terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)

LINHA DO TEMPO: Dez anos, nove meses e trinta e um dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Textos piegas.

Coluna À flor da pele – Evelyne Furtado, crônica, “Será Arte?”.

Coluna Observações e reminiscências – José Calvino de Andrade Lima, crônica, “Restaurante Leite”.

Coluna Do real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire, conto, “Loucos?”.

Coluna Porta Aberta – Arita Damasceno Pettená, crônica, “E a poesia? Onde está?”.

Coluna Porta Aberta – Ana Suzuki, poema, “Fases da minha alma”.

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Livros que recomendo:

“Poestiagem – Poesia e metafísica em Wilbert Oliveira” (Fortuna crítica) – Organizado por Abrahão Costa Andrade, com ensaios de Ester Abreu Vieira de Oliveira, Geyme Lechmer Manes, Joel Cardoso, Joelson Souza, Levinélia Barbosa, Karina de Rezende T. Fleury, Pedro J. Bondaczuk e Rodrigo da Costa Araújo – Contato: opcaoeditora@gmail.com  
“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Boneca de pano” - Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Águas de presságio”Sarah de Oliveira Passarella – Contato: contato@hortograph.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“A sétima caverna”Harry Wiese – Contato:  wiese@ibnet.com.br
“Rosa Amarela”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br
“Acariciando esperanças”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br   
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br




Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

 


Textos piegas



Os que lidam com textos, e fazem deles seu meio de vida, têm que atentar aos mínimos detalhes naquilo que escrevem. Precisam evitar, a todo custo, que o que colocarem no papel (ou na telinha do computador, como queiram) enseje múltiplas interpretações, diferentes das que quis expressar. Não se pode ser ambíguo, obscuro e nem pedante, sob pena daquilo que o redator escreveu vir a depor contra ele em algum tempo qualquer. Clareza, concisão e precisão são, portanto, fundamentais em todo e qualquer texto. 

Nunca sabemos quem irá ler uma crônica ou um artigo nossos, por exemplo. Tanto pode ser um sujeito inteligente e esclarecido, quanto algum infeliz analfabeto funcional, incapaz de assimilar, e de entender, o que lê, embora ache que saiba fazer isso. Curiosamente, é justamente esse tipo que mais se arroga, invariavelmente, ao papel de crítico, tentando ridicularizar quem escreve, embora descambando (ele sim) para o ridículo.

Quando decidi abrir mão da minha condição de comentarista político – função que exerci, diariamente, por longos quinze anos, em vários jornais que trabalhei – para assumir o papel de cronista, uma das minhas preocupações sempre foi a de evitar a elaboração (e a publicação, claro) de textos que pudessem soar “piegas”.

Quem lida com esse gênero, caracterizado pela informalidade, muitas vezes corre esse risco, principalmente ao abordar episódios pessoais, íntimos, que lhe são caros e que talvez não sejam para os leitores. Se não tomar cuidado com certos temas – verdadeiras armadilhas para os redatores – pode, de fato, descambar para a pieguice.

Tive, há algum tempo, um incidente desagradável, a esse propósito, no Comunique-se. Foi em relação a uma crônica que publiquei em minha coluna das quintas-feiras, no Literário (que então era uma seção desse prestigioso e nobre portal), em que abordei um episódio que me marcou profundamente na infância. Tratava-se de um texto sóbrio, leve, sem adjetivos ou tentativas banais de fazer literatura. Nem se tratava de algo inédito ou escrito às pressas, como somos, às vezes, obrigados a fazer, para honrar compromissos (o que, convenhamos, é um risco imenso).

A crônica em questão já havia sido publicada em diversos jornais, revistas e sites da internet. E a aceitação, até então, havia sido unânime por parte dos leitores (pelo menos dos que se manifestaram com comentários). Qual não foi minha surpresa, porém, ao me deparar com determinada manifestação de alguém, que se dizia “usuário do portal”, alinhavando uma série de considerações nada lisonjeiras ao que escrevi. E não apenas em relação ao texto (que estava na página para quem quisesse ler e avaliar), mas, sobretudo, sobre a minha pessoa (que tenho certeza absoluta que esse indivíduo não conhecia e ainda não conhece).

Entre tantas coisas que o tal “crítico” de algibeira escreveu, a que mais me irritou foi ter classificado a referida crônica de “piegas”. Houve reações imediatas (e espontâneas) em minha defesa, como a do escritor Urariano Mota, cujo talento admiro e cuja capacidade de análise considero insuspeita, dada sua trajetória no jornalismo e, sobretudo, na literatura.

