segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 9 anos, quatro meses e trinta er um dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Versões do poeta sobre o começo e o fim.

Coluna Em Verso e Prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema, “Porvir”.

Coluna Lira de Sete Cordas – Talis Andrade, poema, “Os fantasmas”

Coluna Pássaros da mesma gaiola – Daniel Santos, conto, “Garras de harpia”.

Coluna Porta Aberta – Yeda Prates Bernis, poema, “A outra menina”.

Coluna Porta Aberta – José Ribamar Bessa Freire, artigo, “A universidade e os crimes contra os índios”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso” Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer” – Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso” Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.



Versões do poeta sobre o começo e o fim


A primeira vertente temática, das cinco de que o poeta catarinense Harry Wiese se vale, em seu livro “IbirAMARes e outros poemas” (Editora Nova Letra) é intitulada pelo autor de Existência. Contém  15 composições alusivas ao tema. Nelas, cada fase da vida é apenas sugerida, em uma linguagem figurada, de imensa força poética, ficando, apenas, implícita, Esse é o encanto da poesia. Afinal, como afirmou o poeta francês Paul Claudel, “O poema não é feito dessas letras que eu espeto como pregos, mas do branco que fica no papel”. Ou seja, mais sugere do que explicita. Cada conclusão fica por conta do leitor. Mas para que isso ocorra é indispensável que este “sinta” o poema e o interprete com base nesse sentimento. Nesse aspecto, Harry Wiese revela-se magnífico mestre.

Tal como a vida (obviamente) começa com o nascimento, essa vertente temática do livro é aberta com o poema “Gênese”. Nele – como, ademais, em todas as 49 composições de “IbirAMARes” – abundam metáforas. Não aquelas óbvias, das que vemos, usualmente, em versos de poetas de parca, ou nenhuma sensibilidade e zero de originalidade. São figuras de linguagem originais, inteligentes, surpreendentes até e, claro, pertinentes. Como esta: “mundo de limites quebradiços”. Ou esta: “vivi ingênuo de sonhos”. Ou esta outra: “vi flores silvestres com cheiro de mel”. E vai por aí afora.

Essa abundância de metáforas faz todo sentido. Afinal, como escreveu o poeta alemão Johann Wolfgang Goethe, “todas as coisas são metáforas”. Algumas (certamente a maioria), são grosseiras, não raro escatológicas, nuas e cruas e nem um pouco poéticas. Não é o caso, porém, das empregadas por Harry Wiese. Estas são, reitero, inteligentes, sensíveis, e, sobretudo, surpreendentes, pela originalidade. Embora o poeta confesse, na apresentação do seu livro, que sua poesia é “repleta de melancolia, pessimismo, ironias, críticas e enlevo”, essa postura não a inviabiliza e nem a torna menos importante. Muito pelo contrário. Valoriza-a. Afinal, a vida, apesar de se constituir de magnífico privilégio, é toda feita mais de dores, perigos e incertezas, do que de alegrias e de felicidade. E o poeta é o porta-voz dessas nossas angústias.

Concordo com Pablo Neruda quando constata que  “a poesia tem comunicação secreta com o sofrimento do homem”. Tem mesmo. Porém, é o único gênero literário que consegue ser, ao mesmo tempo, Literatura e arte. Sem deixar de expressar o real, avança no campo da “transrrealidade”, da idealização e, de certa forma, da sublimação de nossas dores, decepções e desgostos, amenizando-os. A propósito das figuras de linguagem, instrumento tão a gosto dos poetas, colhi, no romance “A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera, esta curiosa advertência: “As metáforas são muito perigosas. Não se brinca com as metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora”. Confesso que nunca tinha pensado nisso.

A primeira vertente temática do livro “IbirAMARes”, “Existência”, que começa com o poema “Gênese”, ou seja, relativo ao nascimento, só poderia terminar, como seria lógico de se supor, com seu oposto, ou seja, com o fim, a “inexistência”, a morte (também não explicitada, mas somente sugerida). Confira como Harry Wiese se refere a essa fatalidade biológica ao se dirigir a uma “extinta” amada:

Toque de melancolia

“Há mistérios tantos em volta de ti
E em todas as coisas do mundo
Que são mistérios todos os teus mistérios.

Por que te apreciar se não mais existes,
Se tuas faces são rugas malditas
E se de ti se afastaram os cavalheiros sensuais?

Como me conformar, indago a mim
E aos poucos transeuntes noturnos,
Na estrada solitária
Que vai ao além dos grandes continentes?

Mesmo assim,
Espero o momento de rever-te
E envolver-me em mistérios e esperanças,
Num lugar de fascinação total
Para entender-te como se entendem
Os sinais das nuvens
Que se vão com o vento de outono”.

