sábado, 30 de abril de 2016

Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)

LINHA DO TEMPO: dez anos, um mês e três dias de existência.


Leia nesta edição:

Editorial – Literatura e ideologia.

Coluna Direto do Arquivo – Rosana Hermann, crônica, “Vergonha de um Brasil”.

Coluna Clássicos – Otávio de Faria, conto, “Ivo”.

Coluna Porta Aberta – Clóvis Campêlo, crônica, “Dois dedos de prosa”.

Coluna Porta Aberta – Flora Figueiredo, poema, “Melódico”.

Coluna Porta Aberta – Adélia Prado, poema, “A serenata”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária” José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk.As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Literatura e ideologia


O tema que trago, hoje, à baila é dos mais polêmicos e é daqueles que sempre que são tratados, geram controvérsias e dividem opiniões. Foi levantado por um leitor, que não vê nada de errado em utilizar a literatura como veículo de ideologias que preguem justiça e liberdade dos povos. Creio que, retoricamente, todas apregoem isso. Mas na prática... Particularmente, não gosto de misturar as coisas. Mas achar que se pode fazer Literatura absolutamente neutra, sem nenhum ranço ideológico, me parece imensa ingenuidade.

Na poesia, por exemplo, oponho-me a poemas que mais pareçam panfletos de propaganda do que obras de arte. A mistura de movimentos ideológicos com literários tende a ser mais explosiva do que nitroglicerina. Salvo alguma exceção (que desconheço) acaba por poluir a ambos. Ou seja, a ideologia e a Literatura.

Há, porém, um conceito, mistura dos dois, que considero válido e justo. Refiro-me à “Negritude”. E por que penso assim? Porque não é segredo para ninguém a forma vil e covarde com que os povos da África foram tratados ao longo da chamada História Moderna (iniciada com a queda de Constantinopla, em 1454).

Refiro-me a essa indecência terrível e injustificável, que foi a escravidão, e à atitude de rapina das potências européias, em relação ao continente negro, a tal da “colonização”, empreendida pela França, Grã-Bretanha, Bélgica e Alemanha, a partir de 1880.

René Maran, autor de “Batouala”, é considerado, historicamente, como o precursor do movimento “Negritude”. Mas o termo em si, e não propriamente o conceito que nomeou, foi criado, em 1935, por Aimé Césaire. Esse escritor africano usou-o, pela primeira vez, em um artigo que publicou no número três da revista “L’Étudient noir” (“O Estudante Negro”).

Os criadores do Negritude tinham em mente, pelo menos no início, a reivindicação da identidade negra e de sua cultura perante a dos colonizadores e repressores dos povos africanos. Não tinha, pois, conotação política.

Quem, no entanto, deu impulso à idéia, fazendo dela mais do que mera corrente artística, notadamente literária, foi um dos maiores poetas e intelectuais da África, presidente, por décadas, do Senegal após a sua independência (que inclusive esteve no Brasil, onde participou de histórica sessão da Academia Brasileira de Letras), Leopold Sedar Senghor.

Negritude, paulatinamente, transformou-se em ideologia política. A partir de 1947, impulsionou o movimento maciço de libertação dos povos africanos, que resultaria na independência da totalidade dos atuais países do continente. Essa corrente de pensamento, que começou nas colônias francesas, espalhou-se logo pela África inteira, mas acabou desvirtuada, enquanto corrente exlusivamente literária.

Ressalte-se, a bem da verdade, que vários intelectuais brancos, franceses, apoiaram, entusiasticamente, o movimento. Jean-Paul Sartre foi um deles. O criador do “existencialismo” definiu esse conceito da seguinte forma: “Negritude é a negação da negação do homem negro”.

Posteriormente, alguns escritores (negros e mestiços) condenaram o movimento. Alguns, achavam-no retórico demais, rústico e simplificador e, sobretudo, pouco prático. Outros, por seu turno, entendiam o oposto, ou seja, que era muito radical.

O nigeriano Wole Soyinka – ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura – justificou suas críticas, em relação ao Negritude, da seguinte forma: “O tigre não declara sua ‘tigritude’ Salta sobre sua presa e a devora”.

Fora da África, o movimento teve alguma repercussão (relativamente pequena) apenas na França e em suas (ainda) colônias nas Antilhas e na Ásia. No Brasil, após a visita de Senghor, chegou a se esboçar o surgimento de uma “literatura negra”. Mas não teve, nem de longe, o impacto havido na África. E você, paciente leitor, o que acha dessa mistura de ideologia com Literatura? E, especificamente, do Negritude?

