sexta-feira, 30 de junho de 2017

Literário: Um blog que pensa


(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)


LINHA DO TEMPO: Onze anos, três meses e três dias de criação.


Leia nesta edição:

Editorial – Não se compra o essencial

Coluna Contrastes e Confrontos – Urariano Mota, crônica, “Os comunistas anônimos do Recife”.

Coluna Do real ao surrealEduardo Oliveira Freire, reflexão, “Não são todos...”.

Coluna ClássicosPaul Verlaine, poema,Canção do outono”.

Coluna Porta AbertaCeleste Fontana, poema, “Rito de reiniciação”.

Coluna Porta Aberta – César Veneziani, poema, “Rascunhos poéticos”.

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Livros que recomendo:

Poestiagem – Poesia e metafísica em Wilbett Oliveira” (Fortuna crítica) – Organizado por Abrahão Costa Andrade, com ensaios de Ester Abreu Vieira de Oliveira, Geyme Lechmer Manes, Joel Cardoso, Joelson Souza, Levinélia Barbosa, Karina de Rezende T. Fleury, Pedro J. Bondaczuk e Rodrigo da Costa Araújo – Contato: opcaoeditora@gmail.com

Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com

A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com

Boneca de pano” - Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com

Águas de presságio”Sarah de Oliveira Passarella – Contato: contato@hortograph.com.br

Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.

A sétima caverna”Harry Wiese – Contato: wiese@ibnet.com.br

Rosa Amarela”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br

Acariciando esperanças”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br

Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br

Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br




Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.



Não se compra o essencial


As pessoas que se apegam ao dinheiro, como um crente se apega a Deus por exemplo (ou até mais, quem sabe) causam-me pasmo. Não as entendo. É certo que evoluí em meus sentimentos com o passar dos anos. Quando moço, sentia, por elas, repulsa e desprezo. Hoje o que sinto é uma certa piedade, misturada à absoluta incompreensão.

Sei que na ordem atual das coisas, neste mundo em que os valores estão todos (ou quase todos) às avessas, deveria ocorrer o contrário. Ou seja, os endinheirados é que deveriam sentir (duvido que sintam) pena das minhas tantas carências materiais.

Contudo, não posso ser classificado sequer como pobre. Não conto com recursos para esbanjar, é verdade, mas o que ganho é suficiente (e em algumas ocasiões até sobeja) para satisfazer minhas necessidades e, às vezes, até alguns dos meus caprichos. Nesse aspecto, portanto, não tenho do que me queixar.

Não sou nenhum perdulário que sai por aí esbanjando o fruto do seu trabalho. Não chego a tanto. Mas não tenho apego o mínimo pelo dinheiro. Vejo nele, apenas e tão somente, um meio de viver com dignidade. Não faço poupança, embora tenha o cuidado de gastar, rigorosamente, só o que ganho. Não me fio nunca em créditos para sair gastando por conta.

Uma coisa que nunca consegui entender é essa febre por ouro que afeta muita gente e que parece não ter cura. Aliás, foge-me da compreensão o motivo desse metal, de relativamente escassa utilidade prática, ser considerado tão valioso, mais até do que o ferro, indispensável ao homem por suas mil e uma aplicações. Sequer o considero o mais belo. Seu valor é, pois, fruto de mera convenção, que se perde nas brumas do tempo e que jamais foi revisada.

Olavo Bilac, na crônica que publicou em 8 de outubro de 1899, no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro, a propósito da Guerra dos Bôeres, que então se travava no atual território da África do Sul, escreveu: “Ah! A fome de ouro! Em que arriscados passos não se mete a gente, por amor do lindo metal, que a natureza previdente armazenou no seio da terra, disfarçando-o em amálgamas vários, como para esconder da nossa cobiça essa origem perene de horrores e de sangreiras! Por amor dele a alma se endurece, o coração fica seco como um arcai, afiam-se as unhas à rapina, aguçam-se os dentes da traição, e o espírito, excitado pelas tentações, inventa requintes de crueldade, cria prodígios de astúcia”.

