domingo, 22 de julho de 2018

Ícaro - José Régio


Ícaro

* Por José Régio

A minha Dor vesti-a de brocado,
fi-la cantar um choro em melopeia.
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
ajoelhei de mãos postas e adorei-a.

Por longo tempo assim fiquei prostrado,
moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidões desceram do povoado
que a minha dor cantava de sereia…

Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silêncio gelou em derredor…
E eu levantei a face a tremer todo.

Jesus ruira em cinza o trono de oiro!
E misérrima e nua a minha Dor
ajoelhara ao meu lado sobre o lodo.


(In “Poemas de Deus e do Diabo”).

* Poeta português.

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