sábado, 30 de novembro de 2013

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 7 anos e oito meses existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Quando o Estado se vinga..

Coluna Direto do Arquivo – Edmundo Pacheco, poema, “Anjo”

Coluna Clássicos – Machado de Assis, crônica, “O nascimento da crônica”.

Coluna Porta Aberta – Urda Alice Klueger, crônica “O Gueto de Gaza”.

Coluna Porta Aberta – Clóvis Campêlo, crônica, “A dor de uma saudade”.

Coluna Porta Aberta – Rodrigo Capella, crônica “Viver para contar”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com “Aprendizagem pelo Avesso” Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
 “Cronos e Narciso” Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk.As portas sempre estarão abertas para a sua participação.





Quando o Estado se vinga
  
A pena de morte é um dos temas mais polêmicos, e que despertam mais paixões, em todo o mundo quando vem à baila, tanto em conversas informais, quanto em conferências, debates, artigos de jornais etc.etc.etc. E a controvérsia se dá não apenas entre juristas, sociólogos e outros intelectuais, mas, sobretudo, entre pessoas do povo. Há uma infinidade de livros ora defendendo, ora condenando essa prática. Entendo, pois, que seja assunto pertinente a ser tratado em um espaço dedicado à Literatura. Alguns defendem, irados, esse tipo de punição, argumentando que determinados delinqüentes são irrecuperáveis e nada têm a oferecer à sociedade. De fato há quem nunca se recupere e que não traga benefício algum para ninguém. Mas... Outros, porém, opõem-se, tenazmente, à medida, classificando-a de “vingança oficializada”. E no fundo, no fundo é, de fato, isso.

Sempre que ocorre algum crime, com requintes de crueldade e grande repercussão na mídia, como, para citar apenas o primeiro exemplo que me vem à memória, o cometido alguns meses atrás, por um jovem, na cidade de São Paulo, no qual um garotinho boliviano de seis anos de idade, que aniversariava na ocasião, foi fria e estupidamente morto, com um tiro na cabeça, apenas porque, assustado, não parava de chorar, sem que tivesse a mais remota chance de defesa, o assunto sobre a pena de morte vem à baila. Pronunciamentos passionais, então, são feitos, e em profusão, defendendo a medida, mesmo por pessoas esclarecidas e ponderadas.

Desde tempos imemoriais, essa prática vem sendo adotada para punir os que suprimem vidas a quaisquer pretextos. E as execuções são feitas das mais variadas maneiras, indo do apedrejamento, do linchamento e da forca – as formas mais comuns adotadas em passado ainda recente – aos pelotões de fuzilamento, câmaras de gás, cadeiras elétricas e injeções letais, nos últimos tempos. Houve época em que execuções se constituíam em acontecimentos sociais, em uma espécie de mórbida diversão. Reuniam milhares de pessoas em praças públicas, onde eram realizadas e a maioria aceitava, como a coisa mais natural do mundo, a supressão de vidas dos condenados.

Num determinado estágio da civilização, cabia aos parentes das vítimas de assassinato punirem os criminosos. Eram as propaladas “dívidas de sangue”, que tinham, necessariamente, que ser resgatadas. Coitado, por exemplo, do primogênito que deixasse de vingar a morte do pai! Ou do irmão que não vingasse a morte de irmão! Quem se negasse a pagar esse cruel débito macabro, ou por ser avesso à violência, ou por reconhecer justiça na execução do parente (quando este a merecia), era segregado do convívio social. Passava por humilhações inomináveis e era rotulado de covarde, pecha que carregava pelo resto da vida. E tal designação era considerada a maior das ofensas que se poderia fazer a alguém.

Essas dívidas de sangue deram causa a históricas guerras entre famílias, intermináveis, algumas com até mais de um século de duração. Uma das mais célebres, nos Estados Unidos, por exemplo, foi a que opôs os Martins e os McCoys. E, na cidade pernambucana de Exu, duas famílias mantiveram disputa desse tipo por gerações, sustentando longa e inconciliável inimizade, que fez dezenas de vítimas, dos dois lados.

A pena de morte nada mais é do que o Estado assumindo a dívida de sangue. Não passa, portanto, de vingança da sociedade contra infratores. Ou seja, aquele que condena o homicídio (no caso o Estado, na figura de um preposto, o juiz), comete o mesmo delito que proíbe aos outros. Isso, no mínimo, é aberrante contradição! Um erro jamais justifica outro, seja quem for que o cometa ou qual seja a razão. Morte é morte, tanto faz se praticada mediante tocaia por algum malfeitor, com o objetivo de roubar ou estuprar a vítima, ou se causada por gás cianureto, por injeção de produto químico letal ou por tiro de fuzil de algum carrasco a serviço do Estado.

Aliás, o extermínio autorizado e patrocinado pela sociedade, do ponto de vista moral, é pior do que o dos homicidas tradicionais que, certos ou errados, têm lá (ou pelo menos acreditam ter) seus motivos. Já o executor de uma sentença de morte não tem o mínimo interesse pessoal no condenado, ao qual sequer conhece. Mata fria, impiedosa e mecanicamente um ser humano, como se estivesse matando um animal qualquer. Ademais, não foi um e nem foram apenas dois os erros judiciais cometidos por tribunais, atribuindo culpas a pessoas absolutamente inocentes, em todos os tempos e lugares. Essas aberrações jurídicas somam-se aos milhares, quiçá aos milhões e penalizam, quase que somente os pobres, os humildes, os iletrados que não têm como pagar bons advogados.