Estes só podem ser, mesmo, sintomas de uma doença, grave e incurável. Não é coisa de pessoas normais, equilibradas, sensatas e racionais. Não pode ser! Posso afirmar, com absoluta segurança, sem pestanejar, que o ouro nunca me fez, não faz e nem fará falta.

A rigor, só tive, em toda a minha vida (que já passa bem dos sessenta anos), um único objeto feito com este metal, a que tanta gente atribui tamanho valor. Foi o par de alianças do meu casamento. E até isso eu perdi – com o que arrumei, diga-se de passagem, baita encrenca com a esposa, mas não por sua valia pecuniária, mas por ela entender que eu me tenha desfeito do anel para posar de solteiro. Ela estava errada, claro. Mas foi uma luta para convencê-la!

Depois disso, jamais cheguei sequer perto de ouro. E querem saber? Isso nunca me fez a mínima falta. Não me sinto mais pobre por não possuir nada feito com esse metal e acho que não me sentiria rico se possuísse algo, a menos que fosse em quantidades gigantescas.

Reitero, pois, que não consigo entender a cabeça de quem se apega, com tamanha paixão, a coisas que, no meu critério de avaliação, são tão banais. Só pode, mesmo, se tratar de doença. Que outra explicação haveria? Não vejo nenhuma.

O mesmo pasmo, ou até maior, me despertam os que têm obsessão pelo dinheiro. É certo que ele lhes proporciona a satisfação não apenas de todas as necessidades, mas até dos mais estapafúrdios caprichos. Mas alguns têm tanto, que dá para tudo isso e ainda sobra muito, muitíssimo. Para quê tanto?!

O escritor dinamarquês, Henrik Ibsen, fez a seguinte e sábia constatação, que os obcecados por esses valores simbólicos deveriam atentar (mas não atentam): “Com o dinheiro podemos comprar muitas coisas, mas não o essencial para nós. Proporciona-nos comida, mas não apetite; remédios, mas não saúde, dias alegres, mas não a felicidade”. Vale a pena escravizar-se por tão pouco?! Só pode ser doença mesmo! Ou você tem explicação melhor?

Boa leitura!


O Editor.


Acompanhe o Edit5or pelo twitter: @bondaczuk
Os comunistas anônimos do Recife


* Por Urariano Mota


Vejo na internet que o Partido Comunista do Brasil nasceu em 25 de março de4 1922. Pesquiso mais e descubro que esse dia caiu num sábado. Então, podemos até dizer que foi hoje.

O certo é que dirigentes, representantes de 73 militantes de associações políticas de trabalhadores, fundaram o partido: Astrojildo Pereira (jornalista), Cristiano Cordeiro (advogado), Joaquim Barbosa (alfaiate), Manuel Cendón (alfaiate), João da Costa Pimenta (gráfico), Luís Pérez (vassoureiro), Hemogêneo Fernandes da Silva (eletricista), Abílio Nequete (barbeiro) e José Elias da Silva (pedreiro).

Sobre Cristiano Cordeiro, é ótimo lembrar um ato no Teatro de Santa Isabel, documentado por vias indiretas na música popular. Em 1933, Cristiano Cordeiro lançou no palco do teatro a chapa “Trabalhador, ocupa teu posto”, que depois serviu de inspiração para o compositor Nelson Ferreira compor o frevo “Coração, ocupa o teu posto”. Um sucesso, cantado até hoje. Mas prefiro falar, ainda que brevíssimo, da matéria mais perto de mim, do meu chão. Falar de quem muitas vezes é tido como de nível ao rés do chão. 

