sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 8 anos, seis meses e trinta dias de criação.. .

Leia nesta edição:

Editorial – Jornalista é eleito para a ABL.

Coluna Contrastes e confrontos – Urariano Mota, crônica, “Na vizinhança dos teuis 60 anos”.

Coluna Do real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire, conto, “Quando Eduardo eduardaliza”..

Coluna No sopro do Minuano – Rodrigo Ramazzini, conto, “A antena”.

Coluna Porta Aberta – Alda Lara, poema, “Presença africana”

Coluna Porta Aberta – Samuel C. da Costa. poema, “Descompasso”.


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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária” José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer” – Fernando Yanmar Narciso.
 “Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Jornalista é eleito para a ABL

A cadeira de número 32 da Academia Brasileira de Letras, ocupada por Ariano Suassuna até sua morte (ocorrida em 23 de julho de 2014, no Recife), já tem novo dono. Trata-se do premiadíssimo e consagrado jornalista Zuenir Ventura, de 83 anos, que foi eleito ontem (30 de outubro de 2014), por 35 dos 37 votos atribuídos. Os outros dois foram para seus ilustres concorrentes: o poeta amazonense Thiago de Mello (autor do antológico “Estatuto do Homem”) e a escritora paraense Olga Savary. Os três merecem assento na casa fundada por Machado de Assis, por seus inegáveis méritos literários e riquíssimos currículos (o que nem sempre acontece, convenhamos). Mas somente um tinha que ganhar. E este foi meu ilustre colega de profissão.

Corporativismo á parte, entendo que a cadeira de número 32 – que já foi ocupada por Carlos de Laet, Ramiz Galvão, Viriato Correia, Joracy Camargo, Genolino Amado e, por último, por Ariano Suassuna – estará, doravante, em muito boas mãos. Como, ademais, também estaria caso os acadêmicos optassem por Thiago de Mello ou por Olga Savary. Espero que os dois que não foram eleitos não desistam da postulação e disputem outra cadeira, em nova oportunidade, pois sua presença na ABL apenas enriqueceria (ou enriquecerá) essa nobre casa de arte e de cultura.

Zuenir Ventura, mineiro, nascido na cidade de Além Paraíba, em 1ª de junho de 1931, fez uma carreira jornalística impecável. Rigoroso na apuração dos fatos, como manda o manual do bom jornalista, nunca se descuidou do texto, da forma de expressar idéias, fazendo-o com elegância, correção e simplicidade, características dos bons escritores. Sempre soube misturar, na dose certa, sem nunca errar na mão, emoção e razão, conquistando, dessa forma, a indispensável credibilidade e, por conseqüência, a fidelidade dos leitores. Atualmente, é um dos colunistas mais lidos e respeitados do tradicional “O Globo”. Zuenir Ventura é tão emotivo, que na noite de ontem (30 de outubro de 2014), deu um susto daqueles nos amigos e admiradores. Sentiu-se mal, durante jantar comemorativo de sua vitória, tendo que ser hospitalizado. Felizmente, parece que não era nada sério. Tanto que já recebeu alta. Sem essa, camarada! Pare de assustar seus admiradores, entre os quais me incluo!!

Zuenir tem pouca experiência no terreno da ficção. Tanto que seu primeiro livro ficcional, o romance “Sagrada família”, foi publicado, somente, em 2012, pela Editora Alfaquara. Na obra, todavia, esbanja talento, como veterano romancista (que não é), recontando, com graça e bom-humor, as complicadas relações de uma família da serra fluminense, numa história que situa no ano de 1940. Seus personagens (como Tia Ninoca, por exemplo), são fascinantes, inesquecíveis e marcantes, porquanto são humanos e simples, como cada um de nós. A história é narrada do ponto de vista de um menino, que reconta episódios de amores e enganos, porém, com desfechos nada óbvios. Aliás, pelo contrário: são todos inesperados e, portanto, surpreendentes.

O fato de Zuenir Ventura não haver se dedicado à ficção não faz dele menos escritor que romancistas, com cinco, dez ou vinte romances no currículo. Afinal, é extraordinário cronista e a crônica, como todos sabem, é um gênero literário dos mais apreciados (e complexos, ao contrário do que muitos supõem). Como jornalista, conquistou os maiores e mais importantes prêmios da profissão, como o cobiçadíssimo Esso e o Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. Aliás, nessa área, é imbatível. E não exagero. Querem uma prova? Pois lá vai. Em 2008, Zuenir Ventura recebeu das Nações Unidas um troféu especial como um dos cinco jornalistas que “mais contribuíram para a defesa dos direitos humanos no país nos últimos 30 anos”.

