sábado, 31 de dezembro de 2016

 Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)

LINHA DO TEMPO: dez anos e nove meses de existência.


Leia nesta edição:

Editorial – Castelo de encantos e desencantos.

Coluna De corpo e alma – Mara Narciso, crônica, “Pelas trilhas de Karla Celene do Brasil”.

Coluna Direto do Arquivo – Aliene Coutinho, poema, “Ano Novo!”.

Coluna Clássicos – Carlos Drummond de Andrade, poema, “Passagem de ano”.

Coluna Porta Aberta – Flora Figueiredo, poema, “Na dúvida, faça”.

Coluna Porta Aberta – Clóvis Campêlo, crônica, “Entre a neurastenia e o estresse”.

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Livros que recomendo:

“Poestiagem – Poesia e metafísica em Wilbert Oliveira” (Fortuna crítica) – Organizado por Abrahão Costa Andrade, com ensaios de Ester Abreu Vieira de Oliveira, Geyme Lechmer Manes, Joel Cardoso, Joelson Souza, Levinélia Barbosa, Karina de Rezende T. Fleury, Pedro J. Bondaczuk e Rodrigo da Costa Araújo – Contato: opcaoeditora@gmail.com  
“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Boneca de pano” -  Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Águas de presságio”Sarah de Oliveira Passarella – Contato: contato@hortograph.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“A sétima caverna” Harry Wiese – Contato:  wiese@ibnet.com.br
“Rosa Amarela”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br
“Acariciando esperanças” Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br   
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk.As portas sempre estarão abertas para a sua participação.




Castelo de encantos e desencantos
  
A necessidade de acalentar esperanças, para poder sobreviver ao tédio ou à mediocridade (não importa) nos leva a fazer do futuro – ou seja, do que ainda não aconteceu e pode sequer jamais ocorrer para nós – uma "Idade de Ouro", onde tudo será melhor do que hoje e, principalmente, do que ontem. Com isso, nos esquecemos de viver o presente e de valorizar as benesses com que contamos no aqui e agora.

Nesse contexto, colocamos, à nossa frente, determinados símbolos, aos quais emprestamos excessivo valor. Um deles é a passagem de um ano para outro. É o que ocorre agora, em relação a 2017. Ele pode, sim, ser um ano de sucessos e de alegrias, como desejamos e esperamos, se agirmos nesse sentido; se formos íntegros, dedicados, solidários, competentes e soubermos partilhar o que temos com os menos favorecidos. Ação tem que ser o grande lema para os próximos 365 dias.

Minha expectativa (nunca certeza, óbvio) é que 2017 seja, de fato, marco em nossas vidas. Que possamos concretizar, nesse próximo ano, nossos mais ousados sonhos e nobres ideais. Nunca podemos perder de vista que o tempo é, simultaneamente, nosso mais benigno amigo e nosso mais feroz inimigo. Dá-nos satisfações, sucessos, amores, lembranças, experiências e, por fim, sabedoria. Mas, em contrapartida, causa decadência física, sulca de rugas nosso rosto, pinta de grisalho nossos cabelos, suprime o brilho do entusiasmo dos nossos olhos e, por fim, nos suprime, sem piedade ou contemplação, do mundo dos vivos.

Trata-se de lei inflexível da vida. Mas o tempo é justo, é democrático e não faz distinções. Causa esses mesmos efeitos tanto no rico quanto no pobre; tanto no poderoso quanto no humilde e assim por diante. Ninguém, absolutamente ninguém escapa dos seus efeitos, para o bem ou para o mal.

Vejo, à minha frente, em meu gabinete de trabalho, em uma das prateleiras de um dos armários de livros da minha biblioteca, a lombada do romance do escocês Archibald Joseph Cronin, “O Castelo do Homem sem Alma”. Esse pequeno incidente (se é que o possa chamar dessa forma), acende uma luz em meu cérebro. O título desse best-seller sugere-me oportuna metáfora para esta ocasião. Não que o livro trate do assunto. Não trata. É apenas uma associação de idéias, dessas que nos surgem do nada, algumas oportunas e outras... nem tanto.

O ano pode ser comparado a um castelo, desses que ainda há em profusão Europa afora, notadamente na Inglaterra, França e Alemanha, com 365 cômodos, assombrado ou não (não importa). Temos a oportunidade de visitar essas seculares construções, cada uma delas, uma única vez na vida.

