. Outras estrofes eram de domínio público (anos 50), em Casa Amarela p. 112 do livro: “Miscelânea Recife”, ed. 2001.

*Escritor, poeta e teatrólogo pernambucano.



O Caçador de Pipas

 

* Por Eduardo Oliveira Freire



Acabei de ler O Caçador de Pipas. O livro é linear e bem amarrado na sua estrutura. Lembrei-me que quando fiz, em 2004, uma oficina de criação literária, a professora ensinou que toda história tem um começo, meio e fim. Nos primeiros capítulos os problemas do personagem são mostrados, no decorrer da história ele tenta resolvê-los e no último capítulo a conclusão, consegue solucioná-los.

O livro é bastante descritivo, produzindo imagens líricas e ao mesmo tempo impactantes. Consegue ser emocionante, sem clichês demasiados. Gostei mais dos primeiros capítulos e do último.  No meio do enredo, o autor quase escorrega no melodrama, contudo, consegue sair da armadilha. Ultimamente, gosto de ler histórias que os personagens são meramente humanos, podem ir aos extremos: do bem ao do mal. O Caçador de Pipas narra a história de uma pessoa que toda vida não enfrentou os seus problemas e precisa se redimir dos erros do passado. Aborda temas universais como intolerância, preconceito, amizade, amor e redenção. "Esta é uma daquelas histórias inesquecíveis, que permanecem na nossa memória por anos a fio. Por muito tempo, tudo o que eu li me pareceu sem graça. Todos os grandes temas da literatura e da vida são o material com que é tecido esse romance extraordinário: amor, honra, culpa, medo, redenção". - Isabel Allende. Não sei a razão, ao acabar de ler o livro, pensei no Morro dos Ventos Uivantes (Emily Brontë). Li ambos em dias chuvosos e frios e me emocionaram bastante por causa da força das duas histórias.

O Caçador de Pipas é um best-seller. Foi lançado em 2003 nos EUA e vendeu dois milhões de cópias. Concordo que o livro é bom, mas será que não há outros elementos que o ajudaram a ser este grande sucesso? A história tem como pano de fundo os conflitos étnicos do Afeganistão, a invasão da Rússia e o regime do Talibã, considerado terrível por violar os direitos humanos. Será que a situação atual não contribuiu para esse sucesso, entre outras coisas, uma divulgação ostensiva da mídia e a dos agentes literários? O escritor nasceu no Afeganistão e mora há muitos anos nos Estados Unidos. Falou dos preconceitos étnicos na sua terra, da invasão violenta da União Soviética, todavia, não comentou do incentivo financeiro que os EUA fizeram para o Bin Laden (líder da Al Qaeda) lutar contra os soviéticos.

Não quero ser um Recalcado Aspirante a Escritor. É incontestável que o autor (KHALED HOUSSEINI) mostra talento. Cada um tem o seu ponto de vista, ninguém pode ter uma visão totalizante de tudo. Gostaria de pegar emprestado, um pouco, o seu dom da escrita e de contar uma boa história. Tenho uma pontinha de inveja, mas nada muito patológico.


Para quem ainda não leu o livro, vale a pena.

* Eduardo Oliveira Freire é formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, está cursando Pós Graduação em Jornalismo Cultural na Estácio de Sá e é aspirante a escritor



Nos meus sonhos


* Por Glória Salles


Dentro dos meus sonhos perspicazes, pueris
Tua presença cálida e benfazeja faz morada
Imaginar-te em mim, me alimenta, faz feliz
Empresta a limpidez da esperança alicerçada.

Singrando o coração nestas águas plácidas
Vai meu sonho navegando por tua calmaria
E o afã de outra vez, em palavras tácitas...
Qual fonte, inundar vida em tuas fantasias.

No sonho, que traz teu coração perto do meu
Quero pra sempre te encontrar e me perder.
Então me farto, e no teu fogo quero arder...

O que de melhor existe em mim, ainda é teu
Por isso insisto nesta saudade que perdura.
E te chamo, pra ser presença que me cura.


