Selva
de Pedra
*
Por Mara Narciso
A
novela Selva de Pedra de Janete Clair protagonizou com Simone e
Cristiano, o casal central vivido por Regina Duarte e Francisco
Cuoco, algo impensável até então. O capítulo 152 do folhetim, em
quatro de outubro de 1972, num episódio de tribunal parou o Brasil.
Todos os televisores estavam ligados na novela da Rede Globo em plena
Ditadura Militar. Imagina o poder? Era mais do que o quarto poder,
influenciava todos os poderes (ainda que o Congresso Nacional tenha
sido fechado) e não apenas isso. Indiretamente, acalmava a população
e mandava no país.
Revi
o último capítulo da trama. Volta ao passado foi pouco, assessorada
pela envolvente Rock and Roll Lullaby – B. J. Thomas, uma cantiga
de ninar, música tema da dupla. Naqueles anos de imprensa
amordaçada, de medo e repressão totais, em minha casa meu pai
silenciava toda a família. Alcides Alves da Cruz era fã da
“Revolução”. O seu carro ostentava a flâmula “Brasil ame-o
ou deixe-o”. Tudo era proibido, exceto obedecer.
Na
tela acontecia o açucarado romance criado pela novelista que fez
escola. Janete Clair, esposa de Dias Gomes, teatrólogo da Academia
Brasileira de Letras conhecido pelas suas posições esquerdistas,
laboriosamente, conseguia rezar pela cartilha dos militares e da Rede
Globo, e assim fazer sucesso numa época estranha, uma calmaria de
aparente normalidade, mas sem liberdade. Homens de camisas
cor-de-rosa e cabelos longos sublevavam a ordem anterior. Era o
máximo permitido. Nos porões do órgão de repressão DOI-CODI –
Destacamento de Operações de Informação e Centro de Operação e
Defesa Interna, os 434 brasileiros, que, pelos números oficiais
viriam a morrer, sofriam todo o tipo de sevícias. A população nem
suspeitava das torturas. A novela entorpecia, e muito, aquela gente e
eu, enquanto “dormia a nossa Pátria Mãe tão distraída, sem
perceber que era subtraída em tenebrosas transações” (Vai Passar
– Chico Buarque).
Nas
imagens em preto e branco, o que chama a atenção é a ingenuidade
levada a cabo, os cenários precários, a atuação pouco expressiva,
e a lentidão dos acontecimentos. Janete Clair, nesta e noutras
novelas, criou muitos dos atuais chavões, como filho que não é
filho, mãe que não é mãe, e, principalmente pai que não é pai.
Sem mencionar os, hoje manjados, dupla identidade, pobre que fica
rico e o “largar a noiva no altar”- esse ponto foi exigência da
Censura Federal, pois para ela configurava
bigamia, apesar de Simone estar supostamente morta. Cristiano fez
isso com Fernanda, personagem de Dina Sfat. Humilhação diante de
toda a sociedade, numa chocante atitude canalha.
Ah,
como amávamos Francisco Cuoco! Devido à beleza e a fama era
endeusado. No auge do seu sucesso esteve em Montes Claros e não
faltaram mulheres solteiras e casadas fazendo fila para beijá-lo na
boca. Imaginem a transgressão para aquela época de extremas
proibições? Pois, na varanda do Automóvel Clube senhoras
enlouquecidas agarravam o ator.
Revi
a moda exagerada da década de 1970. Era bastante cafona e
simultaneamente feia e bonita, pois o convívio na juventude forja os
nossos gostos. As imagens estão aí à disposição dos estudiosos,
para analisar o comportamento humano e dar seus veredictos.
Observando as cenas, senti saudades da juventude e das coisas que não
vivi, por não ser permitido. Enquanto a novela colocava vilão e
mocinho dentro do mesmo personagem, seja Simone, seja Cristiano
Vilhena, mostrando que ninguém é de todo bom ou mau,
torcíamos por ambos, que depois de nove meses de peripécias e 243
capítulos, beijam-se romanticamente no convés de u
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Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Tinha só 8 anos, mas lembro-me bem... Abraços, Mara.
ResponderExcluirFoi uma infecção generalizada. Ninguém escapou.
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