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk


       
Porvir


* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral

Sigo num mundo onde
eu mesma me desconheço.
Com um sacudir de ombros
ameaço minha existência e
meu porvir.
Busco uma lógica, uma razão.
Equivoco-me sempre quando
tento conjugar o verbo.
Respiro fundo e começo
Tudo de novo...


 * Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário
Os fantasmas


* Por Talis Andrade


No silêncio
da noite
Pan toca flauta
em surdina

Os fantasmas
vêm dançar
na esquina
com as prostitutas
meninas
que exalam
o cheiro gostoso
do corpo suado
nas brincadeiras de roda
nas correrias pelos pátios
das igrejas e ginásios

As meninas exalam
o cheiro gostoso
do corpo suado
Cheiro de mato
e terra molhada

(Do livro “Romance do Emparedado”, Editora Livro Rápido – Olinda/PE).

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).



Garras de harpia

* Por Daniel Santos

Tanto as amigas avisaram (e pressionaram!) que uma noite ela resolveu ir até o boteco pôr tudo em pratos limpos. Se o marido estivesse, de fato, com a outra, a tal loura, tiraria sangue dos dois sem piedade.

E foi. E viu: ele e a dita-cuja – umazinha de sobrancelha escura com um enorme letreiro na testa dizendo VADIA. Ah, aquela não enganava ninguém, não mesmo! Mas levou-lhe o marido, enfeitiçou-o.

A tipa esbanjava vulgaridade; na certa, uma dessas das calçadas que bebem cerveja no gargalo e se rebolam lascivas, sem pudor, em qualquer batuque com um shortinho mais justo que a mais premente necessidade.

Ah, aquilo era demais para a esposa! Pois avançou neles com garras de harpia e fúria de medéia. Deformados de medo e tapas, muitos, correram do boteco à rua e, daí, para nunca mais, sabe-se lá até onde.

Ela, não. Retirou-se num vagar só glórias, imperial. Mas lembrou-se da louça ainda a lavar e correu a casa. Enganara-se. Cozinha em ordem, cheiro de saponáceo na pia, pratos já limpos no escorredor: estava quites.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.


A outra menina

* Por Yeda Prates Bernis

Quando passas por mim
e segues descuidada
e sem vê-las,
fico cansada
de tanto varrer no chão
essa poeira de estrelas

(Do livro À Beira do Outono, Editora Prahis, 1994).

* Poetisa



A universidade e os crimes contra os índios

* Por José Ribamar Bessa Freire

"Nesta hora que estamos conversando aqui alguém deve estar matando um índio, só que nós só vamos saber muito mais tarde, quando o índio já está morto. É a cobiça da terra, a cobiça do subsolo e a cobiça das riquezas naturais" (Noel Nutels, CPI do Índio, 20/11/1968).

A universidade começa a pesquisar o Relatório Figueiredo, um conjunto documental de 30 volumes com mais de 7 mil páginas que ficou esquecido durante quarenta e cinco anos e que trata dos crimes cometidos contra os índios. Na quinta-feira (27), uma dissertação de mestrado foi defendida na Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) por Elena Guimarães. Antes, na terça (25), foi o exame de qualificação de André Luís Sant'Anna no Mestrado em Relações Étnicorraciais do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET-RJ).

As duas pesquisas centram o foco no Relatório produzido entre novembro de 1967 e março de 1968 pela Comissão de Investigação do Ministério do Interior presidida por Jader de Figueiredo Correia, mas com perspectivas diferentes. O trabalho ainda em andamento do André, na área de psicologia social, busca identificar as práticas disciplinares que atingem o corpo do índio para subjugá-lo. Enquanto o de Elena, que trabalha no arquivo do Museu do Índio, trata o documento como lugar de memória e reconstitui sua trajetória, como foi produzido, silenciado e recuperado. 

P de Perseguição

O ponto de partida do Relatório Figueiredo foram os crimes do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) registrados em 1963 pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), com ampla repercussão fora do Brasil, incluindo o assassinato, em 1960, de 3.500 índios Cinta Larga, envenenados com arsênico.A pressão internacional levou a Casa Civil a solicitar providências ao ministro do Interior, Gen. Albuquerque Lima, que criou, em julho de 1967, a Comissão de Investigação (CI), presidida por Jáder de Figueiredo, Procurador do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS).

Depois de percorrer diferentes regiões do país e de ouvir centenas de funcionários e índios, a Comissão registrou fatos estarrecedores: crimes sistemáticos contra a pessoa e o patrimônio indígena, massacres e extermínios, esbulho e venda ilegal das terras indígenas, desvios de verbas, fraudes, roubos, suborno, falsificação de documentos. O próprio chefe do SPI, o major da Aeronáutica, Luiz Vinhas Neves, responsável pela chacina dos Cinta-Larga, foi acusado de ter faturado quantia exorbitante na época de mais de 1 bilhão de cruzeiros velhos.