* Poetisa
O despacho


* Por Ana Deliberador


Zelinha era uma mulher muito inteligente – brilhante mesmo – mas com um sério problema: era de uma desorganização financeira de dar dó. Vivia em desespero por falta de dinheiro.

E aquela era uma dessas ocasiões em que tudo dava errado. Andava com uma “urucubaca”  danada. Desesperada resolveu dar uma última cartada: procurou um pai de santo num terreiro de umbanda. De lá saiu com a promessa de que a situação iria ser resolvida. Bastava trazer um urubu pra ele fazer o trabalho.

Muito reservadamente, conversou com um soldado que lhe tinha muito apreço  e,  muito sem graça, fez-lhe o estranho pedido.

– Tudo o que a senhora me  pede é uma ordem, doutora! respondeu o homem, e foi em busca da ave, muito abundante lá pelos lados do matadouro.

Dia seguinte, lá veio ele com um saco com algo dentro que se mexia, desesperadamente.

- O prisioneiro ta aqui, doutora! – disse o soldado, feliz pela missão cumprida.

Zelinha voltou, então ao terreiro e escreveu, em uma folha branca, tudo o que lhe afligia.

O pai de santo amarrou o papel no pé do urubu, levou o assustado animal até a porta e o soltou, dizendo:

– Todos os seus problemas acabaram. Voaram junto com esse urubu!

Zelinha voltou para casa feliz, esperançosa. Jantou e dormiu bem, como há muito tempo não fazia. Acordou com o mesmo ânimo, tomou banho, se arrumou e foi para o trabalho.

E…nada!

Tudo continuava tal qual antes!

* Professora, pintora e escritora


segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 9 anos, cinco meses e vinte e sete dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Para não se perder no bairro.

Coluna Em Verso e Prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema, “Único”.

Coluna Lira de Sete Cordas – Talis Andrade, poema, “Aboio de Ascenso”

Coluna Pássaros da mesma gaiola – Daniel Santos, poema, “Quase ave”.

Coluna Porta Aberta – Raul Fitipaldi, poema, “Minha Primavera”.

Coluna Porta Aberta – Ademir Antonio Bacca, poema, “Do teu cheiro”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso” Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer” – Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Para não se perder no bairro


Quase nada. Como uma picada de inseto que parece bem fraca no começo. Ao menos é o que você se diz, em voz baixa, para se tranquilizar. O telefone tocou por volta das quatro horas da tarde na casa de Jean Daragane, no quarto que ele chamava de ‘escritório’. Tinha adormecido no sofá do fundo, para se proteger do sol. E aquela campainha, cujo som ele perdera o costume de ouvir havia muito tempo, soava ininterruptamente.

Por que tanta insistência? Talvez tivessem esquecido de desligar o fone do outro lado da linha. Por fim, resolveu se levantar e se dirigiu ao canto do quarto onde ficavam as janelas e o sol batia muito forte.
– Queria falar com o senhor Jean Daragane.

Uma voz suave e ameaçadora. Foi a primeira sensação que teve.
– Senhor Daragane? Está me ouvindo?
Daragane quis desligar. Mas por que fazê-lo? A campainha certamente voltaria a tocar, sem parar. A não ser que cortasse de vez o fio do telefone...”

É dessa forma que Patrick Modiano inicia seu mais recente romance, “Para você não se perder no bairro”, publicado em 2014, pouco tempo antes de ser surpreendido com a notícia de que havia sido contemplado com o Prêmio Nobel de Literatura. O novo livro foi lançado, há poucas semanas, no Brasil, com exclusividade, pela Editora Rocco. Como a maioria das publicações desse escritor, esta, também, é pequena em número de páginas (pouco mais do que 120), porém “enorme” em conteúdo. Trata, basicamente, do empenho de um homem (no caso um escritor) em busca da própria identidade. O “gatilho” dessa empreitada é o esquecimento e a tentativa de lembrar o esquecido (no caso, uma pessoa) e em que circunstâncias o personagem central o conheceu. Reflitamos...