Seus livros são dos tais que põem o dedo na ferida de casos em que pessoas foram desrespeitadas no que têm de mais fundamental: sua vida e liberdade. Cito, entre estes, “1968 – O ano que não acabou” (Editora Nova Fronteira e republicado pela Editora Planeta);”Cidade Partida” (com o qual conquistou o Prêmio Jabuti de reportagem de 1995, Companhia das Letras); “Inveja: mal secreto” (Editora Objetiva), “Chico Mendes: crime e castigo” (Companhia das Letras) e “1968 – O que fizemos de nós” (Editora Planeta). Como se vê, a cadeira que foi de Ariano Suassuna estará em ótimas mãos. Antes que me esqueça, destaco que Zuenir Ventura foi eleito, em 2010, “O Jornalista do Ano”, pela “Associação dos Correspondentes Estrangeiros”. A casa de Machado de Assis, como se nota, sai enriquecida com a sua eleição.

Boa leitura.


O Editor

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk.                       
Na vizinhança dos teus 60 anos


* Por Urariano Mota

Dirás que me engano. Dirás que seria melhor eu escrever que completas hoje o vigor dos teus 59 anos. Mas tentarei adiante mostrar a razão de eu te ver na vizinhança do que serás. E sentiremos os dois, imagino, que o maior prêmio é o  futuro.  

Se eu tivesse dom dos poetas do repente, improvisaria versos que cantassem com rima e graça o bem do presente que cresce para os anos que terás. Mas como sou prosador, apenas pergunto mais curto que o nosso tempo na terra: os limites da idade são também limites da vida?  Penso que os limites da idade não podem ser fronteiras a que todos estamos condenados. Assim, penso e creio que os  limites dos anos se alargam pelas mudanças que podemos usar a nosso favor. Seria mais que uma compensação, mais que um consolo do tipo “se não consegues pular o frevo, dances uma valsa”. Não é isso. Trata-se de assimilar a transformação, como a forma organizada de um novo ser. Assim como os artistas fazem um estilo do que neles é falta.

Se eu pudesse compor um poema haicai,  escreveria três versos com metamorfose, pupa e crisálida. Como não posso, imagino um imago para os teus 60 anos que se avizinham, e por isso escrevo metamorfose,  casulo, pupa. Penso nas sucessivas crisálidas, quero dizer. Penso nas borboletas, enfim, que se abrem de um modo inverso para os teus próximos anos. Tu voas nas transformações saídas da pupa das tuas rugas. Enquanto  vincos se mostram, o que na matéria visível é casulo, asas amarelas se abrem do teu novo ser.  

Bem lembras. Na Crônica do amor que amadurece, quando anunciavas os 50 anos, eu te escrevi:

“O essencial é que as rugas, as gorduras, os ossos frágeis do objeto que se ama se revelam uma fortaleza. O amor que amadurece ama a pessoa exatamente nesse tempo de aparente decadência física, e por causa mesmo dessas formas. As fragilidades físicas se tornam uma qualidade, pois remetem a uma história comum.”

Lembras. Naquela ocasião, os casulos que fomos  cantavam  fenômenos gerais:

“Pois assim como a noite vinda depois do dia, e o dia que brilha depois da noite já não brilha como o de ontem, assim como a noite não pode ser da natureza do dia, e no seu escuro, nas suas estrelas, tem um encanto, que por ser diverso daquele do dia não deixa de ser um encanto, e assim como nas sucessões físicas, temporais, de toda a natureza, da flor que fenece e cai e se ergue em outra a partir dos grãos derramados...”

Desta vez, consigo, tento afinal um haicai para o que em ti é mais específico:

Nova idade

Metamorfose

Da pura pupa

Olho o relógio. São duas da manhã de 19 de junho e eu nem notei. Foi bom, o tempo correu e nem vimos as horas passadas.  É que o presente já se abre para o futuro.

Um bom dia para o amanhecer dos teus 60 anos, Francêsca.  


* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
Quando Eduardo eduardaliza


* Por Eduardo Oliveira Freire

I

Eduardo voltou da Nova York mítica direto para o ônibus barulhento e sujo. Quer tanto conhecer a cidade em que tudo funciona e é um paraíso. Tanto que nem se importa de viajar ilegalmente para lá, podendo ser deportado num piscar de olhos. Tadinho de Eduardo...
  
II

Outro dia, no trabalho, Eduardo imagina estar num café em Paris, lendo um livro hermético e profundo e fazendo pose de escritor-pensador. Sempre quis viajar para a França, apesar de não ter interesse em aprender francês e nem juntar dinheiro com a finalidade de viajar. Na verdade, Eduardo prefere sonhar com a Paris mítica- glamorosa, fantasiando que chegando lá, todos o acharão com muita potencialidade artística, contratando até tradutores para decifrarem suas obras complexas. Eduardo é assim, mas ainda bem que a realidade o chama, quando lhe pede para desarquivar um documento. Eduardo é, ao mesmo tempo,  água e terra.