O SPI, no lugar de Proteção, passou a ser Serviço de Perseguição aos Índios. Castigos físicos, torturas no "tronco" que provocaram aleijamento, mutilações e mortes, cárcere privado, prisões independente da idade ou do sexo, maus tratos, chicotadas, trabalho escravo, espancamento, assassinatos com requintes de perversidade, viraram rotina, assim como índios pendurados pelos polegares, outros mantidos em cisternas com excrementos humanos, estupros de índias usadas em serviços domésticos.

Trecho do documento selecionado por Elena Guimarães sobre o Massacre do Paralelo 11 traz o depoimento do motorista do SPI, Ramis Bucair, que entregou à Comissão fita magnética na qual estava gravada a confissão na presença de várias testemunhas feita por um dos assassinos, Ataíde Pereira dos Santos:

"...Que um bando de celerados, chefiados por Chico Luís, a soldo da firma de seringalista Arruda Junqueira & Cia. metralhou um grupo de índios Cinta Larga; que após a matança encontraram uma índia remanescente conduzindo seu filhinho de 6 anos, que mataram a criancinha com um tiro na cabeça e penduraram a índia pelos pés, com as pernas abertas e partiram-na a golpes de facão, abrindo-a a partir do púbis em direção à cabeça,(...) que o crime continua impune e os assassinos passeiam livremente pelas ruas de Cuiabá".

O escândalo do século

Dezenas de depoimentos como esse foram registrados, incluindo o envio de parturientes para a roça um dia após o parto, proibidas de levarem consigo o recém-nascido, "tratamento muito mais brutal que o dispensado aos animais, cujas fêmeas sempre conduzem as crias nos primeiros tempos", escreveu o procurador Jáder Figueiredo, um pacato e honrado burocrata que não conseguiu conter sua indignação:

"O índio, razão de ser do SPI, tornou-se vítima de verdadeiros celerados que lhe impuseram um regime de escravidão e lhe negaram um mínimo de condições de vida compatível com a dignidade da pessoa humana. É espantoso que exista na estrutura administrativa do País repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos, cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade".

A bestialidade alcançou Jader, que sofreu ameaças de morte, foi transferido de Brasília para o Ceará e morreu aos 53 anos num acidente de ônibus nunca investigado. Ele documentou o que foi considerado "o escândalo do século". Mas o noticiário nacional e internacional se concentrou nos aspectos sensacionalistas, como se fosse uma aberração, quando na realidade os criminosos, identificados pelos respectivos nomes, não eram marginais ou psicopatas, mas "gente normal", que constituiu família e frequentava a igreja, com filhos na escola e conta no banco, gente que rezava, comia, brincava, ria e chorava.

Os mandantes eram grileiros, latifundiários, seringalistas, comerciantes em conluio com poderes locais, juízes, governadores, desembargadores, políticos, deputados, prefeitos, delegado de polícia, vereadores e até ministros, quase todos aparecem no relatório com nome e sobrenome, numa rede destinada a expulsar os índios de suas terras. Enfim, a nata da sociedade brasileira.

A recuperação das terras

Depois do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, com o recrudescimento da repressão e da censura, o Relatório permaneceu "esquecido" e foi dado como "perdido". Transferido da FUNAI para o Museu do Índio em 2008 com outra notação, junto com outros papéis, ali estava arquivado com a identificação técnica Processo 4.483/68, já que Relatório Figueiredo era a denominação dada pela mídia. Assim, em 2013, Marcelo Zelic da Comissão Nacional da Verdade conseguiu encontrá-lo rapidamente. Segundo a BBC, esse foi um dos achados mais importantes da CNV. Mas o termo "descoberta" usado pelos jornais é questionado na dissertação, que reconstitui os caminhos do documento, ponderando que não estivesse organizado no arquivo, dificilmente seria encontrado:

"Este é um evento em que um documento é não mais um papel, um registro documental, mas um local de memórias em disputa, onde este se consolida como monumento, como documento-monumento".

A dissertação discute a concepção de documento-monumento, chamando a atenção para o perigo de desviar o historiador do seu dever principal: a crítica ao documento qualquer que seja ele, considerando que se trata de um produto da sociedade que o fabricou no contexto das relações de forças que detinham o poder.   

