quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Literário: Um blog que pensa


(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)


LINHA DO TEMPO: Onze anos, oito meses e três dias de criação.


Leia nesta edição:


Editorial – Luta entre a memória e o esquecimento.

Coluna Ladeira de Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica, “Papeis do escritor”.

Coluna Contradições e paradoxos – Marcelo Sguassábia, crônica humorística Chato pra morrer”.

Coluna Do fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, crônica, “Reencontro!.

Coluna Porta Aberta – Alcides Buss, poema, “Coração formigueiro”.

Coluna Porta Aberta – Alberto Cohen, poema, “Um pequenino canto”.


@@@


Livros que recomendo:

Poestiagem – Poesia e metafísica em Wilbett Oliveira” (Fortuna crítica) – Organizado por Abrahão Costa Andrade, com ensaios de Ester Abreu Vieira de Oliveira, Geyme Lechmer Manes, Joel Cardoso, Joelson Souza, Levinélia Barbosa, Karina de Rezende T. Fleury, Pedro J. Bondaczuk e Rodrigo da Costa Araújo – Contato: opcaoeditora@gmail.com

Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com

A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com

Boneca de pano” - Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com

Águas de presságio”Sarah de Oliveira Passarella – Contato: contato@hortograph.com.br

Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.

A sétima caverna”Harry Wiese – Contato: wiese@ibnet.com.br

Rosa Amarela”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br

Acariciando esperanças”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br

Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br

Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br




Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Luta entre a memória e o esquecimento


Dia desses, um dos meus amigos mais diletos, espécie de confidente e confessor simultaneamente, perguntou-me, de repetente, após eu lhe mostrar parte do meu acervo de textos, aquele que produzi antes do advento do computador e que venho, pacientemente, digitando há já alguns anos e registrando na memória eletrônica de meu PC: “Por que você escreve tanto, Pedrão?”. Pego de surpresa, já que ninguém antes havia me feito esse questionamento (e nem eu havia pensado nisso), respondi: “Por que? Ora, porque! Porque gosto!!!”.

Em seguida, no entanto, me questionei: “gosto tanto mesmo? Caso não vivesse de texto e escrever não fosse meu ganha pão, eu escreveria tanto assim? Ou sequer escreveria?”. Tenho lá minhas dúvidas. No momento, não soube responder com honestidade e franqueza para mim mesmo, e muito menos para o amigo curioso.

Gosto, é verdade, desse exercício de tecer pensamentos juntando letrinhas. Mas escrevo sempre com prazer? Sinceramente, não! Há momentos em que isso me é pesado fardo e que, se não tivesse compromissos a cumprir, não escreveria. Trocaria meu espartano gabinete de trabalho – do qual retirei até os quadros de alguns artistas plásticos prediletos das paredes, para não me distrair – por um passeio sem hora de começar e nem de acabar num bosque florido, ou à beira de algum lago ou rio. Ou por assistir um jogo da minha Ponte Preta no Estádio Moisés Lucarelli e livrar-me das tensões, gritando mil impropérios contra o árbitro (mesmo que ele não errasse contra minha Macaca) e os gols do meu time a plenos pulmões, até ficar rouco. Ou por uma ida ao teatro, para assistir a uma peça, de preferência cômica, ou a uma ópera, ou a um concerto sinfônico. Há tanta coisa a fazer mais prazerosa do que juntar letrinhas para formar palavras, orações, períodos, parágrafos e vai por aí afora!!!

Há, é claro, momentos em que o texto me proporciona imenso prazer. Isso ocorre quando tenho liberdade de escrever o que, quando e como quiser. Em que ninguém me encomende crônicas e principalmente não fique me telefonando a toda a hora, cobrando a entrega. Em que algum editor chato não fique me limitando o número de linhas ou a quantidade de palavras (por isso, gosto de editar meus próprios textos. Quando outro os edita, sinto-me violentado e tolhido em minha liberdade intelectual).