Muitos desses erros – embora não tantos como gostaríamos – são reparados a tempo, mas somente quando a pena imposta ao injustiçado é a da privação da liberdade. Em raros casos, os condenados à morte livram-se da execução, pela descoberta, localização e captura dos verdadeiros culpados. Mas esta não é, e nunca foi, a regra, senão uma exceção. Mesmo no caso de prisões indevidas, a reparação nunca é completa. Que dinheiro paga uma reputação manchada, as humilhações e os sofrimentos de quem é encarcerado sem dever? E quando o réu é condenado à morte, executado e depois se descobre que era inocente? Como reparar essa monstruosidade? Como devolver a vida ao executado indevidamente? Quem deve ser responsabilizado por tamanho erro judiciário? O juiz? O promotor? As testemunhas? O advogado? O júri? A polícia? O Estado?

Se for este último, a quem cabe a responsabilidade? Ao presidente da República? Ao governador? Ao Supremo? Todos, certamente, vão saber encontrar subterfúgios e o erro vai passar batido. Quantos, por exemplo, dos mais de um mil executados no ano passado, em 40 países onde vigora a pena de morte, não eram inocentes? Ninguém sabe! E quais são os responsáveis por esses erros? Quem os punirá? Como? Ficam as incômodas perguntas no ar... E fica o básico preceito bíblico, um dos Dez Mandamentos: não matarás! E em hipótese alguma, acrescente-se! Que se achem, pois, outras punições, que não a da “vingança do Estado”, para punir os monstros sanguinários e cruéis que, comprovadamente, as mereçam.

Boa leitura.

O Editor

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk.

Anjo

* Por Edmundo Pacheco

(Homenagem ao mestre Augusto dos Anjos)


Numa tenebrosa noite de tempestade
Bateu-me à porta um anjo-poeta
Dizendo sentir saudade
Desta prisão perpétua

Tinha o rosto marcado pela atrocidade
Dos vermes, que lhe roeram a paixão secreta
De viver, neste antro de maldade,
Viver, na solidão mais completa.

Contive o pavor, o medo, o susto!
Na figura esquálida, se decompondo
Mal reconheci o augusto

Fazia frio, não atendi ao hediondo,
E ele, amaldiçoou-me a viver compondo
Nesta imperfeita confusão neuronial:

- Tua sina será a angústia suprema,
Contorcendo-se em dores, hás de sangrar poemas,
Como um insano e venéreo animal...

*Jornalista


O nascimento da crônica

* Por Machado de Assis

Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a crônica.

Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do que as crônicas, que apenas datam de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes mesmo de Noé, houve calor e crônicas. No paraíso é provável, é certo que o calor era mediano, e não é prova do contrário o fato de Adão andar nu. Adão andava nu por duas razões, uma capital e outra provincial. A primeira é que não havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a segunda é que, ainda havendo-os, Adão andava baldo ao naipe. Digo que esta razão é provincial, porque as nossas províncias estão nas circunstâncias do primeiro homem.

Quando a fatal curiosidade de Eva fez-lhes perder o paraíso, cessou, com essa degradação, a vantagem de uma temperatura igual e agradável. Nasceu o calor e o inverno; vieram as neves, os tufões, as secas, todo o cortejo de males, distribuídos pelos doze meses do ano.

Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopando que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica.

Que eu, sabedor ou conjeturador de tão alta prosápia, queira repetir o meio de que lançaram mãos as duas avós do cronista, é realmente cometer uma trivialidade; e contUdo, leitor, seria difícil falar desta quinzena sem dar à canícula o lugar de honra que lhe compete. Seria; mas eu dispensarei esse meio quase tão velho como o mundo, para somente dizer que a verdade mais incontestável que achei debaixo do sol é que ninguém se deve queixar, porque cada pessoa é sempre mais feliz do que outra.

Não afirmo sem prova.

Fui há dias a um cemitério, a um enterro, logo de manhã, num dia ardente como todos os diabos e suas respectivas habitações. Em volta de mim ouvia o estribilho geral: que calor! Que sol! É de rachar passarinho! É de fazer um homem doido!

Íamos em carros! Apeamo-nos à porta do cemitério e caminhamos um longo pedaço. O sol das onze horas batia de chapa em todos nós; mas sem tirarmos os chapéus, abríamos os de sol e seguíamos a suar até o lugar onde devia verificar-se o enterramento. Naquele lugar esbarramos com seis ou oito homens ocupados em abrir covas: estavam de cabeça descoberta, a erguer e fazer cair a enxada. Nós enterramos o morto, voltamos nos carros, c dar às nossas casas ou repartições. E eles? Lá os achamos, lá os deixamos, ao sol, de cabeça descoberta, a trabalhar com a enxada. Se o sol nos fazia mal, que não faria àqueles pobres-diabos, durante todas as horas quentes do dia?

O texto acima foi publicado no livro "Crônicas Escolhidas”, Editora Ática – São Paulo, 1994, pág. 13, e extraído do livro "As Cem Melhores Crônicas Brasileiras", Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2007, pág. 27, organização e introdução de Joaquim Ferreira dos Santos.


* Um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, fundador da Academia Brasileira de Letras
O gueto de Gaza

* Por Urda Alice Klueger

Eu me lembro com intensa nitidez dos profundos olhos aveludados e escuros daqueles homens, daquelas moças. Passei a conhecê-los nos Fóruns Sociais Mundiais de Porto Alegre – costumava chegar quase na hora do começo da passeata de abertura, e quando meus amigos me perguntavam:
- Vamos todos juntos?