O Fundo SPI, ao qual pertence o Relatório Figueiredo, inserido no projeto de digitalização, foi escolhido para integrar o Programa Memória do Mundo da UNESCO. Agora, ele está integralmente digitalizado em alta resolução e pode ser acessado facilmente no site do Museu do Índio. Segundo o líder Kadiweu, Francisco Mantchua, citado na dissertação, "o Relatório Figueiredo pode ser um trunfo usado como prova de que 140 mil hectares de nossas terras foram invadidos por fazendeiros. Com certeza, esses documentos vão nos ajudar".

A Comissão Nacional da Verdade, de posse do Relatório Figueiredo, reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro na ocupação ilegal das terras indígenas e na violação dos direitos humanos e recomendou: um pedido público de desculpas do Estado brasileiro aos povos indígenas, a reparação aos mais de 8.000 índios atingidos por atos de exceção, a instalação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade, a promoção de campanhas de informação à população, a reunião e sistematização no Arquivo Nacional da documentação pertinente, a regularização e desintrusão das terras indígenas.

Agora, além da possibilidade de usá-lo para reparar injustiça histórica, seu estudo pela universidade nos ajuda a compreender melhor o Brasil, já que as sociedades indígenas constituem sempre um indicador extremamente sensível da natureza da sociedade que com elas interage. O Brasil mostra sua cara, ou pelo menos revela uma de suas faces, nas formas de relacionamento com os povos indígenas.

P.S. Elena Guimarães. O Relatório Figueiredo no contexto da Política Indigenista no Brasil: entre tempos, memórias e narrativas. Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UNIRIO. Banca: José R. Bessa Freire (orientador), João Paulo M. Castro (Unirio) e Joana D´Arc F. Ferraz (UFF).

André Luís de Sant´Anna. Práticas disciplinares implicadas no Relatório Figueiredo: Perspectivas psicológicas no controle étnico-social de índios durante a ditadura militar no Brasil. Texto de qualificação. Banca: Alexandre de Carvalho Castro (orientador), Álvaro de Oliveira Senra(Cefet-RJ) e José R.B.Freire (Unirio).

* Jornalista e historiador


domingo, 30 de agosto de 2015

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 9 anos, quatro meses e trinta dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Vestindo sentimentos nobres de cândida poesia.

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica, “O fim é que conta”.

Coluna Direto do Arquivo – Ruth Barros, crônica, “A mãe de minha mulher”.

Coluna Clássicos – Hélio Lobo, trecho de ensaio, “Uma velha amizade internacional – Primeiras relações”.

Coluna Porta Aberta – Suzana Vargas, poema, “Sem recreio”.

Coluna Porta Aberta – João Alexandre Sartorelli, poema, “Estrelas”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br



Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk.As portas sempre estarão abertas para a sua participação.





Vestindo sentimentos nobres de cândida poesia


O livro “IbirAMARes e outros poemas”, do escritor catarinense Harry Wiese (Editora Nova Letra), é um primor, tanto no que se refere á edição (cuidadosa e inteligente), quanto, e sobretudo, ao seu rico conteúdo. É, sem nenhum exagero, régio “banquete” de sensibilidade, inteligência e beleza para o leitor. Mesmo para aquele mais distraído ou que não é habituado a ler poesia e que é, portanto, incapaz de detectar e de usufruir, por si só, as lições de vida que ela contém. E elas são muitas, ousaria dizer infinitas. Não por acaso, Sigmund Freud, um cientista, tido e havido como o “pai da psicanálise”, tinha especial apreço por romancistas e... por poetas. Pudera!

Em um de seus tantos escritos, esse cauteloso pesquisador da alma humana (sobretudo do que de mais secreto e recôndito ela contém), afirmou: “Os poetas e os romancistas são aliados preciosos, e o seu testemunho merece a mais alta consideração, porque eles conhecem, entre o céu e a terra, muitas coisas que a nossa sabedoria escolar nem sequer sonha ainda. São, no conhecimento da alma, nossos mestres, que somos homens vulgares, pois bebem de fontes que não se tornaram ainda acessíveis à ciência”. E Harry Wiese demonstra, no seu livro, que conhece a alma humana melhor do que qualquer renomado e competente psicólogo, psiquiatra ou psicanalista.

O livro “IbirAMARes e outros poemas” é dividido em cinco partes, cinco seções, cinco vertentes temáticas que, além de facilitarem a leitura, permitem ao leitor concentrar-se em cada tema abordado, extraindo o que tem de melhor, sem ser dispersivo. Esta divisão é a seguinte, pela ordem: “Existência” (com 15 composições), “Ecologia” (18), “Amor” (com 8) “Metapoesia” (com 7) e “Profecias” (com um único e longo poema). Dada sua relevância, proponho-me a comentar, oportunamente, cada uma delas separadamente. Por hoje, concentro-me, apenas, na apresentação do livro, feita pelo próprio autor e, principalmente, em sua citação do poeta, ensaísta e diplomata mexicano Octávio Paz, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990 (sobre o qual escrevi, tempos atrás, longa série de comentários abordando sua vasta e eclética obra).