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk




Vergonha de um Brasil


Por Rosana Hermann



Existe um Brasil turístico que todos amamos. São as praias paradisíacas do litoral, as matas verde-bandeira que abrigam incontáveis espécies, a abundância de água doce que flui nos rios e despenca em quedas cinematográficas. É o Brasil-natureza que traz turistas e suas moedas para todos os estados, dos que fazem turismo ecológico aos que fazem turismo tradicional. Mas já aí, lembramos de um problema gravíssimo, o turismo sexual, especialmente com crianças menores de idade. É de chorar de revolta.
  
Há um Brasil cultural que também muito nos orgulha. É o Brasil popular de Chico, Caetano, Gil, Olodum e o Brasil clássico de pianistas, regentes, de Villa Lobos a Tom Jobim e tantos outros. E há ainda o Brasil da pintura de Di Cavalcanti, da literatura pop de Jorge Amado, da arquitetura de Niemeyer.
  
Elencar listas assim sempre nos faz incorrer em erros e injustiças, porque há tantos Brasil honrados. Veja o caso de Pitanguy, na cirurgia plástica estética. E o que dizer então do mundo dos esportes? Do futebol que, enfim, é penta, dos meninos e meninas do vôlei, do basquete, do técnico Bernardinho, tão em alta com sua disciplina, técnica e exigência?
  
Há até o Brasil de Sebastião Salgado, que retrata a miséria e a realidade rústica e dolorosa da nossa gente mais desfavorecida, ressecando a garganta com seus retratos e roubando a cor da face com suas paisagens.
  
Mas estes brasis estão ofuscados pelo Brasil vigente, o Brasil corrupto, o Brasil filhodaputa, o Brasil desgraçado, maldito e vergonhoso. De gente escrota, despreparada e ambiciosa, burra e destrambelhada. De gente de todos os partidos, atividades, credos e cruzes, que despreza qualquer tipo de refinamento humano construído durante milhares de anos de cultura e história. São pessoas toscas que estão em todos os lugares. Dessas que escarram no chão, jogam latas pela janela do carro, peidam nos elevadores e literalmente cagam para todos nós. São os shreks da política, ogros latifundiários, ciclopes das empresas. E não há categoria que não tenha seus representantes nesta horda de vagabundos. Podem ser religiosos ou ateus, ricos ou remediados, nenhum grupo escapa.
  
Como tirá-los do poder? Como corrigi-los? Como puni-los? Com o voto. Só com o voto. Tire o voto de um político corrupto e você terá um bandido sem arma. Não há outra solução.
  
Mas não. Infelizmente, vemos em algumas pesquisas que revelam que há candidatos a cargos eletivos, sabidamente ladrões contumazes, de caráter totalmente duvidoso, com passados comprometidos, que estão na lista de prováveis eleitos.
  
É triste. É revoltante. É desestimulante. Dá vontade abandonar a pátria, imigrar pro Canadá, mudar de nacionalidade. Dá vontade de renegar a cidadania, de abrir a janela e xingar todo mundo de idiota. E depois, chorar a culpa sabendo que muitos desses iludidos não têm a menor condição de votar diferente. Dá vontade de viajar pra justificar o voto, de votar branco, nulo, de escrever com batom no espelho, de fazer qualquer coisa pra acordar este Brasil hipnotizado pela televisão que não consegue ver que reis, rainhas, príncipes, estão todos nus. Nus de moral, ética, humanidade.
  
Nestas horas, dá vontade de recorrer ao D’us vingador e pedir que num zás, num gesto, Ele destrua todos, mas todos os corruptos desgraçados deste país. Mas aí, seria mesmo caso de ir embora. Com uma extensão territorial tão grande, a gente ia acabar morrendo de solidão.


*Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.


Ivo


* Por Otávio de Faria


Nesse momento de suprema tentação para Ivo, padre Luís, na tranqüilidade do seu quarto, já de luz apagada há muito, acabava de se colocar mais uma vez o problema que a confissão de Ivo o obrigara a formular: será possível dizer a um menino que é preciso não dormir, que talvez seja necessário que não durma a vida toda?

Depois de passada a surpresa inicial, voltara sobre a confissão de Ivo, preocupado com o que dissera e mais ainda, talvez, com o que intencionalmente deixara de dizer. Passara um dia dificil, tentando evitar o assunto para poder cuidar corretamente de suas obrigações imediatas. À noite, porém, quando, terminadas as últimas orações, se entregara ao exame do caso, compreendera que a angústia do dia todo fora até um descanso. Agora, de joelhos, no escuro do quarto, começava o maior tormento.