Eu não titubeava:
- A gente se encontra depois. Vou junto com quem tiver mais necessidade de apoio. Vou ver se encontro o pessoal do Iraque, ou da Palestina...

Sempre encontrava o da Palestina. Eram homens de profundos olhos inteligentes e sofridos; eram moças com olhos iguais, algumas vestidas como certas figuras bíblicas femininas que pintores do Renascimento pintaram, e sempre com tamanha fé na Justiça! Vinham em poucas pessoas lá do seu mundo distante e garroteado, poderiam sumir no meio de multidões de 100.000 pessoas com as suas humildes “hattas”[1], mas eram eles os mais visíveis, porque as pessoas que se abalavam até os Fóruns Sociais Mundiais bem sabiam da realidade torturante daqueles irmãos. Na primeira vez que desfilei com eles decerto pareci-lhes estranha – não falávamos uma palavra sequer um da língua do outro, mas já lá no final, chegando ao anfiteatro do Pôr-do-Sol (quanta saudade!), alguém serviu de intérprete e contou para um dos palestinos que eu perdera um emprego por defender a Palestina. O homem de profundos olhos de veludo deu uma risada contagiante, e respondeu algo que também me foi traduzido: ele também perdera o emprego por ser palestino! Nosso simpático contato sem palavras começou ali.

Em outras ocasiões em que nos encontramos eles já me recebiam calorosamente com seus olhos que tudo expressavam, e que tinham uma ternura aveludada que poderia adoçar o mundo.

Depois que os Fóruns Sociais Mundiais saíram de Porto Alegre e foram para outros países, passamos a ter uma palavra de contato: quando nos encontrávamos, sempre primeiro na passeata de abertura, apontávamos uns para os outros e dizíamos: “Porto Alegre!”, palavra chave que, aliada aos olhos profundos e misteriosos deles, significava todo um caloroso discurso. E nos abraçávamos como irmãos que somos (ou eram? Estarão vivos?), e na passeata de Caracas/Venezuela, um dos homens mais velhos tirou da sua mochila uma belíssima bandeira da Palestina em seda verde, vermelha branca e preta, e me deu. Sorrimos um para o outro e dissemos a palavra mágica:
- Porto Alegre! - e eu guardo com imenso carinho aquela bandeira de seda assim como a recebi, talvez ainda trazendo entretecido nos seus fios finos esporos ou pólen de plantas ou de outras formas de vida daquela distante Palestina onde provavelmente não poderei ir no decorrer da minha vida, pois envelheço, e o gueto que é a Faixa de Gaza está cada vez mais inacessível, e a mágoa da minha desesperança me faz pensar muito na solução final[2] dada ao Gueto de Varsóvia...[3]

Vejo as notícias e as fotos na Internet, e sei de tantas coisas, faz tanto tempo! Sei como os meus irmãos da Palestina tem que suportar o cheiro nauseabundo do lixo em decomposição, pois o Estado de Israel não deixa sequer que de lá se retire o lixo... e sei das crianças palestinas que são feridas por obuses lançados por tanques enquanto brincam, e que morrem de hemorragia nos portões do seu gueto porque insensíveis membros do exército israelense dizem que só dali a tantas horas tal portão poderá ser aberto, para a criança chegar a um hospital... e sei de detalhes que me deixam com vergonha por ser chamada de humana, pois um exército a serviço de também ditos humanos judeus faz coisas que quase não são críveis, como derrubar um edifício inteirinho para matar um único homem a quem perseguem, e que sabem que está escondido no poço do elevador... ou esse mesmo exército lançar um míssel sobre uma inocente festa de casamento, ou sobre uma formatura de guardas de trânsito...

Mil páginas seriam poucas para enumerar todos os horrores que sei, que tenho lido, tenho sabido, tenho aprendido sobre o que o governo de Israel faz com o Gueto de Gaza sob os olhos de todo o mundo, como se ninguém se importasse. O espaço, aqui, não permite entrar nas causas históricas dos acontecimentos, mas é bom aprender a respeito, para se entender que Israel não tem razão, que os horrores que vêm desde a década de 1940 são dos mais abjetos da humanidade. O que me horroriza ainda mais, neste momento, são as fotos que não param de chegar de Gaza, de crianças carregadas nos braços dos pais, sem os pés e parte das pernas, com tendões e nervos que sobraram retorcidos como se fossem molas de metal, ou das fileiras de meninos e meninas nos seus trajes de frio, mortinhos, prontos para o funeral, e das caras sem consolo dos pais que ali estão, ou daquele menininho morto e ensangüentado, que o pai carrega no colo embrulhado na bandeira, bandeira igual àquela que tenho, menininho que nunca terá nos olhos aquela força forte como aço e suave como veludo e que nunca entenderá a palavra “Porto Alegre” – de novo digo que mil páginas seriam poucas para contar sobre cada foto, cada fato, cada texto e cada análise que tenho lido – um último fio que me une à esperança é a existência daquela gente de Israel que se nega ao crime, daqueles soldados israelenses que preferem a prisão do que ir assassinar seus irmãos já quase mortos de fome, frio e sede no gueto vizinho – pois Gaza hoje tem 1.500.000 habitantes trancafiados sem recursos numa área de 350 quilômetros quadrados, o que é mais ou menos a metade do tamanho desta minha pequena cidade de Blumenau...

