Ícaro
*
Por José Régio
A
minha Dor vesti-a de brocado,
fi-la
cantar um choro em melopeia.
Ergui-lhe
um trono de oiro imaculado,
ajoelhei
de mãos postas e adorei-a.
Por
longo tempo assim fiquei prostrado,
moendo
os joelhos sobre lodo e areia.
E
as multidões desceram do povoado
que
a minha dor cantava de sereia…
Depois,
ruflaram alto asas de agoiro!
Um
silêncio gelou em derredor…
E
eu levantei a face a tremer todo.
Jesus
ruira em cinza o trono de oiro!
E
misérrima e nua a minha Dor
ajoelhara
ao meu lado sobre o lodo.
(In
“Poemas de Deus e do Diabo”).
*
Poeta
português.
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