No fundo, não sabia se fizera bem ou mal. Teria errado não dizendo tudo?

Poderia ter feito de outro modo? Não sendo absolutamente necessário - como não lhe parecia - poderia lançar sobre a vida calma de Ivo uma angústia que provavelmente não desapareceria nunca mais? Poderia aconselhar que não dormisse, vigiasse incessantemente? "Mas Ivo é uma criança" - murmurou padre Luís angustiado: - "Não é possivel dizer-lhe assim... Sem preparação alguma, que é preciso não dormir. É uma loucura querer pô-lo diante de um problema desses, quando talvez baste auxiliá-lo a vencer as tentações, a resistir com energia..."

Não durou muito a tranqüilidade restaurada. É que havia na confissão de Ivo uma qualquer coisa de novo, capaz de alterar a equação que justificava o seu silêncio relativo. A princípio não notara, porém agora, refletindo cuidadosamente sobre os acontecimentos, tudo parecia evidente, gritante. Ivo era uma criança, sim. Mas, era uma criança que estava se transformando da noite para o dia num rapaz, num homem. Pensando bem, naqueles três ou quatro últimos meses, as mudanças tinham sido enormes. Ele as presenciara e era obrigado a testemunhar. A última conversa mais prolongada que haviam tido, no domingo anterior, ligada à confissão daquela manhã, falava de um modo bastante claro. No domingo, não prestara muita atenção, mas agora percebia bem a razão de ser de tudo quanto Ivo lhe dissera sobre os seus planos de futuro. Tudo aquilo não passava, evidentemente, de um entusiasmo global, indistinto, pela vida, por tudo que, de um modo ou de outro, dizia respeito à vida. Lembrava-se muito bem: fora um entusiasmo rico de afirmações de sucesso, de triunfo na realização de grandes tarefas, de insustentáveis compromissos com a Pureza, com a Nobreza, com a Beleza (tudo pronunciado enfaticamente, como se estivesse sendo escrito com letras maiúsculas). Na hora, julgara simples excitação de momento, sem a menor importância. Agora, no entanto, percebia que não se tratava unicamente de bolhas de sabão sopradas para longe apenas porque o vento estava dando naquela direção.

Havia, por certo, alguma coisa por detrás de tudo aquilo. E sua primeira palavra, depois dessa descoberta, foi uma lástima pela situação em que Ivo estava. "Pobre Ivo" - murmurou, de joelhos diante de sua cama. E os olhos, habituados já ao escuro do quarto, procuraram na parede o brilho conhecido do crucifixo de metal. "Pobre Ivo" - tornou a murmurar. E durante alguns instantes ficou imóvel, sem nem mesmo saber o que pensar. Depois, voltou à situação de Ivo e continuou a lastimá-lo.

Estava correndo um sério perigo e não havia como evitar o sofrimento iminente. Possuído de uma grande emoção, pensou quanto era profundamente triste aquela situação: a vida vinha a Ivo em toda a sua grandeza, e ele, pela sua natureza, pelas suas qualidades, podia e merecia aceitá-la nobremente. Todavia, eis que, nessa vida apenas ainda no horizonte, já o tentador se introduzira. E procuraria, agora, dominar tudo, perverter Ivo, deformando o simples oferecimento da vida, a tomada de um contacto no momento das grandes dádivas e dos compromissos decisivos.

Uma tristeza, uma miséria, uma traição com que não é possível pactuar. A obra de perversão e destruição não poderá ir adiante - pensa o padre. Ivo não se perderá daquele modo lastimável, como se perderam tantos outros. Ivo não se perderá porque dispõe de mais recursos e porque, também, por seu lado, ele agora tem mais experiência na direção das almas.

A compreensão da importância e das dificuldades da luta exaltam padre Luís. Está disposto a tudo para não falhar. E, de joelhos diante do Cristo crucificado - desse Cristo que para ele é, acima de tudo, o Cristo em agonia até o fim de séculos - implora que não seja abandonado na sua tarefa e tenha a força e a confiança necessárias para a luta que pressente em toda a sua violência e nas suas imensas dificuldades. Não se ilude: terá que sustentar nos ombros todo um mundo e os ombros de um homem, mesmo os de um padre, são muito fracos. - Qualquer peso os faz vergar até o chão se a mão de Deus não estiver servindo de contrapeso. - Os ombros de um padre, sobretudo os de um padre, talvez de todos os homens o mais fraco, o que mais sente o peso terrível da condição humana...