Não há como dizer “enfim”, para um texto como este. A dor e a mágoa por se saber que tais injustiças continuam acontecendo diante do mundo é uma coisa que poderia me matar de angústia, e então tenho que reagir escrevendo, que é o meu jeito de ser – mas o que escrever, se todos os grandes escritores, todos os grandes pensadores deste mundo já escreveram tudo o que eu gostaria de escrever, pois não é só a mim que a indignação arrasa – e por todos os lados as populações estão saindo às ruas para protestar contra este massacre inumano? Então achei que poderia escrever sobre os meus palestinos, aqueles que sabem a palavra “Porto Alegre”, e que tem aqueles olhos profundamente cheios de significado, força e doçura. Então penso se estarão vivos, se aquelas lindas moças não serão hoje cadáveres só com meia cabeça, ou se os netinhos daqueles homens não estejam, talvez, com ferimentos como se fossem couve-flores de sangue nas suas barriguinhas de meninos mortos, ou se meus próprios amigos já não terão vidrados e frios os seus olhos que eram cheios de doçura e de força...

Ah! Palestina, ah! Palestina, como me dóis cá dentro do meu peito que parece estraçalhado... Ah! Palestina, ah! Palestina, que me resta fazer além de chorar angustiadamente, como estou a fazê-lo agora?

Blumenau, 06 de Janeiro de 2009.

[1] Hatta: Lenço palestino, quadriculado de preto e branco, ou de vermelho e branco, que se tornou um símbolo de resistência. Era usado por Yasser Arafat.
[2] Solução final: expressão usada pelo nazismo que significava, a grosso modo, “matar todos”.
[3] Gueto de Varsóvia: onde 380.000 judeus foram implacavelmente mortos pelos nazistas até a última pessoa. Procurar se informar melhor a respeito. Hoje é o Estado de Israel que repete a história, matando sem piedade os palestinos da Faixa de Gaza.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR


A dor de uma saudade

* Por Clóvis Campêlo

Talvez a vida não nos seja mais do que uma doce ilusão. Existimos, pensamos e logo tentamos justificar a nossa maneira de viver e de agir. Subjetivamos e desenvolvemos ou nos apossamos de conceitos que servem para nos acalmar os ânimos, nos momentos de maior tensão, ou para servir de item identificatório com quem nos cerca e nos rodeia. Nenhum homem é uma ilha. A solidão é devastadora. Estamos todos no mesmo barco e precisamos alimentar a ideia de que vivemos em uníssono uns com os outros e de que não existiria outro caminho plausível ou justificável dentro da nossa síntese ética (se é que a temos!) ou que aplaque as nossas indagações e ansiedades.

Assim sendo, o futuro sempre nos será uma incógnita e um desafio. Uma página em branco, onde a composição final vai depender da habilidade e da capacidade em nos superarmos e criar novas propostas e situações. Não é a toa, portanto, que tendemos a repetir experiências coletivamente aceitas e bem sucedidas. Se a maioria diz ou fez assim, isso pode nos ser uma garantia de segurança e sucesso. Pra que nos arriscarmos em vão?

O grande problema, porém, surge quando essa sucessão de atitudes supostamente segura e confiável, passa a se mostrar inadequada ou desdobra-se em consequências inesperadas e assustadoras. Quantas crenças e práticas foram abandonadas pela humanidade, ao longo do tempo, por se mostrarem inúteis ou ofensivas quando inicialmente pareciam dignas de confiança? As marcas e cicatrizes que ficam, em consequência disso, são sempre aterrorizantes e definitivas. Diante da tragédia definida, geralmente, só nos resta a resignação, o consolo e um novo aprendizado no sentido de não mais se repetir o equívoco. O homem que pensa e tem a capacidade de imaginar novos mundos e situações, é o mesmo que se deixa enganar por análises equivocadas e traiçoeiras.

Exercitar a individualidade e a autonomia, portanto, não é fácil para ninguém. Não só pelo risco que a novidade sempre traz em seu bojo, como também pelos sistemas regulatórios criados e mantidos, nítidos ou subjacentes, no imaginário e nas crenças da maioria. Toda diferença poderá ser castigada. Ou mantida em quarentena até que se mostre útil e rentável ao sistema dominante e predominante. A ousadia nunca não será feita para a covardia da maioria.

Admito até mesmo que talvez nada valha a pena, mesmo que a alma não seja pequena. Aliás, chega-se a um determinado ponto em que fica difícil até mesmo se fazer novos dimensionamentos ou distinguir o caminho mais novo e adequado.

Talvez a vida não seja mesmo mais do que uma doce ilusão. Existimos e pensamos, mas, mais cedo ou mais tarde, desaguaremos sempre na foz do mesmo rio, no mesmo delta, nas mesmas águas turvas, temerosas e desconhecidas.

Navegar será mesmo preciso?


* Poeta, jornalista e radialista
Viver para contar

* Por Rodrigo Capella

Encontrar os amigos de escola e colocar a conversa em dia é sempre bom e ainda desperta sentimentos únicos. Percebi isso, nessa semana, quando uma amiga, após uma incansável busca pela Internet, conseguiu reunir os amigos de colégio e marcou um encontro num barzinho.

Dez pessoas sentadas frente a frente com o propósito de olhar fotos antigas, tecer comentários e resgatar histórias engraçadas da vida. Quando escondiam o apagador da professora, era uma gritaria só, todos se divertiam. Quando corriam pelos corredores, era uma tremenda curtição. É, a vida nos proporciona momentos inesquecíveis, cabe a nós valorizá-los.