III

Eduardo acredita que os políticos precisam ser belos, para que o resto do mundo admire o país, como sendo o lugar de pessoas bonitas. Inclusive, crê que as pessoas lindas são mais bem resolvidas consigo mesmas, logo, serão mais éticas e menos corruptas. Eduardo é admirador da beleza e nem percebe que ela pode ser um abismo.
Pobre Eduardo...

IV

Eduardo tem pensamentos contraditórios, de repente imagina que é um voluntário que vai para a África ajudar os necessitados. Agora, o elegante é ser politicamente correto e ser despido de desejos consumidores. Viajar para Europa e os E.U.A já saíram de moda. Entretanto, Eduardo fica na superfície do sonho. Não pensa que se sujará ou correrá risco de vida, pelo contrário, em seus devaneios, sempre está impecável. Realmente, Eduardo tem cabeça de rio caudaloso repleto de criaturas quiméricas.

V

Ninguém aguenta a loucura de Eduardo, muitos acham que ele dissimula para fugir da realidade e todos ficarem com pena dele. Eduardo não entende a agressividade das pessoas, tranca-se no armário, onde luta contra a rainha-mexilhão-devoradora. Sua espada afiada é a única arma que consegue vencê-la e salvar o reino de cristal azul intergaláctico. Eduardo tende a ser mais água do que terra.

VI

A família resolveu internar Eduardo numa clínica. Eduardo achou o lugar lindo, principalmente o jardim. Começou a imaginar que era um castelo só seu, os funcionários e os pacientes eram todos empregados seus. Eduardo foi feliz para sempre...

* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/



A antena

* Por Rodrigo Ramazzini


Você já deve ter visto ou feito algo semelhante.

- Boa tarde, meu filho!
- E aí pai, beleza? Até que enfim resolveu abrir a mão e comprar uma antena nova, hein?
- Engraçadinho! Ajuda aqui que essa antena é das grandes.
- A imagem da televisão com antena interna não fica boa mesmo. Tomara que não venha outro temporal e derrube essa também!
- Vira essa boca pra lá!
- Se acontecer de novo... Não quero nem imaginar. Mais dois meses de televisão com imagem ruim. Ninguém merece!
- Se não estava gostando porque não comprou uma antena antes?
- Não tenho dinheiro! Cadê a mãe?
- Está lá dentro! Acho que montei certo.
- Acho que não! Os caninhos mais compridos são na ponta e não no meio. Olha lá a antena do vizinho.
- Tem razão! Deixa-me mudar aqui então. Este passa pra cá, este aqui passa pra lá. Pronto! Já posso instalar. Vou subir em cima da casa.
- Beleza, pai! Quer que eu segure a escada?
- Não precisa! Só me alcança a antena. Ahn! Ahn! Ahn! Tô velho mesmo, até para subir uma escada me dói tudo. Ai! Me alcança ela aqui.  Isso! Agora entra em casa e vai vendo como fica a imagem da TV.   
- Tá. 
- Putz! Que droga!
- Ué, o que foi pai?
- Quebrei uma telha. E pior, bem em cima do teu quarto.
- É brincadeira!
- Não reclama! Depois eu arrumo. Entra lá!
- Que bela vista se tem aqui de cima. Bom! Tenho que engatar isso aqui, mais isso aqui. Acho que é assim. E aí filho, como ficou?
- Tá horrível pai! Pior até do que quando estava com a antena interna.
- E agora?
- Continua ruim!
- E agora?
- Está melhorando! Continua girando para esse lado.
- O quê? Não escutei!
- Gira mais.
- Fala alto criatura! Aqui de cima eu não te escuto.
- Gira mais!
- E agora?
- Não! Continua igual.
- E aí?
- Piorou. Gira para o outro lado. Não! Para o outro lado. Aí. A imagem está com uns chuviscos!
- E agora?
- Continua. Pára!Pára! Pára! Perfeita! Não! Volta. Piorou de novo. Faz igual antes que ficou bom.
- É que quando eu solto a antena a imagem fica ruim. E agora?
- Tá mais ou menos.
- Melhorou?
- Não! Acho que não vai ter jeito pai. Melhor que isso não vai ficar!
- Vai sim! Como é que tá?
- A imagem continua com uns chuviscos.
- E agora, melhorou?
- Não muito. Espera um pouco que a mãe teve uma idéia.
- Era só que me faltava. Desde quando a tua mãe entende de imagem de televisão?
- Não sei, pai? Espera aí que ela vem vindo.
- Coloco essa TV a programar os canais?
- Perfeita a imagem, mãe! Pai! Pode descer a mãe conseguiu.
- Ah é! E o que foi que ela fez, posso saber?
- Simples, pai! Ela recolocou a antena interna e pôs um Bombril na pontinha. Ficou linda a imagem! Vem vê.

* Jornalista e cronista

Presença africana


* Por Alda Lara

E apesar de tudo,
Ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!

Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a Irmã-Mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto...

