Poetas
e poetas
*
Por Pedro
J. Bondaczuk
Há,
na literatura mundial, “Poetas” cuja condição temos que
declinar grafando-a, forçosamente, com “p” maiúsculo, por sua
contribuição para as artes e as letras e “poetas”, com “p”
minúsculo, que ainda não atingiram a grandeza e transcendência dos
primeiros. Não citarei nomes, em nenhum dos dois casos, para não
melindrar ninguém, já que minha reflexão de hoje destina-se a
reconhecer os bons, sem depreciar os que ainda não atingiram (mas
podem fazê-lo) o nível de excelência.
Tenho
em mãos, neste instante, um livro de um “Poeta”, com “p”
maiúsculo (e põe maiúsculo nisso!), pouco conhecido em âmbito
nacional, mas cuja poesia o qualificaria a ocupar o panteão dos
grandes luminares do gênero, como Mário Quintana, Carlos Drummond
de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e Cecília
Meirelles, entre tantos outros. O fato de ser pouco divulgado não
lhe traz maiores prejuízos, posto que já nos deixou há quase duas
décadas
(morreu em 11 de junho de 2001 aos 84 anos), mas prejudica o grande
público, que fica privado de sua lucidez e profunda inspiração.
Refiro ao meu saudoso e grande amigo (além de guru literário) Mauro
Sampaio.
Além
de escritor de raras qualidades – embora dentista de profissão,
aliás, professor de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica
de Campinas – e de grande empreendedor, havendo presidido em três
oportunidades a Academia Campinense de Letras da qual foi um dos
fundadores (de 1985 a 1988; 1993 a 1994 e 1998 a 2000), foi uma
figura humana boníssima, preciosa, agradável, dessas que é uma
bênção o simples fato da gente conhecer, quanto mais conviver com
ela. Generoso, ponderado e justo, sempre será, para mim, pessoa
inesquecível. Além, claro, de um poeta que não fica nada a dever
aos grandes da literatura mundial no seu gênero.
Foi
Mauro Sampaio, ao lado de outro mestre da poesia, também falecido,
jornalista e meu colega de redação no Correio Popular, Maurício de
Moraes, que me convenceram a disputar uma cadeira na Academia
Campinense de Letras. Para a minha surpresa, fui eleito. Hoje sou
membro dessa augusta casa de arte e cultura há já longos 26
anos, o que muito me orgulha. Aprendi muito com ambos. E farei tudo o
que estiver ao meu alcance para que não sejam nunca esquecidos.
Sinto falta, por exemplo, na internet, de referências sobre estes
dois magníficos escritores, a respeito dos quais os críticos e
estudiosos fazem constrangedor silêncio, o que é sumamente injusto.
O
livro de Mauro Sampaio a que me referi e que tenho em mãos – e ele
publicou mais de dez, todos de poesias – é “Poemas para
Meditar”, volume de nº 31 da coleção “Publicações da
Academia Campinense de Letras”, lançado em 1976. É uma edição
rara, restrita aos acadêmicos e não posta à venda para o público
(uma pena!). Gostaria, caso tivesse os direitos autorais dessa
publicação, de partilhar todos os poemas, sem nenhuma exceção,
cada um mais maravilhoso do que o outro, com um número máximo de
pessoas. Como não posso, limitar-me-ei a reproduzir apenas duas
dessas composições, até com uma certa maldade da minha parte, ou
seja, para deixar no leitor aquele gostinho de “quero mais”.
O
primeiro desses poemas tem o título de “Justificar-me”, e foi
dedicado ao Dr. Lycurgo de Castro Santos Filho, um dos mais
eminentes, competentes e reconhecidos urologistas do País, que tive
o raro privilégio de contar como companheiro de Academia por quase
uma década, até a sua morte. O referido texto diz:
“Justificar-me?
Justificar-me
de ser, mas não por convicção?
Mas
quem é, e sabe que é, e quer ser, sem querer mais ser?
Não
haverá em todos nós uma parada
com
tristeza e desonra por dentro, e satisfação externa para o
exterior?
Há
tanta justificativa que nada justifica,
tanta
compreensão que não compreende nada,
que
o melhor
é
a não explicação de explicação alguma.
É
sentir-se à beira de um abismo
e
vê-lo como o caminho natural para a planície!”.
Agora
deu para entender por que coloco Mauro Sampaio no mesmo patamar dos
mais consagrados poetas brasileiros, de Mário Quintana, Carlos
Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e
Cecília Meirelles, entre outros? Pena que poucos, reitero, tenham o
privilégio que tive, quando ele estava vivo, e que tenho, com a
leitura frequente
de sua luminosa obra: o livre acesso à sua marcante e carismática
poesia. Ler o que ele escreveu “vicia”. Mas este é um vício
benigno, que não somente não faz mal como, de quebra, engrandece e
fortalece intelectual e espiritualmente o viciado.
O
outro poema de Mauro Sampaio que partilho com vocês é “Esquecer a
vida”. Este, ele dedicou a Theodoro de Souza Campos Junior,
escritor ao qual sucedi na cadeira de nº 14 da Academia Campinense
de Letras. Diz:
“Esquecer
a vida dentro do sonho.
Torná-la
irreal na realidade do sonho.
Inverter
tudo.
Amar
de tal maneira a vida,
que
o vivê-la será pouco.
Ignorar
a alma e o espírito e o consciente.
Pensar
no espaço.
Não
entender nada.
Não
estar triste nem alegre,
nem
saber o que é bom, e mau e belo ou não.
Recortar
todos os momentos da vida
e
fazer dos retalhos o sonho.
O
que aconteceu antes
é
o que passou na forma e no espaço.
O
que está, não está, é um constante movimento.
O
Princípio nasceu de um Sonho.
O
que se sente da vida, quando se repara nela,
é
que só vale pelo sonho que é,
ou
pelo sonho que fazemos dela!”.
O
que dizer mais diante desses versos majestáticos e definitivos?! E
precisa dizer algo? Só me resta ficar calado... e meditar.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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