Essa história toda me fez lembrar do livro “Viver para contar”, autobiografia do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez, que se inicia com um recado ao leitor: “a vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”. É, e é verdade. Logo nas primeiras páginas do livro, a mãe do autor pede para que ele a acompanhe até uma casa antiga, que seria vendida. Nesse momento, a cabeça do Prêmio Nobel se assemelha a uma montanha russa, intercalando momentos reais e flash back, técnica consagrada no filme “Cidadão Kane”.

O autor se lembra dos amigos de infância, dos professores, de quando iniciou no jornalismo ou ainda quando descobriu o que é sexo. “Viver para contar”, assim como “Cem anos de solidão”, outro clássico de Márquez, requer atenção. Lápis e bloco de anotação são necessários para guardar nomes, cenas e acontecimentos importantes.

Mas, essa era a intenção de Gabriel Garcia Márquez. A vida, para ser vivida com alegria, precisa ser compreendida em detalhes. Somente assim é que aproveitamos os momentos como se fossem únicos e planejamos cada segundo, colocando a criatividade em prática.

Criatividade essa que nunca faltou ao escritor colombiano. Em “Viver para contar”, ele nos mostra como alguns fatos da vida coincidem com a literatura. Seu avô, por exemplo, fabricava peixinho de ouro e no livro há um personagem que faz o mesmo tipo de trabalho. É, vida e literatura se misturam, vida e literatura são essenciais e oferecem o combustível necessário para continuarmos vivendo: as recordações.

(*) Escritor e poeta. Autor do livro “Poesia não vende”, que tem lançamento nacional no dia 03 de abril e traz depoimentos de Ivan Lins, Bárbara Paz e Carlos Reichenbach, entre outros. Informações: www.rodrigocapella.com.br


sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 7 anos, sete meses e trinta dias de existência. .

Leia nesta edição:

Editorial – Talento reconhecido só depois da morte.

Coluna Contrastes e confrontos – Urariano Mota, crônica, “Para uma biografia de Joaquim Barbosa”.

Coluna Do real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire, crônica, “Ansiedade cíclica”.

Coluna No sopro do Minuano – Rodrigo Ramazzini, conto,  “Negociação”.

Coluna Porta Aberta – Ana Soares, crônica, “Olhos acostumados”..

Coluna Porta Aberta – João Alexandre Sartorelli, poema “Pavese para Constance”.


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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária” José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
 “Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Talento reconhecido só depois da morte

O escritor, salvo exceções, tende a ser mais sensível do que a maioria das pessoas. Claro que não se trata de nenhuma regra que deva ser seguida á risca por quem pretenda exercer, ou já exerça essa atividade. Aliás, nem mesmo existe estudo a esse propósito. A conclusão é minha, com base em observações pessoais, da leitura de algumas centenas de biografias. Quando me refiro a “sensível”, não estou pensando, especificamente, em emotividade. A sensibilidade de que falo é um certo aguçamento dos sentidos, uma capacidade ímpar de observação do que o indivíduo vê, ouve ou lê, para utilizar esse acervo todo em sua literatura.

Isso não quer dizer que quem não conte com essas características não seja ou não possa vir a ser escritor. Pode, sim. Apenas encontrará muito mais dificuldades para exercer seu mister. Quanto mais observadora uma pessoa for, mais facilmente criará personagens verossímeis e recriará cenários e situações que se aproximem, ou mesmo reproduzam, a realidade. Ademais, não me refiro a escritores “ocasionais”, desses que eventualmente escrevam um livro ou dois, mas não façam da literatura sua atividade central. Estou pensando é naqueles que fazem das letras a paixão de suas vidas. Já nem digo que sejam “profissionais”, porquanto o ato de escrever e de publicar livros sequer é considerado uma profissão. Não, pelo menos, no Brasil.

Nada é pior e mais angustiante para um escritor do que ver sua obra desprezada. As reações a isso, óbvio, são as mais variadas possíveis, de acordo com a personalidade e a sensibilidade de cada um. Uns, se conformam com a rejeição (ou, pelo menos, parecem se conformar) e vão procurar outra coisa para fazer que não seja literatura. Outros batalham a vida toda pelo reconhecimento e não se dão por vencidas jamais, até o último suspiro. Outros, ainda, sentem duramente o golpe, caem em depressão, contraem doenças (físicas e/ou mentais) e não raro entregam-se ao álcool e às drogas. E  outros, ainda, vão ao extremo dos extremos e chegam a cometer suicídio. Você acha que é exagero meu? Pois não é. E trago à baila um caso concreto em que o desfecho à sua rejeição como escritor foi exatamente este.

Refiro-me ao romancista e soldado norte-americano John Kennedy Toole, nascido na cidade de Nova Orleans, estado da Louisiana, em 17 de dezembro de 1937. Ele tinha plena convicção de que escrevia bem, mas esta nunca foi compartilhada pelas pessoas que o cercavam e com as quais conviveu. Como ele poderia saber que tinha esse talento? Não poderia estar enganado? Não poderia estar sendo enganado por uma vaidade exacerbada? Poderia, claro, mas não estava.

Ora, quem é leitor compulsivo (e para ser escritor, é desejável que se seja), tem maneira até bastante simples e objetiva de aferir a qualidade do que escreve. Basta comparar seus textos com os livros de outros escritores. Nesse caso, só vai se enganar se quiser. Ou se sua vaidade for tão grande, tão estúpida e até monumental e seu senso crítico, em contrapartida, for ínfimo ou nem mesmo existir. Uma pessoa culta, porém, dificilmente se deixará cegar, achando que tem um talento que na verdade não tenha.