A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do dendém
Nascendo dos braços das palmeiras...

A do sol bom, mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
Salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...

Sim!, ainda sou a mesma.
A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11!... Rua 11!...)
pelos meninos

de barriga inchada e olhos fundos...

Sem dores nem alegrias,
de tronco nu
e corpo musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...

E eu  revendo ainda, e sempre, nela,
aquela
Longa história inconsequente...

Minha terra...
Minha, eternamente...

Terra das acácias, dos dongos,
dos cólios baloiçando, mansamente...
Terra!
Ainda sou a mesma.

Ainda sou a que num canto novo
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu povo!                               

            Benguela,1953 (de  Poemas,1966) 


* Poetisa angolana
Descompasso


* Por Samuel C. da Costa

Eu marcando passo
Em descompasso
Com o meu tempo
O tempo em que vivo

Embrenho-me na multidão amotinada!
Furiosa...
Disforme
Multiforme

Ergo no meu cartaz
Dou um grito de ordem
Enfrento a polícia
Na doce ilusão
De passar despercebido...
Do tempo em que vivo

Eu aqui levemente marcado
Dou um passo
Em descompasso
Com o meu tempo...

Embrenho-me mata tétrica adentro!
De concreto e aço
Quero ficar sozinho!
Com meus sentimentos estéreis
Descompassados

E eu aqui em descompasso
E a cada passo que dou!!!
Que dou em direção ao nada
Ao vazio...
Ao nada que a minha vida se tornou

Embrenho-me na multidão anônima
 Amotinada!
Em fúria... Amorfa
Multiforme!

Ergo no meu cartaz
Dou um grito de ordem qualquer
Enfrento a polícia...
Na doce ilusão
Que passe desapercebo de todos
E de tudo


* Poeta de Itajaí/SC

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 8 anos, seis meses e vinte e nove dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – A obsessão pelo tempo..

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica, “Penas ao vento”.

Coluna Contradições e paradoxos – Marcelo Sguassábia, conto, “Falcon no Cantareira”

Coluna Do fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, conto, “Os textos do irmão morto”.

Coluna Porta Aberta – Dinovaldo Gilioli, poema, “Viva o povo brasileiro”

Coluna Porta Aberta – Clóvis Campêlo, crônica, “Capiba”.  

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer” – Fernando Yanmar Narciso.
 “Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


A obsessão pelo tempo


O escritor, mesmo que sequer desconfie, é obcecado pelo tempo. Faz dele, por exemplo – caso se trate de ficcionista – pano de fundo para seus tantos enredos. “Viaja”, nas incomparavelmente velozes asas da fantasia, ora a um passado – remotíssimo, anterior, mesmo, à origem de bilhões de espécies, animais e vegetais, quiçá da vida e até da formação do Planeta que nos nutre e acolhe – ora a um futuro absurdamente distante, que certamente jamais testemunhará para saber se será ou não minimamente parecido como o que imagina. Adianta-se, neste caso, dezenas de milênios ou mais à época em que vive. E ainda assim consegue a façanha de conferir alguma verossimilhança às histórias que cria, para que não pareçam totalmente absurdas aos leitores, embora não deixem de ser surreais. Brinca, pois, com o tempo, ao seu bel prazer, valendo-se do recurso da imaginação,

“E o presente, não conta para o escritor?”, perguntarão alguns. Conta, e muito! Tanto que a maioria situa nele suas histórias. Se você quiser, por exemplo, conhecer como viviam nossos antepassados, como falavam, de que forma se vestiam, por quais meios se locomoviam etc., encontrará informações sólidas e confiáveis não propriamente nos textos dos historiadores, mas nos enredos dos romances, contos e novelas que tenham como pano de fundo a época que queira conhecer, testemunhados por contemporâneos que os relataram em suas criações literárias. Cito e reitero que o escritor é, sobretudo, testemunha do tempo em que vive. E, salvo exceções (que existem em praticamente tudo) tende a ser sumamente confiável.

Na abordagem do futuro, há duas grandes vertentes que se opõem uma à outra. De um lado, estão os utopistas, que crêem que a humanidade irá superar suas contradições atuais (que parecem insuperáveis) e instituir sociedades ideais, harmoniosas e justas, das quais a violência, o egoísmo e tudo o que transforma a vida da maioria num inferno, serão extirpados e substituídos pela solidariedade, justiça, serenidade e, sobretudo, universal e irrestrito amor. No outro extremo estão os distópicos, sumamente pessimistas, que acreditam (e não sem razão, óbvio) que as coisas só irão piorar, e muito. Que o Planeta, superpovoado, poluído e depredado será a mais perversa das selvas e que o homem do futuro retroagirá á irracionalidade e barbárie e cultivará seus piores e irrefreáveis instintos de fera, mesmo que evolua tecnologicamente.