Desconhecemos, portanto, como elas são por dentro. Cada recinto é uma descoberta. Pode ou não conter surpresas (boas e/ou ruins). A maioria não contém. São aqueles dias rotineiros em que nada acontece de diferente e dos quais reclamamos (na maior parte das vezes sem razão), achando que a vida se transformou em marasmo. Bobagem nossa.

Mas, em determinado cômodo, podemos ser surpreendidos. Com a tragédia? Pode ser! Com a comédia? É o mais provável! Ou com uma cena sublime? Ou sei lá com mais o quê? Todas as possibilidades permanecem em aberto. Seu proprietário é o Tempo, também sem alma (a exemplo do dono do castelo, criado por Cronin) pois, como o titã da mitologia grega, Cronos (que, metaforicamente, o simboliza e caracteriza), que engolia seus filhos tão logo nasciam, igualmente devora sua prole (milênios, séculos, anos, horas, minutos e segundos) sem descanso ou interrupção.     

Eclesiastes, o Pregador, nos ensinou: "Tudo tem a sua hora, cada empreendimento tem o seu tempo debaixo do céu: tempo para nascer, tempo para morrer; tempo para plantar, tempo para colher; tempo para matar, tempo para curar; tempo para destruir, tempo para edificar; tempo para chorar, tempo para sorrir; tempo para lamentar, tempo para dançar; tempo para espalhar pedras, tempo para ajuntar pedras; tempo para abraçar, tempo para abster-se de abraços; tempo para procurar, tempo para perder; tempo para guardar, tempo para jogar fora; tempo para rasgar, tempo para coser; tempo para falar, tempo para calar; tempo para amar, tempo para odiar; tempo para a guerra e tempo para a paz".

O tempo, agora, é para agir. É para cada um fazer a sua parcela, cumprir seu papel, dizer a que veio para esta magnífica e fascinante experiência de existir. Que a visita ao castelo da “entidade sem alma”, em 2017, seja isenta de surpresas ruins, mas repleta das boas. Que, aos sairmos dos seus umbrais, e nos prepararmos para “visitar” 2018, saiamos fortificados, revigorados e, sobretudo, felizes com tudo o que vimos, sentimos e fizemos. Amém!!!

Boa leitura!

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk




Fotos Fernanda Paulino


Pelas Trilhas de Karla Celene do 
Brasil


* Por Mara Narciso


“País de diversidades, a cultura é nossa identidade”.


Há uma predeterminação de gente se emocionar com coisas bonitas, especialmente música, dança e poesia, pois, “meu corpo é fitas, meu corpo é festa”. Ana Valda Vasconcelos fala ao término, que “o show ‘As Trilhas do Brasil’ é completo e altamente cultural”. O Fitas - Grupo de Tradições Folclóricas desde 2005 vem movimentando o meio cultural de Montes Claros, com seus 40 bailarinos. Desta vez, com roteiro da escritora e professora de Literatura Karla Celene Campos e Direção de Léo Dumont mostra toda sua força. Contando com o trabalho da esfuziante e hiperbólica atriz e declamadora faz uma ponte para cima, ampliando o alcance cultural da sua apresentação. “Eu que já andei pelos quatro cantos do mundo, procurando”..., é assim, com versos de Raul Seixas que começa e termina a viagem inédita e inesquecível. A música tema do grupo também é sobre letra de Karla Celene, que diz que namorava o grupo Fitas há tempos, também era namorada por ele, e que agora se dá o casamento.

A singeleza do auditório do Colégio Marista São José, um parceiro, atrapalhou, mas não comprometeu a apresentação do grupo de dança, que, composto por jovens está maduro para visitar o exterior e para lá irá em breve, já se encontrando de malas prontas. Como bem disse Karla Celene no Programa Nossa Arte Nossa Gente, da Rádio Unimontes, “O Brasil invade Portugal!”

Com uma banda com forte batuque de tambores, sanfona afiada, acordes harmoniosos, cantores de amplo poder vocal, a performance mantém a platéia ligada. Portando uma maleta, roupa preta e um cachecol rosa choque, a roteirista mostra a estrada a seguir, usando poemas de sua autoria amarrados a versos conhecidos da Música Popular Brasileira. No nome do espetáculo a palavra “trilha”, de acordo com a autora, viaja do significado de caminho à trilha sonora. A banda pode cantar uma música cujos primeiros versos tenham sido falados pela atriz. Então, o grupo de dançarinos-cantores faz a festa, esbanja alegria, vibração, luz e energia, com ritmo e cor empolgantes. Quando a música é universal, o público canta junto e, espontaneamente, acompanha com palmas no ar.