Ocorre que tudo o que John Kennedy Toole escrevia era sistematicamente rejeitado pelos editores. Procurou dezenas de editoras e o resultado sempre, e invariavelmente, foi o mesmo. O leitor mais desconfiado deve estar pensando: “Impossível que todos estivessem enganados. Que um ou dois se equivoccassem, vá lá. Mas todos?! O sujeito escrevia mal mesmo e não se conformava”. Certo? Errado! Pelo menos nesse caso, todos se enganaram! Como sei? Simples! Seu romance “A Confederacy of Dunces”, publicado postumamente, foi um estrondoso sucesso de crítica e de público. Tornou-se best-seller nacional. “Coincidência”, dirão alguns mais céticos. Não, não foi. Foi qualidade! Querem saber por que de tanta convicção? Porque esse magnífico livro valeu ao autor, embora, claro, postumamente, um Prêmio Pulitzer de ficção, a maior premiação literária dos Estados Unidos!!!

E olhem que esse romance magnífico só não permaneceu no ineditismo eterno e não se perdeu por completo por causa da persistência, ou teimosia, da mãe de Toole. Alguns anos após sua morte, depois de tentar publicar e ver os originais novamente rejeitados por dezenas de editores, ela os encaminhou, já prestes a se dar por vencida, ao novelista Walker Percy. Este leu-os, perplexo, e se entusiasmou. Tomou a peito providenciar sua imediata publicação, valendo-se do seu prestígio pessoal. Deu no que deu. Ou seja, na consagração de Toole, inclusive com um raro Pulitzer póstumo. Não sei se esse prêmio já foi outorgado postumamente a qualquer outro escritor. Mas, caso tenha sido, foi um procedimento raríssimo.

Esse reconhecimento não poderia ter vindo antes, quando o soldado-escritor, ou escritor-soldado como queiram, estava vivo? Poderia e deveria. Mas... não foi. A rejeição literária provocou (ou agravou) a profunda depressão em John Kennedy Toole, que resultou em tragédia. Em 26 de março de 1969, no auge do desespero e da amargura, o jovem e talentoso escritor cometeu suicídio, na cidadezinha de Biloxi, com um tiro na cabeça. Tinha, apenas, 31 anos de idade. E o romance premiado com o Pulitzer não foi o único dos seus livros a fazer sucesso postumamente. “The Neon Bible” também esgotou várias edições, mostrando que o talento que Toole garantia ter e que tantos negavam era um fato. E era até maior do que ele próprio supunha. Há quem diga que o jovem sofria de paranóia antes mesmo de ter seus livros rejeitados. Admitindo que de fato sofresse, a falta de reconhecimento ao seu talento não teria agravado esse distúrbio e o levado a se suicidar? Óbvio que sim!!! Viram como não exagerei em minhas colocações?!

Boa leitura.


O Editor

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Para uma biografia de Joaquim Barbosa

* Por Urariano Mota

No livro da vida de Joaquim Barbosa, que um dia ainda será escrito, deverá aparecer em muitas páginas, com merecido destaque, a excepcional sobrevivência do agora ministro e presidente do STF. O futuro biógrafo, no entanto, deverá usar um filtro, um bom poder de relação entre fatos na aparência desconexos, que se perdem nos currículos de Joaquim Barbosa com uma rara esperteza montados.     

Assim, por exemplo, não lhe bastará repetir o que é universal na Wikipédia, pois a enciclopédia online apenas repete o que é público e sabido. Nela se registra que  Joaquim Benedito Barbosa Gomes nasceu em Paracatu, Minas Gerais, em 7 de outubro de 1954. E que aos 16 anos viajou sozinho para Brasília, onde arranjou emprego na gráfica do Correio Braziliense, e terminou o segundo grau, sempre estudando em colégio público. Bravo, sempre em colégio público. Depois obteve seu bacharelado em Direito na Universidade de Brasília, onde, em seguida, conquistou o mestrado em Direito do Estado. Mais uma vez, bravo, exemplar, dizemos os leitores.

Ao que mais adiante se completa: Joaquim Barbosa foi Oficial de Chancelaria do Ministério das Relações Exteriores, de 1976 a1979, tendo servido na Embaixada do Brasil em Helsinki, Finlândia, e depois, teria deixado o trabalho no  Ministério para se tornar advogado do Serpro, de 1979 a 1984. Mas já aqui se impõe uma suspensão. A wikipédia estaria mesmo certa? É uma massa de dados que perturba, pela ascensão jubilosa e mistura de um burocrata ao mérito. No entanto é um pouco antes, que o futuro biógrafo chegará ao mais importante.

Acompanhem, por favor, relacionem 2 coisas. Observem que não batem duas informações.  Há um lapso acima, da Universidade de Brasília para o primeiro emprego público. Em 1976, aos 22 anos, pois Joaquim Barbosa nasceu em 1954, ele se torna Oficial de Chancelaria no Ministério das Relações Exteriores. Muito bem, bravo. Mas o currículo Lattes na universidade, com dados fornecidos pelo próprio hoje ministro Joaquim Barbosa, informa que ele “possui graduação em Direito pela Universidade de Brasília (1979)”. O que isso significa?