A escolha do tipo de sociedade em que nossos descendentes irão viver está tanto em nossas mãos, quanto nas das gerações que nos sucederem. Secretamente, acalento utopias, posto que estas, não raro, me pareçam absurdas e irrealizáveis diante do que testemunho no dia a dia. Ainda assim... Algo, em meu íntimo, teima em acreditar na regeneração humana. Ou seja, na vitória da razão, no confronto que trava, sem cessar, com os instintos de fera que temos. Mas a sociedade ideal que acalento não abre nenhuma brecha para que os males que envenenam nossa alma e arruínam nosso tempo sobrevivam.              

E qual é a utopia que proponho? Afinal, existem muitas, propostas por muitos e muitos escritores, ao longo dos últimos quatro a cinco séculos. Porque a humanidade, neste curto espaço de civilização, definido por pouco mais de sete mil anos, já teve várias e várias e várias e nenhuma delas prosperou ou chegou sequer a ser tentada. Analisarei algumas para, por exclusão, chegar à que julgo preencher os requisitos para se tornar ideal perene da humanidade. Claro que não me julgo dono da verdade (que não sou) e que, a rigor, não tem proprietários. Aliás, trata-se de um conceito sumamente ambíguo e raramente consensual. Para analisar algumas utopias, recorrerei às luzes do escritor Mário Donato, mais especificamente, a um longo e brilhante ensaio que publicou, em abril de 1983, no suplemento "Leitura", do Diário Oficial do Estado do Estado de São Paulo. Seu título é: "Utopia e o sonho azul da Colônia Cecília". Primeiro, o autor traz a definição usual da palavra. Pergunta: "Uma utopia? Que é uma utopia no consenso atual?". E responde: "Algo de paradisíaco e de inefável. Tão bom, que se faz inexequível".

Karl Manheim, um dos pioneiros da Sociologia, define o termo de outra forma: "Utopias são idéias inspiradoras das classes em rebelião e ascensão, em oposição às ideologias que racionalizam e estratificam o pensamento das classes dominantes". Não concordo com essa colocação. Ela limita o termo apenas ao campo ideológico. Voltando a Mário Donato, questiono: haveria alguma tarefa, por mais elevada que seja, impossível do ser humano realizar? Bem, depende. Todavia, pondero: para quem conquistou a natureza, dominou os segredos do átomo e operou tantas e tamanhas maravilhas, em escassos e irrisórios sete mil anos de civilização, a impossibilidade é relativa. Talvez seja somente temporária, quem sabe.

Mário Donato observa: "Ora, as utopias inventadas pelos homens desde que o mundo é mundo não correspondem ao ideal dos que entendem erradamente o anarquismo. Com exceção do Jardim do Éden, onde viveram Adão e Eva em nudez, sem pecado e sem trabalhar e nem sofrer (o que, aliás, durou pouco), todas as utopias foram sempre rigorosamente organizadas, pois os seus criadores, criticando as sociedades em que viviam, elaboraram outras, em que o principal era a ordem, a ausência do imprevisto, o interesse coletivo sobrepujando o individual. Até a Canaã dos hebreus, onde os escritores bíblicos dizem que manavam leite e mel, tinha um Deus vigilante e ciumento, leis, sacerdotes, chefes, trabalhadores e soldados. Não era uma anarquia, embora tenha sido apontada como símbolo de um paraíso na Terra".

A ordem, sem dúvida, é importante, diria indispensável, para perfeito ordenamento social e progresso dos povos. Mas não é esta, propriamente. a minha utopia. Ela é muito mais complexa (e completa) A predominância do interesse coletivo sobre o individual, desde que não imposto e desde que aceito consensualmente, é, de fato, ideal elevado e desejável. Mário Donato, no seu retrospecto dos ideais utópicos mais conhecidos, informa. "O pai das utopias foi Platão, que viveu entre o IV e o V século antes de Cristo. Era um impenitente criador de utopias, o que dá a medida do seu inconformismo. Uma delas, a da Atlântida, até hoje é discutida a sério: existiu mesmo ou não?",

Os ideais platônicos podem ter, e de fato têm, grande interesse na história do pensamento humano. Sua República, porém, foi tentada, em várias épocas e lugares, e fracassou. Até hoje são os aristocratas, ou seus prepostos, que conduzem os destinos de vários Estados. Todavia foram e são impotentes, ou indolentes, ou incompetentes para pôr fim às desigualdades econômicas e sociais, à exploração do homem pelo homem e a todas as mazelas que caracterizam nosso tempo. Não é esta, evidentemente, a minha utopia. O assunto é bastante extenso complexo e requer diversas considerações, impossíveis de serem tratadas em um único texto. Voltarei, portanto, a abordá-lo, com mais vagar, na sequência.