A capacidade interpretativa e a paixão tão ampla quanto a envergadura dos seus braços fazem de Karla Celene a pessoa exata para servir de guia para os lugares visitados. Atrás dela, até os mortos querem ir. Ninguém fica imune ao seu chamado, mesmo quando algum zum-zum é ouvido no auditório. Silêncio, pessoal, a música está chamando!

As crianças mostram o gostoso frevo numa apresentação feliz. Moças e rapazes bonitos, trazendo lendas e oferendas, são seguidos pela tradução simultânea em Libras, Língua Brasileira de Sinais. Os sapateados, balanços e evoluções primorosas são ornados com boas maquiagens e esmerados figurinos compostos de botas, bombachas, saias rodadas, penachos, fitas e mil adereços cenográficos. O show começa pelo Rio Grande do Sul, passando por São Paulo, Bahia, Pernambuco, Amazonas, Pará e terminam em Minas Gerais, precisamente em Montes Claros. O Xaxado de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, foi um dos pontos altos, seguido pela moça de branco e sua dança africana, além de outras entidades de lá. A apoteose fica por conta dos caboclinhos, marujos e catopés, cujo clímax é “Montesclareou”.

Os versos, melodias e danças cheias de graça são apresentados em estado de apogeu por quase duas horas, numa viagem colorida de fitas e cores. Passageiros, garantam já seus lugares e se preparem para a próxima viagem. A qualidade do Grupo Fitas arrebatou todos os corações.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


Ano Novo!


* Por Aliene Coutinho


Espero ansiosa
Que ele chegue...
Sob fogos de artifício,
Ao som de bandas
Marciais,
Com roupas brancas
E rosas brancas...
A beira do mar,
Do lago,
Ao lado de amigos,
De quem se ama.
Que ele chegue
E seja selado com
Beijos ardentes,
Entre carinhos
E palavras sinceras.
Que me traga
Alegria ,
Esperança,
E a vontade de
Vê-lo
Sempre chegar!

* Jornalista, professora de Telejornalismo.
             


  
Passagem de ano


* Por Carlos Drummond de Andrade


O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
E coral,
Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
Os irreparáveis uivos
Do lobo, na solidão.
O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
Onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
Uma mulher e seu pé,
Um corpo e sua memória,
Um olho e seu brilho,
Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus…
Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa, já se expirou, outras espreitam a morte,
Mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
E de copo na mão
Esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
O recurso da bola colorida,
O recurso de Kant e da poesia,
Todos eles… e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
Lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.


* Poeta, contista e cronista, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX.
Na dúvida, faça


* Por Flora Figueiredo

Na dúvida, faça.
O risco faz parte.
A graça está em tentar,
em vez de sentar e assistir;
a vida está em esticar-se todo para atingir;
o mundo está
no desafio da interrogação.
E por que não?
Entre na festa,
Arranque a capa, morda a maçã.
Desate o cinto
Para voar livre pelo amanhã,
Ainda que ele seja um labirinto.
Deixe o id rolar
Cônscio e devoto.
Nessa arte viva de arriscar,
Pois que viver
Não é entrar no mar onde dá pé
Mas mergulhar com fé no maremoto

* Poetisa, cronista, compositora e tradutora, autora de “O trem que traz a noite”, “Chão de vento”, “Calçada de verão”, “Limão Rosa”, “Amor a céu aberto” e “Florescência”; rima, ritmo e bom-humor são características da sua poesia. Deixa evidente sua intimidade com o mundo, abraçando o cotidiano com vitalidade e graça - às vezes romântica, às vezes irreverente e turbulenta. Sempre dentro de uma linguagem concisa e simples, plena de sutileza verbal, seus poemas são como um mergulho profundo nas águas da vida.



Entre a neurastenia e o estresse


* Por Clóvis Campêlo


É interessante como no dinamismo de uma língua algumas palavras deixam de ser utilizadas e são substituídas por outras. A palavra neurastenia é uma delas.

