O
invicto
*
Por Gustavo do Carmo
(Conto
originalmente publicado em 8 de novembro de 2008).
Victor
já nasceu um vencedor. Foi o primeiro bebê do ano e por isso seus
pais ganharam um bom prêmio de um fabricante de fraldas. Também o
elegeram a criança mais bonita do bairro, da cidade e do Brasil.
Aos
quatro anos foi a mesma coisa. Nunca perdeu um concurso infantil de
beleza em sua vida. Quando entrou para a escola, no ano seguinte,
participou e ganhou um concurso de desenho.
Aos
oito, entrou para a escolinha de futebol. Sem posição de linha no
time, virou goleiro. Não tomou um gol enquanto jogava e ganhava
concursos de redação e olimpíadas de matemática no primeiro grau
colegial.
A
adolescência chegou junto com uma miopia galopante e espinhas
borbulhantes. A beleza campeã foi embora com a infância. Deu lugar
a feiúra. Mesmo assim, Victor não deixou de ser um vencedor.
Participou brincando de uma competição de homem mais feio do país.
A decisão dos jurados foi unânime.
Aos
vinte, entrou para a faculdade de direito. Até então, jogava no
time do colégio de ensino médio, várias vezes campeão invicto dos
torneios inter-colegiais, além de ter passado por todas as
categorias de base do futebol de campo. Quase se tornou um jogador
profissional. Encerrou a carreira sem tomar um gol.
Cinco
anos depois estava formado como advogado. A fealdade foi embora junto
com as espinhas, expulsas por um tratamento de pele, e a miopia,
exorcizada por uma cirurgia ocular. Ainda como estagiário, ganhou o
seu primeiro processo civil. Primeiro de muitos. Aos quarenta anos de
idade venceu o milésimo processo por danos morais.
A
beleza já voltara quando casou-se com Sofia, sua primeira namorada
fixa. Na adolescência, feio como era, não ousou paquerar ninguém.
Mesmo assim, conquistou Orlaine Regina, a empregada de sua casa que
era dentuça, queixo pontudo, nariz rebaixado e olhos fundos. Claro
que Victor fugia dela. E mais uma vez se saiu vencedor.
Tão
logo livrou-se das espinhas e do óculos virou um galã de cinema. Um
conquistador nato. Sofia foi apenas a vigésima moça bonita que
passou pelo seu currículo, digo, seu caminho. Com ela teve duas
filhas: Laureane e Vitória.
Comemorava
o seu aniversário de quatro décadas e meia quando veio a sua
primeira derrota. No campeonato entre amigos de
futebol society perdeu
a sua invencibilidade de goleiro. Mas isso não abateu Victor. Ele
não jogava desde quando saiu do ensino médio. Seu time ganhou
por 1. Um mês
depois, levou três gols e o inédito duplo revés: o jogo e o
torneio. Mas isso não o abateu.
Victor
perdeu a sua invencibilidade profissional anos depois. Era um
julgamento difícil. Atuou na defesa de um ex-presidente da República
acusado de corrupção. Mesmo com sua competência e a tendência da
justiça do país, o réu foi condenado por unanimidade. Mas Victor
ainda não se abateu.
Por
causa das ameaças do ex-cliente, mudou-se com mulher e filhas para a
fria Noruega. Lá, mesmo casado, encantou-se por Danika, uma bela
nativa de olhos azuis cor do mar e cabelos pretos nanquim, pele
branca como neve e amiga de Laureane, a filha mais velha adolescente.
Perdeu também a invencibilidade de conquistador. Desta vez, Victor
se abateu. Literalmente com roleta russa, que acertou o alvo na
primeira e última tentativa.
*
Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração.
Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de
São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess
- http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe
-http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
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