Meu primeiro impulso foi o de responder de forma malcriada a essa má-criação. Isso, porém, não faz parte do meu comportamento. Respeito, profundamente, a opinião de qualquer leitor, principalmente aquelas que divirjam das minhas. Estou, sempre estive e sempre estarei aberto às críticas, às quais me submeto (quando pertinentes) e tomo como referenciais para me tornar um redator melhor.

O tal indivíduo, porém, não estava me criticando. Estava fazendo “chacota” com o meu texto, o que é muito diferente. Ainda assim, decidi analisar sua crítica e tentar encontrar algo de bom, de útil e de aproveitável nela. Fui ao dicionário para refrescar a memória sobre o sentido exato da palavra “piegas”. Aurélio Buarque Ferreira diz que é o indivíduo “ridiculamente sentimental”. “Será que sou assim?!”, indaguei-me, atônito. Concluí que não.

Fiz novas consultas. Fui, por exemplo, ao Dicionário Mor da Língua Portuguesa, do professor Cândido de Oliveira. E ele define essa palavra assim: “piegas – pessoa embaraçada, atoleimada, ridiculamente assustadiça, afetada”. “Meu Deus do céu, será que sou tudo isso, sem me dar conta?!”. Tenho, é certo, inúmeros defeitos pessoais e algumas tantas deficiências de estilo, não nego. Mas piegas?! Não, definitivamente, não sou! E a dita crônica também não é.

Esse incidente trouxe-me à memória outro, ocorrido há mais de 40 anos. Recebi, certa feita, este poema de uma garota (a quem amei demais, e que, na época, era a minha namorada) que ela afirmou haver copiado de algum lugar e que, no seu entender, cabia como uma luva à minha pessoa:

Menino grande

“Eu gosto tanto do carinho quer ele me faz
Faz tanto bem o beijo que ele me traz
As horas passam, ligeiras, felizes
Sem a gente sentir.

Ele está ao meu lado, com o corpo cansado
Precisa dormir.

Dorme menino grande
Que eu estou perto de ti
Sonha o que bem quiseres
Que eu não sairei daqui.

Ó vento não faz barulho
Meu amor está dormindo
E o mar não bata com força
Por que ele está dormindo.

Dorme, menino grande,
Que eu estou perto de ti.
Sonha o que bem quiseres
Que eu não sairei daqui”.

Mostrei estes versos a um amigo, sem revelar a autoria, e pedi sua opinião. Qual não foi a minha surpresa e, principalmente, minha decepção quando ele classificou, na maior cara dura, sem ao menos refletir no que dizia, essa jóia poética de “piegas”! Não pensei duas vezes. Rompi, de imediato, sem mais delongas ou explicações, a amizade. Nunca mais sequer conversei com essa pessoa.

Afinal, não tenho nada em comum com indivíduos de mau-gosto e que são, sobretudo, mal-informados. Estes versos, para quem não sabe (ou ainda não identificou) são do magnífico poeta, cronista, boêmio pernambucano (e, sobretudo, extraordinária figura humana), Antonio Maria Araújo de Morais, que foi um dos mais inspirados e consagrados compositores da MPB de todos os tempos. E a letra em questão, tão estupidamente avaliada e infantilmente criticada, foi estrondoso sucesso de público e de vendas, na voz gostosa e acariciante de Nora Ney...

Boa leitura!

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk


    
      


Será Arte?


* Por Evelyne Furtado


A vida oferece tom, cor e sabor às emoções que produzem sensações diversas em um verdadeiro show de variedades.

Felizes o que possuem talento para a catarse, manuseando impressões em gestos, falas, palavras, performances, ritmos ou pincéis.

O protagonista às vezes dança como o bêbado da canção de João Bosco, imortalizada por Elis. A corda é seu caminho e chegar à outra ponta em todas as apresentações é sua vitória.

A sensibilidade é fundamental para que haja o bom desempenho. A técnica e o aprendizado são necessários, porém não substituem a emoção de forma alguma.

Esquecer a fala ou errar o passo pode parecer fatal. Mas a alma é imortal e se não for vendida como a de Fausto, ressurgirá no outro dia ou em qualquer dia seguinte ao ocorrido.

A alma vai além do ego fornecendo o fogo sem o qual o espetáculo será mera repetição do cotidiano frio e isso fica para as comadres que assistem a vida de suas janelas sem atuar.