O Minidicionário Escolar da Língua Portuguesa, da Companhia Melhoramentos, assim a define: “1. Fraqueza do sistema nervoso. 2 Esgotamento nervoso”. Hoje, ninguém mais é chamado de neurastênico, ninguém mais sabe o que é neurastenia. Hoje, existe o estresse e o estressado. Segundo o mesmo dicionário, estresse é a “reação do organismo a influências nocivas de ordem física, psíquica, infecciosa, capazes de perturbar o equilíbrio interno”.

Ou seja, a primeira definição nos dá a impressão de que o problema é orgânico, interno; enquanto na segunda, a alteração ocorre por conta de fatores externos diversos que nos influenciam. Existe uma certa diferença nas definições, portanto.

Segundo a Wikipédia, Virgínia Woolf, Marcel e Proust e Max Weber seriam neurastênicos notáveis. A primeira, durante toda a sua vida foi forçada a fazer repousos terapêuticos, os quais descreve no livro “On Being III”, traduzido em “Por estar doente”, onde a escritora tenta estabelecer a doença como um assunto sério da literatura.

Marcel Proust, na verdade, era um maníaco depressivo, condição essa adquirida, talvez, em razão do consumo desenfreado de açúcar – as madalleines – que o autor descreve na sua obra “Em busca do tempo perdido”. Filho de família rica e frequentador dos salões da sociedade francesa da época, podia se dar ao luxo de ter uma alimentação excessivamente rica em carboidratos. Maravilhado, descobri a certo tempo que o petisco tão louvado pelo autor, tratava-se nada mais nada menos do que os bolinhos de bacia tão consumidos nas feiras das cidades do Nordeste do Brasil. Aliás, a ligação entre o consumo demasiado de alimentos adocicados e os surtos depressivos já são considerados pela medicina moderna, coisa desconhecida naquela época.

Max Weber, sociólogo e historiador, teria tido uma grave crise neurastênica, após a morte do pai, com o qual havia rompido pouco antes. Com certeza, Freud explicaria o fato. A verdade é que, entre 1897 e 1901, esteve internado em sanatórios, tendo ficado vários meses em Roma, onde recuperou as forças.

Já o termo estresse foi usado pela primeira vez em 1936, pelo médico Hans Selye, na revista Nature.

Na verdade, em ambos os casos, existe um sofrimento do indivíduo causado pelo enfrentamento de situações que lhe provocam ansiedade e depressão, embora essa capacidade de enfrentamento de tais situações varie de indivíduo para indivíduo.

Enfim, o mundo moderno em que vivemos, com suas exigências e seus desafios constantes serve de motivo para que estressados ou neurastênicos aprendam a com ele conviver e superar os impasses constantes que se oferecem.

Sobreviver é preciso.

Recife, fevereiro 2015

* Poeta, jornalista e radialista.


sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)


LINHA DO TEMPO: dez anos, oito meses e trinta e um dias de criação.

Leia nesta edição:

Editorial – Tudo é desafio.

Coluna Contrastes e Confrontos – Urariano Mota, crônica, “Para um caderninho de Natal”.

Coluna Do Real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire, microcontos, “Pílulas literárias 247”.

Coluna Clássicos – Rubem Braga, crônica, “Passou”.

Coluna Porta Aberta – Martha Medeiros, crônica, “Feliz Ano Novo!”.

Coluna Porta Aberta – Ciro Porto, crônica, “Mudas, mudanças e reformas profundas”

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Livros que recomendo:

“Poestiagem – Poesia e metafísica em Wilbert Oliveira” (Fortuna crítica) – Organizado por Abrahão Costa Andrade, com ensaios de Ester Abreu Vieira de Oliveira, Geyme Lechmer Manes, Joel Cardoso, Joelson Souza, Levinélia Barbosa, Karina de Rezende T. Fleury, Pedro J. Bondaczuk e Rodrigo da Costa Araújo – Contato: opcaoeditora@gmail.com  
“Balbúrdia Literária” José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Boneca de pano” -  Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Águas de presságio”Sarah de Oliveira Passarella – Contato: contato@hortograph.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“A sétima caverna” Harry Wiese – Contato:  wiese@ibnet.com.br
“Rosa Amarela”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br
“Acariciando esperanças” Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br   
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br




Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


  
Tudo é desafio


A vida é bela, e fascinante, e misteriosa, por se tratar de um desafio, de um permanente processo de renovação, embora, paradoxalmente, envelheçamos a cada dia que passa. É como um rio, cujas águas são sempre diferentes. A sobrevivência humana, quer no âmbito individual, quer no coletivo, sofre, constantemente, ameaças de toda a sorte, que vão desde as decisões dos líderes políticos no que se refere à guerra ou à paz, até a possibilidade (sempre presente) de que uma catástrofe cósmica venha a destruir este pequeno e insólito planeta azul do Sistema Solar.