Simples. Três anos antes de se graduar em Direito, o futuro presidente do STF já tomava posse como Oficial de Chancelaria, um cargo que exige nível superior, conforme se descreve aqui, no site do Ministério das Relações Exteriores Clique aqui : “Os integrantes da Carreira de Oficial de Chancelaria são servidores de nível de formação superior, capacitados profissionalmente como agentes do Ministério das Relações Exteriores, no Brasil e no exterior”. 

Como pôde o ministro ser Oficial de Chancelaria sem possuir nível superior? Das duas uma: ou mudou a exigência legal para o importante cargo de carreira, que representa o Brasil no exterior, ou então o ministro entrou como Auxiliar de Chancelaria, que exige instrução de nível médio. E nesse último caso, ele estaria mentindo, no currículo publicado em seu perfil no STF ou na posse no Ministério das Relações Exteriores.  

Há outros pontos ainda obscuros na biografia do ministro Joaquim Barbosa. Por exemplo, o espancamento que ele fez à esposa. A gente não escreve estas coisas com prazer, mas faz parte do ofício lembrar que em setembro de 1986, sua ex-mulher Marileuza Francisco de Andrade  registrou boletim de ocorrência em que acusou Barbosa de tê-la espancado. Bater em mulher está longe de ser um modelo de ética, convenhamos. Aliás, nesse capítulo o ministro é um homem exemplar, pela negação.

Há pouco tempo, comprou um apartamento em Miami,  nos Estados Unidos, usando uma empresa que abriu para obter benefícios fiscais.  No mercado, o valor estimado do imóvel fica entre R$ 546 mil e R$ 1 milhão. Ao criar uma empresa para a transação, Joaquim Barbosa diminuiu o custo dos impostos que  seus herdeiros terão que recolher para transferir o imóvel após sua morte.

Mais: o grupo Tom Brasil já empregou Felipe Barbosa, filho de Joaquim Barbosa, para assessor de Imprensa na casa de shows Vivo Rio, em 2010. Nada demais, não fosse um forte inconveniente: a Tom Brasil é, ou deveria ter sido,  investigada no inquérito 2474/STF, do chamado "mensalão", cujo relator é  Joaquim Barbosa. 

Por último, no limite deste espaço, o futuro biógrafo deverá registrar um caso de  camaradagem entre o presidente do STF e o apresentador de tevê Luciano Huck. Luciano pediu a Joaquim Barbosa a gravação de uma mensagem de aniversário para Hermes Huck, pai de Luciano. Simpático, amigão,  Joaquim gravou um vídeo felicitando o sogro de Angélica. Lindo, queremos dizer: antes do vídeo, Felipe, o filho de Joaquim Barbosa, havia sido contratado para integrar a equipe do “Caldeirão do Huck”.

O futuro biógrafo não poderá esquecer dados tão edificantes.

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
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Ansiedade cíclica

* Por Eduardo Oliveira Freire

Li uma crônica que escrevi há algum tempo e percebi muitos erros. Revisei, mas fiquei a pensar se realmente o trabalho do escritor é solitário, ou existem amigos do escritor que leem, corrigem os erros de ortografia e até as palavras truncadas.

Ele pode até passar horas a desenvolver suas ideias e revisá-las várias vezes, mas será que não tem uma ajudinha sequer? Nem preciso confessar que quando pinta uma ideia, publico logo nas redes sociais. Depois, percebo as “atrocidades” que fiz com a língua portuguesa. Inclusive, já queimei meu filme com muita gente.

Fiz até um conto que aborda meus medos de aspirante a escritor: Quando sonho que estou na noite de autógrafo do meu livro de contos e quando vou fazer a dedicatória, escrevo algo errado. Aí, surge a fofoca que não sou eu que escrevi a obra e sim o Ghost-writer.

Não quero ser uma fraude!!!!Preciso entender que preciso revisar meus textos, ninguém chegará para mim: “Você é ótimo, deixa ajudá-lo a consertar algumas coisas”.. Não sou mais criança e tenho que colocar a mão na massa. Pois, um escritor para apurar sua técnica necessita ler, estudar e treinar muito.

Não posso ficar em berço esplêndido, esperando alguém decifrar o que desejo expressar. Eu mesmo preciso decifrar os pensamentos que jorram em mim.

* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor


Negociação

* Por Rodrigo Ramazzini

Raul decidiu trocar o carro. A história de três anos com o automóvel fabricado no final da década de 90 tinha chegado ao fim. Foi sozinho até uma das revendas de veículos da cidade. Um erro. Nunca se vai sozinho a uma revendedora de carros fazer negócio. Vira-se presa fácil. São muitas as artimanhas verbais articuladas durante uma negociação desse tipo pelos vendedores. Mas, Raul não é santo e também possui os seus “pecadilhos” automobilísticos.

Chegando lá, foi recepcionado por um sorridente vendedor. Logo, apareceu um “comentarista automotivo”, meio gordinho que caminhava com os pés abertos, como os ponteiros de um relógio marcando 10 horas e 10 minutos. Afinal, revenda de carro que se preze precisa ter um comentarista em sua equipe que avalize a aquisição do cliente. Assim, iniciou a negociação de Raul para adquirir um novo carro.
- Boa tarde!
- Boa tarde! Luiz, vendedor, prazer!
- Prazer, Raul! Gostaria de dar uma olhadinha nos carros...
- Fique a vontade, Seu Raul. Procura algum modelo em especial?
- Quero um carro de um ponto seis para cima. Já tive um ponto zero, mas não me adaptei...
- Certo! Deixa eu ver... Já sei! Tenho o modelo certo para o senhor. Tenho certeza que vais gostar. Venha comigo...

Os dois caminharam cerca de 20 metros até o veículo.
- O que achas desse, Seu Raul? Uma beleza, né? Um ponto oito, ano dois mil e dez, faz tranquilamente treze quilômetros em rodovias. Licenciamento e IPVA deste ano pago... Vistoria em dia... Carro muito inteiro. Muito bom de motor e lataria. Tem direção hidráulica, pneus novos, ar-condicionado de fábrica, GPS, pintura e bancos originais. Raridade para esse ano! Faço-o por um bom preço para o senhor!

O comentarista, que até então acompanhava a dupla de longe, aproximou-se e entrou em ação para cumprir a sua função, disparando adjetivos para o carro em série:
- Esse carro aí era de mulher! Única dona. Tirou zero da fábrica e rodou pouco... Podes olhar a quilometragem. Muito bom mesmo! Eu que estou andando com ele. Estou apaixonado. Até comentei com o Luiz que, se pudesse, iria ficar com ele para mim de tão bom que é! Pode levar que não vais te arrepender!
- Sei..., retrucou Raul espiando o painel do carro para analisar a veracidade da informação.

O vendedor assumiu novamente as rédeas da conversa, fazendo um questionando direcionado:
- O que achaste? Bonito, né? Vamos fechar negócio? Aproveita porque já tem um monte de gente interessada neste veículo, Seu Raul! Uns ficaram de voltar amanhã até...
  
Raul apreciou o carro. Era bem o modelo que desejava quando saiu de casa. Inclusive, a cor. Mas, não demonstrou. Era preciso manter a seriedade em meio à negociação. Por fora, depois de uma inspeção detalhada, Raul concluíra que o veículo estava impecável. Foi então que, surgiu o convite.
- Quer dar uma voltinha? Aposto que o senhor não vai se arrepender...

Incentivado pelo vendedor, Raul resolveu fazer um Test Drive no veículo. Retornou quinze minutos depois apaixonado, porém manteve a postura séria. Enfim, entrou nos detalhes da negociação:
- Quanto?
- Vinte e um mil e quinhentos reais. Uma barbada! Carro dado. Ainda, financio em quantas parcelas o senhor quiser, com os juros bem baixos por mês...
- Hum! Aceitas carro no negócio?
- Sim! O do senhor que está lá na rua?
- Isso!
- Posso dar uma olhada?
- Vamos lá...

Os dois caminharam até o carro fora da revenda. Lá, o vendedor deu duas voltas entorno do veículo e proferiu sua análise:
- Tem um monte de coisinha para fazer no teu carro... Um amassadinho na lata que vai sair uns quinhentos reais... Um pneu mais quinhentos reais...

Enquanto o vendedor descrevia os problemas encontrados, Raul pensou no que o seu amigo Juca lhe falara, que vendedor de carro usa uma faixa de moeda própria, que é a moeda quinhentos reais, pois tudo gira em torno desse valor. A confirmação dessa teoria surgiu a seguir. 
- Seu Raul! Dou sete mil e quinhentos pelo carro...

Raul, que não é bobo, antes de sair para negociar, havia olhado o preço médio do seu carro na internet, por meio da tabela FIPE, e sabia que o valor de venda do modelo do seu automóvel variava em torno de nove mil reais. Contrapropôs:
- Dá dez nele que fechamos negócios...   
- Bah! Mas, aí o senhor me quebra as pernas, Seu Raul. Tem um monte de coisinha para fazer no carro. Vou gastar um monte de saída... Em troca, o senhor vai levar um carro quase zero...
- Então, não tem negócio.
- Posso subir, no máximo, para oito mil. Se não vou perder dinheiro...

Raul pensou por instante. Tinha consciência que a avaliação sairia abaixo do mercado. Mas, pechinchar é uma arte em meio às negociações. Lascou:
- Fecho em oito mil, mas os papéis de transferência e afins... Ficam por tua conta... E o resto eu financio... Aceitas?

O vendedor refletiu brevemente e sentenciou:
- Negócio fechado!

Os dois apertaram as mãos e foram cuidar da papelada que envolve este tipo de negociação. Na saída da revenda, depois dos cumprimentos finais e da partida de Raul, em meio a acenos com as mãos, o comentarista automotivo comentou para o vendedor:
- Finalmente, conseguiste vender aquele carro. Achei que tinha um sapo enterrado nele. Quase dois meses aqui dentro parado. Não é possível!
- Pois é...
- Será que não vais te incomodar no futuro?
- Por quê?
- Por causa daquele probleminha no motor...
- Nãããããããão! Aquele motor ali roda seis meses ainda tranquilamente antes de estourar. Daí, quando der a merda, já vai estar fora de garantia. Há! Há! Há!
- Há! Há! Há!

No outro lado da cidade, enquanto mostrava o novo carro à esposa, Raul narrava orgulhosamente como saíra ganhando no negócio.
- Graças a Deus que me livrei daquele carro. No máximo, em um mês, aquela caixa de marcha começaria a dar problema... Teria que trocar os pneus... Enfim... Iria gastar um monte para arrumar!  Enrabei o cara. Ele ainda avaliou alto o nosso carro... Achei que daria menos... Agora, é aproveitar o carro novo... Este é só colocar gasolina e andar. Com certeza, um ano sem se incomodar com ele!



* Jornalista e contista gaúcho