Boa leitura


O Edito

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Penas ao vento

* Por Pedro J. Bondaczuk


A mania de falar da vida dos outros é, provavelmente, tão antiga quanto o próprio homem. E em geral, fala-se mal. Poucas vezes ouvi alguém elogiando quem quer que fosse pelas costas. E não há rodinha de amigos, seja onde for (quer no Uzbequistão, Uganda, Vietnã, Equador etc. ou quer no Brasil), em que a vida de alguém não seja objeto de crítica, de mofa ou de maldosas insinuações.

É o que o povo costuma chamar de “fofoca”. Há, praticamente em todo o bairro de qualquer cidade, figuras, até lendárias, das famosas “fofoqueiras” de plantão. Isso não quer dizer, claro, que só as mulheres pratiquem esse inútil, mas tão corriqueiro “esporte”. Quando se trata de deitar falação sobre pequeninos defeitos alheios, isso nem tem maiores conseqüências (em geral, nenhuma). Mas quando se entra no pantanoso terreno da moral... O procedimento descamba da simples maledicência para algo gravíssimo, como a injúria, a calúnia e/ou a difamação.

Se a vítima for um pouco mais esquentada e se o que se disser dela for extremamente ofensivo, o autor (ou autores) pode ter que responder por seus atos na justiça. Ou seja, pode levar um baita de um processo judicial nas costas. Em geral, essas ações acabam não dando em nada e apenas engordando as contas bancárias dos advogados. Ainda assim, trazem enormes aborrecimentos para os réus, que poderiam ser evitados se estes resistissem à tentação de fofocar e mantivessem a boca fechada.

Noventa e nove por cento das fofocas que se fazem por aí têm um teor, diria, “sexual”. Referem-se, por exemplo,  a dúvidas sobre a masculinidade da vítima (ou a existência dela, quando se trata de mulher), a insinuações sobre traições conjugais (e no caso o traído é que sempre se torna vítima de chacota, como se tivesse cometido um ato imoral, quando, na verdade, quem deveria merecer a reprovação social seria a “corneadora” e não o corno) e sobre a “galinhagem” de fulano, sicrana e ou beltrana.

Não é isso o que o leitor ouve, dezenas de vezes por dia, no trabalho, nos bares, nas filas de ônibus, do cinema, ou de consultórios ou, não raro, em sua própria casa? Claro que é! O engraçado é que o fofoqueiro nunca admite que o é. E mais, sente-se sumamente ofendido quando é chamado por essa designação. Provavelmente, sequer tem consciência de que merece plenamente esse rótulo.        

A esse propósito, ouvi e li centenas de versões sobre o episódio de “Maomé e as penas”, cada qual atribuído a um autor diferente. Cito, porém, a que li mais recentemente, num artigo escrito por Clarence W. Hall (para mencionar uma fonte, já que a versão não é minha e não quero me apropriar, indevidamente, dela).

Escreve o citado jornalista norte-americano: “Quando um vizinho perguntou a Maomé como poderia penitenciar-se por haver acusado falsamente um amigo, foi aconselhado a colocar uma pena de ganso em cada porta da aldeia. No dia seguinte, Maomé disse: ‘Agora vá recolher as penas’. O homem protestou: ‘Mas isso é impossível! Ventou a noite inteira e as penas foram irremediavelmente espalhadas’. ‘Exatamente – respondeu Maomé – o mesmo aconteceu com as palavras irrefletidas que você pronunciou contra o seu vizinho’".

Isso ilustra bem os males que uma acusação falsa, ou uma simples e aparentemente inocente fofoca, causam. Ela se espalha com rapidez estonteante e, a cada nova versão, aumenta de tamanho (e de gravidade). Afinal, “quem conta um conto...”. Temos a mania de sempre aumentar o que ouvimos de alguém, quando o reproduzimos para uma outra pessoa.

A esse propósito, a atitude mais honesta que se deve tomar é a recomendada pelo escritor britânico Ronald Victor Courtney Bodley, no livro “Em busca da Serenidade”: “Cada vez que ouço uma história sensacional à custa de alguém, tento avaliar a mentalidade e os motivos de quem a conta, e deixo de levar em consideração tudo o que foi dito, ou procuro descobrir o que foi que começou a lenda. Faça também isso, antes de julgar precipitadamente o assunto da maledicência”.

O certo é agir assim, sem dúvida, mas você conhece alguém que o faça? Eu não conheço. Por mais séria que seja uma pessoa, ao ouvir alguma fofoca numa roda de amigos, jamais interrompe o fofoqueiro para defender a vítima. Está pouco se lixando quanto à verdade do que está sendo dito. Diverte-se, como todo mundo, rindo, quando a história é engraçada, e se indignando, quando o suposto ato da vítima, narrado (e aumentado, claro) por quem faz a fofoca, é digno de reprovação (caso verdadeiro, mas quase nunca é).