Machado de Assis escreveu, em certa ocasião, que “esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito”. Martha Medeiros observou sobre o mesmo assunto: “Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da nossa cabecinha, que, aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto”. Já lhe ocorreu, paciente leitor, de você encontrar entre suas anotações, na sua caderneta de recados (hoje em dia, eletrônica) nome, endereço e telefone de alguma pessoa da qual não se lembre de absolutamente nada? Que você a conheceu, mesmo que incidentalmente, não há dúvidas. Afinal, tem alguns de seus dados anotados. Mas quem é? Onde a encontrou? Com que finalidade anotou seu nome, endereço e telefone? Não se lembra, não é mesmo? Comigo isso já aconteceu várias vezes, e olhem que tenho fama de ter boa memória.

Esquecemos dessas pessoas porque não queríamos esquecê-las. Agora tente esquecer alguém com quem você teve convivência íntima – uma amada, por exemplo, cujo relacionamento não deu certo, ou um amigo ou parente querido, com os quais se desentendeu. Duvido que consiga. Ninguém consegue. Quanto mais tentar esquecer esse alguém, mais se lembrará dele (no caso da amada, dela).   É mais ou menos essa a trama do instigante “Para você não se perder no bairro”. Pode ser um roteiro para “não nos perdermos na vida”. Para melhor entendimento, é indispensável ler o livro ou, no mínimo, sua sinopse, caso ela seja bem escrita. Como não tenho o hábito de resumir enredos de nenhuma obra literária, recorro ao que foi postado no site da própria Editora Rocco (cujo autor não consegui identificar), que diz:

“O protagonista é Jean Daragane, um escritor veterano cuja rotina solitária é alterada abruptamente, quando acontecimentos recentes o levam a recordar seus tempos de menino. O livro começa de maneira impactante. Às quatro horas da tarde de um dia comum – nas tramas de Modiano, os destinos dos personagens podem mudar a qualquer momento – toca o telefone na casa de Daragane. Uma voz “suave e ameaçadora” diz que encontrou uma caderneta de endereços e telefones, e a quer devolver pessoalmente. Mesmo contra sua vontade, o escritor aceita o encontro num café de Paris.

O desconhecido se identifica como o jornalista free-lancer Gilles Ottolini. Está acompanhado de uma jovem, Chantal Grippay, vestida de preto, que logo provoca em Daragane uma emoção inquieta que ele não sabe explicar de onde vem. Ottolini explica então seu interesse na caderneta: nela está anotado o nome de um homem, Guy Torstel, que ele investiga, e cuja história estaria ligada a um assassinato na época do pós-guerra na França.

O número do telefone de Torstel está anotado com sua letra, mas o escritor não sabe de quem se trata. Para complicar a situação, é o mesmo nome de um personagem secundário que aparece no primeiro livro de Daragane, publicado muitos anos antes e intitulado ‘No escuro do verão’. É a senha para se estabelecer um jogo metaliterário no qual o passado e o presente se cruzam, o real e o imaginário se fundem.

A partir desse encontro inusitado, o relato se transforma quase numa investigação detetivesca. O autor se apropria dos melhores recursos do suspense, e mesmo da literatura e do “film noir”, para estabelecer um clima de angústia existencial. O que parecia enterrado volta em forma de mistério a ser decifrado em um túnel do tempo que ecoa o período do colaboracionismo e da ocupação da França pelos nazistas durante a Segunda Guerra”.

Fascinante, não é mesmo? Fascinante e sumamente instigante. Após a leitura dos sete, de oito livros (o oitavo é destinado à faixa infanto-juvenil) de Patrick Modiano publicados no Brasil – que, como prometi, bem ou mal eu comentei – não saberia, caso precisasse fazê-lo, apontar qual deles mais me impressionou. Fiquei impressionado rigorosamente com todos, cada qual por razão específica. Suponho que o próprio escritor, caso indagado sobre qual de suas obras mais lhe agradaram, responderia, talvez sem pestanejar: “A próxima. A que ainda não escrevi”. Eu, no seu lugar, certamente me sentiria assim...

Boa leitura.

O Editor.

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