Nem por um momento se ilude sobre as dificuldades. Sente-se mesmo a presa de uma grande angústia. E desde então até a madrugada que lhe traz enfim o sono, é como se soubesse, se pudesse adivinhar, que numa casa, distante apenas alguns quarteirões, numa cama revolvida pelo desatino, imagens impuras triunfaram sobre todas as proibições e se impusessem a Ivo como o mais irreprimível e legítimo apelo da vida.

***

O excesso de entusiasmo de ambos, nessa noite, fez com que, no dia seguinte, o encontro os decepcionasse um pouco. Especialmente a Ivo que esperara uma Lourdes mais compreensiva, mais à altura do que chamava: o seu drama. A ignorância em que Lourdes se mostrou do que se passara com ele durante aqueles dias de separação, não a soube compreender. Não a queria censurar naquele dia, mas, não pôde deixar de pensar que se mostrara um pouco fria, por demais igual à Lourdes de antes do rompimento.

Por seu lado, Lourdes o achara pouco contente, ainda preocupado com outras coisas. Já que faziam as pazes, já que não havia mais nada, por que persistir naquela atitude antiga? Ou não tinha ficado tão alegre quanto ela? Ou havia alguma coisa nova que não queria dizer por medo de perturbar a felicidade daquele reencontro?

Tanto um quanto outro sentiram alguma coisa destoando no céu aberto que tinham imaginado. Nada de importante, felizmente, e o encontro continuava a ser o grande acontecimento sonhado. Contudo, não fora exatamente como cada um havia imaginado. E não restava dúvida: haviam voltado ambos para casa com uma vaga apreensão.

Assim, já nessa idade, duas criaturas que se reencontram em condições como essa, sofrem da impossibilidade de perfeita compreensão. Mais uma vez, o choque entre o ser imaginado e o ser real, entre as palavras que lhe pusemos na boca momentos antes e as que ouvimos momentos depois, vem revelar insondáveis abismos entre almas as mais próximas. Não é propriamente o amor que é impossível na terra. A comunicação entre os seres é que falha a todos os instantes, o silêncio traindo, as palavras traindo, o mundo inteiro traindo sempre que duas criaturas precisam realmente se entender. O amor não é impossível. Seguramente não o é. Mas, é um milagre - o milagre de um equilíbrio que nada consegue romper, apesar de sua infinita fragilidade.

Naturalmente, se Ivo e Lourdes, ao voltar para casa, pudessem perceber com clareza o que o encontro representara de decisivo para suas vidas, quando a felicidade futura de ambos dependera de terem conseguido entregar, um ao outro, um pouco mais ou um pouco menos do que ia de dolorido e angustiado em suas almas, naturalmente se tivessem uma consciência tão viva do verdadeiro sentido dos acontecimentos que ainda estavam vivendo, teriam chegado desanimados, convencidos de que tudo ficara por se fazer ou de que, o pouco feito, já começava a desmoronar.

No entanto, sentem-se felizes e quase tranqüilos, ansiosos pelo dia seguinte. E os dias passam naquela primeira semana de reconciliação sem nada de decisivo. Apenas, o restabelecimento de um hábito antigo: o de se verem todas as tardes. A alegria ainda é grande para que as pequenas decepções signifiquem alguma coisa. Assim, durante aquela semana, Ivo se sentiu completamente transformado. Não era só a felicidade junto de Lourdes. Ao lado dessa alegria, defendendo-a provavelmente, uma enorme tranqüilidade quanto ao resto. Tinha sido Lourdes, tinham sido as palavras de padre Luís? - Não sabia. Contudo podia garantir que, de repente, tudo como que cessara e as terríveis tentações de antes não haviam reaparecido. Não se tratava de ele ter forças para resistir. Apenas, de elas não aparecerem, de terem como que misteriosamente fugido de sua vida. O próprio sono lhe vinha fácil, é noite - um sono tranqüilo, sem pesadelos.

***

Depois, bruscamente, eis que um dia, já na semana seguinte, o final de que tudo ia recomeçar viera num sonho, a que, ao acordar, não dera grande importância, mas que o perseguira o dia inteiro. E, à noite, já antes mesmo do novo sonho, tão ruim como o anterior, tudo se envenenara na sua alma e, na imaginação, mais uma vez, tinham triunfado as forças do mal.

Acordara, no dia seguinte, humilhado e sem ânimo. Desesperado consigo mesmo, levara se amargurando o dia todo. De que servia rezar, comungar, se era assim, se no fundo dele o que havia era aquilo, aqueles desejos que queriam ser satisfeitos de qualquer modo?