Poucos escritores são sinceros ao falarem sobre o exercício da escrita. Nove entre dez afirmam (sem nem ficarem vermelhos): “Adoro escrever! É a minha vida, meu maior prazer! E blá-bla-blá; bla-bla-blá e bla-bla-blá”. Balela! Pois... quando você vai verificar o que já escreveram e quantas horas do dia (caso não escrevam para viver) dedicam a esse exercício, pega-os direitinho na mentira.

Milan Kundera, um dos escritores mais bem-sucedidos da atualidade (no meu entender, já merece há anos um Nobel de Literatura), desabafou, pela boca de um personagem, no romance “O livro do riso e do esquecimento”: “Nós escrevemos livros porque nossos filhos se desinteressam de nós. Nós nos dirigimos ao mundo anônimo porque nossa mulher tapa os ouvidos quando falamos com ela”.

No meu caso, isso não deixa de ter um fundo de verdade, embora os motivos de eu escrever tanto serem diversos, como a necessidade de ganhar o pão nosso de cada dia, o desejo de partilhar pensamentos e sentimentos, a tentação de incensar minha vaidade, etc. etc.etc. E põe etc. nisso! Todavia, esta verdade de Kundera não é “toda” a minha verdade.

Em alguns dias e/ou circunstâncias, de fato escrevo como num desabafo, por não ter a quem dizer o que estou pensando e sentindo de viva voz. Seria bem mais simples e prático e me exigiria mínimo esforço. Não faria, por exemplo, volumes de cópias impressas na impressora e nem pilhas de anotações em papeluchos de todos os tamanhos . Meu desabafo entraria por um ouvido do interlocutor, sairia por outro e tudo ficaria por aí. Perder-se-ia no ar.

Os filhos têm sua própria vida e só se lembram do velho pai em datas festivas, como aniversário (deles ou meu), Páscoa, Natal e Ano Novo etc. E olhem lá! Tudo bem. Não os geramos e educamos mesmo para nosso deleite, mas “para o mundo”. Só que isso não precisava ser tão literal assim, não é mesmo?.

Quanto à mulher... nem todos são casados com alguma que aprecie literatura (a bem da verdade, raríssimos o são). E mesmo as que gostam de ler e escrever, dificilmente terão o mesmo gosto nosso. Talvez não tapem, literalmente, os ouvidos quando falarmos, mas educadamente fingirão nos ouvir, quando na verdade não nos ouvirão ou não atentarão para o que falarmos. Perceberemos isso apenas se ou quando lhes fizermos uma pergunta qualquer a que elas, distraidamente, dirão: “Han???” Será a prova cabal de que não ouviram um tiquinho sequer do que lhes dissemos.

É provável, viu amigão que me fez a embaraçosa pergunta, que eu escreva tanto principalmente numa tentativa desesperada de não ser esquecido, após cumprir meu ciclo cá na Terra. Não sei se esta é a estratégia mais adequada (temo que não). Lutamos a vida toda contra a morte (embora saibamos que em vão), contra a indiferença e contra um montão de outras coisas, mas, sobretudo, contra o poder. O acaso e as circunstâncias, porém, é que irão determinar se serei ou não lembrado mais adiante. Encerro estas considerações com as palavras de Milan Kundera, no livro que citei acima: “A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento”. Oxalá a memória vença!!!

Boa leitura!

O Editor.


Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Papéis do escritor

* Por Pedro J. Bondaczuk

O escritor tem vários papeis na sociedade contemporânea (como, ademais, sempre teve nas que a precederam) a que sequer se dá conta. Um deles, é o de guardião do idioma do seu país. Como cumprir essa função é óbvio e a maioria a cumpre com razoável zelo e competência. É utilizando-o com clareza e precisão e sempre respeitando todas as suas regras, quer as semânticas, quer as gramaticais.