Abro, aqui, um parêntese para fazer ligeira observação sobre Bodley. Pela lógica, ele é que deveria ter escrito o episódio de “Maomé e as penas”. Afinal, trata-se de um especialista sobre cultura islâmica. Entre os seus livros mais conhecidos, estão “O Mensageiro – a Vida de Maomé” e “Ventos do Saara”, ambos traduzidos para o português e lançados no Brasil. Estranhamente, porém, não reproduziu essa parábola.

A mania de falar mal da vida dos outros é, portanto, não só tão velha, como o próprio homem, mas universal. Ninguém nunca conseguiu e jamais vai conseguir acabar com a fofoca. O que os fofoqueiros de plantão – da China à Suécia, dos EUA ao Afeganistão, da Argentina ao Laos etc.etc,etc. – devem, pois, é maneirar no teor das suas banais maledicências. E não se zangar quando forem as vítimas. Afinal (já que usei vários clichês usarei mais um), “quem com  ferro fere....com ferro será ferido”.

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk  
  
Falcon no Cantareira


* Por Marcelo Sguassábia

- É ele, eu tenho certeza. Tem aqui as iniciais do meu nome, que o saudoso Tio Zezo marcou a ponta de faca nas costas do boneco. Ter um Falcon, naquele tempo, era o sonho de consumo da molecada. Com essa marquinha aqui, se me roubassem na escola eu poderia provar que era meu. Velho Tio Zezo, era uma criança junto com a gente.

- Tá me zoando, meu. Não pode ser o mesmo boneco.

- Te juro. Olha, tá me vindo a cena toda na cabeça. Eu estava ali, perto daquele pneu de trator. O Rodriguinho, pentelho como sempre, me deu um empurrão, querendo me jogar pra dentro d'água. Eu consegui segurar o tranco, mas o Falcon acabou caindo e submergiu pra nunca mais. Quer dizer, até hoje, né. Eu tinha ganho de presente no Dia das Crianças, e o mergulho fatídico foi uns dois meses depois, num domingo quente perto do Natal. Meu pai estava pescando com o Motorádio do carro ligado, e me lembro daquele jingle tocando: "Quero ver você não chorar, não olhar pra trás..."

- Por essa época vocês tinham um Corcel II branco, né?

- Isso, e no painel tinha um imã, escrito "Papai não corra, não morra". Era começo dos 80, mas o imãzinho era dos 70, quando os carros eram inteiros de ferro. Se fosse nos carros de hoje, o imã não ia parar no painel. Acho que seria mais fácil eu ganhar 100 vezes na Megasena do que reencontrar meu amiguinho barbudo.

- Concordo. Inacreditável, e olha que o pescador nem era você.Olhando toda essa terra rachada, a impressão que dá é que abriram o ralo da represa. Achar carro, barco, sofá submerso, vá lá... Mas um bonequinho desse tamanho é demais. O que te fez pensar que ele estaria aqui, no mesmo lugar?

- Meu sexto sentido arqueológico, talvez. Além disso, estamos falando de um tanque, onde as coisas jogadas nele não podem ir pra outro lugar.

- O triste é ter que tirar a poeira dele, quando o mais lógico seria colocá-lo pra secar... Falcon da Estrela: o resgate. Que saga, heim?

- Nossa, olha lá. Um Aquaplay.

- Onde?

- Melhor dizendo, acho que tá mais pra Terraplay...

* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).




Os textos do irmão morto


* Por Gustavo do Carmo            

Passados quatro meses, Patrícia já estava aparentemente recuperada do choque com o suicídio trágico do irmão mais novo – que se jogou do sexto andar do apartamento onde morava, depois que viu um ex-amigo fazer sucesso com um filme baseado em um conto seu, sem autorização – quando resolveu procurar uma editora para publicar, de forma póstuma, os textos do escritor fracassado.

Quando vivo, Péricles Soares nunca tinha conseguido um emprego e sonhava ser um escritor famoso, daqueles bem esnobes que pisaria nos ex-colegas de faculdades e ex-amigos de internet que o desprezavam e o plagiavam. Ele só queria seguir a carreira literária, realizada por muitos, mas que para ele diziam ser impossível.

Patrícia mesmo estava entre os que pressionavam o irmão a deixar os sonhos de lado e correr atrás de uma ocupação. Ajudava o pai nas cobranças para fazer um concurso público, que Péricles tinha ojeriza, pois, para ele, fazia parte de uma indústria lucrativa para cursinhos, apostilas, comissões organizadoras e o mais importante jornal que cobria o segmento.  Ela mesma o desestimulava, dizendo que os contos eram bobos e mal escritos. 

Até que um dia, por insistência da mãe que sempre o incentivava, criou coragem para vasculhar o notebook que o irmão morto tinha deixado. Achou uns quinhentos contos, cem novelas curtas, oito mil microcontos e dez romances, estes inacabados. Quase deletou tudo, mas a mãe e o seu marido a impediram.
— Não faça isso! Pode ser uma mina de ouro! Disse o marido.
— Ah! Deixa de bobagem, amor! Só tem histórias bobas aqui, cheias de erros de gramática.
— Deixa eu ler para ver se são bobas mesmo!
— Você não acredita em mim, né? Nunca acredita em mim!
— Ah, não vem fazer drama, não! Me dá esse notebook que eu leio.
— Então leia. Faz o que você quiser.