O que é a vida? É, sobretudo, mistério. É muito mais do que meros conjuntos de aminoácidos combinando para formar proteínas componentes de células, tecidos, órgãos, estruturas completas. Há algo impalpável que anatomista algum, nenhum cientista, por mais perito que seja, conseguiu isolar, separar, dissecar e reproduzir em laboratório, posto que é imaterial. É impossível saber se ela existe em outros planetas, dos “zilhões” que há no universo, embora a intuição nos induza a achar que sim. Mas, se houver, será que há, alhures, tanta abundância de espécies como há na Terra, que ascende a vários bilhões (quantidade jamais apurada com exatidão, tamanha que é).

Nossa vida, a do Homo Sapiens, que é a que, ao fim e ao cabo importa, é curta, curtíssima; é breve, brevíssima; é como um raio, um quase imperceptível lampejo de luz, entre duas eternidades de trevas, embora mais extensa do que a da maioria das espécies.. Pode ser comparada a uma ligeira observação inserida entre dois parênteses numa determinada sentença. Se pertinente ou não, se valiosa ou inútil, se explicativa ou obscura, dependerá só de nós.

Dependerá dos valores que cultivarmos, dos pensamentos e obras que criarmos e, sobretudo, de nossas ações. Por mais que se queira, não há como fugir dessa incômoda realidade. Se quisermos viver com dignidade e utilidade, temos que preencher este brevíssimo intervalo do texto da nossa existência com atos e fatos e feitos de grandeza e de amor. É só o que podemos e o que nos compete fazer.

O ser humano, todavia, no relativamente curto tempo que a espécie existe, ainda não aprendeu a valorizar a vida, nem mesmo a sua, quanto mais a das demais criaturas, animais e/ou vegetais. Ela, no entanto, é privilégio, metáfora, milagre. Ao longo da história, as pessoas entregaram-se (e ainda se entregam), invariavelmente, à perversa cultura da morte.

Hoje em dia, por exemplo, filmes, romances, novelas e peças teatrais apresentam cenas em que determinados personagens matam outros com a maior naturalidade, com absoluta sem cerimônia, como se fosse ato banal e corriqueiro. Evidentemente, não é. O pior é que as crianças crescem sob essa estúpida cultura da morte, que lhes é incutida a pretexto de se tratar de “arte”.

Mas a vida é sagrada, posto que (supostamente) rara na vastidão universal. Sua preservação e valorização deveriam ser enfatizadas, sempre, cotidiana e incansavelmente, às crianças (e aos adultos infantilizados), e não essa estúpida e absurda cultura da morte que lhes é impingida, não raro subliminarmente.

O homem convive com mistérios, alimenta-se deles, é um mistério... Tenta explicar (em vão) tudo, desde o maior dos enigmas, que é o da natureza e finalidade da sua vida, a detalhes corriqueiros do cotidiano, aos quais dá interpretações pessoais, mais ou menos lógicas de acordo com seu preparo intelectual, mas ainda assim empíricas, na base de tentativas e erros, sujeitas, portanto, a mudanças, ao sabor dos acontecimentos.

Temos que construir nossa personalidade. Precisamos compor nossa biografia com atos e fatos, com obras e idéias, com paixão e emoção. Admiramos heróis e santos do passado, de épocas bastante remotas, que entendemos tenham sido gloriosas e inesquecíveis. Porém, não raro, nos sentimos diminuídos face à grandeza desses mitos da espécie. Tolice!

Todos nós temos, adormecidas, as características que levaram esses gigantes humanos às grandes realizações. Basta, apenas, que as identifiquemos e desenvolvamos. Nosso potencial é grandioso e não ficamos devendo nada a ninguém, seja de que época for.

Mas, para agir como esses heróis e santos, que tanto reverenciamos (com justiça), teremos que agir como eles e, se possível, superá-los. Ou seja, devemos ser desprendidos, abnegados, solidários, altruístas e corajosos. Temos que ser construtivos e justificar nossa passagem pelo mundo. Por isso, tudo o que pensamos ou fazemos é desafio.

A palavra “viver” justifica, plenamente, sua condição de verbo. Caracteriza “ação” e não apenas uma e única, mas inúmeras, em quantidade quase infinita. Traz, implícita, dezenas de outros verbos vinculados, como amar, sofrer, sorrir, chorar, lutar, vencer e tantos e tantos outros. Um deles, porém, deveria ser sumariamente eliminado: matar.

Há, todavia, pessoas que virtualmente não vivem, mas se limitam a “existir”. Fogem dos sentimentos, economizam ações e se julgam merecedoras apenas de vantagens e de proteção, sem que façam nada para justificar esse suposto merecimento.

Nosso maior desafio, porém, entre os virtualmente infinitos que a vida nos impõe, é o de viver, plenamente, com alegria, otimismo, confiança e bom humor. Não tenhamos nunca medo de nos expor ao que possa, eventualmente, nos ferir ou magoar. Não nos conformemos a meramente existir, como as pedras, as águas, os abismos e os montes. Sejamos, sobretudo, humanos, em toda a plenitude que essa nobilíssima condição sugere.

Boa leitura!

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk



Para um caderninho de Natal

* Por Urariano Mota


Uma adolescente a quem desoriento em aulas de Português vem me pedir algumas palavras sobre o Natal. Diante do meu engasgo, ela me diz que qualquer coisa serve, e sinto que ela pensa em acrescentar “qualquer coisa, até mesmo o que o senhor me diga”

E para não lhe dizer que procure pessoa mais qualificada, começo:

“O Natal é uma festa comercial, minha filha. É a data magna da hipocrisia universal. Nesse dia as pessoas dizem se amar. No Natal, as autoridades, os que têm boa vida divulgam e querem fazer crer que as diferenças acabaram entre os homens. Os ricos de bens materiais ficam subitamente espirituais, e com o estômago repleto arrotam que a melhor salvação é a da alma. (E penso, enquanto assim lhe falo, na Pequena Vendedora de Fósforos, de Andersen, mas minhas palavras não conseguem a graça dessa claridão.) No entanto, você sabe, os ricos continuam humanos em suas mansões, e os pobres continuam porcos em seus casebres, no mesmo dia 25. No outro dia, você sabe… (E penso nos Estranhos Frutos de Billie Holiday, mas minhas palavras não se iluminam com essa luz de negros enforcados em árvores no Sul dos Estados Unidos.) O Natal, minha filha …”.

E paro. O seu rosto reflete o desagrado de minhas palavras. Quem ensina a adolescentes aprende a ler nos seus olhos, nas suas bocas, o agrado ou a decepção do que pensa ensinar. Agora, enquanto escrevo, percebo que é uma vitória da sociedade de classes a crença em boas famílias, em belos pais, em generosos sentimentos, essa coisa resistente até mesmo em pessoas que só conheceram da vida a humilhação, a patada e os coices.

A jovem com quem eu falo é uma adolescente pobre, filha natural, com somente esse adjetivo óbvio, natural, da natureza, nada mais. Como um fruto da partenogênese. À primeira vista, ela possuiria todas as condições para entender o que lhe digo. Mas o seu rosto me faz parar. Sinto o grande mal que lhe causo em procurar ser verdadeiro numa data em que todos pedem e esperam e anseiam que sejamos todos absolutamente falsos. Talvez, reconsidero agora ao escrever, o seu desagrado se dê porque sou apenas convencional, comum, de um esquerdismo vulgar, quando queria ser verdadeiro como o leite que chupei em minha própria mãe. E convencional por convencional melhor seria que eu escrevesse no seu caderninho uma frase do gênero “sejamos durante todo o ano como neste dezembro 25”. Quanta besteira, quanta excrescência, quanto excremento!

Por isso eu lhe digo agora esta verdade mais dura, sem bandeira e sem panfleto, com a coragem que só possuímos à distância:

Eu também já acreditei em Natal, minha filha. Antes de saber que os homens se matam e se barbarizam e são feras todos os dias do ano. Antes, bem antes de receber um pontapé nas costas, na bunda, de um marujo norte-americano. Sabe o que é ser expulso do paraíso, do navio, do lugar onde se comia com fartura, sabe o que é ser empurrado e não se voltar para não se ver naquele estado de ser jogado fora como um pária, ou como um pus, um catarro? Sabe o que é baixar a cabeça, morto de vergonha, com medo e com pavor que outros vissem a sua pobre pessoa ser tratada assim aos berros por um marujo ensandecido? Sabe o que é chorar e descobrir sozinho pela primeira vez que Deus não existe, porque se existisse não permitiria que jovens cheios de amor e sentimento e poesia fossem chutados como bons filhos da puta que nunca deixaram de ser? Acredite, acreditei no Natal bem antes dessa boa lição quando eu tinha a sua idade.

Antes disso, minha filha, o Natal para mim foi um par de sapatos, belos, novos e marrons, e belíssimos e lindos e tão perfeitos e artísticos e caros como uma criança pode sonhar. A minha filha sabe o que é ter uns sapatos que vestem a gente até a alma? Pois, eu os ganhei. Quase, melhor dizendo. Porque num dia 25, logo cedinho, eles estavam embaixo da minha cama. Não que eu não tivesse sapatos, sim, eu possuía uns muito velhos, gastos, enrugados, quase sem sola, de cadarços desfiados. Pois, eu quase ganhei esses absolutamente novos.

Ganhei-os, digamos, até o meio-dia dos meus 7 anos de idade. E para que todos também partilhassem da minha alegria, eu os exibi ao sol da minha janela, da casinha onde eu morava. Eu pensava que a felicidade se compartilhava. Eu pensava que a felicidade era um bem impossível de ser vivida por um menino só. (E até hoje, às vezes, este velho menino teima em pensar assim. Mas só às vezes.) Pensava. Roubaram-me o par de sapatos, minha filha, num dia 25 de dezembro. E como o meu pai era um homem de lições muito fortes e pedagógicas, deu-me uma surra pela infelicidade que tive em não ter o par de sapatos. Daí talvez me veio esse ar de homem que despreza a felicidade. Esta é a razão, mocinha: ficou em mim a sensação de que a felicidade é um bem que me vão roubar. Daí que dela desconfio, quando dela não tomo segura distância. Não ter felicidade é uma forma de sofrer somente um pouquinho.

A minha filha já vê que eu não lhe poderia dizer tais verdades para um dia de Natal, tamanha é a fraternidade. Então anote, por favor, no seu caderninho esta meia-verdade:

O Natal é a esperança de que algum dia em algum lugar um menino vá receber um par de sapatos marrons e vesti-los até a alma. Antes que alcance a sua idade, minha menina-moça, antes que receba ferozes sapatos pelas costas. A data magna da cristandade ficará então inesquecível, querida mocinha.

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus”, “Dicionário amoroso de Recife” e “A mais longa juventude”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros


Pílulas literárias 247


* Por Eduardo Oliveira Freire


“TIVE UM SONHO”

O homem corria explodindo de felicidade. As pessoas o olhavam esperançosas de uma possível cura. Havia muito tempo, que a humanidade deixara de sonhar sem explicação.

*** 
COMUNHÃO

Está no banho e a lâmpada do banheiro queima. No escuro continua embaixo do chuveiro. O breu, a água e ele, tornam-se um só.

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FLUXO

Duas janelas em seu rosto observam várias janelas da rua através da janela do ônibus. A velocidade do automóvel faz como que elas se tornem diluídas. Ele admira a imensidão de possibilidades que pode percorrer, mas é um ser finito e precisa focar seu caminho, senão ficará perdido por aí.

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ELE SEMPRE VOLTA. ELA SEMPRE PERDOA

Ela pensa, quando seu amor fica de joelhos e encosta a cabeça em seu colo. Ele pensa, quando está de joelhos e recostado em seu colo. Um acredita que exerce poder sobre o outro e vice-versa.

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TROCA

O velho sábio dividia seu conhecimento com os jovens e eles não percebiam que estavam retribuindo com inocência e virilidade. Só assim o ancião conseguia ter esperança de um mundo melhor, mesmo que sua sabedoria mostrasse o quanto era difícil isto acontecer.

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TÁTICA

Ele era o brincalhão da turma. As garotas morriam de rir de suas piadas. Aproveitava que elas estavam enfraquecidas de tanto gargalhar, e as beijava de supetão. Foi o mais namorador da turma.

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PEDIDO

“Me empresta uma lembrança interessante. É que não tenho o que contar. Depois, a devolvo sem nenhum arranhão. Eu juro!” O outro emprestou contrariado: “se não emprestar, vai pegar na marra como fez com as outras”.


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* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/