É inesquecível para mim Ivo, dono de um boxe que ficava à esquerda da entrada do Mercado Público de Água Fria. Ele estudava economia, era leitor de Celso Furtado. Foi Ivo quem me apresentou a Bira, o primeiro comunista que eu soube ser comunista em Água Fria. Bira me falou das teorias de Darwin, enquanto eu lhe repetia a fé em Deus, ainda que eu próprio não possuísse tanta fé quanto gostaria. Antes de Bira, Ivo foi a primeira pessoa de esquerda que conheci na adolescência a se declarar assim em fenomenais discussões. Escrevo agora e noto que o reino da cultura é a pátria da comunhão de toda a gente. Num clima de feroz repressão, de caça aos comunistas, Ivo discutia as luzes do socialismo com um menino magro, leitor de Seleções. Havia uma base de confiança entre nós, porque eu buscava uma razão para viver no mundo, não a encontrava, e o meu amigo Ivo afirmava ter o caminho para resolver toda a minha falta de um norte.

Existe ainda um outro comunista anônimo, de quem só vim saber da ideologia muitos anos adiante. A gente nem imaginava, mas ali perto do Mercado, na Rua Japaranduba, havia um comunista organizado, dirigente de célula, um homem que por si só, para quem não o conheceu, parece hoje mais um personagem de fábula. Um homem de história fantástica. Era seu Luiz, o barbeiro. Luiz Beltrão falava inglês, estudava filosofia, tanto na universidade quanto fora dela, em 1960. Um barbeiro professor de filosofia não seria mais próprio de uma história de Andersen? A gente nem se dava conta, mas o mundo da fantasia era parte da realidade dos nossos dias. E por isso o maravilhoso nos tomava como se fosse a coisa mais natural e elementar. Na barbearia de seu Luiz os moleques, os maloqueiros como eram tidos os jovens sem eira nem beira, sabemos hoje, os desocupados podiam entrar e ler à vontade os jornais e as reportagens da revista O Cruzeiro. Como se clientes fossem, todos os dias, todas as manhãs, abusando do ponto comercial, sem qualquer pagamento. Não sabíamos, aquilo era uma liberdade aberta por um comunista, barbeiro e filósofo. 

Sei, hoje, que os anônimos são tão importantes quanto qualquer celebridade na história. “Depende, se estiverem organizados na luta” poderia me responder o filósofo Luiz na barbearia. Então eu conserto: 
- Os comunistas fazem a pátria onde os ninguéns se tornam alguém. 

Agora, sim, acho que o barbeiro Luiz Beltrão iria gostar desta lembrança.

Fonte: Diário de Pernambuco 


* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus”, “Dicionário amoroso de Recife” e “A mais longa juventude”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros





Não são todos…


* Por Eduardo Oliveira Freire


Todos os muçulmanos, terroristas
Todos os pastores, charlatões
Todos os políticos, corruptos
Todos os gays, promíscuos
Todas as mães solteiras, putas
Todas as feministas, com sovacos peludos
Todas as lésbicas, feministas
Todos os ricos, de direita
Todos os pobres, de esquerda
Todos que ainda moram com os pais, retardados
Todos que saíram de casa muito cedo, sem vínculo familiar
Todos que veem pornografia, tarados.
Todos os negros, vítimas
Todos os brancos, vilões
Todos os índios, inocentes
Não tem como rotular a natureza humana. Está além dos gêneros, grupos sociais e políticos.


* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/


Canção do outono


* Por Paul Verlaine

Os longos sons
dos violões,
pelo outono
me enchem de dor
e de um langor
de abandono.
E choro, quando
ouço, ofegando,
bater a hora,
lembrando os dias
e as alegrias
e ais de outro
ra.
E vou-me ao vento
que, num tormento,
me transporta
de cá p’ra lá,
como faz à
folha morta.

Tradução de Guilherme de Almeida:


* Paul Marie Verlaine é considerado um dos maiores e mais populares poetas franceses.
Rito de Reiniciação


* Por Celeste Fontana

Subtrai-me, Senhor
essa juventude vulnerável
que insiste em ficar,
posto que contrária ao meu tempo
Subtrai-me, Senhor
essas madrugadas sem lua,
sílabas e letras infames
e me refaça em calma de luz
Apascenta-me, Senhor
como à ovelha desvairada
perdida em eclipse lunar
Esparge-me de desejos maternais
Retira-me esse sol vermelho
que insiste em brilhar
Se (im)preciso
Retira-me até o sangue
e aortas e veias
faz-me pura essência de flores
Retira-me raízes profundas,
insistência em amar
Retira-me, Senhor
essa incógnita,
porque martírio
Coabita em meu ser e
me transmuta plena
sem desejo de outro
Subtrai-me metade alucinada,
fardofosso do diferente,
sem limites, sem regras
Acalma essa alma,
origem sísmica
porque se faz descabida
profusão de anseios em meu tempo
Apascenta-me, Senhor
permita-me alma que não lateja,
não se contrai, não anseia,
porque passageira apenas
Já não mais suporto
o do que já me pertence
Revolve a minha terra
e me reconfigura
e ao que de mim simula
impiedade pior


* Poetisa.
Rascunhos poéticos


* Por César Veneziani


ser poeta numa terra de misérias
nos torna seres estranhos
cautelosos
receosos da reação da maioria
preocupados em ganhar o pão
não em ouvir poesia
isolados somos presa fácil do sistema
sendo assim
poeta e poema
vivemos dispersos
busquemos então os guetos
que nos unam pelos versos
e juntos
cerrados os punhos
lutemos por nossos rascunhos
poéticos



* Poeta.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Literário: Um blog que pensa


(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)


LINHA DO TEMPO: Onze anos, três meses e dois dias de criação.


Leia nesta edição:


Editorial – Obrigação, não direito

Coluna Ladeira de Memória – Pedro J. Bondaczuk, poema, “Eu e você”.

Coluna Contradições e paradoxos – Marcelo Sguassábia, crônica humorística,Peralta, por onde andas”.

Coluna Do fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, conto, “O ex.

Coluna Porta Aberta – Emir Sader, artigo, “A judicialização antidemocrática da política”.

Coluna Porta Aberta – Leonardo Boff, artigo, “Uma repactuação social necessária”.


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Livros que recomendo:

Poestiagem – Poesia e metafísica em Wilbett Oliveira” (Fortuna crítica) – Organizado por Abrahão Costa Andrade, com ensaios de Ester Abreu Vieira de Oliveira, Geyme Lechmer Manes, Joel Cardoso, Joelson Souza, Levinélia Barbosa, Karina de Rezende T. Fleury, Pedro J. Bondaczuk e Rodrigo da Costa Araújo – Contato: opcaoeditora@gmail.com

Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com

A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com

Boneca de pano” - Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com

Águas de presságio”Sarah de Oliveira Passarella – Contato: contato@hortograph.com.br

Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.

A sétima caverna”Harry Wiese – Contato: wiese@ibnet.com.br

Rosa Amarela”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br

Acariciando esperanças”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br

Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br

Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br




Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Obrigação, não direito


A questão do talento sempre despertou controvérsias e discussões que, ademais, nunca levaram a lugar algum. Quem tem, quem não tem, por que tem, por que não tem são os aspectos mais debatidos, notadamente por pais e educadores, preocupados em descobrir e desenvolver vocações.

Há pessoas bem-dotadas que manifestam determinadas aptidões de forma bastante precoce. Mozart, por exemplo, aos quatro anos já dominava os princípios da música e dava de dez a zero em muitos marmanjos, que se julgavam geniais.

Outras, porém, descobrem o que sabem fazer de melhor apenas em idade bastante avançada. Não raro, todavia, recuperam o tempo perdido e deixam obras marcantes, que causam pasmo e admiração gerais. E há, também, os que não detectam seus talentos nunca. Por conseqüência, não fazem nada bem-feito e são nada mais do que pesos mortos para a família e a sociedade. Por que? Essa é a principal questão a ser analisada.

