Reflexões sobre a arte
A
arte é, há já décadas, tema recorrente das minhas reflexões.
Algumas, reproduzo em textos e partilho com leitores. Outras tantas
permanecem em algum cantinho da memória, num processo de
“fermentação de ideias”!, de “gestação”, até virem à
luz (quando vêm). Muitas, todavia, ainda não ganharam forma
definida e permanecem, secretas para o público, como que
adormecidas, em algum neurônio ou conjunto de neurônios do cérebro.
Em termos concretos, pelo menos por enquanto, não passam de
potencial.
Escrevi,
há algum tempo, em um ensaio (amplamente divulgado quer na mídia
escrita, quer na internet), o seguinte a propósito: “A arte
precisa ser instintiva, natural, selvagem. Trata-se da única forma
de sermos autênticos. É a nossa carta de alforria, a absoluta e
irrestrita liberdade. Ninguém é forçado a ser artista: músico,
escritor, pintor, escultor, poeta... É uma escolha pessoal e
intransferível, questão de vocação ou de talento. Ou se é ou não
se é artista, não existe meio-termo”.
Ainda
penso a mesma coisa a respeito, embora, com a vivência e a
consequente experiência, tenha desenvolvido um pouco melhor esse
raciocínio, de forma a torná-lo mais coerente e convincente. No seu
devido tempo, provavelmente, partilharei com o mundo (pois não sei,
e nunca saberei, quantos e quem são meus leitores) essas novas
reflexões. Ou talvez, jamais o faça.
No
citado ensaio, acrescentei, ainda: “Fazer arte é o modo de que
cada pessoa dispõe para ser livre, para impor a personalidade, para
deixar a marca no mundo. A aceitação ou não do que o artista
produzir vai depender de critérios subjetivos de apreciação e
avaliação dos destinatários. Mas a arte não comporta
interferências e nem censuras. A liberdade de escolha do artista tem
que ser respeitada e irrestrita. Só a ele cabe decidir sobre o que,
quando, como e onde criar. Pois a arte é a nossa carta de alforria.
É o nosso "DNA". É o nosso ser. É a nossa vez. É a
nossa voz...e única...”. E não é? Claro que sim!
Há
tempos, venho planejando escrever um livro com reflexões sobre arte.
Nos meus planos, todavia, ele não seria exclusivamente meu. Seria
constituído por uma coleção de ensaios, confrontando (quando for o
caso de confronto), ou “casando” (quando se configurar esse
“casamento”) minhas ideias a propósito com as de Fernando
Pessoa. E por que as dele e não de outro escritor qualquer? Ou de
algum artista de outras artes, um pintor, por exemplo, ou um
compositor (tanto faz se de música erudita ou popular), ou um
escultor ou um coreografo? Por vários motivos. Um deles, é que o
prolífico poeta português – mais conhecido e celebrado pelos seus
heterônimos, ou seja, por assumir várias personalidades artísticas,
cada qual com estilo e temática diferentes uma da outra – nos
brindou com diversas reflexões acerca do “fazer artístico”.
Isso,
além de poupar tempo de pesquisas – que não dariam em nada se o
artista que eu escolhesse não tivesse, jamais, refletido sobre arte
ou, o que é mais provável, verbalizado suas reflexões – haveria
(ou haverá?) de propiciar altíssima qualidade aos referidos (e
ainda só potenciais) ensaios, dada a pertinência e relevância das
suas colocações.
Fernando
Pessoa, por exemplo, em um de seus textos a propósito, começa por
definir o objeto das nossas reflexões: “A arte é a notação
nítida de uma impressão errada (falsa), (a notação nítida duma
expressão exata chama-se ciência). O processo artístico é relatar
essa impressão falsa de modo que pareça natural e verdadeira”.
Não é, acaso, uma ideia no mínimo original, posto que polêmica,
sobre o assunto? Não li nenhuma definição, sequer parecida, em
qualquer livro de outro escritor, ou filósofo, ou artista etc. É
simples, direta e precisa. Diria que é “cirúrgica”.
Outra
colocação de Pessoa a propósito refere-se à finalidade da arte.
Nesse aspecto, nós, escritores, que também somos artistas e de uma
arte das mais complexas e frustrantes, a literatura, nem sempre nos
damos conta. Fazemos o possível e o impossível para “agradar” o
máximo de pessoas, nossas leitoras em potencial, até por razões
práticas, comerciais: para vender nossos livros.
Achamos
que se não o fizermos, seremos um fracasso. Na concepção de
Pessoa, no entanto, esse empenho é equivocado. Explica porque: “A
finalidade da arte não é agradar. O prazer é aqui um meio; não é
neste caso um fim. A finalidade da arte é elevar”. É esta
elevação que devemos, prioritariamente, ter em conta. Caso
consigamos a façanha de, simultaneamente, elevar e ainda assim
agradar, muito bem. Acertaremos na mosca. Caso contrário... Com
todos os riscos, nossa missão é priorizar a elevação.
Para
os raríssimos artistas dos “sete instrumentos”, os que conseguem
transmitir seus sentimentos e pensamentos nas várias formas de
expressão artística, Fernando Pessoa também tem recomendações
específicas. Escreve: “Para os sentimentos vagos, que não
comportam definição, existe uma arte – a música, cujo fim é
sugerir sem determinar. Para os sentimentos perfeitamente definidos,
de tal modo que é difícil a emoção neles, existe a prosa. Para
os sentimentos que são harmoniosos e fluidos, existe a poesia”.
Raramente (provavelmente nunca) fazemos essa análise. E não raro,
arruinamos excelentes temas, que redundariam em obras-primas se
optássemos por expressá-los em artes mais compatíveis com eles.
Fernando
Pessoa observa, ainda: “Há as artes cujo fim é entreter, que são
a dança, o canto e a arte de representar. Há as artes cujo fim é
agradar, que são a escultura, a pintura e a arquitetura. Há as
artes cujo fim é influenciar, que são a música, a literatura e a
filosofia”. Entendem, agora, a razão de eu pretender escrever o
tal livro de reflexões sobre arte confrontando minhas provavelmente
toscas ideias com as magníficas (algumas transcendentais) de Pessoa?
Devo adiantar que nem sei se a pretendida obra será escrita ou não.
A maioria dos planos de um escritor finda em dar em nada. Por que? Em
decorrência, principalmente, das circunstâncias.
Existe
outra possibilidade que, embora à primeira vista pareça
implausível, não se pode afirmar que seja impossível. É a de, sem
que me tenha dado conta, esse tal livro já ter sido escrito e eu nem
tenha percebido. Como?!! Simples! Já escrevi tantos ensaios a
respeito, e vários deles mesclando minhas ideias às de Fernando
Pessoa, que não descarto que a reunião desses textos já componha
um volume (ou até mais de um), com unidade, lógica e coerência. Se
este for o caso, porém, uma coisa não posso garantir: que ele seja
publicado. Isso é algo que foge por completo da minha competência.
E sequer é necessário que decline a razão.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Esse começo de conversa já ficou instigante.
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