Àqueles que foram presenteados com o dom de traduzir a aventura de viver é imprescindível que não deixem faltar lenha para alimentar a vida e iluminar o palco, pois do contrário a catarse será feita em becos escuros ou simplesmente não acontecerá intoxicando atores e platéias.

Traduzir-se, poema de Ferreira Gullar outra vez me serve, me guia e me auxilia na tradução da vida, portanto destaco os versos que dispensariam todas as minhas palavras, mas que insisti em manter por teimosia ou por pura catarse.


"Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?"

Ferreira Gullar.


* Poetisa e  cronista de Natal/RN.
Restaurante Leite

* Por José Calvino


“Sou negra, e daí? Que tenho eu agora de diferente na história? Virei campo de estudo...” Rosália Cristina)


A forma como o preconceito racial se expressa em cada região do Brasil é curiosa. Aqui em Recife, por exemplo, conheço muitos pernambucanos que têm preconceito de cor. Independentemente, alguns casos aconteceram no tradicional restaurante Leite. Fundado em 1882 pelo português Manoel Leite, é o mais famoso restaurante recifense. O mesmo fica na esquina da Praça Joaquim Nabuco com a rua da Concórdia.

Freqüentavam com assiduidade o badalado restaurante alguns intelectuais e figuras proeminentes da região. Por lá, o visitaram o presidente de Portugal, general Craveiro Lopes (1957), o Ministro da Guerra, general Henrique Duffles de Teixeira Lott (dizem até que o peito do general estava mais decorado do que a mesa do banquete), Juscelino Kubitschek, a condessa Maurina Pereira Carneiro, a Miss Brasil (a baiana Marta Rocha), Cordeiro de Farias, Miguel Arraes, entre outros políticos...

O restaurante Leite, com todos os movimentos políticos e crises que afligiram nosso país, chega ao século XXI com outro tratamento do que diziam ser diferente. Segundo um amigo ex-combatente, disse que certa vez um capitão do Exército, por ser negro, não foi atendido, ficando revoltado após discutir com o garçom, que ameaçou chamar a polícia. Como ficava próximo ao restaurante um ponto de táxi, o motorista negro recusou levar o capitão, alegando que só conduzia clientes brancos, por ordem do dono do Leite. O então capitão atravessou a ponte da Boa Vista e foi até o Quartel-General (hoje Hospital Militar), no Parque Treze de Maio, chamar a Polícia do Exército (PE), onde ficava uma patrulha de prontidão à disposição do IV Exército.

Foram presos o garçom e o motorista, tendo o dono do Leite evadido-se. Finalizando, transcrevo o comentário da poesia “Sou Negra, e daí?”, de Rosália Cristina. O valor da raça negra, em sua poesia, retrata a mulher negra e sua inteligência...

“Talvez, sendo eu, objeto de suas teses
percebam-me cultura viva, em pele,
antropologicamente em vida
não apenas mais uma remanescente”.


*Escritor, poeta e teatrólogo.


Loucos?


* Por Eduardo Oliveira Freire


Uma vez, quando criança, gritei em pensamento.
 
Desde que me entendo por gente, quando a noite chegava e o sono vinha, ninguém dormia. Todos ficavam vagando por aí como zumbis e à espreita de quem está acordado, para mordê-lo e o transformar como igual. Ao amanhecer, todos voltavam ao normal e agiam como se nada tivesse acontecido.

No início, tinha medo, mas me acostumei com os sons que minha família emitia. Comecei a dormir tranquilamente, enquanto os outros acossavam. Sempre escutei gritos na alta madrugada, era um "acordado" que foi descoberto. Ao crescer, curti minha infância e juventude sem muito drama. A única coisa que me incomodava era os gritos ou quando alguém ficava a me observar para ver se dormiam realmente.

O tempo passou, tive mulher e filhos. Eram zumbis, também. Como estava habituado, nem me importei. Até quis ser mordido por eles para não ser mais diferente.

Quando surgiram as redes sociais, descobri o "grupo dos acordados". Entrei em contato e conversei bastante com os integrantes. A que dialogava mais comigo era Ana e nos conhecemos no mundo real. Era casada também e sofria de ver os seus na madrugada, caçando os acordados.

Nós nos apaixonamos, porém, não podíamos abandonar nossas famílias. Encontrávamos um jeito para passar a noite se amando trancados num quarto de motel, enquanto os zumbis noturnos perambulavam pela madrugada.

Será que somos os loucos?! Ou pertencemos aos poucos sãos que ainda existem no mundo?

* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/



E a poesia? Onde está?