A alguns dias de relativa calma, seguiu-se nova crise. O intervalo seguinte já foi menor. E, em pouco tempo, podia constatar que só havia em sua alma a velha luta que o levara à casa de Mme. Ninon.

A própria Lourdes o tratava, já agora, de modo diferente, cheia de reticências, de pequenas fugas e recusas misteriosas. A confiança das primeiras semanas depois da reconciliação, já não a encontrava mais. Em conseqüência, também ele se fechava, sem confiança no seu amor, sem coragem de falar - guardando para si uma série de coisas que sabia que não devia esconder de Lourdes. No momento, porém, ainda é a outra crise o que mais o preocupa. E não sabe como explicá-la. Talvez tenha confiado demais nas suas forças, no auxílio misterioso que recebeu de padre Luís. Talvez tenha descansado demais, ou esquecido de novo a estranha união que prende o "vigiai" ao "orai" segundo a fórmula que lhe ensinaram.

Não chega a nenhuma conclusão. Sabe só que, agora, tudo é diferente. Confissões e orações não têm o menor efeito. Já nem mais consegue rezar com fervor. Talvez mesmo João tenha razão e aquilo não tenha sido senão uma simples "crise religiosa" - alguma coisa já inteiramente ultrapassada.

De qualquer modo, sente-se diante de um fato consumado. A tentação se instalou de novo nele Os maus desejos vêm, como vinham antigamente. Consegue resistir no início, porém o sono foge logo e as piores imagens povoam sua cabeça, como se ocupassem um terreno vazio e abandonado de há muito. É uma estranha sensação essa - pensa Ivo: ver-se, de repente, como que tomado de assalto por não ter querido aceitar logo o inevitável... Sente-se irritado e seus esforços para reagir lhe parecem inúteis e desprezíveis. Se a própria Lourdes nada pode por ele, que adianta lutar? Para conseguir o quê? E é nesses momentos de fraqueza que os pecados antigos voltam com mais violência, deprimindo-o.

(Mundos mortos, 1937).


* Crítico, ensaísta, romancista e tradutor, membro da Academia Brasileira de Letras.
Dois dedos de prosa

* Por Clóvis Campêlo


Como dizia a minha avó, quem com porcos se junta, farelo come! Talvez tenha sido esse o caso do Partido dos Trabalhadores ao chegar ao poder.

Em nome de uma suposta governabilidade, virou as costas aos movimentos sociais e populares que sempre o apoiaram e fomentaram o seu surgimento, para fazer acordos com setores da sociedade que sempre se prevaleceram da estrutura do poder para se locupletar. E parece que a lição da esperteza foi aprendida por alguns petistas. Assim, o partido descaracterizou-se e perdeu a sua identidade. Não foi a toa que ao ser solto, depois de ser sequestrado sob as ordens do juiz Sérgio Moro, o ex-presidente Lula, no seu pronunciamento, fez uma exortação ao retorno do partido àquela posição de questionamento e representatividade política. Já era tarde, porém, e a vaca já estava indo para o brejo.

Isso também ficou claro quando no dia anterior à votação do impeachment, no ato de Brasília, os representantes do MTST e MST reivindicaram a retomada das propostas reformistas, por parte do Governo Dilma, mostrando a todos nós que a apoio não era mais incondicional e que, mesmo com a vitória de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, o que não ocorreu, no dia seguinte estariam nas ruas retomando a luta daquelas entidades.

Mesmo assim, foi com eles e outros setores de vanguarda dos movimentos sociais, que o PT e o Governo Federal contaram na hora em que precisaram de apoio popular. Hoje, a possibilidade do afastamento de Dilma da presidência da República é mais do que concreta. Como disse o escritor Ruy Castro em um artigo publicado na Folha de São Paulo, a presidenta abusou da arte de se cercar de gente traidora e calculista, a começar pelo próprio vice-presidente da República.

A situação pode ser vexatória, já que a presidenta pode ser afastada do cargo sem provas efetivas de que tenha cometido crime de responsabilidade. Ironicamente, poderá vir a ser afastada por ter feito exatamente a mesma coisa que os seus antecessores fizeram. Isso demonstra que, acima de tudo, o impeachment é político e está sendo comandado até o momento por políticos envolvidos em escândalos financeiros, alguns até já indiciados em processos de corrupção.