Arnaldo, o cunhado de Péricles, se encantou com os contos. Leu uns dez. Salvou todo acervo no cartão de memória. Insistiu.
— Querida, nós temos uma mina de ouro, sim! Seu irmão era brilhante, genial! Alguns realmente eram bobos, mas a maioria é ótima. Dá pra viver com renda de classe média com os textos do seu irmão durante anos. Pena que o seu irmão não correu muito atrás.
— Pois é. Agora não precisa mais. Ele está morto!
— Mas as editoras só valorizam textos de gente morta. E quem vai ganhar dinheiro é você, que é irmã.

Patrícia deu um murmuro de resignação enquanto o marido continuava falando.
— Eu vou falar com a minha irmã, que é amiga da sócia de uma editora e você liga.

Contrariada, Patrícia concordou.  Já com o telefone da editora, que é cliente da empresa de clipping onde trabalha a cunhada, ligou.
— Boa tarde, eu tenho uns originais comigo e gostaria de marcar um dia para apresentá-los. Disse Patrícia.
— Desculpe, nós estamos com o cronograma lotado para os próximos três anos. Disse a sócia da editora.
— Eu sou cunhada da Amanda, que é sua amiga.
— Ah! A Amanda! Sou muito amiga dela! Por que não falou antes?
— Então.
— Mas, mesmo assim, o nosso cronograma ainda está lotado. Mesmo que eu fure a fila, só vamos poder publicar no final do ano que vem.
— Olha, na verdade, os textos que eu quero publicar não são meus. São do meu irmão, que morreu há seis meses. Eu apoiava tanto ele. Mas nenhuma editora aceitava publicá-lo. Ele era muito incompreendido, coitado. Quero publicar esses textos em respeito à memória dele.
— Sério? Por que não me falou antes? Então traz aqui que eu quero dar uma olhada para ver se são bons mesmo.
— Pois é. Por isso eu quero marcar uma hora com você. Nem penso no dinheiro, mas realizar o sonho dele. Finalizou, enxugando as lágrimas de crocodilo que começavam a escorrer.
— Pode vir na segunda-feira da semana que vem, às duas horas?
— Pode ser às seis? Eu trabalho até às quatro e até chegar ao Centro...
— Está bom, então!

Conforme combinado, Patrícia foi até a editora. Demorou um pouco para ser atendida por Luane, a amiga da cunhada, pois era um dia cheio. Entregou o cartão de memória, que a editora copiou em seu computador no escritório.

Uma semana depois, Luane ligou para Patrícia maravilhada com os contos de Péricles. Conseguiu autorização do sócio majoritário para publicar inicialmente uma nova coletânea de 40 contos, um novo romance e republicar os dois livros que o finado lançou em vida.

O romance, em publicação paga, era muito mal escrito, mas vendeu a metade dos 300 exemplares.  O texto foi totalmente revisado e corrigido. A coletânea de contos, publicada por uma editora que boicotou Péricles, evitando a divulgação, foi o outro relançamento.

Seis meses depois da conversa entre Patrícia e Luane, os quatro livros já estavam prontos com dois mil exemplares de tiragem cada, noite de autógrafos agendada em cinco capitais do país e ampla divulgação na imprensa, com o obituário in memorian de Péricles.

Patrícia ia autografar os livros. Seria feita uma homenagem póstuma ao autor, com direito a discurso emocionado da irmã e do pai, que queria comprar 50 exemplares de cada livro, mas foi impedido pela filha. A mãe, muito idosa, não quis ir, com medo de se emocionar demais e passar mal.

No Rio, só compareceram os parentes e amigos de Patrícia. E poucos, no máximo vinte. Destes  vinte, só cinco compraram. Nos lançamentos em São Paulo e Belo Horizonte não apareceu ninguém. O de Brasília e Salvador foram cancelados. Depois, o livro não vendeu mais nada. A editora teve um enorme prejuízo e rompeu o contrato com a empresa onde a irmã de Arnaldo trabalhava.

Patrícia ficou envergonhada com o fracasso dos contos do irmão. Esbravejou contra o marido, aos prantos:
— Eu não disse que os contos do meu irmão eram uma porcaria??? Com que cara eu vou olhar pra sua irmã, que quase perdeu o emprego?

Arnaldo ficou quieto, dando razão a esposa. Patrícia sonhou com o irmão que confessou:
— Eu roguei uma praga contra vocês. Se eu não fiquei rico com os meus contos quando era vivo, ninguém vai ficar.



* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
Seu  blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores