Humildade e ignorância
A
ignorância, ou seja, a incapacidade de entender o que quer que seja,
mesmo que o objeto do não entendimento não seja muito complexo (que
pode ser relativa ou absoluta), é a suprema das misérias. Nada é
mais precioso do que o potencial de compreensão, a facilidade de
entender o concreto e o abstrato, que convencionamos denominar de
“inteligência”.
É
mister admitir que todos somos ignorantes de algo, embora em graus
variáveis, uns mais, outros menos e outros, ainda, de forma
absoluta. Não conheço o gênio que entenda de todas as disciplinas,
todas as artes, todas as ciências etc. que seja, em suma,
onisciente.
Os
sensatos admitem sua ignorância em determinados assuntos e procuram
um jeito de entender o que lhes seja ininteligível, desde que
necessitem desse entendimento. Quando não, deixam esses temas, para
eles obscuros e além do seu alcance de entendimento, para os que são
especializados neles. Com isso, evitam, com certeza, no mínimo, de
descambar para o ridículo. Já os insensatos... Nem é bom falar!
Ainda
quando o “ignorante” é humilde e reconhece suas dificuldades, há
certa esperança. Pior quando se trata de alguém arrogante, que acha
que sabe mais do que os outros, quando desconhece até o que é mais
comezinho e elementar, mas sai por aí ditando normas a propósito.
Há muitos desses tipos, vários dos quais, até mesmo, com diplomas
acadêmicos e títulos de doutor. Esses são insuportáveis.
Outro
conceito, em torno do qual há muita confusão, é o da humildade.
Escrevi, não faz muito, a propósito, destacando as diferenças
entre ser humilde e humilhar-se. Há quem ache que se trate da mesma
atitude. Não se trata, evidentemente.
A
escritora portuguesa Agustina Bessa Luís esclarece a respeito:
“Humilde é a pessoa que não afasta de si a crença do Infinito, a
realidade das suas pequenas pegadas na vida – e não aquela que se
desmerece, que insulta o seu corpo e a sua alma, que se enfurece
contra si mesma. Aceitar sua humilhação é consentir na humilhação
do seu próprio Deus”.
Quem
age dessa maneira não é humilde. É, sobretudo, ignorante do que
não pode e não deve ser ignorado. Abrir mão da dignidade e
expor-se ao ridículo não é ser humilde. É humilhar-se. Não se
trata, pois, de postura nobre, mas de posição ridícula face aos
semelhantes. É uma forma de autolinchamento.
O
padre Antonio Vieira, em memorável sermão, estendeu um pouco mais
sua definição de humildade, ao ressaltar que ela é “essencialmente
o conhecimento da própria dependência, da própria imperfeição e
da própria miséria”.
Quem
não tem essa consciência é ignorante e em grau superlativo. Todos
somos dependentes de alguém (e de não poucos, por sinal).
Desconheço os absolutamente autossuficientes. Contudo, quem ainda
não ouviu alguém dizer: ”não preciso de ninguém, sei me virar
sozinho?” Claro que precisa. Se não admite isso é, sobretudo,
ignorante.
Outro
aspecto destacado por Vieira é o da imperfeição. Todos somos
imperfeitos (igualmente em graus variáveis, uns mais e outros
menos). A atitude sábia, nesse caso, todavia, não é a do cômodo
conformismo, mas a da incansável busca da perfeição, mesmo
conscientes de que jamais chegaremos a ela.
Finalmente,
o magnífico pregador destacou nossa miserabilidade. Aqui não se
refere, obviamente, à posse de bens materiais, mas à nossa extrema
fragilidade e contundente transitoriedade. Todos somos, até certo
ponto, miseráveis, dada a nossa condição humana: efêmera e
mortal. A não admissão dessa miséria é outro sintoma, e não o
menos grave, de ignorância.
Em
um outro sermão, Vieira traz à baila a seguinte questão:
“Demócrito ria porque todas as coisas humanas lhe pareciam
ignorâncias; Heráclito chorava porque todas lhe pareciam misérias;
logo maior razão tinha Heráclito de chorar, que Demócrito de rir,
porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias, e
não há ignorância que não seja miséria”. Deixo-lhes, hoje,
essa importante lição como tema de reflexão.
Boa
leitura!
O
Editor.
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