* Por Arita Damasceno Pettená


Como um número a mais na multidão, seguimos o ritual de cada dia. E dependendo do espaço que ocupamos, no universo imenso de um mundo sempre em convulsão, vamos redefinindo o calendário, de acordo com as exigências do momento. Sobretudo quando se entra nos “enta” da vida e o tempo já não obriga a enfrentar horários rígidos de trabalho, ou de se ocupar, quase que por inteiro, com a educação dos filhos.

Assim é a vida. Assim somos nós. Se nos couber a graça de sermos cristãos — e acredito que todos nós o somos — há que se fazer primeiro a entrega de cada dia a esse Deus, que é a única verdade que fica. Depois, como alguém que se ama, há que se pensar em si mesmo, com todos os direitos que a existência nos reserva: de amar... de viver... e de sonhar...

Os jornais nos sobrecarregam, quase que diariamente, com notícias quase sempre voltadas para o crime. São os bárbaros assassinatos. É a corrupção campeando na “Casa”, paradoxalmente chamada do “Povo”. É a violência fazendo-se senhora das horas tenebrosas de nebulosas madrugadas, indiferente à lua que, cheia ou pela metade, tem sido o acalanto mais cantado em prosa e verso por poetas e seresteiros.

A imprensa já não mais se preocupa, como antigamente, em dar destaque ao mundo das letras. Deus é o grande aposentado. E o racional está sempre à frente das coisas que nos falam ao coração. Folheamos páginas e páginas e poucas são as matérias que nos trazem algo de substancial ao espírito, algo que venha ao nosso encontro, à vontade indômita de ser feliz, ainda que contrariando muitas vezes as leis formuladas pelo homem.

Trabalhos, muitos vezes áridos, técnicos demais para um povo que está entre os primeiros classificados no mundo, em matéria de analfabetismo, deixam de fora textos em crônica de rara beleza, poemas enfeixando o belo em cada verso, já que para os órgãos de comunicação o que vale é o anúncio que dá dinheiro, é o crime explorado até a última gota de sangue, são pernas correndo atrás da bola. É claro que há exceções.

A hora, mais que nunca, se faz necessária para fazer mudanças em nossos veículos de comunicação. Afinal há gosto para tudo. E o leitor merece respeito. O que nunca podemos esquecer é que, em qualquer vestibular — e isto já vem desde os tempos de nossos avós —, há que se estudar poesia. Camões, Castro Alves, Casimiro de Abreu, Cruz e Souza e tantos outros que o digam.

E a poesia? Onde está? Morreu de vez, nos matutinos que nos chegam pela madrugada. Nos suplementos literários de nossos jornais. Mais dorido, ainda, morreu nas escolas onde a criança aprende mais fácil a sua língua, ouvindo rimas que falam de amor e de saudade. E para atestar o quanto a poesia nos empolga, deixamos aqui registrado um poema de nossa autoria:

Deitada na areia,
um nome escrevi.
Uma onda travessa,
brincando comigo,
meu nome levou
pro fundo do mar.
E na praia deserta,
sem nome, sem nada,
às águas pedi,
com ódio da onda,
meu nome trouxessem
do fundo do mar.
E o mar respondeu
que meu nome enterrou
para não mais voltar.
Porque esse nome...
Porque esse nome...
meu Deus, eu não posso falar.

* Arita Damasceno Pettená é poetisa, professora, escritora e membro da Academia Campinense de Letras.



Fases da minha alma


* Por Ana Suzuki


Virei água morna,
que se recusa a ferver
e tampouco a esfriar.
E quero manter-me assim
sem arrepios de gelo
nem tremores de fervura.

Virei rio de planície,
sem securas na vazante,
ou desatinos na enchente.
Já não corro, só deslizo.
Entre lírios e serpentes,
eu deslizo.

* Escritora e acadêmica da Academia Campinense de Letras.


segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)

LINHA DO TEMPO: Dez anos, nove meses e trinta dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Cada uma!.

Coluna Em Verso e Prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema, “Click”.

Coluna Lira de Sete Cordas – Talis Andrade, poema, “A terra te seja leve”.

Coluna Direto do Arquivo – Guilem Rodrigues da Silva, poema, “O meu idioma”.

Coluna Porta Aberta – Frei Betto, artigo, “O medo governa”.

Coluna Porta Aberta – Leonardo Boff, artigo, “Trump: uma nova etapa da história?”.

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Livros que recomendo:

“Poestiagem – Poesia e metafísica em Wilbert Oliveira” (Fortuna crítica) – Organizado por Abrahão Costa Andrade, com ensaios de Ester Abreu Vieira de Oliveira, Geyme Lechmer Manes, Joel Cardoso, Joelson Souza, Levinélia Barbosa, Karina de Rezende T. Fleury, Pedro J. Bondaczuk e Rodrigo da Costa Araújo – Contato: opcaoeditora@gmail.com  
“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Boneca de pano” -  Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Águas de presságio”Sarah de Oliveira Passarella – Contato: contato@hortograph.com.br
“Um dia como outro qualquer” Fernando Yanmar Narciso.
“A sétima caverna” Harry Wiese – Contato:  wiese@ibnet.com.br
“Rosa Amarela”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br
“Acariciando esperanças”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br   
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br



Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.



Cada uma!



O noticiário diário dos meios de comunicação é uma fonte inesgotável de inspiração para os que ganham a vida escrevendo ficção. Parece brincadeira, mas não é. Os fatos noticiados por jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão e portais e blogs da internet são tão insólitos, tão surreais, tão absurdos, que parecem ser engendrados por um cérebro delirante. No entanto... não são. Há umas três décadas, fui encarregado de escrever uma coluna, para um suplemento dominical do Diário do Povo de Campinas (que, se não me engano, se chamava “Jornal do Lar”), apenas com notícias desse tipo, extraídas da mídia impressa, acompanhadas de um comentário jocoso da minha parte. Foi um sucesso!

Os leitores duvidavam que os fatos abordados fossem verdadeiros. Atribuíam-nos à minha suposta capacidade inventiva. E os colegas de redação olhavam-me com espanto e com respeito, secretamente invejando a minha “criatividade” (que, convenhamos, nem mesmo existia). Eu me limitava a comentar, com bom-humor é verdade, a realidade, e nada mais. Na ocasião, eu mantinha um banco de dados para catalogar esses fatos – reitero, pinçados do noticiário –  cuja seleção tinha dificuldades de fazer, tão malucos e surrealistas que eram.

Quando troquei o Diário do Povo pelo seu então concorrente, o Correio Popular, a coluna deixou de ser publicada e não tardou muito para que também o suplemento que a abrigava deixasse de circular. Ensaiei, várias vezes, me desfazer desse banco de ocorrências insólitas, por sua inutilidade. Todavia, por desorganização, a cada arrumação que encetava nas gavetas do meu arquivo me desfazia de informações que mais tarde me faziam falta, mas estas teimosamente permaneciam ali.

Tenho, agora, esse material em mãos. Até por dilentantismo, resolvi atualizá-lo. E só de notícias, envolvendo ladrões distraídos, cataloguei duas, já bastante antigas. Uma delas ocorreu em Campinas. Um “amigo do alheio” invadiu uma residência, em um bairro de classe média da cidade, na qual fez uma “limpeza em regra”. Na fuga, todavia, esqueceu, sobre o sofá da casa, sua “ferramenta de trabalho”. Ou seja, deixou um revólver, calibre 38, com a numeração raspada, para trás.

Mais trapalhão, ainda, porém, foi o ladrão que roubou o caixa de uma lotérica de Bauru, interior de São Paulo, utilizando para isso uma arma de brinquedo. Toda a ação foi registrada pelas câmeras do circuito interno de TV do estabelecimento. Mas sequer seria necessário. Na fuga, o indivíduo esqueceu (vejam só) seu currículo, com documentos, endereço, foto, os cambau. Só com isso, já facilitou, sobremaneira, o trabalho da polícia. Mas sua trapalhada foi ainda mais longe. O bandido trapalhão voltou ao local do crime para tentar recuperar o que havia esquecido. Foi preso no ato, claro. As imagens gravadas não deixavam a mínima dúvida sobre a autoria do crime.

Que escritor conseguiria criar um enredo desses? E se criasse, certamente seria acusado de fantasiar demais, de faltar verossimilhança à sua história. No entanto... Como esses, há casos até muito mais incríveis, e no entanto, verdadeiros. Um deles aconteceu em Frankfurt, na Alemanha. Em determinada noite, os vizinhos de um homem de cerca de 30 anos, que morava sozinho no bairro, cujo comportamento era considerado “estranho”, foi visto saindo, furtivamente, de sua casa, na penumbra, carregando nos ombros o que à distância parecia ser um cadáver de mulher.

O sujeito se esgueirou junto ao muro, evitando os locais mais iluminados, olhando apreensivo para um lado e para o outro e se dirigiu rumo a um vasto terreno baldio das redondezas. As testemunhas não tiveram dúvidas: chamaram, incontinenti, a polícia. Diante das autoridades, o cidadão, constrangido, se explicou. Não era nenhum criminoso tentando esconder a prova do crime. Ocorre que, como fosse uma pessoa extremamente tímida (e por isso solitária), mantinha em casa uma dessas bonecas infláveis, vendidas em pornoshops, para se satisfazer sexualmente. Justamente na véspera, havia comprado uma nova, de modelo mais atualizado, e resolveu jogar a antiga no lixo. Mas, na pressa, se esqueceu de desinflar a boneca. Vai daí...

Eu poderia reproduzir dezenas dessas notícias, cada uma mais insólita (ou maluca?) do que outra. Não o farei. Arremato, todavia, com uma nota que li, há já muito tempo, na revista “IstoÉ” (reproduzida em vários sites da internet). Referia-se a uma ação judicial que corria no STJ, movida pela costureira mineira Eunice Garcia. Ela cobrava, do Banco do Brasil, um pagamento devido ao seu avô desde 1928, com a respectiva correção. Sabem de quanto era essa dívida, já corrigida? Era de R$ 3 duodecilhões!!! Calma, amigos, não se trata de erro de digitação. É isso mesmo! A nota da “IstoÉ” ajudava a tentar captar o significado dessa inimaginável soma: “Conte: milhão, bilhão, trilhão, quatrilhão etc, até chegar ao 12º ão”. Pois é.

Isso é infinitamente mais do que toda a riqueza que a humanidade inteira gerou (e pode vir a gerar por inúmeros milênios, se ainda existir) desde que o homem apareceu sobre a face da Terra. O Produto Interno Bruto de todos os 202 países com assento na ONU, somado, não chega sequer a uma centena de trilhões! Quanto falta para o duodecilhão? Uma infinidade de zeros! Já imaginaram se a Justiça desse ganho de causa à costureira e obrigasse o banco a pagar essa quantia?! De que jeito?! A realidade, portanto, dá ou não dá o maior dos bailes (maior do que os de Pelé, Garrincha, Canhoteiro, Denílson e, de lambugem, Maradona, Messi e Neymar juntos) na ficção?

Boa leitura!


O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk             
Click

* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral

Aprisionas num átimo de segundo
a passagem de uma nuvem que já
foi flor, foi anjo, foi nau e agora
desconcertada segue cristalizada
acocorada no topo da igreja
esperando quem sabe, um vento
mais forte.

* Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário


A terra te seja leve

* Por Talis Andrade


No jogo dos búzios
das cartas a paz
de uma velhice
onde não chores
as flores os amores

Sejam doces os vinhos
as recordações juvenis
Um suave torpor
te percorra o corpo
ao enrijecer-se
no cimento frio

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).





O meu idioma


* Por Guilem Rodrigues da Silva


Quando eu digo “terra” em português
esses dois erres soam em meus dentes
como partículas de terra
flor floresce em meus lábios
“mane” será mais bonita que “lua”
mas nunca “hav” do que “mar”
com suas praias sem fim
onde cada raio de sol
transforma um grão de areia num
diamante
O meu idioma é minha garantia de vida
uma constante lembrança
de dor
de alegria
de raiva
Aqui neste país tenho visto de tudo
digo “obrigado” ao óbvio
digo “vai bem?”
sem ser difícil ser sincero
Proíbem-se as bebidas alcoólicas
o cigarro
mas há o silêncio
os suspiros melancólicos
Ah!eu sei que tenho a possibilidade
de senti-me bem
apesar das preposições
que ainda hoje se queixam
das minhas violações
Mas o meu idioma
muito importante para mim
como as demais coisas do meu país terceiro-
mundo
são sufocadas pelo estranho conhecido
e é uma luta diária
com monólogos frente ao espelho
lendo e voz alta tudo sobre sabiás e palmeiras
para manter o meu idioma vivo
Cada vez que eu busco no dicionário uma
palavra
para escrevê-la corretamente
afasto-me das minhas raízes
Dentro em breve estarei nu e sem palavras
tremendo ao vento frio desta Escandinávia

* Poeta gaúcho residente na Suécia. Presidente da Associação dos Escritores do Sul da Suécia e membro do Sindicato dos Escitores da Suecia, da Associação Sueco-Dinamarquesa de Escritores e da Societé Européenne de Culture em Veneza. Autor de vários livros de poesia, entre os quais “Saudade e uma canção desesperada", que lançou em novembro do ano passado, no Rio de Janeiro.