O poeta catarinense cita, especificamente, a caracterização de poesia e de poema feita, em memorável ensaio, por esse premiado escritor das Américas, por se tratar daquilo em que crê e que baliza sua própria obra poética: “A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero...”

E, mais adiante, amplia a citação:  “Poesia é oração, litania, epifânia, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história, em seu seio resolvem-se todos os conflitos, objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem”.

E Harry Wiese complementa essa definição, tão enfática e bela a ponto de nos tirar o fôlego (ela própria um poema à “poesia”), citando este outro trecho, também de um ensaio de Octávio Paz, do livro “Labirinto da solidão”: “O homem moderno tem a pretensão de sonhar acordado. Mas este desperto pensamento nos levou pelos corredores de um sinuoso pesadelo, onde os espelhos da razão multiplicam a câmara da tortura. Ao sair, por acaso descobriremos que tínhamos sonhado com os olhos abertos e que os sonhos da razão são atrozes. Talvez, então, comecemos a sonhar outra vez com os olhos fechados”. Lindo! Lindo e verdadeiro. Com essa citação, Harry Wiese deixa claro qual seu entendimento de poesia. E explicita que normas e princípios delimitam e caracterizam seus poemas. Ou seja, os que nos induzam a “sonhar com os olhos fechados”.

A título de exemplo, partilho com você, amável leitor, esta jóia de poesia que integra “IbirAMARes”. Trata-se de um primor da arte de “pintar” cenários, posto que não com tintas e pincéis, mas com palavras, com inteligência, mas antes e acima de tudo com intensa sensibilidade:

Visão para uma noite

“As nuvens alvas que envolvem as montanhas
Convidam a noite com seus sortilégios
Para a consoada derradeira.
Ninguém sabe de onde vêm,
Ninguém sabe para onde vão.

As montanhas engolem as nuvens
E vomitam a escuridão.
O suor deixou sal nos poros e nas rugas dos homens,
Fruto-labor,
Fruto-amor
Nas fábricas e no campo.

As ruas se preparam para a utopia,
E não há mais vaga-lumes! Vaga-lumes?
Há lâmpadas fracas nos postes.

E os homens?
Existe uma vontade imensa de amar mulheres,
Mas os fantasmas manipulam as trevas e o prazer.

Quanta fúria vejo nas veias do dragão
E a melancolia da noite se arrasta
Até o cume das montanhas.

O nevoeiro, também sufoca a noite,
Os mistérios
E os homens”.

Notem a variedade, originalidade e riqueza das metáforas, o que se repete em cada poema do livro. Harry Wiese abre essa sua obra-prima poética, antes mesmo da pertinente apresentação que faz dela, com uma citação do seu ilustre conterrâneo, João Cruz e Sousa. É esta em que o “cisne negro” constata que “o sentimento, quando nobre e raro, veste tudo de cândida poesia”. E é o que ele faz, da primeira à última página, de “IbirAMARes”. Ou seja, veste tudo de cândida poesia, porquanto o sentimento que o inspira e o move é nobre e raro.

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk           


O fim é que conta

* Por Pedro J. Bondaczuk

Os vencedores, cuja existência é tão exemplar que serve de parâmetro de conduta a gerações e mais gerações, não lamentam tropeços, fracassos, dores e decepções que a vida lhes impõe. De cada pedra no caminho, fazem alicerce de castelos de vitórias. Os obstáculos servem-lhes, apenas, de estímulos para lutarem com mais vigor.

As perdas são lamentadas, óbvio, mas essas pessoas não se restringem às lamentações. Erguem a cabeça e extraem lições de erros, insucessos e frustrações. Têm em mente, e agem face a esse pressuposto, que o fim é o que conta. Não importa “como” realizam suas obras, desde que, de fato, as realizem mesmo.

Lógico que não defendo a premissa de que “os fins ‘sempre’ justificam os meios”. Não justificam. Ou, pelo menos, não “sempre”. Há essa justificação se os recursos que empregarmos para erigir nossa obra-prima (ou outra qualquer e não importa sua natureza) não forem violentos, aéticos, imorais ou coisa que o valha. Ou seja, desde que não prejudiquemos ninguém.

Todos podem ser assim, ousados, determinados, competentes e apaixonados. Basta querer. Basta ter postura sempre positiva face à vida, ser persistente no que se faz e transformar “tudo em flores”. Ou seja, vislumbrar beleza, grandeza e transcendência até onde, aparentemente, elas não existam.

