Um
para o outro
*
Por Marcelo Sguassábia
Tá
certo que ele não era nenhum conhecedor profundo do moderno cinema
dinamarquês. Mas ela também não era nenhuma marchand francesa
especializada na fase azul de Picasso ou nas esculturas de Rodin. Tá
certo que ele não era nenhum master-franqueado do Instituto Kumon,
com 25 unidades só no Centro-Oeste e ótimas perspectivas de
expansão. Mas ela também não tinha propriamente onde cair morta, e
se tinha não sabia o número da sepultura nem o cemitério.
Tá
certo que ele não era nenhum prodígio musical, capaz de assobiar as
32 sonatas de Beethoven de trás para a frente e em ordem cronológica
de composição. Mas ela também não arriscava nem o “Atirei o Pau
no Gato” debaixo do chuveiro e sem ninguém em casa.
Tá
certo que ele não era nenhum Tom Cruise, ainda que seu convênio
médico cobrisse cirurgia para correção de astigmatismo congênito
em grau severo. Mas ela também era um estrago natural à prova de
photoshop, e estava a léguas de distância da última colocada no
Miss Birigui 1978, edição do evento especialmente pródiga em
mulheres corcundas e fora do peso.
Tá
certo que ele não era nenhum espertalhão pronto a dar o bote, sendo
notória sua semelhança fisionômica com Mister Bean – com a
diferença que este último amealhou uma montanha de dinheiro com sua
cara de idiota. Mas ela também não era nenhuma megera movida a
terceiras intenções, e não consta na delegacia boletim de
ocorrência envolvendo seu nome.
Tá
certo que ele não era nenhum iogue indiano, evoluído
espiritualmente a ponto de ingerir um basculante de estrume com um
sorriso nos lábios, em piedoso sacrifício pelo bem da humanidade.
Mas ela também não nascera Madre Teresa de Calcutá, e trocaria sem
pestanejar sua alma por um naco de quebra-queixo, desde que com
bastante gengibre.
Tá
certo que ele não era nenhum exemplo de autoestima, se considerarmos
as três ou quatro vezes em que foi encontrado com o gás ligado e a
cabeça dentro do forno, além de outras tantas em que o flagraram
ouvindo a Perla no volume máximo (e no banheiro, onde o perigo é
maior devido ao eco). Mas ela também não tinha motivos para nutrir
por si mesma a mais remota simpatia, tanto que uma não olhava para a
cara da outra quando se cruzavam no espelho.
Tá
certo que eles não eram nenhum casal modelo. Ainda assim
apaixonaram-se, casaram-se e previsivelmente não foram nem um pouco
felizes. Mas também, antes mal acompanhados do que sós.
*
Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Nascidos um para o outro.
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