A politização, porém, não se limita apenas às instâncias parlamentares. No Poder Judiciário também se observa claramente as tendências políticas de cada juiz ou tribunal. E embora do ponto de vista pessoal eu ache justo que cada pessoa possa ter as suas opções e escolhas, no exercício do cargo deveria prevalecer, porém, apenas as questões técnicas e legais. As decisões deveriam ser baseadas na legislação e nas jurisprudências deixadas por decisões anteriores. Não é isso o que se observa, porém.

Acredito que todo esse movimento tem apenas a intenção de apear o PT do poder. Penso que após o impeachment será feito um grande acordo de “paz”, jogando-se mais uma vez para debaixo do tapete irregularidades comprovadas ao longo de décadas.

O que já se convencionou chamar de “luta seletiva contra a corrupção” teria apenas a intenção de atingir o Partido dos Trabalhadores e teria sido estabelecido pela CIA americana (essa teoria foi defendida pelo jornalista Paulo Henrique Amorim), preocupada com a hegemonia do pré-sal e com os rumos que a política externa brasileira estaria tomando.

Recife, abril 2016

* Poeta, jornalista e radialista.


Melódico


* Por Flora Figueiredo


Canto aos quatro cantos,
aos quatro ventos.
Desnudo as pautas do tempo
em claves, bemóis e sustenidos.
Hei de fazer chegar aos seus ouvidos
uma rima de amor em tom maior.
Quando o mundo cantá-la já de cor,
eu trago flauta
que põe ternura nessa nota que ainda falta
pra perpetuar o nosso amor na partitura.



* Poetisa, cronista, compositora e tradutora, autora de “O trem que traz a noite”, “Chão de vento”, “Calçada de verão”, “Limão Rosa”, “Amor a céu aberto” e “Florescência”; rima, ritmo e bom-humor são características da sua poesia. Deixa evidente sua intimidade com o mundo, abraçando o cotidiano com vitalidade e graça - às vezes romântica, às vezes irreverente e turbulenta. Sempre dentro de uma linguagem concisa e simples, plena de sutileza verbal, seus poemas são como um mergulho profundo nas águas da vida.




A serenata


* Por Adélia Prado


Uma noite de lua pálida e gerânios
ele virá com a boca e mão incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela,se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?

* Uma das mais consagradas poetisas brasileiras


sexta-feira, 29 de abril de 2016

Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)


LINHA DO TEMPO: dez anos, um mês e dois dias de criação.

Leia nesta edição:

Editorial – Ação filantrópica quer gerou aguda crise política.

Coluna Contrastes e Confrontos – Urariano Mota, crônica, “Miguel de Cervantes e o Brasil”.

Coluna Do Real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire, microcontos, “Pílulas literárias 228”.

Coluna No sopro do Minuano – Rodrigo Ramazzini, conto, “A fábula das certezas”.

Coluna Clássicos – Maciel Monteiro, poema, “Um sonho”.

Coluna Porta Aberta – José Paulo Lanyi, reportagem, “Meu técnico é o caminhão: o lixeiro que já deixou muitos quenianos para trás na São Silvestre”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso” Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


  
Ação filantrópica que gerou aguda crise política


O escritor francês (também ensaísta, diplomata e político), François-Rene de Chateaubriand, foi mais um dos raros homens de letras a tratar da epidemia de cólera, iniciada em 1830 (que se estendeu até 1832), em Paris e que, em apenas seis meses, causou a morte de 19 mil pessoas. Sua abordagem, todavia, foi muito diferente da feita pelo poeta alemão Heinrich Heine, na qualidade de correspondente do jornal Allgemeine Zeitung, com seu nu e cru realismo. Foi, isso sim, muito próxima dos relatos feitos por Anais Bazin. Tal como seu colega historiador, Chateaubriand não escondeu, sobretudo, seu assombro, sua surpresa pela forma com que a sociedade parisiense reagiu à doença: com uma mescla de indiferença, de cinismo e de medo.

Como se vê, não raro um mesmo fato comporta múltiplas interpretações, dependendo de quem o observa e interpreta. Ademais, essas testemunhas têm a tendência de generalizar, o que, queiram ou não queiram, é, no mínimo, grande estupidez. Por isso, manda a prudência que, sempre que possível, lancemos mão de mais de uma versão no relato de determinados acontecimentos que não testemunhamos.  Chateaubriand tratou da epidemia do cólera (como havia tratado, volumes antes, da peste bubônica) em sua vasta obra memorialística “Memórias de ultra tumba”, consistente de um punhado de tomos, abrangendo quase meio século da vida do seu país. Ao contrário de Bazin, e como político que era, e mais, como homem de muitas posses,  o escritor não se limitou a relatar o impacto da doença na população da cidade (embora também o fizesse de maneira bastante meticulosa). Tentou assistir, e não com verbas públicas, mas com seu próprio dinheiro, com seu patrimônio pessoal,  os mais pobres e desassistidos, possibilitando-lhes enfrentar essa tragédia sanitária.