O que vem a ser o talento? Entendo que seja uma aptidão natural para determinadas atividades, concretas ou abstratas, artísticas ou profissionais, manuais ou intelectuais. Potencialmente (a menos que se tenha determinada deficiência física ou mental), todos somos capazes de fazer alguma coisa bem. Aliás, não somente uma, mas muitas. Todavia, há sempre uma que, se descobrirmos qual é, e a desenvolvermos, será a que faremos melhor.

Posso contar com um ouvido privilegiado e ter noção de ritmo e harmonia, mas não saber fazer (ou interpretar) música. Isso não será nenhuma tragédia. Já pensaram se todos no mundo fossem apenas músicos? Estaríamos em maus lençóis. É certo que o mundo seria repleto de sons agradáveis e harmoniosos. Mas quem faria as outras atividades essenciais?

Se não tenho aptidão para a música, tudo bem, provavelmente me sairei melhor com pincéis e tintas ou com o buril de escultor. Ou terei talento para me comunicar por escrito com as pessoas, de contar histórias, de inventar cenários e personagens e me transformarei (não necessariamente) num escritor. Se bom ou ruim, é outra coisa. Vai depender de outros tantos fatores, que não exclusivamente do talento, como boa memória, aplicação, leitura, conhecimentos etc.etc.etc.

Minha aptidão pode nem ser para as artes, mesmo apreciando a pintura, a música, a escultura, a poesia, o romance, o conto, a crônica e vai por aí adiante. Também não é nenhuma tragédia. Quem sabe minha vocação seja para a ciência, para pesquisar os mistérios da natureza e descobrir suas inflexíveis leis. “Ah, isso não é possível, pois tenho dificuldades em aprender matemática. E sem ela, nunca serei um cientista!” Tudo bem! Não é caso para se desesperar.

Posso ter físico privilegiado. Talvez corra mais rápido do que todo o mundo. Já sei! Nesse caso minha aptidão será para o esporte, para o atletismo ou, quem sabe, o futebol. Se tiver altura acima da média, posso fazer sucesso no vôlei ou no basquete. Se contar com músculos desenvolvidos, o halterofilismo será um bom caminho. Mas... e se, além de não ter vocação para as artes e para a ciência, eu não tiver físico privilegiado? O que poderei fazer de útil e produtivo na vida? Muita coisa!

Conheci, há alguns anos, um sujeito de inteligência curtíssima. Um chimpanzé, bem treinado, era um Einstein diante dele. Não cantava, não compunha, não pintava, não esculpia e mal sabia desenhar seu nome. Era frágil, como um cristal e uma simples gripe se tornava, para ele, uma tragédia grega. À primeira vista, a tal pessoa não tinha talento para coisíssima alguma. Não tinha? Engano!

O nosso vulnerável camarada tinha uma habilidade impressionante com as mãos. Trabalhava, por exemplo, com o vime como jamais vi artesão algum trabalhar. Fazia cestos de todos os tipos e tamanhos e outros tantos objetos decorativos usando esse material com incomparável perfeição. Ademais, sabia bordar, fazer crochê e produzia peças de artesanato preciosas e bastante cotadas, que lhe garantiam o sustento.

Ouço, amiúde, pessoas dizerem que todos têm “direito” a algum talento. Que a natureza está, portanto, em débito com os que não possuem nenhum. Discordo dessas afirmações e por dois motivos.

O primeiro, é que não existe ninguém que não tenha nenhuma aptidão. Há, sim, muitos que não a descobriram (ainda) e, por isso, não a desenvolveram. Podem, claro, não o descobrir nunca. Mas... O segundo motivo deixo para o dramaturgo norueguês, Henrik Ibsen, declinar. Esse hábil homem de teatro pôs na boca de um dos seus personagens esta enfática declaração, com a qual concordo plenamente: “O talento não é um direito, é uma obrigação”. Bingo!

Afinal, ninguém veio ao mundo meramente a passeio. Nele, não há lugar para omissos e acomodados, que apenas consumam seus parcos recursos e poluam seu solo, águas e ar.. Na espaçonave Terra, não há passageiros. Todos somos tripulantes.

Boa leitura!

O Editor.



Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Eu e você


* Por Pedro J. Bondaczuk


Estrela brilhante do meu céu interior,
senhora dos meus pensamentos e atos,
fonte de ternura, minha redenção,
amante e amiga, cúmplice e parceira.

Somos unos, em nossa duplicidade.
Complementares: o côncavo e o convexo,
duas vidas compondo vida mais ampla,
para gerar (ó milagre!) outras tantas vidas.

Embalo em seu olhar meus castos sonhos,
bebo em seus lábios o néctar da eternidade
embriago-me em seu corpo dourado:
morro em seus braços para após renascer.

Ao seu lado, nenhum espinho me fere,
as pedras do caminho são tapetes de veludo
o ar é sempre puro e levemente perfumado
e até o mar é de água doce e refrescante.

Tanta ternura nenhum cético empedernido,
que sequer exista se convence, ou crê.
pois lhe revelo, em êxtase, e comovido:
você é eu e eu, certamente, sou você!!!

(Poema composto em Campinas, em 25 de agosto de 2011).




* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Peralta por onde andas


* Por Marcelo Sguassábia


Faltam peraltas na praça. E nas ruas, nas favelas e alphavilles, nas escolas, nos shoppings, academias, quermesses, banheiros públicos, desfiles cívicos, confessionários de igreja e onde mais haja espaço e oportunidade para uma boa e bem arquitetada traquinagem.

O mundo é cinza e tedioso sem um peralta aprontando das suas. Mas tomou chá de sumiço, o danado. O que se vê é, de um lado, uma molecada predominantemente bem-intencionada, e de outro os delinquentes assumidos - tipo os hackers, os praticantes de bullying e os que dão almôndega com veneno pra cachorro. Fora isso, temos os nichos de nerds e outros esquisitos em suas órbitas particulares. Mas o peralta legítimo - aquele gurizinho astucioso, vivaldino, que comete sua maldade de salão de um jeito estudado e atrevido, esse não tem nem pra remédio.

Não é de hoje que o mundo anda escasso de levados. De levados e de levados da breca, seja lá qual for a diferença entre uns e outros. Aquele menino que pegava no telefone e passava trote perguntando se tinha um fusca gelo parado na frente da casa. Brincadeira de fim melancólico. O fusca, pobrezinho, saiu há décadas de linha, e o trote ficou na saudade depois do identificador de chamadas. Aliás, trote (além do literal sentido do andar dos equinos) está denotando unicamente o rito de iniciação nas Universidades - que, por sinal, também e felizmente anda caindo em desuso. Até mesmo o traquinas passador do trote já deve estar na terceira idade, se conseguiu sobreviver até agora. Não, peralta, esse mundo não é mais para você. Foi-se o seu tempo, garoto de kichute.

"Nossa, como esse menino é arteiro!". Isso é frase de tia Dirce, Matilde, Odete, Leonor. Tente lembrar da última vez em que você escutou isso, se é que já escutou. Sem chance, caso tenha nascido depois de 1980 e não é baby boomer ou geração X.

O peralta ficava de castigo, levava cintada e safanão, tinha mesada suspensa. Tomava bronca, pito, sermão e lambança. E estava sujeito a pescoções quando pego de surpresa escrevendo "lave-me" com o dedo em vidro de carro sujo. 

Um autêntico travesso com T maiúsculo prendia o botão da campainha com durex e saía correndo. Colava moeda com araldite no asfalto e ficava na moita rachando o bico, vendo os tontos unhando o chão. Pregava aviso de "sou bobo" nas costas do uniforme dos colegas. Prendia carta de baralho na roda traseira da bicicleta para imitar barulho de moto. Esse é o pá virada genuíno, tão em falta. 

Talvez os últimos exemplares da espécie tenham ido dessa pra melhor em 1999. Era uma rede de supermercados que, sabe-se lá o motivo, tinha o nome de Peralta. E que acabou sendo engolida pelo grupo Pão de Açúcar. 



* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).