Outro papel do escritor, e este muito mais complexo e abrangente, é o de divulgar e consolidar valores duramente conquistados ao longo de milênios pela humanidade – como justiça, respeito, lealdade, honra, fidelidade, amor, amizade e solidariedade, entre outros – resgatando os que estiverem em risco de desaparecer (e muitos deles estão) e ampliando os demais, impedindo que se “esclerosem”, que se transformem em mera retórica, em simples palavras, despidas de vida e conteúdo.

Roger William Riis lembra que "somente nós, entre as coisas vivas, descobrimos a Beleza, a amamos e criamo-la para os nossos olhos e para os nossos ouvidos". Nessa mesma linha de raciocínio, o autor teatral Thornton Wilder, na peça "Our Town" (Nossa Cidade), coloca na boca de um personagem: "Oh, Terra, és maravilhosa demais para que alguém te perceba. Acaso os seres humanos têm consciência da vida enquanto vivem? Da vida em todos os seus minutos?". Certamente que não têm. O ideal de beleza, de cultura, de harmonia e de inteligência plena tem que ser, igualmente, cultivado no dia-a-dia, por sua transcendência e importância, sob pena de retroagirmos à barbárie. E ninguém tem melhores condições de fazer isso do que o escritor.

Claro que há formas e formas de fazer isso. Em alguns casos, por exemplo, abordagens diretas e lógicas sobre cultivo de valores funcionam, mas nem sempre. Há quem considere esse tipo de procedimento maçante, pedante e chato. Para não ter tais características, o escritor tem que se valer do seu talento de comunicação, para tornar o tema interessante e atrativo. Esse assunto requer abordagens inteligentes, diria “estratégicas”, como num campo de batalha. As palavras soam, via de regra, ambíguas, e é preciso cuidado, rigor e bom-senso na sua utilização.

Muitas vezes, por exemplo, na criação de um personagem forte, virtuoso ou absolutamente despido de virtudes e de ética (rigorosamente imoral) transmitimos, ou temos condições de transmitir, muito mais ensinamentos, de forma subreptícia e apenas implícita, do que explicitando o discurso. Caso consigamos emocionar o leitor com atos de nobreza acima do usual praticados pelo protagonista da história que criamos (e narramos), transmitiremos com maior eficácia a mensagem da importância dos valores da civilização. Podemos, ademais, fazer o mesmo despertando-lhe repulsa pelas atitudes do vilão. Para tanto, todavia, nosso enredo terá que ser natural, espontâneo e, principalmente, verossímil.

Milan Kundera, em seu livro “A Imortalidade”, cita um comportamento curioso, que eu já havia observado (até em mim mesmo), mas que me sentia relutante em abordar. Receava ser considerado “ridículo” se o mencionasse, embora tivesse convicção de não me enganar nessa observação. O escritor checo constatou, em determinado trecho: “Existe apenas uma coisa que todos desejamos: que o mundo inteiro nos considere grandes pecadores! Que os nossos vícios sejam comparados aos temporais, às tempestades, aos furacões!”. Em contrapartida, parecemos nos envergonhar das nossas virtudes (se as tivermos, claro), dos valores que absorvemos, cultivamos e praticamos, com receio de sermos considerados covardes, medrosos, fracos, tíbios ou sabe-se lá mais o quê.

Mais adiante, Kundera acrescenta: “Cada um de nós deseja transgredir as convenções, os tabus eróticos, e entrar com embriaguez no reino do Proibido. Mas nos falta tanta audácia”. Por que desse desejo pelo interdito, embora secreto, tão secreto que não o admitimos nem a nós mesmos?

A prática nos mostra que os valores referidos antes – justiça, respeito, lealdade, honra, fidelidade, amor, amizade e solidariedade – de fato funcionam como pilares da civilização e do relacionamento sadio entre pessoas, grupos sociais e nações. Caso contrário... não teriam sobrevivido ao tempo e ao esquecimento.

O que ocorre com eles então? Acontece que os que deveriam transmiti-los não o fazem com perícia e sabedoria. Apelam para maçantes “sermões”, tratam a respeito com arrogância e pedantismo e, com isso, repelem os leitores. Fazem com que seu público-alvo, mesmo que inconscientemente, sinta desejos de violá-los, derrubá-los, aniquilá-los, querendo (mesmo que não fazendo) transgredir esses valores, como se fossem coisas muito ruins, mas sem os quais a civilização não se sustentaria por nem mais um dia sequer.

A educação, valor básico do homem, está em crise. Cristalizada em dogmas, não acompanha a evolução da humanidade – da passagem de uma sociedade industrial para outra de informação, por exemplo. Não satisfaz, portanto, as necessidades sociais, em um mundo assoberbado por novas questões e crescentes problemas. O fenômeno ocorre tanto no Ocidente, quanto no Oriente. Verifica-se quer em países altamente evoluídos política, econômica, social e tecnologicamente, quer em Estados carentes, até inviáveis (nestes, logicamente, de forma mais intensa).

É necessário exigir o seu resgate, com um enfoque mais ético e humanístico. E não somente exigir, mas trabalhar nesse sentido. O escritor, com seu poder de comunicação, com sua capacidade de convencimento e criatividade e, em suma, com seu talento, tem condições de ser esse agente resgatador. Desde que queira, logicamente. Pense nisso.


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk



Chato pra morrer


* Por Marcelo Sguassábia


Há certa morbidez em falar de desejos póstumos, mas não convém adiar indefinidamente esse indesejável assunto. Seguem então algumas orientações, às quais peço obediência e respeito.

. Sempre dormi de lado, sobre o braço direito e com as pernas levemente flexionadas. Meu caixão deve ser confeccionado respeitando essa posição, por mais estranho que possa parecer o seu formato quando fechada a tampa. E que seja também providenciado um pequeno travesseiro, roxo, com penas de ganso, que deixe a cervical reta e alinhada tanto quanto possível. Já que o sono será eterno, que não falte conforto a ele.

. Falando em sono, o meu sempre foi muito leve. Como ninguém pode dar certeza definitiva sobre a inexistência de algum nível de consciência pós-morte, prefiro me prevenir quanto a eventuais ruídos que perturbem meu sossego. Assim, solicito a meus familiares que recubram o granito do túmulo com uma camada de 20 centímetros de cortiça, para que haja total isolamento acústico entre minha carcaça e possíveis defuntos-vizinhos chegados a uma bagunça.

. O mencionado granito deve ter uma tonalidade entre o marrom e o rosa, numa nuance intermediária e cambiante ao longo do dia, dependendo da posição do sol.

. Diz o ditado que quem morre come grama pela raiz. Então, que minhas refeições sejam da melhor qualidade. Exijo grama do tipo esmeralda circundando a sepultura, pois pelas pesquisas que empreendi até o momento esta espécie é a que melhor resiste à infestação de tiririca e outras pragas daninhas. Na colocação, que as placas sejam dispostas simetricamente, que as regas sejam semanais – exceto de dezembro a fevereiro – e que as podas sejam efetuadas sempre que a grama atingir 3 centímetros de altura. Nem mais, nem menos.

. Quando se morre, nem toda vaidade vai para a cova com o defunto. Há relatos de corpos desenterrados apresentarem excelente estado de conservação, mesmo com exumações feitas décadas após o óbito. Ainda que admitamos controvérsias na explicação do fenômeno, parece haver consenso de que caixões lacrados conservam o finado por mais tempo. Assim como muitas pessoas querem aparentar menos anos de vida, concedo-me o direito de aparentar menos anos de morte, e autorizo desde já a lacração do meu paletó de madeira por profissional habilitado na tarefa.
Solicito ainda que minhas roupas sejam de tecido 100% sintético, que demora centenas de anos para degradar completamente. Dessa forma, maiores serão minhas chances de parecer apresentável ao exumador.



* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).




Reencontro

* Por Gustavo do Carmo

Eu não queria, mas a editora insistiu. E acabei concordando, a contragosto, em fazer uma noite de autógrafos para lançar o meu terceiro livro. As duas experiências anteriores foram desagradáveis. Ou melhor, não corresponderam às minhas expectativas.

Nem pareciam lançamento de livro, mas alguma festa familiar. Alguns parentes compravam cinco livros de uma vez. E o meu pai comprou o resto do estoque para dar venda. Odeio isso. Além de não incentivar o meu talento e não elevar a minha autoestima, fica tirando os livros do mercado. Fora os amigos que ele fica me obrigando a convidar. Gente que eu nem conheço.

Concordei em fazer o lançamento com a condição de que a editora se responsabilizasse por tudo, inclusive pelos convidados. Mesmo assim eu não deixaria de convidar os meus parentes. Só parentes, porque não tenho amigos. Aliás, só tenho um, que mora em Teresópolis e eu não sabia se iria.

Mas foi. Além dele, também apareceram quase todos os parentes que eu convidei, tanto do meu pai quanto da minha mãe. E os amigos de ambos e da minha irmã também. Numa grande livraria de um shopping da Barra da Tijuca, onde se realizou a festa, havia bastante gente. Estava autografando muito. Minhas mãos começaram a doer.

A dor pior veio em seguida. Uma ex-colega de uma pós-graduação que eu abandonei (o curso) aguardou pacientemente a sua vez na fila. Uma não, dois ex-colegas. Estavam casados. E ela grávida. Os dois se diziam meus amigos, mas começaram a me boicotar nos trabalhos de grupo, inclusive o final.

Gostava dela como mulher, mas sabia que ela já era casada com outro homem (antes deste ex-amigo) e tinha uma filha adolescente. Respeitava muito isso. O novo marido não respeitou. Deu em cima dela na minha frente. De repente, ela quis deixar o primeiro esposo cuidando da filha e foi trabalhar. Depois que eu já tinha saído do curso fiquei sabendo que eles estavam trabalhando na mesma afiliada de TV do interior do Rio.

Agora, os dois estavam casados (ela pela segunda vez), apaixonados, “grávidos” e felizes na minha frente. Eu, sofrendo com a minha imaturidade, a dependência financeira do meu pai e meu desemprego, apenas com o sonho de ser escritor famoso.
Parabéns, Gustavo! Autografa pra mim, meu marido e a minha filha? Pediu ela, como se nada tivesse acontecido.

Fechei a cara.
Desculpa, mas eu não autografo livro para gente cretina, falsa, mentirosa e desprezível. Com licença.

A minha mãe tentou me censurar, chamando o meu nome em tom de repreensão. Levantei-me da mesa sem dar mais uma palavra, apenas pedindo para a representante da editora avisar que eu iria ao banheiro e voltava em instantes. Ao meu cunhado pedi, num canto, que eu só retornaria quando esse casal de traidores fosse embora. Dei uma volta no shopping. Quando voltei para a livraria, dez minutos depois, o casal de ex-colegas não estava mais lá. Nem os convidados. A livraria ficou vazia. Os livros abandonados na mesa. Resmunguei para a moça da editora:
Entendeu porque que eu não queria festa de lançamento?


* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess - http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e


PerSe -http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
Coração formigueiro

* Por Alcides Buss

A Terra respira.
A tosse, porém, 
não a deixa dormir.

Seus pulmões
padecem minados
por algo que vai
da Síria a Wall Street,
do Rio à minha esquina.

Poesia nesta hora? Só
de eclipse do sol
ou, assim, de mentirinha.


* Professor universitário e poeta
Um pequenino canto

* Por Alberto Cohen

O pequenino canto é o nosso canto,
embora abandonado e sem o canto
de nossos passarinhos.
Mesmo sem teu sorriso e meu cigarro,
a poesia, que ajuntamos de bobagens
e de imensas ternuras,
ainda espera, no quarto, na sala,
que eu, por um beijo teu, volte a escrevê-la.
Decerto aquele frio das madrugadas
reclama a falta do calor dos corpos
que nunca mais se doaram,
e o cheiro de jasmim não vê sentido
em não te perfumar.
Invisíveis pegadas de momentos,
pelo chão da casa, pelo céu da cama
pelo nosso carma,
vão dizendo, em silêncio, que a magia
ainda mora num pequenino canto
em que o passado permanece atento
a qualquer ruído, a qualquer risada,
a qualquer retorno...
Se, de repente, um tempo de visagens
e de ervas daninhas
quiser invadir o pequenino canto,
não passará da entrada, pois verá
que os moradores saíram, não estão,
mas alguns de seus sonhos, vigilantes,
aguardam no portão.
E as ondas do mar ainda chamam teu nome,
e a luz do luar teus cabelos espera,
e o vento proclama que nos encantamos
e imortais nos tornamos,
em todas as nossas histórias guardadas
na imaginária linha do horizonte
de nosso imenso pequenino canto.


* Poeta paraense.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Literário: Um blog que pensa


(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)


LINHA DO TEMPO: Onze anos, oito meses e dois dias de criação.


Leia nesta edição:


Editorial – Essencial e detalhe.

Coluna De Corpo e Alma – Mara Narciso, crônica, “Onze anos de História”.

Coluna Verde Vale – Urda Alice Klueger, trecho de livro, “Os meninos do Chaco”.

Coluna Em verso e prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema, “Desdém”.

Coluna Porta Aberta – Luiz de Aquino, artigo, “Aviltamento”.

Coluna Porta Aberta – Adriano Nunes, poema, “Em qualquer lugar”.

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Livros que recomendo:

Poestiagem – Poesia e metafísica em Wilbett Oliveira” (Fortuna crítica) Organizado por Abrahão Costa Andrade, com ensaios de Ester Abreu Vieira de Oliveira, Geyme Lechmer Manes, Joel Cardoso, Joelson Souza, Levinélia Barbosa, Karina de Rezende T. Fleury, Pedro J. Bondaczuk e Rodrigo da Costa Araújo – Contato: opcaoeditora@gmail.com

Balbúrdia Literária” José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com

A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com

Boneca de pano” - Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com

Águas de presságio”Sarah de Oliveira Passarella – Contato: contato@hortograph.com.br

Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.

A sétima caverna”Harry Wiese – Contato: wiese@ibnet.com.br

Rosa Amarela”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br

Acariciando esperanças”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br

Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br

Lance Fatal” Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br




Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação. 
Essencial e detalhe


A definição do que é essencial, em qualquer atividade, e sua distinção do que não passa de mero detalhe, ou seja, daquilo que se não for observado não nos causará maiores prejuízos (na maioria das vezes não causa nenhum), é muito importante para o sucesso da nossa empreitada. Economiza tempo e esforços e confere objetividade à nossa ação. Isso é mais válido do que nunca na vida cotidiana. Ou seja, o saber, com exatidão, o que não pode deixar de ser feito.

O poeta, filósofo e crítico suíço do século XIX, Henri-Frédéric Amiel, lembra que “todos nós somos em geral estorvados pelos mil e um empecilhos e deveres que nos enrolam com seus fios de teia de aranha e agrilhoam os movimentos de nossas asas”. Caso não consigamos superar determinado obstáculo ou deixemos de cumprir alguma dessas obrigações enfadonhas e quase sempre desnecessárias, nos afligimos, como se o mundo fosse se acabar.

Assustamo-nos com abismos, principalmente quando nos parece que caminhamos na direção deles e nos dá a impressão que não há alternativas, que não existem outros caminhos a trilhar. Em geral, contudo, salvo raras exceções, nos equivocamos. Afligimo-nos por pouca coisa, à qual damos dimensões que ela na verdade não tem. Identificamos o mero detalhe como essencial, quando, em verdade, não passa do supérfluo, do mero floreio, do incidental.

E se estivermos, de fato, caminhando rumo a algum abismo, caso não detenhamos nossos passos, e não busquemos, serenamente, soluções, despencaremos, sem dúvida, no vazio e esse será o fim da nossa jornada (e talvez da nossa vida). Será que não há alternativas? Não existem explicações para nossas dúvidas, temores e contradições? Sempre há alguma.

E se não houver, se não compreendermos o que nos aflige e atormenta, deixemos tudo por conta da intuição, que nunca falha e do tempo, que tudo cura. Em geral, após uma análise serena, concluímos que não é a essência que nos aflige, mas são os detalhes. Descobrimos que o abismo não é tão fundo e sequer é o fim do caminho. E que, para superá-lo, não precisamos nos lançar, desesperadamente, nele. O sensato, prudente e sábio é contorná-lo, mesmo que a caminhada se torne mais longa.

O poeta Mauro Sampaio nos dá indicações de como proceder nestes casos. Antes, peço licença ao leitor para abrir um parêntese e falar desse inspirado escritor. Tenho recebido algumas críticas (que reputo injustas e descabidas) pela minha insistência em recorrer tão amiúde aos seus versos em boa parte dos meus textos. E por que o faço? Por dois motivos básicos: um objetivo e outro subjetivo.

A primeira razão (a objetiva) é que Mauro foi ótimo poeta que, no entanto, ganhou pouca visibilidade pública, se atentarmos para a qualidade superior da sua obra. Mereceria muito maior divulgação e, sobretudo, reverência. Quem perde com essa omissão é, evidentemente, o amante de literatura e, sobretudo, o de poesia.

O motivo subjetivo é que esse escritor tão criativo, e homem de suprema generosidade, foi meu amigo até a sua morte. Tenho orgulho dessa amizade que tanto me enriqueceu e ilustrou. Ganhei dele todos os livros que publicou (e foram muitos) e quanto mais leio o que escreveu, mais pasmo fico com a falta de visão dos críticos literários e dos editores de artes dos grandes jornais e revistas do País. Ademais, Mauro foi a pessoa que me convenceu a me candidatar a uma vaga na Academia Campinense de Letras, que então presidia. E foi graças à sua inegável influência que fui eleito, em 1992, por unanimidade.

O poeta nos ensina, a propósito do assunto em tela, nos versos do poema “Justificar-me”:

Tanta compreensão que não compreende nada,
que o melhor
é a não explicação de explicação alguma.
É sentar-se à beira de um abismo
e vê-lo como o caminho natural para a planície!”.

E não é?

Espantamo-nos, e não tenho razões para afirmar que esse espanto não seja sincero, com a vileza, cupidez, egoísmo, violência e corrupção de alguns e com a nobreza, altruísmo, perspicácia e santidade de outros, sem atentarmos que temos as mesmíssimas características de ambos.

Somos misto do animal mesquinho e desprezível com toques da divindade. Alguns conseguem domar os maus instintos e se tornar nobres e dignos de imitação. Mas as características de maldade não desaparecem. Estão vivas e latentes, posto que dominadas. O potencial de bondade, justiça e transcendência também estão presentes.

O essencial, no caso, é a vontade de sermos bons, generosos e construtivos. Tudo o mais... são detalhes, meros detalhes, que podem ou não nos servir de subsídios, ou de obstáculos, mas que não são determinantes do sucesso ou do fracasso.

Amiel recomenda, no texto citado, extraído de um dos seus célebres ensaios: “A fim de simplificar seus deveres, seus negócios e sua vida, um homem deve saber separar o que é essencial do detalhe em que isso vem envolto, porque nem tudo pode ser considerado da mesma forma. É a falta de ordem que nos torna escravos, a confusão de hoje reduz a liberdade de amanhã”.

Organização e método são essenciais. Não podemos ser bagunçados nem com as coisas e muito menos com pensamentos. Afinal, não conheço ninguém que tenha prazer em abrir mão de sua liberdade e submeter-se à escravidão de deveres que não são (e jamais deveriam ser) da nossa competência e responsabilidade. E são tantos!


Boa leitura!

O Editor.



Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Onze anos de História


* Por Mara Narciso
 
Gente, vamos deixar de estória? Eu não gostava de História. Tive uma professora no Ginásio, hoje Ensino Fundamental Maior, que nos dava aulas de cabeça baixa, lendo o livro de textos, ora sentada, ora andando, no último horário. Uma pena eu não ter aproveitado esse tempo para aprender. Apenas depois entendi que o valor mais precioso não é o dinheiro e sim o tempo, e este precisa ser bem aproveitado. E é isso que se vê nos 11 anos de existência do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, a “Casa de Simeão Ribeiro Pires”, que funciona à Rua Coronel Celestino, 140, e é eficaz no bom aproveitamento dos recursos. Lá são 100 cadeiras, num grupo heterogêneo em profissões e diferentes experiências de vida, sendo muitos não nascidos na cidade, mas ligados a Montes Claros pelo amor. Há um permanente incentivo de se contar a história, fazendo o resgate de pessoas, fatos e lugares.
 
O Instituto Histórico foi fundado em 2006 por pessoas estudiosas, escritores, professores, músicos e poetas que investigam e divulgam a verdade histórica. Estavam desejosas não de escrever propriamente artigos científicos, mas de, através da memória, entrevistas, documentos e imagens, contar com a maior fidelidade possível, o que se passou nessa cidade de 160 anos, de injustas diferenças sociais, econômicas e de oportunidades. Somos o que somos, porque recebemos o trabalho de quem esteve aqui antes de nós, e plantou essa cidade, com as agruras que os pioneiros encontram em seus desbravamentos. Reconhecemos que nem todos os métodos foram justos e pacíficos, mas foi o que encontramos, e aos benfeitores rendemos homenagens. Estamos sobre os ombros dos antecessores, sem os quais nada seríamos.
 
Aqui nesse sertão está um milagre, uma cidade de 400 mil habitantes que atravessa a pior seca de todos os tempos. E se não sabemos o passado, não entendemos o presente e mal conseguiremos planejar o futuro. Para isso temos de plantar o bem em nossas crianças, como nos falou hoje na eleição da chapa única, encabeçada por Dário Teixeira Cotrim, o confrade Josecé Alves dos Santos. Mais uma vez o incansável Dário, trabalhador sem tréguas e escultor das letras, com seus 49 livros publicados, dos quais recomendo “Ensaios históricos de Itacambira”, retorna ao cargo de presidente da entidade. Baiano de Guanambi, ele se lembra dos grandes e dos pequenos.
 
Aquele conjunto de mulheres e homens em semelhante proporção é um mix louvável de temperamentos, estilos e maneiras de pensar, como todo grupo, porém, que trabalha sem vaidades, com um espírito de alta cooperação, operando de forma harmoniosa, enaltecendo o trabalho uns dos outros. Dá gosto conviver com aquelas cabeças pensantes que, querem sair de dentro das suas paredes e trilhar as ruas da cidade, mostrando aos cidadãos o que é e o que faz o Instituto Histórico, uma entidade que tem credibilidade e que a cada seis meses, publica sua revista em formato de livro, com 150 páginas de História, contemplando todas as vertentes do Norte de Minas. Vale a pena conhecer esses livros e o Boletim Informativo, um jornalzinho mensal criado pelo presidente Lázaro Francisco Sena, que termina seu mandato ultraprodutivo. Também foram presidentes Wanderlino Arruda e Itamaury Silveira Teles, cada um com seu estilo, trabalho sério e irrepreensível.
 
Hoje, na eleição por aclamação, mais uma inovação. Os 28 membros ali presentes, um quórum louvável para um sábado à tarde, falaram sobre o Instituto Histórico, e de pé e em bom som, cada um confirmou o seu voto. Ali se apoia a publicação de livros, incentivando a cultura num convívio de sincero respeito. Ainda assim, precisamos nos aprimorar, pesquisando, interpretando e escrevendo sobre o nosso espaço geográfico e os vultos do passado, para não perdermos a memória e nem o bonde. Por esse caminho trilharam grandes pessoas. Não podemos deixar de lhes fazer justiça.
 


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”