Não tratarei, de novo, da vida e da obra de Chateaubriand, para não ser redundante. Já tratei deste assunto (embora de forma hiper resumida) em texto anterior, quando comentei sua abordagem sobre uma das tantas epidemias de peste bubônica que assolaram a França. Reitero, porém, que o escritor exerceu fundamental influência na literatura romântica, tanto da França como de várias partes do mundo, como um dos maiores estilistas do século XIX, sendo considerado, hoje, com justiça, como um “clássico” que de fato é.

Voltando, porém, a tratar de sua abordagem do cólera, observo que ele se estendeu muito, em seu relato, sobre uma triste polêmica política, gerada indiretamente pela epidemia, que mostra como muitos homens públicos são mesquinhos e insensíveis, pensando, exclusivamente, em suas carreiras, sem a menor preocupação humanitária ou social. Explico qual foi tal controvérsia. Chateaubriand quis fazer, como mencionei acima, donativos em dinheiro para ajudar as vítimas do cólera e suas famílias, todas das classes menos favorecidas (a maioria dos atingidos, por sinal) a lidarem com o terrível problema. Afinal, destaque-se, era homem abastado e tinha recursos pessoais suficientes para isso.

Mas... para que pensou nisso?!!! Sua atitude foi imediatamente distorcida e mal interpretada. E justo por quem? Pelos que tinham a obrigação de fazer, mas que nada faziam, alguma coisa útil e concreta em favor da população desassistida da cidade, à qual, aliás, haviam jurado servir quando nos palanques. A atitude filantrópica de Chateaubriand gerou, isso sim, grave crise política na cidade. Muitos subprefeitos de distritos de Paris rechaçaram o auxílio oferecido pelo benemérito escritor, argumentando, vejam só, que o providencial socorro pecuniário poderia ser entendido como uma espécie de “suborno” aos cidadãos, para que aprovassem suas teses políticas. Disseram, entre outras coisas, que a atitude poderia, até, provocar motins populares entre as pessoas contrárias às idéias políticas de Chateaubriand.

Bem, nem todos subprefeitos recusaram a ajuda. Quando o dinheiro chegou aos distritos que a aceitaram não houve, óbvio, nenhum problema entre os beneficiados. Ninguém se amotinou e nem viu segundas intenções nesse ato.   Esse auxílio, certamente, salvou muitas vidas e ajudou as famílias das vítimas que não conseguiram sobreviver a criarem alternativas para tempos posteriores à epidemia. Além do mais, Chateaubriand nunca exigiu, em troca, nenhuma espécie de recíproca, qualquer vantagem pessoal, nem mesmo a gratidão dos assistidos, o que desmente as alegações de seus adversários de que a providencial ação filantrópica poderia ser interpretada como “suborno”. Foi, isto sim, meritória e benigna atitude humanitária, que deveria ser imitada, e jamais contestada, sob qualquer alegação.

Aliás, as únicas reações contrárias vieram exatamente da elite (vejam só!), ou seja, das classes dirigentes. Estas chegaram, até, a destituir de seus cargos vários dos subprefeitos que apoiaram essa providencial (e, convenhamos, rara) ação filantrópica do escritor. Triste exemplo dado por políticos ignorantes, despreparados, oportunistas e cínicos, que não conseguiam pensar em outra coisa se não em suas fúteis e transitórias carreiras. Eram, como se vê, tão medíocres e vazios como os inúmeros dos nossos tempos. Não estranho, portanto, e nem um pouco, a sucessão de motins, com barricadas nas ruas e sangrentos combates corpo a corpo na cidade, que passaram para a História sob o título genérico de “Revolução de 1830”, mas que se estenderam muito além desse trágico ano. Com políticos dessa espécie, seria de se admirar que a população, largada ao deus dará e em desespero, não se rebelasse, embora a sucessão de revoltas nunca tenha redundado em nada melhor do que a turba combatia, a não ser em “mais do mesmo”.

Boa leitura.

O Editor.

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Miguel de Cervantes e o Brasil

* Por Urariano Mota


Neste sábado, completam-se 400 anos do falecimento do gênio Miguel de Cervantes.  É claro que só no sentido do corpo físico dizemos que falece um artista máximo da humanidade. O fundamental é que no mundo inteiro hoje se lembra a continuação viva de Cervantes em sua obra-prima, o Dom Quixote. Sem dúvida, o maior e melhor romance já escrito, digno de ser prova da existência do homem, quando mais nada existir.

Perdoem o que pode parecer uma orquestra de clarins. Se assim parece, compreendam. Um clássico da altura de Miguel de Cervantes é sempre moderno, para nós ele acaba de escrever agora mesmo, nesta hora. Assim, penso não ser um abuso a relação que estabeleço entre o Dom Quixote e o Brasil destes dias, quando uma presidenta honesta sofre impeachment comandado por um desonesto notório. Se não, observem na primeira parte da obra: 
“ - Seja Vossa Mercê servido, meu Senhor Dom Quixote, de me dar o governo da ilha que acabou de ganhar nesta rigorosa pendência; pois, por grande que seja, me sinto com forças de a saber governar, tal e tão bem como qualquer outro que haja governado ilhas no mundo”.

Ao que Dom Quixote respondeu:
“- Sabei, irmão Sancho, que esta aventura e outras semelhantes não são aventuras de ilhas, mas de encruzilhadas, nas quais não se ganha outra coisa senão uma cabeça quebrada, ou uma orelha de menos. Tende paciência, que outras aventuras se nos oferecerão, em que eu vos possa não só fazer governador, como até mesmo coisa melhor”.    

Nem é preciso estabelecer uma relação primária entre a ilha prometida a Sancho Pança, que só existia na imaginação do cavaleiro Dom Quixote, e o Brasil, um continente maior que a fantasia mais delirante. Importa mais o sentido de que o agir político mais de uma vez nos deixa todos em situação de encruzilhadas, nas quais se ganham cabeças quebradas, orelhas de menos e traições a mais. Ao mesmo tempo, como acompanhar nosso Brasil, a não ser com a riqueza da literatura, os discursos e votos em nome da honestidade proferidos por corruptos?

“As histórias inventadas tanto têm de boas e deleitosas quanto mais se aproximam da verdade ou de sua semelhança; e as verídicas, quanto mais verdadeiras, melhores são”. Assim falou o augusto cavaleiro na pena de Cervantes. Que belo pensamento e lição literária, que alcança todas as falsificações até hoje, no Congresso e nos livros. As histórias inventadas são boas quanto mais próximas forem da verdade. Quem escreverá sobre estes dias?

Então cheguemos ao fim:

“- Ai! - respondeu Sancho Pança, chorando - não morra Vossa Mercê, senhor meu amo, mas tome o meu conselho e viva muitos anos, porque a maior loucura que pode fazer um homem nesta vida é deixar-se morrer sem mais nem mais, sem ninguém nos matar, nem darem cabo de nós outras mãos que não sejam as da melancolia .... Vossa Mercê há-de ter visto nos seus livros de cavalarias ser coisa ordinária derribarem-se os cavaleiros uns aos outros, e o que é hoje vencido ser vencedor amanhã.”

Em seu autorretrato, escreveu um dia o gênio:

“Este, que aqui vedes, boca pequena, dentes nem de mais nem de menos, porque são apenas seis e, ainda assim, em má condição, muito mal dispostos, pois não têm correspondência uns com os outros... que se chama Miguel de Cervantes Saavedra, foi soldado durante muitos anos, escravo por cinco anos e meio e foi aí que aprendeu a ter paciência na adversidade.”

Grato, Cervantes. Com paciência, a dor de hoje também vai passar.


* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.



Pílulas literárias 228



* Por Eduardo Oliveira Freire



NA FESTA DOS GIGANTES


As taças eram deixadas  nas sacadas sob a luz do luar. Um nanico serviçal bebia escondido os drinks, pois tinha a sensação de sentir o gosto da lua. Quem o flagrasse o veria imenso a beijar a lua.


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FILHOS DO SILÊNCIO


Laura refugiava-se no silêncio de sua casa e tinha orgasmos profundos imersa na quietude. De repente, descobriu-se grávida de trigêmeos. Na hora do parto, médicos e enfermeiras ficaram admirados ao ver bebês tão quietos, mas transbordando vida.


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EM TEMPOS DE BERROS E VIOLÊNCIA



Transformou-se numa folha e imergiu na água. Assim, sente a quietude de seu mundo particular.


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ABSOLUTO



No quarto o silêncio grita, mas o cansaço faz o homem parar de ter medo. O sono vem e ele se torna um corpo em si mesmo como os móveis do quarto, tornando-se absoluto.


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* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/