Felizes dos que, ao cabo de longa existência, podem olhar para trás e constatar que aproveitaram as oportunidades que tiveram. Dos que não têm queixas das circunstâncias que marcaram o tempo que viveram. Dos que nunca viram, por exemplo, morrer qualquer esperança e tiveram a ventura de as ver, todas, plenamente concretizadas. Dos que não se consideram injustiçados e nem duramente punidos.

Convenhamos, esta não é a realidade da maioria das pessoas, que olha para trás com tristeza e decepção e percebe que já nada mais pode ser feito para se sentir ao menos palidamente feliz.. Oxalá possamos, todos, perto do nosso ocaso, bendizer a vida e só ter motivos para agradecer, jamais para lamentar. Afinal, guardadas as premissas que mencionei, o fim é que conta (desde que nobre, construtivo e justo, óbvio).

As situações extremas, de turbulência ou de estagnação, por mais que nos atemorizem e angustiem, encerram preciosas lições, que não conseguiríamos aprender de outra maneira. Aprendemos pelo sofrimento. Perdas de entes queridos, de amizades, de empregos ou de bens, ou doenças e acidentes, entre tantos outros contratempos, causam-nos, é certo, perplexidade, dor.

Todavia, todos eles encerram lições que deveríamos nos esforçar por extrair. O mesmo vale para períodos de estagnação, em que parece que nunca sairemos do lugar, enquanto vemos outras pessoas, de capacidade até inferior à nossa, evoluírem, material, social ou espiritualmente. O sofrimento, embora, obviamente, o devamos evitar, tende a ser eficiente e implacável mestre.

Viemos ao mundo com algum objetivo, que temos a obrigação de descobrir qual é, e cumprir, com competência e entusiasmo. Uma coisa é certa: não viemos a passeio. Temos uma obra a realizar e quanto mais extensa, e perfeita, e útil ela for, maior será nosso valor. A vida não comporta ociosidade e omissões.

Nosso valor pessoal não está, pois, na nossa origem, na família de que procedemos e na importância dos nossos ancestrais. Está em nossa conduta, na capacidade de pensar, construir, realizar e, sobretudo, servir. Muitos fracassam na vida e se tornam pesos-mortos, porque não se dão conta disso. Tropeçam no meio da jornada e são incapazes de se levantar. Não se apercebem que o fim é o que conta. É sumamente humilhante o fato de apenas “durarmos”, e não “existirmos” para o mundo e até para nossas famílias.

Às vezes, circunstâncias da vida levam-nos à tentação de jogar tudo para o alto e de abrir mão dos ideais que nos empolgaram na juventude. Julgamo-nos castigados por Deus, quando, na verdade Este não castiga ninguém, por ser a fonte do genuíno amor. Obstáculos existem, é verdade, e muitos, em nosso caminho, de todos os tamanhos e intensidades. Mas são essas dificuldades – que nos aborrecem tanto quando se manifestam – que valorizam nossas conquistas e as enobrecem.

Há quem chegue ao extremo de desacreditar de tudo e de todos e que desista, até mesmo, das pessoas que ama. Nada pior e mais injusto do que isso. Os obstáculos têm que ser encarados como desafios, até como privilégios que a vida nos proporciona, por se tratarem de oportunidades para mostrarmos nosso valor.

Abraham Lincoln, quando presidente dos Estados Unidos, questionado, certa feita, sobre determinadas críticas que lhe eram feitas a respeito da sua maneira de governar, disse que não se preocupava com elas, pois o final era o que contava. E acrescentou: “Se o fim mostrar que estou certo, o que se disse de mim não valerá grande coisa. Se o fim mostrar que estou errado, dez anjos jurando que eu estava certo não farão diferença”. E não farão mesmo. 

Ademais, o sucesso e o fracasso raramente são permanentes e muito menos definitivos. Os insucessos, por exemplo, dependendo das circunstâncias, podem ser revertidos, com um pouquinho mais de persistência, após criteriosa análise dos pontos em que falhamos. Já os êxitos podem se diluir num piscar de olhos e desaparecer, subitamente, se viermos a nos contentar com eles e nada fizermos para garantir sua consolidação.

Portanto, nem o sucesso deve ser recebido com exagerada euforia e nem o fracasso com desânimo. A vida é mutante e as circunstâncias variam ao sabor dos dias. Tendo isso em mente, evitaremos dissabores desnecessários e decepções evitáveis. Jorge Luís Borges escreveu a esse respeito, citando outro escritor: “Rudyard Kipling disse que o sucesso e o fracasso são dois impostores: ninguém fracassa tanto quanto crê e ninguém tem tanto sucesso quanto crê”. Embora se trate de lição óbvia, nem sempre a levamos em conta no curso das nossas vidas. E muito menos atentamos para o fato de que o fim é que conta. Ou não é?!


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 


A mãe de minha mulher

* Por Ruth Barros

   
Em mais uma prova de que o amor é mesmo lindo, Anabel vai contar o caso de uma amiga, casada com outra mulher há 26 anos – imaginem quantos casais hetero que vocês conhecem que chegaram a fazer bodas de prata – e que se prepara para receber a sogra em casa por um longo período. Achei o relato dela uma prova de tal carinho e tolerância que vou reproduzi-lo aos escassos e fiéis leitores tal qual o ouvi:

- Minha sogra desfez a própria casa há pouco tempo, dada a idade avançada, e está fazendo rodízio pela casa dos filhos. Está deprimida, sentindo-se inútil, pela primeira vez não fez as festas de fim de ano, Natal, essas coisas. Além de o estado de espírito dela ser dos piores, pois repete que a única coisa que espera é a morte, ela ainda é daquelas do tempo antigo, cheia de cerimônia, que não abre a geladeira da casa dos outros, esperando sempre ser servida, o que é mais uma complicação. Eu trabalho fora o dia inteiro e minha mulher, que é advogada, tem escritório em casa, dá pra imaginar a confusão?

Achei realmente atrapalhado, mas isso ainda não era o fim do livro, conforme continuou minha amiga:
- Com a depressão e a idade poucas coisas a interessam para uma conversa, entre elas estão as próprias doenças e as novelas, que ela ama discutir, saber o que aconteceu, enfim, os personagens são mais próximos dela que a maioria das pessoas que conheceu pela vida afora. Acontece que não vejo novela por absoluta falta de tempo e minha mulher muito menos, por absoluta falta de saco. (Aparte da escriba: sem trocadilhos, por favor, amados leitores). Estamos meio atrapalhadas, mas tenho certeza de que poderemos resolver juntas o caso, mesmo porque tudo que a mãe dela precisa agora é um pouco de cuidado e atenção, e a isso estamos dispostas. E se a família ajudar vamos montar um esquema de ela ir vivendo seis meses na casa de um, seis meses na casa de outro, vamos nos ajeitando.

Nessa altura do campeonato não contive a curiosidade que habita minha alma xereta e jornalística e perguntei:
- Mas o fato de vocês serem um casal gay não perturba a mãe dela, que você diz ser tão tradicional?

Minha amiga riu:
- Acredite se quiser, ela tem outros quatro filhos heteros e toda vez que arruma discussão com um deles ou com as famílias diz que nenhum deles soube escolher marido ou esposa, que a única bem casada é a minha mulher!

Anabel Serranegra espera de todo coração que esse exemplo de tolerância e boa convivência contagie outras famílias

* Maria Ruth de Moraes e Barros, formada em Jornalismo pela UFMG, começou carreira em Paris, em 1983, como correspondente do Estado de Minas, enquanto estudava Literatura Francesa. De volta ao Brasil trabalhou em São Paulo na Folha, no Estado, TV Globo, TV Bandeirantes e Jornal da Tarde. Foi assessora de imprensa do Teatro Municipal e autora da coluna Diário da Perua, publicada pelo Estado de Minas e pela revista Flash, com o pseudônimo de Anabel Serranegra.

Uma velha amizade internacional – Primeiras relações


* Por Hélio Lobo


Precederam a quaisquer outras as relações diplomáticas do Brasil com os Estados Unidos da América.

É sabido que, acossado pela invasão napoleônica, teve que retirar-se D. João VI de Portugal, com destino ao Brasil.

Sua permanência no Rio de Janeiro foi a carta de alforria da colônia. Provado nos hábitos do governo autônomo, não volveria o Reino à sujeição primitiva.

E a prova é que, tendo permanecido no Brasil como Regente, logo que regressou seu pai à Europa, publicou o príncipe D. Pedro, futuro Imperador do novo Império, um Manifesto aos Governos e Nações Amigas, no qual escreveu: "Estarei pronto a receber os seus ministros e agentes diplomáticos e a enviar-lhes os meus..." (6 de agosto de 1822).

A 12 de agosto do mesmo ano de 1822 foi assinado o decreto nomeando Encarregado de Negócios do Brasil nos Estados Unidos da América a Luís Moutinho Lima Alves e Silva, oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros. Era ministro da pasta José Bonifácio de Andrada e Silva.

Foi a nossa primeira nomeação diplomática. Dois decretos posteriores, do mesmo dia, designaram o marechal-de-campo, Felisberto Caldeira Brant Pontes, depois visconde de Barbacena, e Manuel Rodrigues Gameiro Pessoa, mais tarde visconde de Itabaiana, ministros do Brasil em Londres e Paris. Anterior a essas nomeações só houve a designação, a 24 de maio de 1822, de M. A. Correia da Câmara para cônsul em Buenos Aires.

Nossa representação na América do Norte criava-se assim antes de qualquer outra, e antecipou-se de quase um mês à declaração da Independência.

Esta realizou-se a 7 de setembro de 1822. A proclamação do Império foi a 12 de outubro seguinte.

Era sabido o cuidado que aos homens do Norte inspirava a independência brasileira. Em 1787, em França, Thomaz Jefferson discorrera dela com estudantes brasileiros, à frente dos quais se achava José Joaquim da Maia.

A 15 de janeiro de 1822 foi nomeado cônsul do Império nos Estados Unidos da América, Antônio Gonçalves da Cruz.

O Encarregado de Negócios, Luís Moitinho, não pôde, porém, assumir seu posto, visto achar-se retido em serviços extraordinários na Secretaria dos Negócios Estrangeiros. Por decreto de 21 de janeiro de 1824 foi nomeado para substituí-lo José Silvestre Rebello, de experiência e luzes, e assim conceituado por Porto-Alegre em nosso Instituto Histórico: "Como enviado aos Estados Unidos, ele desempenhou a sua missão de fazer reconhecer a independência de uma maneira rápida e satisfatória; como homem de letras, possuía raros conhecimentos de história e geografia; como membro do Instituto, era uma coluna firme, trabalhador, zeloso e modesto; além destas especialidades tinha muitas idéias de arqueologia, numismática e estética..." (Elogio dos sócios do Instituto pelo orador Porto-Alegre em 1844).

Silvestre Rebello chegou a 28 de março de 1824 a Baltimore, e a 3 de abril seguinte a Washington.

Presidia o país James Monroe. Suas declarações de anticolonização e anticonquista, feitas em mensagem de 2 de dezembro de 1823, tinham causado sensação. Era secretário de Estado John Quincy Adams.

Escreveu logo a Adams pedindo que fosse marcado dia para apresentação de suas credenciais. Começaram as conferências entre ambos. Deixou o Encarregado de Negócios do Brasil nas mãos do secretário de Estado uma memória justificativa, sob este título: "Succint and true exposition of the facts that lead the Prince, now Emperor, and Brazilian People, to declare Brazil a free and independent nation (20 de abril de 1824).

Poucos dias depois, a 26 de maio, era Silvestre Rebello apresentado a James Monroe e acreditado no caráter de Encarregado de Negócios do Império do Brasil. Frisou a ocorrência o Daily National Intelligence, de Washington, n. 3.354, do dia imediato, 25. A 26 escrevia Silvestre Rebello para o Rio de Janeiro e concluía: "Foi, pois, o Império do Brasil reconhecido por este Governo no dia 59º depois que desembarquei em Baltimore... Dou a V. Exa. meus parabéns."

Eduardo Prado, na sua Ilusão americana, de que se falará adiante, consignou: "Por ocasião da independência do Brasil não recebemos prova alguma de boa vontade dos americanos, e só depois de outros países reconhecerem a emancipação do Brasil foi que os Estados Unidos reconheceram a nossa independência".

Bem se está a apurar como a informação é menos verdadeira.

O autor clássico da nossa lei internacional deixou dito (Pereira Pinto, Apontamentos para o direito internacional, Rio de Janeiro, 1865, II, pág. 386): "Foi a União Americana a primeira potência que reconheceu a independência do Brasil. Enquanto a Grã-Bretanha, impelida de um lado a favor de nossa emancipação pelas suas exigências comerciais, pelo sistema liberal de governo e pelas suas tenazes aspirações a abolir o tráfego de escravos, oscilava, de outro lado, nesse empenho pelas diferenças que era obrigada a guardar com a sua antiga e sempre fiel aliada, a nação portuguesa; enquanto a Áustria, ligada por vínculos bem estreitos ao fundador do Império, era ainda mais ligada aos compromissos da Santa Aliança que encarava com olhos vesgos a independência dos países americanos; os Estados Unidos, conseqüentes com a esclarecida política que haviam adotado em referência a todos os povos que, na América, separando-se da metrópole, se tinham constituído regularmente, estende-nos mão fraternal e convida-nos a tomar assento no grande congresso das nações do Globo. Consagremos, pois, neste momento, um voto de gratidão ao povo dessa, a mais poderosa nação do Novo Mundo."

[...]

(Cousas diplomáticas, 1918.)


* Diplomata, ensaísta, biógrafo e historiador, membro da Academia Brasileira de Letras.