segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)

LINHA DO TEMPO: Dez anos, sete meses e dois dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Volta por cima.

Coluna Em Verso e Prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, crônica, “Divagando...”.

Coluna Lira de Sete Cordas – Talis Andrade, poema, “O clamor do mar”.

Coluna Direto do Arquivo – Alexandre Lana Lins, poema, “Sons”.

Coluna Porta Aberta – Mouzar Benedito, artigo, “Aposentados: malignos e perigosos”.

Coluna Porta Aberta – Alberto Cohen, poema, “Na hora do rush”.

@@@

Livros que recomendo:

“Poestiagem – Poesia e metafísica em Wilbert Oliveira” (Fortuna crítica) – Organizado por Abrahão Costa Andrade, com ensaios de Ester Abreu Vieira de Oliveira, Geyme Lechmer Manes, Joel Cardoso, Joelson Souza, Levinélia Barbosa, Karina de Rezende T. Fleury, Pedro J. Bondaczuk e Rodrigo da Costa Araújo – Contato: opcaoeditora@gmail.com  
“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Boneca de pano” -  Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Águas de presságio”Sarah de Oliveira Passarella – Contato: contato@hortograph.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“A sétima caverna”Harry Wiese – Contato:  wiese@ibnet.com.br
“Rosa Amarela”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br
“Acariciando esperanças”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br   
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br



Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Volta por cima


A maior parte do meu sofrimento advém das aflições alheias. Já fiz essa confidência em outra crônica, publicada neste espaço tempos atrás, mas nunca é demais reiterar. Minha angústia, por exemplo, é proveniente da miséria, da violência, da exclusão social e da desagregação familiar de centenas de pessoas ao meu redor, de milhares um pouco mais distantes de mim, de milhões por todo o País e de bilhões através do mundo. Excluídos, miseráveis e infelizes não faltam. Pelo contrário...

Essa atitude não se trata, como se pode supor, de querer, apenas, parecer "bonzinho". É uma questão de berço, de formação, de educação para a solidariedade. Não são minhas dores físicas, felizmente raras, que me incomodam. Não são minhas carências financeiras, não tão agudas, que preocupam. Não são meus desacertos emocionais que me tiram o sono.

São os sofrimentos alheios que me consomem a alegria e o otimismo. O pior nessa história é a impotência em ajudar esses outros que sofrem, dada a sua enorme quantidade. Qualquer ação nesse sentido que eu tome desaparece, se torna irrisória e invisível. É uma ínfima gota de água num oceano de carências.

Isso não me isenta, claro, da responsabilidade de tentar ajudar a quem caiu, não importa a profundidade do poço em que está. A tendência, quando cruzamos com alguém que fracassou – com um homeless, com um marginal aparentemente irrecuperável, com o viciado em drogas ou álcool, ou com tantos e tantos outros tidos como “perdedores” – é olhar essas pessoas do alto, com ares de superioridade, como se também não estivéssemos sujeitos a esse tipo de queda, ou até de fracassos piores. Mas estamos.

Pincei, a respeito, alhures, uma citação de Gabriel Garcia Márquez, que li não sei se em algum de seus livros (o que é o mais provável) ou em alguma de suas entrevistas. Bem, a fonte não importa. Importa é a sabedoria das palavras do jornalista e escritor colombiano, ganhador de um Prêmio Nobel, quando afirma: “Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se”. Ah, se todos agissem assim, como o mundo seria melhor, mais justo, mais humano e um lugar mais aprazível para se viver! Esse tipo de atitude, porém, é sumamente raro.

Para uns, esse desfile diário de desgraças, violência e loucura que os meios de comunicação nos trazem age como fator de dessensibilização. Estes assimilam tais dramas como o fazem com o enredo dos filmes norte-americanos, da enorme montanha de lixo cultural que assistem na telinha. Encaram-na como se não passasse de ficção.

Mas para quem, por alguma razão – sorte, esforço sobre-humano, meios ilícitos etc – conseguiu a acidentada ascensão da miséria para um patamar social mediano, e que sentiu na própria carne os efeitos da exclusão social, esses fatos abrem dolorosas feridas na alma. Tiram a alegria de viver.

O que fazer? Se omitir simplesmente? É o que a maioria faz! Agir como se nada estivesse acontecendo? É uma atitude, convenhamos, rotineira. Fechar os olhos ao drama que se desenrola ao redor? A maioria fecha. Se alienar do mundo e da realidade, se isolando em uma torre de marfim? Alguns artistas fazem isso. Como deixar de olhar tudo isso e ainda continuar sendo humano? Sim, como?

O desencanto que se apossa da maioria das pessoas, nestes tempos loucos de insensatez e de violência, é tão grande, que pequenos (mas de maiúsculo significado) gestos de bondade e de solidariedade, que se praticam no dia-a-dia (e que não são poucos), passam despercebidos.  Ou são ignorados, quando divulgados publicamente. Ou são, na melhor das hipóteses, logo depreciados.

Não podemos, porém, nos importar com esse tipo de opinião. Sejamos solidários, sempre, sem esperar retribuição ou sequer gratidão. Ter condições de servir, ao contrário de ser servido, é força, é poder e é uma bênção reservada somente a pessoas muito especiais.

A caridade, tida como uma das virtudes cardeais que os homens deveriam cultivar, está  em baixa. Vivemos numa civilização consumista, marcada, sobretudo, pelo individualismo exacerbado, pela tola acumulação de bens materiais, pelo desperdício e ostentação. Tudo funciona na base do "cada um por si". Ou do famigerado desejo de "levar vantagem em tudo".

Felizmente para todos, reitero, há  exceções, que merecem ser, quando não exaltadas – para que o bom exemplo possa se reproduzir, multiplicar e frutificar – ao menos imitadas, posto que parcialmente. Por isso, leitor inteligente e sensível, que não perdeu ainda aqueles ideais nobres que acalentou na mocidade, quando solicitado a socorrer alguém que precise, seja quem for, não se omita. Não o olhe de cima para baixo, a menos que seja para ajudá-lo a levantar-se. Faça a sua parte. Diga sim à humanidade. Diga sim à dignidade. Diga sim à vida.

Boa leitura!

O Editor.


Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk 
Divagando...


* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral


Se eu pudesse recuar no tempo talvez não cometesse tanta sandice. Jamais comeria inhames doados pela dona Maria, ela fazia xixi em cima deles. Por Deus gente, eu não sabia!

Não esfregaria cocô de cavalo no portão do turco e por falar nele, lixo bom era o dele.

Não comeria as frutas que o meu amigo zoiudo trazia, era tudo roubado.

Não teria tanta mágoa do seu Souza e nem do seu Mocinho, que mão boba ele tinha.

Não confiaria tanto nas "amigas" que volta e meia me chamavam de feia, pode isso?

Guardaria a sete chaves o meu quase primeiro beijo. Pensando bem, eu era menina e nunca passei mal por causa dos inhames batizados.

De boa? Eu faria tudo de novo...

* Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário


O clamor do mar

* Por Talis Andrade


O mar
não é coisa
de se guardar
num alforje

Também não há como captar
o reflexo das estrelas
nas águas claras e mansas
dos olhos de Penélope

O mar
se navega
O mar
Ulisses
tua alforria
As estrelas
teu sonhar

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).




Sons


* Por Alexandre Lana Lins


Pinga, pinga, pinga...
Escuta...
O que foi, mano?
Tamo sozinho...
Escuta...
Os pingo faz companhia pra gente.

Bububuzina!!!
Tô com fome.
Pão.
Acabô. Tô com fome.
Leite.
Quero chorar.
Mas seu choro é abafado pelas buzinas do carro.
Que adianta?

Ven...ven....ta.
Tô com frio.
Cobertor.
Não. Carinho.
Olhe.
Cobertor?
Minha pele tá enrugada.
É o frio.

Pa...pa....passos.
Tô com medo.
Me abrace.
Ocê também tá?
Medo. Muito medo.
Quem será?
Num é nossas mães.
Feche os olhos.
Tô com medo.

Metraaaaalhadora!
Proteção.
Debaixo da ponte.
Deus!
Lata de lixo.
Mãezinha... ram, ram.
Foge. Foooge.

Tiro!
Sangue!
Será que o céu é o paraíso?
Não sei.
Deve ser melhor que aqui.
Lá, lá, lá, lá.
O céu é o paraíso. Escuta.

Sino, sino, sino.
É Jesus?
Um discípulo dele. Um padre.
Já morreu?
olhando você.
Cadê Deus?

Tum, tum, tum.
No coração de quem ama.
Você ama?
Você, como meu filho.
Teu filho?
Meu irmão.
seu irmão?
amo-o.

Mão quente,
Não tô no céu.
Onde tô?
Calma...
Paz...
Escuto o som da paz.
Solidariedade.


* Jornalista
Aposentados: malignos e perigosos


* Por Mouzar Benedito


Mais uma vez querem (e acho que vão) mexer com os direitos dos trabalhadores, para piorar, claro. Esses bandidos (nós) que trabalharam dezenas de anos pagando para se aposentar e ter na velhice um pouco do que os italianos chamam de “ócio com dignidade”, são responsáveis pela pindaíba em que o Brasil está ou – como preveem – vai ficar. Esses velhinhos e essas velhinhas que você vê “vagabundando” por aí, não se iludam, são inimigos do Brasil. Eles são os responsáveis pelo caos que o Brasil tende a se tornar. Pelo menos é o que propagandeiam os pretensos reformadores da Previdência e de toda a legislação trabalhista, se possível.

Fernando Henrique Cardoso, quando era presidente da República, propôs uma reforma da Previdência em que uma das metas era acabar com o que considerava aposentadorias precoces. Chamou de vagabundas as pessoas que se aposentaram com pouco mais de cinquenta anos de idade.

Uma grande safadeza dele, pois desde mais novo, ele mesmo recebia aposentadoria de professor da USP. Foi aposentado compulsoriamente, pelos militares, mas recebia uma aposentadoria bem gorda em comparação com os aposentados do INSS. E ele tinha uma vida econômica ativa e bem paga, não precisava de aposentadoria. E vá se ver quanto ele ganha hoje, só de aposentadorias (não é como nós que temos uma só, magrelinha, do INSS). O valor atualizado de sua aposentadoria é de R$22,1 mil mensais.

Além disso, na época (como hoje), havia uma grande massa de desempregados, e alguém que perdesse o emprego com quarenta anos ou mais de idade, estava (e está) ferrado. Mas ele conseguiu emplacar, entre outras coisas, o famigerado “fator previdenciário”, um grande redutor do valor do “benefício” de quem se aposenta.

Mas voltemos aos “vagabundos” do conceito dele. Um desempregado com cinquenta anos de idade não arrumava emprego de jeito nenhum. E aí, o que devia fazer? Morrer de fome?

Além disso, muitos dos trabalhadores que recebem uma miséria quando se aposentam, mesmo não tendo sessenta anos de idade, começaram a trabalhar com quinze ou dezesseis anos, então podem ter trabalhado uns 45 anos para depois se aposentar. Ganhando uma miséria, relembro.

Enquanto isso, ricos que só começam a trabalhar depois de se formar na faculdade ou até depois de fazer pós-graduação, chegam à idade de se aposentar com muito menos anos de trabalho, e ganhando muito mais. E geralmente tiveram vidas mais ricas, com mais saúde, cuidados, assistência, e poderão viver muito mais tempo.

Para quem começou a trabalhar com trinta anos de idade e sempre teve e terá cuidados de saúde ($$$) para lá de excelentes, aposentar-se aos 65 anos é moleza. Vai viver muitos anos ainda, e ganhando bem mais do que os proletas que nasceram e viveram muito tempo em condições precárias e têm perspectiva de vida muito menores.

Depois veio Lula e fez uma reforma da Previdência que contrariava tudo o que o PT sempre defendeu. Alguns parlamentares petistas se opuseram a ela e foram expulsos do partido, o que deu origem ao PSOL.

Na sua justificativa, Lula disse que dali em diante, as pessoas podiam se aposentar com dez salários mínimos, R$ 3.800,00, quando o salário mínimo era de R$ 380,00.

Não era verdade.

Primeiro, porque ele manteve o desgraçado do “fator previdenciário” criado por FHC. Ninguém consegue receber o valor integral. Quem contribui com cinco salários mínimos, por exemplo, com o fatídico “fator previdenciário” acaba recebendo “benefício” de no máximo quatro.

Aí vêm as correções anuais dos “benefícios”, sempre abaixo da correção do salário mínimo. Assim, esse exemplo de quem pagava contribuições sobre cinco salários mínimos e se aposentou com quatro, em poucos anos estará ganhando no máximo dois.

Com essas correções, o próprio teto de “dez salários mínimos”, hoje não chega a seis. Enquanto isso, os preços dos planos de saúde, especialmente para velhos, sobe muito acima da inflação, na idade em que mais se precisa de serviços médicos.

Entra governo e sai governo, a justificativa é a mesma, agora citada em tons terroristas: “a Previdência vai falir o Brasil. Ela é altamente deficitária e insustentável”. Quer dizer, o Brasil vai falir e os culpados são esses miseráveis que trabalharam trinta e cinco anos ou mais pagando para agora receberem uma aposentadoria “enorme”. Uns vagabundos, como diria FHC. E no conceito de Michel Temer, “inimigos do Brasil”.

Ora, para começar, lembro que quando o baiano Waldir Pires foi ministro da Previdência (escolhido por Tancredo, que morreu antes de assumir a Presidência, ficou no governo Sarney), ele começou a cobrar das empresas o que elas deviam e não pagavam. E a Previdência passou a ter superávit.

Afora isso, é preciso considerar que Previdência é uma coisa e assistência social é outra. Com o que os trabalhadores pagam, a Previdência recebe mais do que gasta. Mas incluem na conta da Previdência a aposentadoria rural, de pessoas que não contribuíram. Essas pessoas não têm culpa por não terem pago e é louvável conceder uma aposentadoria a eles. Mas não se pode incluir essa despesa na conta da Previdência. É outra coisa. É uma grana que deve sair de outra fonte, de uma outra reserva, de assistência social.

Um parêntese aí: já tiraram dinheiro da Previdência para tudo quanto é coisa. Até para a construção da hidrelétrica de Itaipu.

O que acho interessante nisso tudo é que essas pessoas que sempre chiam quando se paga a trabalhadores o que eles têm que receber, inclusive depois de aposentados, não são bons exemplos a seguir.

É um pessoal que acha que salário mínimo perto de R$ 900,00 é demais, mas não imaginam a possibilidade de viver ganhando menos de umas vinte vezes mais do que isso. Tem quem gaste mais dois mil reais num jantar e, quando têm que pagar um salário mínimo a uma empregada doméstica que trabalha o mês inteiro para ele, acha que está sendo explorado. Ela ganha o que ele paga numa garrafa de vinho.

E a aposentadoria desses reformadores da previdência dos outros, como é? Vai ver quanto ganham. Isso mesmo: quanto ganham como aposentados, apesar de continuarem recebendo também salários bem gordos como políticos.

Quem diz isso? Um esquerdista fanático?

Bom… Será que podemos dizer isso de Elio Gaspari?

Pois é ele quem publicou na sua coluna, na Folha de São Paulo, no dia 9 de outubro, umas considerações sobre o “triunvirato que comanda as discussões para a reforma da Previdência” e defendem a idade mínima de 65 anos para se aposentar (com o miserê do INSS, lembro).

Michel Temer, segundo Gaspari, aposentou-se aos 55 anos, em 1996, e em maio deste ano recebia R$ 30.613, como procurador inativo do governo de São Paulo, e como presidente da República recebe R$ 27.841,00.

Geddel Vieira Lima aposentou-se com 51 anos de idade, em 2011, recebe R$ 20.354,00 como inativo e mais R$ 30.934,00 como ministro. Portanto, mais de 51 mil por mês!

Eliseu Padilha aposentou-se aos 53 anos e recebe “apenas” R$ 19.389,00 mensais.

Então… Eles têm moral para cobrar dos outros aposentadoria só depois de 65 anos de idade, e podem falar do alto custo da Previdência?

Para que os que falam merecessem crédito, deviam devolver tudo o que receberam até completar a idade que propõem para os outros terem direito de se aposentar. E depois disso, devolver também o que ultrapassa o teto do INSS, que é de R$ 5.189,00. Ou menos, pois têm aí o fator previdenciário, não é?


* Jornalista 
Na hora do rush

* Por Alberto Cohen


Hoje, na hora do rush,
uma criança mudou em anjo.
Havia um meio-sorriso
em sua boca vermelha,
de poucos dentes ruins,
e um brilho de contorcida ausência
nos olhos que pareciam procurar
a lata de comida.
Deitada no leito escuro,
coberta de jornais velhos
com as manchetes de sempre
sobre menores de rua,
uma criança, na frente de todos,
mudou em anjo na hora do rush.
Foi grande o estrago no carro importado.

* Poeta paraense.


domingo, 30 de outubro de 2016

Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)

LINHA DO TEMPO: Dez anos, sete meses e um dia de existência.


Leia nesta edição:

Editorial – Nascemos para o mundo.

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica, “Brilho de infância”.

Coluna Direto do Arquivo – Aliene Coutinho, conto, “Instinto assassino”.

Coluna Clássicos – Alberto Venancio Filho, artigo,  “Graça Aranha e a Academia”.

Coluna Porta Aberta – João Alexandre Sartorelli, poema, “Construção”.

Coluna Porta Aberta – José Ribamar Bessa Freire, artigo, “Diz-me com quem andas, Marcelo Ramos”.

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Livros que recomendo:

“Poestiagem – Poesia e metafísica em Wilbert Oliveira” (Fortuna crítica) – Organizado por Abrahão Costa Andrade, com ensaios de Ester Abreu Vieira de Oliveira, Geyme Lechmer Manes, Joel Cardoso, Joelson Souza, Levinélia Barbosa, Karina de Rezende T. Fleury, Pedro J. Bondaczuk e Rodrigo da Costa Araújo – Contato: opcaoeditora@gmail.com  
“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Boneca de pano” -  Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Águas de presságio”Sarah de Oliveira Passarella – Contato: contato@hortograph.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“A sétima caverna”Harry Wiese – Contato:  wiese@ibnet.com.br
“Rosa Amarela”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br
“Acariciando esperanças” Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br   
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br




Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk.As portas sempre estarão abertas para a sua participação.





Nascemos para o mundo


O homem de espírito somente tem seu valor reconhecido quando ou "se" comunica aos que o rodeiam suas observações sobre tudo o que o cerca. Se compartilha as idéias que tem com um número máximo de pessoas que lhe sirvam de "espelho" e reflitam toda essa "luz" que emite. Se tem opinião formada sobre vários assuntos. Se oferece ao mundo, da mesma forma que recebe, suas criações. Se brinda a comunidade, não importa qual –  se a da rua, do bairro, da cidade, do país ou mundial – com o produto resultante da sua atividade intelectual e da sua sensibilidade.

O fruto da razão e da emoção só tem sentido quando se incorpora ao patrimônio comum do nosso tempo. Quando é compartilhado com os outros. Quando consegue despertar interesse e enriquece a cultura de um povo e de uma época. Quando resulta em alguma conseqüência. É sua única razão de existir.

Este é o motivo principal da minha atividade, tanto como jornalista, quanto como "aprendiz de homem de letras". Textos como este têm o objetivo de estabelecer um confronto de idéias e algumas vezes de provocar quem os lê, para deflagrar uma saudável discussão, que seja proveitosa para ambos: para o comunicador e para o destinatário da comunicação. Embora profissional, nunca aspirei obter dinheiro com aquilo que escrevo. A venda das minhas idéias somente ocorreu por duas razões e ambas me incomodam. Verificou-se em decorrência da necessidade de prover minha subsistência e a da minha família e do fato de haver quem esteja disposto a pagar por elas.

Mas isto me aborrece. Sinto como se estivesse vendendo um filho. Ou como se estivesse me prostituindo, cedendo uma parte de mim por dinheiro. É certo que se trata de uma recíproca. Investi muito, em termos de recursos materiais, de tempo e de esforço para aprender o que sei. Ainda assim, não me sinto muito confortável vendendo o que crio. Daí ter experimentado inenarrável sensação de prazer ao doar, em 1998, há, portanto, 19 anos, a totalidade dos direitos de venda do meu livro "Por uma nova utopia" a uma instituição beneficente, o Centro de Defesa da Vida, cuja atividade se caracteriza em demover os suicidas potenciais de cometerem essa loucura.

Por isso, a maior parte do que publico – e que não é pouca coisa – é oferecida de forma gratuita aos órgãos que veiculam meus textos, para que eles os divulguem ao seu público, que por conseqüência também se torna meu. Pelo menos presumo que seja assim, caso contrário esses jornais certamente me fechariam as portas. Não pretendo ser genial. Não me considero assim. Não, pelo menos, o tempo todo. Tanto que nunca utilizo jargões, termos técnicos, expressões características, mesmo quando abordo complexos temas filosóficos. Procuro ser simples nas palavras que uso, na maneira com que exponho as idéias e nas teses que defendo.

Há algum tempo (há uns 20 anos) fui acusado por alguém, que se dizia meu admirador, de fazer as citações, que caracterizam quase todos os meus textos, por puro pedantismo. Ou seja, para exibir aos outros o meu grau de leitura. Que bobagem!!! O que busco fazer é simplesmente devolver o que recebo: idéias alheias. Claro, acompanhadas, sempre que possível, da respectiva opinião sobre elas, além de jamais dar os devidos créditos aos seus respectivos autores. Nunca me apropriei do que não é meu.

Esse modo de agir é uma forma de reverenciar os grandes pensadores, os grandes artistas, os grandes criadores (atuando como seu espelho) e de ajudar a impedir que eles e suas criações sejam esquecidos. Há quem goste do meu estilo, que se propõe a ser nada mais do que uma "conversa" com os leitores, como aquelas que nos tempos de estudante algumas pessoas têm, em geral às sextas-feiras à noite, com os amigos, em alguma mesa de bar, regadas a chope. Ou que outros mantêm diariamente, após a saída do trabalho, no que passou a ser conhecido como "happy-hour".

Escrevo algumas bobagens, como acusou alguém, há uns 20 anos, em uma maldosa e desaforada carta anônima que enviou ao jornal em que eu então trabalhava? (Ele disse "só" bobagens, o que, convenhamos, é um exagero). Tudo bem! Graças a Deus! É sinal de que ainda sou humano. Mas pelo menos tenho a coragem de me expor. Estou disposto a me relacionar com os outros, sejam quais forem as consequências. Compartilho com os semelhantes (e dissemelhantes) meus anseios, sonhos, virtudes e fraquezas. Mesmo escrevendo tolices, ainda assim estou induzindo alguém a pensar. Inclusive esse mesmo sujeito azedo e mesquinho – e certamente complexado e infeliz por precisar se esconder no anonimato.

Dom Bosco afirmou que "Deus nos colocou no mundo para os outros". A recíproca é verdadeira. Ou seja, os outros também existem para nos ajudar, nos atrapalhar, nos apoiar, nos repudiar, nos aprovar ou nos contestar. Daí a comunicação ser tão importante, seja em que plano for. Precisamos é buscar uma interação. E quanto mais ampla e constante puder ser, tanto melhor.

A maior prova de que não busco nenhuma vantagem com o que escrevo, é que não conheço a maioria dos meus leitores. Não atino quantos são. Desconheço seu sexo, sua cor, sua religião, sua etnia, sua nacionalidade, sua condição social, seus gostos, suas idiossincrasias ou seu grau de cultura. Sei, apenas, pelos resultados que obtenho, que não são poucos estes amigos (e inimigos) anônimos. Mesmo que fosse um único, seria válido e bem vindo. E escreveria para ele (ou para ela) com o mesmo entusiasmo com que o faria para 50 mil, 100 mil, 500 mil, um milhão ou muito mais.

Tenho a certeza, por outro lado, que meus leitores, sejam quais ou quantos forem, são fiéis, pelo tempo em que sou solicitado por jornais dos mais variados portes e estilos a colaborar com eles. E pelos e-mails e telefonemas que recebo (aprovando e reprovando meus textos). E pelas manifestações de carinho com que sou brindado na rua. E pelo meu ingresso, no já longínquo ano de 1992,  na Academia Campinense de Letras. E pelo título de cidadania que recebi em 1993 da Câmara Municipal de Campinas. E por tantas coisas mais... Nada disso teria acontecido se não me conhecessem. E se minhas idéias não provocassem nenhuma reação, mesmo que às vezes de ostensiva discordância, que não fosse a pura indiferença...


Boa leitura!

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk





Brilho de infância


* Por Pedro J. Bondaczuk
  

"A poesia encontra-se em todas as coisas – na terra e no mar, no lago e na margem do rio. Encontra-se também na cidade – é evidente para mim aqui, enquanto estou sentado, que há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; há poesia no barulho dos carros nas ruas, em cada movimento diminuto, comum, ridículo, de um operário, que do outro lado da rua está pintando a tabuleta de um açougue". Estas palavras são  de Fernando Pessoa, e definem o vasto campo de ação do poeta: a totalidade das coisas, das pessoas e das emoções que elas têm.
  
É uma trilha aberta a todos, mas que apenas alguns raros seres que fogem do convencional, dotados de um "filtro" muito especial, conseguem vislumbrar e caminhar com desenvoltura por ela. No meio do caminho, como que por magia, ou feitiçaria, transformam palavras comuns em pepitas de rara beleza e incomensurável valor. São como o legendário rei Midas: transformam em ouro tudo o que tocam. Brincam com os sentimentos, como as crianças com seus brinquedos preferidos.
  
Vinícius de Moraes escreve, no livro "Para viver um Grande Amor", que "o material do poeta é a vida, e só a vida, com tudo o que ela tem de sórdido e de sublime. Seu instrumento é a palavra". Convenhamos que se trata de uma ferramenta fragílima, que oferece poucos recursos e exige manejo de grande perícia, para que se possa, com ele, extrair beleza dos pântanos mais horrendos e sombrios do coração humano. Mas ele consegue, com maestria e grandeza, com naturalidade, isso que seria enorme proeza para uma pessoa comum. É possuidor da "pedra filosofal", que lhe confere o poder de transmutação de  "metais" ordinários, comuns, banais e sem valor, em ouro de 18 quilates. Mais do que isso: de pedras em esmeraldas, topázios, ônix, safiras etc.
  
Tive, por anos, a honra de privar da amizade de um desses "pastores de emoções", que brincam com sentimentos (próprios e/ou alheios), tal como um menino o faz com a sua pipa, com a sua bola ou, para estar mais de acordo com os tempos atuais, com seu vídeogame. Refiro-me ao ex-presidente da Academia Campinense de Letras, Mauro Sampaio.  Fiquei sabendo, tempos atrás, por carta que então me escreveu, que o amigo estava prestes a nos brindar com novo livro. Esse poeta exigente e detalhista foi muito parcimonioso na publicação de seus trabalhos.
  
Mauro enviou-me, na ocasião, alguns poemas, compostos especialmente para o citado livro, pedindo minha opinião sobre sua qualidade ou eventuais defeitos (quanta modéstia!). Antes de qualquer comentário, é preciso caracterizar seu estilo para os que não  tiveram o privilégio de um contato com a sua requintada poesia. Caracteriza-se pela parcimônia de palavras, colocadas com precisão cirúrgica:  exatas, precisas, insubstituíveis, sem desperdícios e sem descambar para a pirotecnia ou para a "hemorragia verbal".  Seus poemas, salvo exceções, têm no máximo três versos cada.  Soam a aforismos, a pensamentos, a reflexões, com a parcimônia dos chineses ou dos hai-kais japoneses, embora sem a base formal desses últimos.
  
Em alguns casos, poderiam ser gravados em mármore, como epitáfios. Talvez por sua exiguidade, "grudam" no ouvido, permanecem no cérebro, suscitando as mais profundas reflexões filosóficas e indo fundo, mexendo com nossos sentimentos mais secretos e resguardados.  Para exemplificar, cito essa "Elegia", composta quando Mauro visitou o túmulo da mãe, no dia do aniversário desta:

"Não trouxe rosas.
Vim em busca do tempo na estação dos mortos.
- Sobre este chão planto a saudade!".

Embora as palavras sejam escassas, medidas, parcimoniosas, são versos profundos, belos, emotivos. Como estes, do poema "Declaração":

"Este amor que me leva a ti,
é como as águas mansas de um rio
que se precipitam de uma cachoeira de sonhos!".

Ou estes, de "Saudades":

"Velhas tempestades de luz,
faces úmidas, nuvens intocadas.
---  melodias do mar ressoando nos sonhos!".

Ou destes outros, de "Inspiração":

"Vento!
Não te feches em tuas asas.
Leva-me contigo!"

Em meu livro "Por uma Nova Utopia", dedico-lhe um capítulo inteiro. Além disso, cito seus versos límpidos, cristalinos, cirúrgicos, em vários outros. Para que o leitor tenha uma idéia desse livro de Mauro Sampaio, me atrevo a reproduzir  (sem sua  autorização ou conhecimento), os outros seis poemas que o amigo me enviou, então, para  análise.

"Fidelidade"

"Amada! neste final de inverno,
onde buscar rosas
senão em nossas mãos entrelaçadas?!"

 "Prelúdio"

"Nada me alegra mais
que a incapacidade graciosa
do teu amor ainda hesitante!".

"Real"

“Antes de ser
sou o que sente a alegria de viver.
Nem quero mais que a realidade do existir!"

"Recado"

"Eu não precisaria dos pássaros,
nem das flores, nem dos sonhos,
se estivesses aqui!"

"Forte"

"O amor
descobre o segredo das pedras
sem o rumor das palavras!"

O que dizer?  Como qualificar essa poesia, senão de magnífica, inquietante, sublime, bela?!  Como privar o meu leitor dela, mesmo sob o risco de ofender o amigo, se vivo estivesse?  Mauro brincava com nossas emoções. E espalhava pérolas ao longo do caminho que trilhava.  Como estas, do poema "Concreto":

"Vida! apenas o instante eu vivo.
E é tão frágil o instante
que não há tempo para guardar-te na memória!".

Que precisão! Quanta beleza! É poesia pura...Quanta saudade, querido amigo!!!!

   
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk