Irreverente e genial
Há
artistas, e não importa de que arte, que têm trajetória de vida e,
sobretudo, conduta pública mais marcante do que a obra que produzem.
Um desses tantos personagens – digamos, excêntricos, ou
“folclóricos” – cuja biografia tive a oportunidade de ler
tempos atrás, é o empresário, artista plástico e cineasta
norte-americano Andy Warhol Foi uma figura! Certamente ele é mais
lembrado por uma frase de efeito que disse, em certa ocasião, do que
propriamente por seus quadros, mesmo sendo o criador do movimento
artístico conhecido como “popart”.
E
o que foi que essa controvertida personalidade da segunda metade do
século XX disse de tão especial, repetida, amiúde, por milhões de
pessoas mundo afora, a maioria das quais não sem a mais remota noção
de quem ele foi? Afirmou – ou, pelo menos, atribuem-lhe haver
afirmado – que “no futuro, todo mundo será famoso por 15
minutos”. Convenhamos, submetida a uma análise minimamente lógica,
o que disse não foi nada de especialmente inteligente,
revolucionário, transcendental ou sequer verdadeiro. Mas... o que
afirmou, provavelmente até por gozação, “pegou”. E tornou-se
uma espécie de “vinheta” de Andy Warhol.
Esse pitoresco personagem –
cujo nome de batismo era Andrew Warhola – nasceu em 6 de agosto de
1928, na cidade de Pittsburgh. Morreu em Nova Jersey, aos 59 anos, em
22 de fevereiro de 1987. Quando se menciona este artista, faz-se
indispensável destacar o que, no meu entender, foi sua principal
virtude: a coerência. Mestre de toda uma geração, imitado, mas
nunca igualado, no período que antecedeu sua morte estava longo
tempo sem produzir nada. Quando perguntado sobre a razão desse
afastamento da arte, respondeu, simplesmente, que já havia “dito
tudo o que tinha a dizer”.
Há
um episódio que revela bem o quanto Andy foi coerente em sua
trajetória artística. Indagado, certa vez, por um desses críticos
(que sempre estão à cata de ângulos diferentes da vida dos grandes
realizadores, para tentar conseguir elementos mais concretos que lhes
possibilite a interpretação de sua temática), sobre suas ambições
na vida, não se fez de rogado. Respondeu, sem pestanejar, que eram
somente duas: “Ser ultrajante e ganhar bastante dinheiro”. Pelo
menos, foi sincero.
Ninguém
pode dizer, em sã consciência, que não tenha alcançado ambas as
metas. No primeiro caso, Warhol desmistificou os objetos de
inspiração artística. Demonstrou que as coisas mais banais, as que
preenchem o cotidiano de todo mundo, têm beleza própria e podem,
por isso, ser profundamente artísticas. O exemplo mais específico
foi o fato de Andy ter pintado uma série de telas retratando sabem o
que? Latas de sopa “Campbel`s”, produto muito popular nos Estados
Unidos, de grande consumo pela população! Querem coisa mais trivial
e, supostamente, menos inspiradora do que esta?! Pois é, mas para
ele, a escolha rendeu fama e fortuna. Afinal... gosto é gosto e não
se discute.
O
artista reproduziu as tais latas de sopa em pilhas, nos
supermercados; amassadas, nas ruas; abertas; fechadas; unitariamente;
agrupadas, além de ter se valido das diversas variedades em que o
produto é oferecido ao público. Foi, aliás, com essa temática que
se constituiu no marco zero da chamada “popart”, que Warhol
lançou em princípios dos anos 60, a chamada “década da
contestação”.
O
movimento que criou acabou por se constituir em outro dos tantos
episódios contestatórios que caracterizaram aquele período, aliás,
dos mais importantes entre os tantos que se verificaram na segunda
metade do século XX. Por isso, cumpriu, de fato, a primeira das
grandes ambições que confessou ter: foi mesmo ultrajante. No
segundo caso, ou seja, no que diz respeito ao seu desejo de
transformar tudo o que tocasse em ouro, à moda de um Midas dos
nossos tempos, o objetivo foi, igualmente, atingido, em vista,
principalmente, do seu enorme talento para negócios. Andy ganhou
dinheiro, não há dúvidas, muito dinheiro.
Por
exemplo, um de seus quadros mais conhecidos, aquele em que o artista
retratou uma série de notas de US$ 200, resultou num “milagre da
multiplicação”, o mais extraordinário que se conhece na
atividade artística. A obra foi arrematada, num leilão, realizado
em Nova York, pela “bagatela” (pasmem) de US$ 385 mil! Nada mau,
não é mesmo?
Na
ocasião, portanto, conseguiu alcançar seus dois objetivos de vida e
de uma única tacada. Foi sumamente “ultrajante”, trocando
dólares reais, palpáveis e valiosos, pelos imaginários, frutos do
seu talento. E, de lambuja, aumentou em vários milhares a mais de
cifrões sua polpuda conta bancária. Outro aspecto que sempre chamou
a atenção em Warhol foram suas frases, deliciosamente irreverentes
e muitas caracterizadas pelo “nonsense”, que brotavam impregnadas
de um humor inteligente e refinado. E não somente a que citei acima
(nem tão inteligente assim).
Quando
lhe pediram que justificasse a razão de se fixar na temática das
latas de sopa, por exemplo, Andy não tergiversou. Poderia, como
muita gente metida a gênio faz, desfiar um rosário de motivos
subjetivos. Não fez isso. Tivesse outro tipo de cabeça e talvez
saísse com justificativas pseudo filosóficas ou coisas do gênero.
Mas isso não fazia parte da sua maneira de ser. Nunca foi seu
estilo. Andy Warhol era, sobretudo, autêntico. E foi essa
autenticidade que demonstrou na resposta que deu. Dentro do seu
enfoque pessoal, paradoxalmente simples e direto, Andy explicou que
pintava o tema simplesmente “porque eu comia aquela sopa. Comi-a
durante vinte anos, quase todos os dias, sempre a mesma coisa. Alguém
me disse que a minha vida me dominou; esta ideia me agrada”.
Andy
Warhol, filho de imigrantes checos, cursou, em Pittsburgh, o
Instituto de Tecnologia. Findo o curso, fixou residência em Nova
York, onde iria desenvolver sua arte e se tornar mundialmente famoso,
na metade da década de 1950. Na “Big Apple”, que dado seu
cosmopolitismo foi e é campo bastante fértil para inovações, Andy
trabalhou ativamente, por um certo período, em uma agência de
publicidade. Isto talvez explique (ou pelo menos pode ajudar a
explicar) a razão da escolha da sua temática, mais pendendo para o
“design” industrial, para a propaganda de produtos, do que para
aquele padrão convencional que ainda caracteriza as artes plásticas.
Em
1957, Warhol chegou a ganhar um prêmio, por uma campanha
publicitária de sapatos que desenvolveu. Por este tempo, já se
dedicava aos quadrinhos. Não, como diria mais tarde, com o objetivo
de se tornar profissional da área, então em expansão, onde o
talento é colocado a serviço exclusivamente do entretenimento. Seus
primeiros trabalhos nessa área foram uma espécie de ensaio para o
que realmente tinha em mente. Ou seja, para mostrar, a si mesmo e aos
outros, que era possível fazer a fusão entre as artes plásticas e
a propaganda.
Warhol
passou a desenhar, entre outras, versões ampliadas das tiras de Dick
Tracy, muito populares na imprensa norte-americana ainda hoje. Seu
intento, todavia, não era enfatizar as peripécias desse herói
imaginário. Seu objetivo, no fundo, no fundo, era essencialmente
propagandístico. O artista pretendia decorar as vitrines da loja da
“Lord and Taylor” com cenas desse personagem, logicamente no
intuito de atrair potenciais clientes.
Não
tardou para que seu espírito inquieto e inovador o levasse a
incursões em outros campos. Um deles foi o chamado “movimento
underground films” (cinema subterrâneo), em que em pouco tempo se
tornou famoso e respeitado, principalmente por suas tantas
excentricidades. Uma, foi a filmagem de “As Estrelas”, película
que tinha nada menos do que 25 horas de duração! Provavelmente,
este é um recorde mundial em termos de extensão de um filme.
Mas
o trabalho de Andy Warhol que se tornou virtualmente antológico,
nesse tipo de cinema, foi “O Sono”. O filme, considerado clássico
no gênero, mostra única e somente uma pessoa dormindo, durante as
oito horas de sono de qualquer ser humano normal. “E daí?”,
perguntará o leitor, “onde está a emoção disso? Quem iria
querer assistir a uma loucura dessas?”. Pois teve muita gente que
quis. E que assistiu. E não somente nos cineclubes, espalhados nessa
ocasião por todos os Estados Unidos, dados a esse tipo de
excentricidade, mas até em circuito comercial de cinema. Afinal...
há gosto para tudo, não é mesmo? Justificando a produção,
interpretada por muita gente como mera brincadeira (embora muitos a
levassem a sério e enfatizassem a “genialidade” da ideia), Andy
afirmou: “Mostrar um homem dormindo durante oito horas é também
um ato de beleza”. Com o que muita gente concordou. Prova? O
sucesso do filme.
Em
pouco tempo, Warhol transformou o empreendimento artesanal em
indústria organizada. Criou um atelier de cinema que batizou de “A
Fábrica”. Suas ideias, no entanto, eram tão excêntricas que
chegavam a confundir a cabeça até dos mais revolucionários (ou
malucos?). Principalmente dos que trabalhavam com ele. Foi o que
aconteceu, por exemplo, com Valerie Solanis, estrela de uma de suas
películas, “Chelsea Girls”. A atriz descontrolou-se
emocionalmente, por alguma razão que até hoje não ficou
esclarecida, e esse descontrole quase resultou em tragédia, que por
pouco custou a vida de Andy Warhol.
Em
uma determinada noite, a moça entrou, transtornada, no atelier, com
dois revólveres de calibre 32 nas mãos. A seguir, sem dizer uma só
palavra, sem nenhuma discussão, passou a descarregar as armas sobre
o aturdido pintor, ferindo-o gravemente. Na ocasião, chegou-se a
pensar que Andy não resistiria aos ferimentos. Todavia, resistiu.
Subitamente, o nome do artista saía das páginas de arte e entrava
no noticiário policial dos principais jornais. Warhol ficou várias
semanas entre a vida e a morte, em estado de coma. Foi submetido a
uma delicadíssima cirurgia, que poucos acreditavam que viesse a
resistir. Mas desta o artista conseguiu escapar.
Quando
já estava recuperado, assim que ganhou alta médica, até brincou
com o que lhe havia acontecido. Certa vez, Andy disse, sobre o
trágico e violento episódio: “Acho que ser famoso não é
realmente importante. Se eu não fosse famoso, não teria levado uns
tiros por ser Andy Warhol. Talvez tivesse levado uns tiros por estar
no Exército. Ou talvez fosse um professor bem gordo”. Quem não
endoidaria na companhia de um sujeito desconcertante como esse?!
Boa
leitura!
O
Editor.
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