quinta-feira, 30 de setembro de 2010




Leia nesta edição:

Editorial – Bênção ou maldição?

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Marés da vida”.

Coluna Aventuras em paradoxo – Fernando Yanmar Narciso, crônica “O vazio mais cheio”

Coluna Contradições e paradoxos – Marcelo Sguassábia, conto “Ata da Assembléia Ordinária do Edifício Ilha da Gaivota”

Coluna Do Fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, conto “Vitórias”

Coluna Porta Aberta – Leda Selma, crônica “O beija-flor e os bombeiros”.

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Bênção ou maldição?


É complicada (diria complicadíssima) a vida do escritor e não apenas no Brasil, país em que o hábito de leitura ainda não faz parte do cotidiano da maioria. Lá um belo dia, esse indivíduo sonhador tem uma idéia, que reputa genial. Pode ser para narrar uma história, compor poemas, elaborar um ensaio ou redigir um livro seja lá de qual gênero for. Digamos que pretenda escrever ficção. Compete-lhe, antes de tudo, decidir se irá desenvolver o enredo que tem na cabeça de forma mais extensa (em um romance), média (uma novela) ou bem sucinta (um conto).

Tomada essa decisão, compete-lhe criar os personagens, os “atores”, que irão dar “vida” ao que imaginou. Tanto eles, quanto as peripécias que lhes reservou terão que ser verossímeis, caso contrário... dificilmente irão atrair algum fortuito leitor. E tome pesquisa. O nosso escritor passará dias, semanas, às vezes meses (já passei até quatro anos) observando pessoas, cenários, ambientes internos e externos, modos de expressão etc.etc.etc., para fundamentar o tal enredo, que ainda não passa de vaga idéia. Trata-se de um trabalho exaustivo, maçante, braçal, mas que não aparece. E quem não é do ramo não tem a mínima noção do quanto é desgastante.

Ao cabo de certo tempo, que varia de escritor para escritor, ou de enredo para enredo, lá vai o nosso sonhador homem de letras “descarregar” no papel (hoje raros utilizam esse meio) ou na telinha do computador (veículo preferido pela maioria, inclusive por mim) o que imaginou, pesquisou, elaborou e concluiu na sua cabeça. A história, destaque-se, nunca sai igual à originalmente imaginada. Falo por mim e confesso que algumas saem muito melhores do que esperava, enquanto outras... São ridículas caricaturas da idéia original, com as quais luto incessantemente para dar um mínimo de qualidade.

Finda a redação, vem um período ainda mais trabalhoso e tenso: o da revisão (e não apenas semântica e gramatical). É um tal de cortar aqui, acrescentar ali, mudar esta palavra, suprimir aquela outra desnecessária no contexto, eliminar adjetivos (raros são os escritores que conseguem se livrar dos que pelo menos são supérfluos) e assim por diante. O texto vai ganhando, aos poucos, feições definitivas, mas bem diversas das iniciais. Esse processo pode durar dias ou até anos, dependendo do capricho do redator. Dizem que Mário de Andrade levou dezoito anos para dar um conto, de no máximo quatro páginas num corpo razoável (digamos, o 12, no Times New Roman) por concluído. Não chego a tanto em minhas histórias, mas já despendi quatro anos numa delas e mesmo assim, depois de publicada, arrependi-me de não ter demorado mais, para acertar algumas coisas que na hora em que escrevi entendi que fossem “geniais”, mas com o tempo concluí que não eram. Enfim...

Depois de toda essa odisséia, o escritor começa a “romaria” em busca de editores. Conversa com um, tenta convencer outro, não aceita restrições e nem sugestões para alterar o enredo de um terceiro, até que chega a um acordo com o décimo quinto ou vigésimo (ou sei lá qual ordinal) procurado (isso quando chega). Seu livro, finalmente, vai para revisão, registro na biblioteca nacional, confecção de capa, redação de prefácio, composição de contracapa e orelhas e assim por diante. Tem que ver e rever provas e mais provas, até enjoar (raramente se dá por satisfeito) e aquela sua idéia original de um, dois, cinco ou dez anos atrás, finalmente ganha vida. Vira um livro. Deixa, por conseqüência, de ser apenas sua. Torna-se do mundo.

Vem o dia de lançamento. Avisa os amigos e estes fazem mil promessas de ajuda na venda e divulgação da sua obra-prima. Não tarda a concluir que é tudo cascata, tudo conversa mole. Sonha em esgotar, de cara, uma edição de dois mil exemplares (ínfima para padrões internacionais, mas a média no Brasil). Para sua decepção (salvo raríssimas exceções), isso só acontece (e quando acontece) após alguns anos.

Não se trata de questão de qualidade. Há um fator aleatório por trás disso. Os melhores livros que tenho em minha vasta biblioteca, os que têm conteúdo e de cuja leitura aprendi alguma coisa útil, foram rotundos fracassos editoriais. Por sua vez, os best-sellers que adquiri (e comprei muitos deles, aliás, compro todos os meses, até por razões profissionais, como crítico literário), salvo uma ou outra exceção, me decepcionaram. Divertiram-me durante a leitura, é verdade. Mas não me acrescentaram coisíssima alguma. Estão há anos numa prateleira separada, sem que os consulte uma única vez, por não terem o que consultar.

Estou passando mais uma vez por esse processo maluco, estressante e sumamente frustrante com meus dois novos livros (vejam como sou destemperado, lancei, de cara, dois de uma vez), “Cronos e Narciso” (crônicas) e “Lance Fatal” (contos). Antes de entrarem no catálogo da Editora Barauna, recebi (sem exagero nenhum) mais de mil promessas de compra e de divulgação (só no Orkut, meu círculo de amigos ascende a 700 pessoas). Até aqui, todavia... Ambos seguem uma trajetória que poderá transformá-los num monumental encalhe. As obras são boas? São ruins? O julgamento não me cabe fazer. Pessoalmente, acho-as geniais. Se não achasse, seria tremenda incoerência da minha parte decidir publicá-las. Compete, porém, a você, amigo leitor, com o qual continuo contando, mas cada vez mais descrente, aferir a qualidade de “Cronos e Narciso” e “Lance Fatal”. Mas, para isso, precisará lê-los. E para lê-los, terá que comprá-los. É assim que a coisa funciona.

Há quem ache que faço gênero quando classifico esse talento natural com que nasci e que com o tempo desenvolvi e procurei (ainda procuro) melhorar, que é o de escrever, maldição e não bênção. Dizem que sou exagerado e nessas oportunidades, “melodramático” até. Pode ser. Mas ocorre que essas pessoas nunca escreveram (e, portanto, jamais publicaram) um livro. Não têm noção do tamanho da frustração de um escritor quando aquilo que escreveu com tanto carinho e entusiasmo não chega às mãos do legítimo destinatário: o leitor. É um sufoco! É um sapo grande demais para ser engolido. Sabem, porém, o que é mais engraçado de tudo? Estou repetindo o mesmíssimo processo para lançar dois novos livros até meados de 2011. Esse talento é ou não é maldição?! Ou, quem sabe, um vício?

Boa leitura.

O Editor.






Marés da vida


* Por Pedro J. Bondaczuk


O escritor Jonathan Swift, cujo humor refinado deu brilho à literatura mundial, escreveu que "não há nada constante neste mundo, a não ser a inconstância". Aos mais desavisados pode parecer que se trata de simples jogo de palavras. Mas não é. A sutil constatação está revestida de enorme sabedoria. Nossa vida é como a maré. Tem seus fluxos e refluxos, que se repetem até que sejamos atropelados pela fatalidade e nos afastemos do palco central e, na maioria dos casos, dos seus bastidores. Os sábios sabem administrar essa inconstância e não se desarvoram com os períodos de baixa. Nessas ocasiões, reúnem forças para que a subida seguinte seja mais intensa, mais vigorosa, mais duradoura.

Os que mais sofrem, e findam por se perder, são os vaidosos, os egolatras, os que não admitem que não sejam o centro do universo e das atenções dos que os cercam. São dignos de pena. Têm uma visão distorcida da vida e dos objetivos da existência. São vulneráveis exatamente por sua vaidade. Tratamos, em crônica recente, da questão da fama e dos que não sabem administrar essa notoriedade que tanto procuram. Quando a perdem, tornam-se amargos, frustrados, revoltados e até perigosos. Julgam-se injustiçados, perseguidos, sabotados. Tornam-se paranóicos. Todos conhecemos alguma pessoa assim. São as que, no afã de ser felizes, mas sem competência para conquistar essa situação, mergulham de cabeça na infelicidade.

Tempos atrás, ao escrever matéria sobre os dez anos da explosão do ônibus espacial norte-americano Challenger para o jornal em que trabalho, pude refletir sobre a inconstância em minha profissão. Para redigir o referido texto, tive que recorrer ao arquivo. Utilizei as páginas sobre o mesmo assunto que editei há uma década. Na ocasião, mesmo sem a experiência e o conhecimento que tenho hoje, eu era considerado um "nome" no jornalismo da cidade. Minhas opiniões, publicadas diariamente, eram temas de conversas nas rodas de intelectuais. Vivia assediado para fazer palestras, participar de jantares e tomar parte em outros tantos eventos.

O tempo passou... A maré da vida baixou... Hoje, esse mesmo Pedro, agora melhorado pela vivência e conseqüente experiência, não passa de um funcionário a mais de uma enorme equipe, no exercício de uma função virtualmente burocrática, que não condiz com seu preparo. Claro que essa situação é um golpe para o meu ego. Mas nem por isso devo ficar frustrado. Pelo contrário. Devo executar a tarefa que me foi destinada com empenho e dedicação, como se fosse vital para o jornal e para a comunidade. "Só quem é fiel no pouco, consegue sê-lo no muito", diz um preceito bíblico. E não posso nunca me esquecer que sou dispensável. Felizmente, ninguém é insubstituível. É certo que algumas dessas substituições representam retrocesso qualitativo. Mas quem é que liga?! O mundo não pára somente por isso.

Costumo ficar atento no "acaso". Alguns, chamam-no de "destino", outros, de "sorte", mas o nome é o que menos importa. Sua manifestação é que é importante. Sua ação pode nos colocar no centro dos acontecimentos e nos transformar instantaneamente em heróis imortais ou nos suprimir a vida. Sob sua influência podemos nos tornar ricos, poderosos e famosos ou cair na indigência, na humilhação, no ostracismo. Esse fator aleatório é o que propicia ou suprime oportunidades.

Portanto, há imensa sabedoria na observação de Swift, como ademais em tudo o que esse escritor nos legou. A inconstância é rigorosamente constante. Convida-nos a sermos prudentes e a tratarmos os que nos rodeiam com bondade e gentileza, sejam eles quem forem. Os que maltratarmos na subida serão os mesmos que nos pisarão a cabeça quando da descida. Quem sabe o que quer, quem traça um roteiro para a sua vida e é maleável para modificar o rumo quando for necessário, quem tem energia para produzir, talento para criar e autodisciplina para evoluir espiritualmente, não tem o que temer.

Pessoas com esse estofo jamais irão empinar o nariz, achando que são melhores do que as outras. Nunca irão se deixar levar pelos louvaminheiros de plantão. Em circunstância alguma assumirão ares de superioridade diante de quem quer que seja. Saberão colher estrelas-do-mar na areia, quando as marés baixarem. Navegarão com audácia quando elas subirem. Serão, mesmo que os outros não admitam de imediato, vencedoras. Conquistarão um lugar cativo no coração do seu povo.

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com

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O que comprar:

Cronos e Narciso (crônicas, Editora Barauna, 110 páginas) – “Nessa época do eterno presente, em que tudo é reduzido à exaustão dos momentos, este livro de Pedro J. Bondaczuk reaviva a fome de transcendência! (Nei Duclós, escritor e jornalista).

Lance fatal (contos, Editora Barauna, 73 páginas) – Um lance, uma única e solitária jogada, pode decidir uma partida e até um campeonato, uma Copa do Mundo. Assim como no jogo – seja de futebol ou de qualquer outro esporte), uma determinada ação, dependendo das circunstâncias, decide uma vida. Esta é a mensagem implícita nos quatro instigantes contos de Pedro J. Bondaczuk neste pequeno grande livro.

Como comprar:

Pela internet
WWW.editorabarauna.com.br – Acessar o link “Como comprar” e seguir as instruções.
Em livraria – Em qualquer loja da rede de livrarias Cultura espalhadas pelo País.



O vazio mais cheio

* Por Fernando Yanmar Narciso



Carpe diem. Aproveite a vida, viva intensamente, é o que todos dizem. Namore, case-se, tenha uma casinha no campo, crie uns três filhos, tenha um cachorro, um gato, um papagaio e um peixinho dourado. Vá ao bar, à boate, ao clube, ao teatro, ao parque, vá para qualquer lugar, só não fique em casa!
Faça com que se lembrem do seu nome, ganhe muito dinheiro, sempre se vista bem, mantenha os dentes brancos e o cabelo bem penteado. Compre um terno, o carro do ano, corra de moto sem capacete, os cabelos lutando contra o vento e óculos escuros refletindo o sol. Acumule bens! Compre! Compre! Compre!
Esses são os clichês que todos engolimos como “as chaves da felicidade”, que supostamente dariam sentido à vida de qualquer pessoa. Mas, no fim das contas, quando todos nós formos agraciados com o nobre título de fertilizante, qual terá sido o sentido de tudo isso?
De que terá valido acumular riquezas, respeito, fama e paixões se não dá pra levar nada disso pro post-mortem? Há quem estipule em testamento que quer ser enterrado com seu dinheiro ou alguma posse mais estimada, na esperança de poder usufruir deles no além, mas o que esperam conseguir com essa atitude, além de ficar com fama de avarento?
O tempo dos faraós já passou, e já que todos estaremos no mesmo lugar em alguns anos, não haverá diferença alguma se você foi o rei da festa ou a epítome do anti-social quando vivo.

* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com



Ata da Assembléia Ordinária do Edifício Ilha da Gaivota

* Por Marcelo Sguassábia

(Ilustração: Marco Fraga)

Primeira pauta: Assuntos Gerais.



Após os procedimentos iniciais de praxe, e contando com a presença de 39 dos condôminos, o Sr. Rodolfo, do apartamento 41, disse que tinha uma queixa a fazer sobre o comportamento da Dona Maíra, do 42. Segundo ele, ruídos denunciavam práticas diárias de foro íntimo por volta das 21h45, sendo o range-range de sua cama uma afronta aos bons costumes. Indignada, Dona Maíra esclareceu não tratar-se de suposta sem-vergonhice, mas dos exercícios abdominais e de flexão que é obrigada a fazer todas as noites, por indicação médica. E que mesmo que se tratasse da alegada prática, estaria em seu direito e não seria da conta de ninguém o que fizesse ou deixasse de fazer entre as quatro paredes do seu apartamento.

Nesse momento, Dr. Élcio, do 74, pediu a palavra dizendo que a falta de isolamento acústico se deve ao fato do prédio ter sido construído com tijolos baianos, motivo pelo qual era capaz de escutar até a reza da Dona Biloca, sua vizinha do 73. Complementou seu aparte afirmando que, quando quer manter intimidade com a esposa, tem de ligar o aparelho de som no último volume para abafar os naturais ruídos da conjunção carnal.

Isto posto, foi dada a vez à senhorita Elza, proprietária do apartamento 62, que sugeriu à assembleia a mudança do nome do edifício, já que o mesmo não é uma ilha e muito menos abriga gaivotas. Diante do exposto, o presidente da assembleia interrogou a moradora, dizendo se ela não tinha mais o que fazer, observação que provocou palmas em alguns dos presentes e gargalhadas em outros.

Em seguida, o subsíndico introduziu a segunda pauta da reunião: formação de fundo de reserva para a compra de apetrechos natalinos e figuras de presépio para o Natal.

Seu Luiz, do 51, 1º Secretário que acumula a função de tesoureiro, apresentou orçamento de três reis magos, mas recomendou a compra de apenas um, por medida de economia. Referiu-se ainda a um Baltazar em oferta num camelô da Rua Duque, e que a compra do mago de biscuit dava direito a um carneirinho de manjedoura grátis. Trêmula e demonstrando não estar de posse de seu juízo perfeito, Dona Geni do 36 foi taxativa ao afirmar que deixaria de pagar o condomínio caso não se adquirisse também uma ou duas vaquinhas malhadas, para fazer companhia ao carneiro junto ao bercinho do Menino-Deus.

Após acalorada discussão, a maioria dos presentes decidiu que o fundo de reserva arcaria com um presepinho básico e uma fiada de piscas de 200 lâmpadas para ornar a guarita, o qual seria ligado às 20 horas e desligado às 2 da manhã.

Prosseguindo, Dona Carla, moradora do 93, propôs a compra de um novo gira-gira para usufruto do pequeno Rafa, seu filho. Dona Albina, proprietária do 131, disse que “pequeno” era um eufemismo, dada a circunferência avantajada do menino e dos seus 82 quilos capazes de abalar a estrutura de qualquer gira-gira do planeta e arredores, segundo palavras da mesma. O Sr. Eduardo, do 22, argumentou que o gira-gira em questão já era o sexto a ter seu eixo entortado pelo robusto petiz. Ficou decidido solicitar ao Dr. Benício, engenheiro mecânico e morador do 114, um cálculo para determinar a estrutura necessária ao eixo, considerando-se as forças centrífuga e centrípeta versus o peso do garoto.

Procedeu-se então à eleição do novo síndico. De imediato o Sr. Waldemar lançou-se candidato à reeleição, argumentando que ao síndico assiste o direito de não pagar a taxa condominial e que, se não permanecesse no cargo, passaria à condição de inadimplente por não ter como honrar a referida taxa, o que seria pior para o condomínio. Assim, todos assentiram que o Sr. Waldemar prossiga em suas funções pelos próximos dois anos.

Tomada a deliberação, o Sr. Maurício do 173 cobrou do síndico a prestação de contas referente ao último exercício, ao que o Sr. Waldemar se esquivou, dizendo que precisaria de um apartamento inteiro e vago para guardar todas as notas e recibos da contabilidade predial. Não satisfeito com o argumento, o proprietário do 173 ameaçou o síndico com o dedo em riste, dizendo “ah, isso não vai ficar assim não”. Seguiram-se outros insultos até chegarem às vias de fato, aplicando-se mutuamente sopapos, bofetes, voadoras e outros golpes de natureza semelhante, o que obrigou à convocação de nova assembleia de condôminos, em data ainda a ser determinada.

* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”



Vitórias

* Por Gustavo do Carmo


Na fila do banco, cinco mulheres de idades e classes sociais diferentes contam como foram batizadas com um mesmo nome: Vitória.

Maria Vitória, uma rica empresária, aparentando uns sessenta anos, conta que nasceu de um parto difícil em que ela e a mãe quase morreram. Por isso ganhou o nome que muitas mulheres recebem quando superam um momento dramático no nascimento.

A segunda Vitória, jovem estudante de classe média, dezoito anos, pele clara e olhos verdes, conta que nasceu prematura, após um trágico acidente que ganhou até as manchetes do jornal. Ficou três meses na incubadora, quase morreu de meningite e foi registrada como uma promessa de seu pai.

A terceira Vitória é uma jornalista de vinte e cinco anos, que também virou notícia de jornal quando nasceu. Fora achada no lixo por um gari. Quase foi levada ao triturador do caminhão da Comlurb. Adotada por um casal de comerciantes, donos de uma padaria na Tijuca, cresceu, estudou e se formou.

A quarta, uma vendedora de sapatos de quarenta anos, tem uma vida simples e tranqüila. Nunca correu risco de morrer em seu nascimento. Mas de sequer ser gerada. A mãe fez diversos tratamentos para poder voltar a engravidar depois de três abortos. Já não acreditava mais em ter uma gestação quando, nove meses depois, ela nasceu. Quase adotou uma criança. Ao procurar o juizado de menores sentiu um enjôo forte. Em vez de ir conversar com a assistente social, foi para o médico, que lhe deu o feliz diagnóstico. Estava grávida. A felicidade aumentou quando o bebê vingou e pôde estar, aos trinta e dois anos, com muita saúde, no banco pagando a última prestação da casa própria. Recebeu o nome de Vitória dos Milagres.

Somente a quinta teve uma história diferente. Empregada doméstica, pouco mais de cinqüenta anos, seu parto foi tranqüilo em uma fazenda de cacau em Itabuna, na Bahia. Filha do peão com a lavadeira, sofreu apenas com o nível social em que sempre viveu. Atualmente, mora em uma favela com o marido e os dois filhos.

Com o seu sotaque nordestino, contava, se divertindo, que no dia do seu nascimento, a mãe a estava parindo, com a ajuda da mulher do fazendeiro e outras lavadeiras. O pai nem ligava para o nascimento da filha. Ouvia a decisão do campeonato baiano pelo rádio. Só desviou a atenção do jogo por causa do choro do neném. Quando foi perguntado pela esposa que nome a filha deveria se chamar, ouviu o apito final e saiu comemorando aos berros: VITÓRIA!!!!

— O Vitória foi campeão e eu fui batizada com o nome do time de coração do meu pai.

Uma sexta mulher, senhora de setenta e cinco anos, ouvia atenta a conversa entre as cinco Vitórias, principalmente a última. Sarcástica, entrou na conversa e completou:

— Pelo menos o seu pai não te registrou como América Campeã dos Campos Sales.


* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - http://www.tudocultural.blogspot.com/ é bastante freqüentado por leitores



O beija-flor e os bombeiros

* Por Lêda Selma

Já disse e redisse que, se não fosse gente, gostaria de ser estrela ou beija-flor. E também é sabido que sou fascinada por esse pássaro minúsculo, de modos elegantes e irrequietos, sugador de néctar e beijador de flores. Ah! fico enfeitiçada com o bater musical de asas do equilibrista da natureza! É tanto o meu fascínio que sempre acho um jeito de entremeá-lo em meus poemas: “Poesia é um colibri lindourado/com hálito de primavera”. Ou ainda: “Nos vincos de minha boca,/beija-flor colhe palavras/e poliniza saudades(...)”. Em um poema dramático, disse ao Júnior: “Sob as sombras da tarde louca,/senti teu perfume, filho,/naquele beijo tão branco./E só então compreendi:/beija-flor é alminha de anjo”.
Tudo aconteceu numa segunda- feira. Apesar da chuva, fui ao salão de beleza dar um jeito nos cabelos. Mal cheguei, uma das profissionais, disse-me: “Aquele beija-flor, há horas, entrou aqui, voou para o alto e não consegue descer para ir embora”. Olhei para a direção por ela indicada (credo, que pé direito altíssimo o da tal sala!?) e vi o pobrezinho voando tortamente, de um lado para o outro, perdido e estressado. A transparência do vidro aturdia-o e, como se achasse possível transpô-lo, precipitava-se repetidamente sobre ele, desesperado.

De pronto, sugeri: uma vasilha com água açucarada, sobre o balcão, perto da porta, para induzi-lo a achar a saída. Aflitas, ficamos na torcida, à espera da perspicácia olfativa do miudinho. O açúcar não o fez descer. Nova estratégia: colher umas flores na árvore em frente e avizinhá-las da água açucarada. Mais ansiedade e... nada! Continuava confuso, batendo no vidro, voando zonzamente, cansaço à mostra, risco de se machucar... E eu, com os cabelos lambuzados de tintura, legítimo arremedo de mim, maquinava uma ajuda mais eficiente. E meu pensamento insistia: “Beija-flor é alminha de anjo”. Ai, meu Deus, e se for de um anjinho distraído, que se desgarrou dos colegas por descuido? Uma ação mais decisiva, com jeito de sólida, urgia.

Os bombeiros! – decidi, já com o 193 digitado no celular. Um cabo da Corporação atendeu-me. Contei-lhe o drama do beija-flor e fui aconselhada a aguardar mais um pouco, na esperança de que a água açucarada e as flores ainda cumprissem a função por nós desejada. Uma hora depois, liguei novamente. Solícito, transferiu a ligação para sua superiora. Condoída com a delicada situação do miudinho, prometeu-me falar com um superior mais graduado e, se autorizada, destacaria um carro e uma equipe para o resgate do beija-flor. Emocionadas, aguardamos. E o miudinho ali, de lá pra cá, colidindo com a vidraça, desalentado e exaurido, afinal, há horas, não se alimentava e suas forças, por certo, já lhe minavam a resistência.
De repente... Viva! O beija-flor desceu, sugou a flor, tomou o rumo da porta e, qual um foguete, desapareceu; enquanto isso, outra profissional anunciava: “Os bombeiros chegaram!”. Constrangida, só me ocorreu perguntar aos dois sargentos a um cabo e ao motorista: por acaso, não toparam com o beija-flor aí fora? Ele acabou de passar por vocês!

É claro que lhes dei as explicações devidas. Como poderia, convenhamos, prever que o beija-flor me faria tamanha ursada?Uma aprontação e tanto, sem dúvida. Sim, porque durante horas ele se debateu, sofreu, não achou o caminho, e, assim, sem mais nem menos, justo quando seus salvadores chegaram, o fulaninho deixa-me no maior vexame?! Francamente!
Se toda instituição brasileira pudesse orgulhar-se de sua corporação e dos serviços prestados à comunidade, como o Corpo de Bombeiros, o Brasil seria bem mais sério, digno e grandioso. Afinal, é comovente o desprendimento desses abnegados guardiões da vida. São seres abençoados, a quem Deus iluminou ao lhes confiar o sagrado ofício da solidariedade e do verdadeiro amor ao próximo, mesmo que o próximo seja apenas um beija-flor.

• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”!, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010




Leia nesta edição:

Editorial – Apostas sobre o Nobel de 2010

Coluna De corpo e alma – Mara Narciso, crônica “Boa é bom no feminino”.

Coluna Personalidade e atitude – Sayonara Lino, crônica “Preciso”.

Coluna Da terra do sol – Marco Albertim, crônica “Dzi Croquettes é um documentário pungente”

Coluna Porta Aberta – Flora Figueiredo, poema “cola-tudo”.

Coluna Porta Aberta – Ademir Antonio Bacca, poema “As pedras da memória – canto 3”.

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Apostas sobre o Nobel de 2010

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aros leitores, boa tarde.

As casas de apostas da Europa, notadamente as da Inglaterra – que são as mais famosas do mundo – aceitam apostas de quase tudo, tanto de modalidades esportivas as mais diversas, quanto versando sobre eleições, casamentos de celebridades, separações de casais e vai por aí afora. Na terra da rainha e em especial em Londres aposta-se em tudo: em quem será o campeão da Premier League, quem vencerá a Copa da Uefa, o vencedor da corrida de cães e vai por aí afora. Essas casas servem, portanto, de bons indicativos de tendências.
Nem sempre os favoritos são os ganhadores. Isso ocorre desde que surgiram as apostas, sabe-se lá quando e onde. Aliás, gostoso é acertar as “zebras”. Nesse caso, o prêmio ascende aos milhões, quando não aos bilhões e não a algumas reles libras esterlinas.
E o que tudo isso tem a ver com Literatura? Objetivamente, nada. Mas serve-me como excelente gancho para tratar do Prêmio Nobel de Literatura de 2010. A Academia de Estocolmo mantém os nomes não somente dos favoritos, como até dos candidatos, sob o mais rigoroso sigilo. Uma vez ou outra, alguns dos indicados acabam sendo conhecidos por jornalistas, via de regra casualmente. Há os que arriscam palpites, mas quase nunca acertam.
Quem mais se aproxima dos favoritos (e dos indicados), quase sempre, são, mesmo, as casas de apostas londrinas. Para os apostadores da Ladbrokes, quem deve ficar com o Nobel de Literatura deste ano será um sueco, de 79 anos, fartamente conhecido na Europa, mas praticamente ilustre desconhecido no Brasil. Trata-se de Tomas Transtromer. Sua cotação atual é de 5 para um. Ou seja, caso seja, de fato, o escolhido, quem pôs sua grana em seu nome receberá cinco vezes o que apostou.
Quem é esse escritor com tanto prestígio, a ponto de tanta gente estar arriscando seu sagrado dinheirinho em seu nome? É um poeta. E para os estudiosos de literatura e os amantes da boa poesia sequer é anônimo. Afinal, seus poemas já foram traduzidos para mais de 30 idiomas, inclusive, claro, o nosso. É fácil de encontrá-los na internet. É tido e havido como o maior poeta sueco da atualidade (muitos dizem que de toda a Europa).
Mesmo que não conquiste o Nobel, uma coisa fica clara entre os “palpiteiros” e, principalmente, entre os apostadores: os poetas estão em alta neste ano. Na Ladbrokes, além de Transtromer, os outros três mais apostados também se consagraram em seus países escrevendo poesia. O segundo colocado nas apostas é o polonês Adam Zagajewski, um pouco menos conhecido do que seu colega sueco, mas nada estranho para leitores europeus. Não conheço nenhum texto desse escritor, por isso não tenho como dar algum “pitaco” a propósito.
O terceiro colocado (bem como o quarto) igualmente é poeta. Trata-se do sul-coreano Ko Un. É, hoje, na sua especialidade, o mais renomado, traduzido e lido escritor asiático. Passou pelos horrores da Guerra da Coréia e assim que esta terminou, tornou-se monge budista. Permaneceu dez anos num monastério, que posteriormente abandonou, para se dedicar à literatura.
Adonis, por seu turno, é o pseudônimo do intelectual sírio Ali Ahmad Said Esber. É considerado, com justiça, o máximo expoente vivo da poesia árabe no mundo. Vive atualmente no Líbano e obteve a cidadania libanesa. Não tem livros publicados no Brasil, mas conta com cerca de vinte traduzidos para o espanhol.
O diretor da Ladbrokes, David Williams, crava seu palpite seco na vitória de Tomas Transtromer e justifica a razão. “Ele já é mencionado para o prêmio há muito tempo e sentimos que seu trabalho finalmente merece esse reconhecimento”, afirmou.
De qualquer forma, em no máximo duas semanas, saberemos se os apostadores londrinos têm, realmente, “faro” e se conseguem dar palpites certeiros sobre literatura e melhor do que os especialistas na matéria. Querem minha opinião? Pelo que tenho acompanhado nos últimos anos, o ganhador do Nobel de Literatura deste ano não será nenhum dos apontados. Será, no meu entender, um norte-americano. Qual? Aí vocês já querem demais!!!

Boa leitura.

O Editor.










Boa é bom no feminino

* Por Mara Narciso

“O tempo passa, o tempo voa, e a Poupança Bamerindus continua numa boa...”

O uso vai mudando o significado de alguns conceitos, e mal percebemos. Houve um tempo em que boa cozinheira era aquela de forno e fogão. Boa mesa era mesa farta e variada. O modo de vida permitia comer e andar com natural manutenção do peso. Hoje esse tipo de mesa e cozinheira não traz felicidade. Melhor não se aproximar das tentações da mesa. Vejamos o que é comida boa. O sabor, e a quantidade que sacia eram os itens mais importantes. Hoje invocamos a higiene, a aparência, os poderes nutritivos, e o adjetivo saudável. Não seria hora de chamar a boa comida de alimento inteligente?
Havia aquele que era um bom garfo, ou seja, comia e repetia. Mesmo sendo o terror dos rodízios, fazia graça comendo exageradamente, e acabava sendo o rei da mesa, atraindo todas as atenções, e na reprise ingeria mais. Era o via-vira do garfo e faca.
Alguém tímido chega numa festa onde um grupo ruidoso mal o vê chegar. Murmura pelos cantos um cumprimento de boa noite para servir de escudo, mas é inútil. Isso não garante e nem impede que a noite seja realmente boa. Quando a chegada é nesse estilo, a saída precisa ser à francesa. Timidez não é coisa boa.
Uma flor tem por nome boa-noite. É branca e tem um cheiro ativo que inunda o jardim. Muitos acham o odor agradável, lembrando a infância, tempo em que era possível caminhar à noite e sentir esses perfumes.
Uma droga colocada sorrateiramente numa bebida inocente causa grandes perdas de dinheiro e até da vida. O nome do artefato: boa noite Cinderela.
Fotos de cinquenta anos atrás nos mostram uma interessante escassez de pessoas gordas. E hoje, comparando os soldados americanos da Guerra do Vietnã com os da Guerra do Iraque, além do aparato tecnológico, nos chamam a atenção os pelo menos trinta quilos corporais a mais que os soldados atuais têm. Aí entra o pedido de atenção a boa forma.
O locutor de rádio diz que o sol está brilhando, não há nuvens, o termômetro marca 35 graus, e não há previsão de chuva. E termina afirmando: tempo bom e temperatura em elevação. Ficamos sabendo que tempo bom é assim.
Havia em Montes Claros um óleo de cozinha chamado Dona-Boa, mas seu nome foi vetado há meio século, pois descobriram que havia outro óleo com o mesmo nome, então mudaram a marca para Boa-zinha. Ainda nos nomes comerciais, a Q-Boa é uma água sanitária de seis décadas, líder de mercado e que está em fase de revitalização. Outro produto que trombeteia ter mil e uma utilidades é o Bom-bril. E o que dizer do chocolate que tem a palavra bom duas vezes no nome: bom-bom?
Bom-bocado é um doce que chegou a dar nome a um restaurante concorrido aos domingos. Foi um dos primeiros self-services da cidade, com molhos adocicados, tentando ser o que não era: um popular sofisticado.
Não conheço loja onde se venda conselhos, mas sempre ouço alguém metendo o bedelho e dando seu bom-conselho de graça, porém dizendo que melhor seria vendê-lo. Dá pra imaginar alguém implorando: compro um bom-conselho? Não podemos nos esquecer das consultorias, que de forma competente ou não, cobram caro pelas suas preciosas orientações.
Negro bom e o bom selvagem se referem a pessoas dóceis, domesticadas, assim nomeadas pela classe que manda. Bom, nesse caso, significa conformado, e essa bondade serve a quem deseja a obediência deles.
A mudança de lugar do adjetivo em relação ao substantivo muda o significado. Vejamos: vida boa e boa vida. A primeira gera inveja e a segunda também, mas por motivos diversos. Quando vemos alguém num momento de descanso, em total e completo relaxamento físico e mental, pensamos: “Esse leva uma vida boa!” Para alguém que é publicamente improdutivo, mas que tem uma existência de rei é possível que seja invejado, não pelo ócio, mas sim pelo conforto que desfruta.
Nessa linha, pode-se ir adiante, passando do abstrato ao concreto: boa mulher e mulher boa. A primeira refere-se a virtudes invisíveis e a segunda refere-se unicamente a qualidades palpáveis.

* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.



Preciso

* Por Sayonara Lino

O tempo passa e o cotidiano absorve o que ainda não posso compreender. Caminho entre incertezas, sem garantias, mas acreditar sustenta meus desejos. A impermanência me acompanha e sigo o caminho que suponho ser o mais adequado aos meus anseios.

Deixar para trás o que nada acrescenta pode ser uma forma de renovação. O bom da vida é poder recomeçar. De verdade, nada sei. Foi necessário assumir minha impotência diante do inevitável. Apenas segui.

Enxergo beleza no inimaginável, me surpreendo com o que parece trivial para outras pessoas, me alegro ao ver um pedaço de papel elaborando coreografias em meio à ventania. Faço mais do que posso e menos do que gostaria. Vivo intensamente e procuro calmaria sem tédio. Paz sem melancolia, felicidade sem estardalhaço, doação sem recompensa.

Gosto de estar em minha companhia, persisto por convicção, preciso ampliar meus horizontes, experimentar para saber qual é o gosto de arriscar sem receio. Nada é preciso. Preciso vivenviar mais do que o possível.

* Jornalista, com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente finaliza nova especialização em Televisão, Cinema e Mídias Digitais, pela mesma instituição. Colunista do portal www.ubaweb.com/revista



Dzi Croquettes é um documentário pungente

* Por Marco Albertim

No documentário Dzi Croquettes não há promiscuidade entre a cena e seu captor. Promiscuidade, aqui, não no sentido de sugerir relações promíscuas entre os treze atores e bailarinos do grupo; sequer um viés de afinidade ideológica é visto ou percebido. Ressalta o propósito dos diretores Tatiana Issa e Raphael Alvarez, de resgate de uma irreverência com características próprias. Propósito necessário a todo documentarista que se estime, sobretudo no caso. Por falar em ideologia, a dos Dzi Croquettes remete à busca de afirmação de um perfil rompendo valores de comportamento – a moral burguesa de invólucro severo e conteúdo hipócrita -, inda que com uma relação amistosa com os padrões formais da sociedade. Os Dzi Croquettes chocaram; não podia ser de outro modo, visto que se depararam com a moral autoritária advinda do golpe militar de 64. Chocaram e se chocaram, posto que Cláudio Tovar, chamado a responder pelo grupo às perguntas e acusações do censor, ouviu horrores do moralista de plantão. Sem a compreensão do significado político de então, defendeu-se com os bons modos do amor à arte inofensiva. Em casa, restou o consolo do próprio choro. Não se lhes podia exigir outra reação; e reagiram a seu modo, viajando de navio para a Europa com dois mil quilos de bagagens, incluindo cenários, roupas e três quilos de “baseado”. De lembrança, uma performance no cais para o chefe da alfândega permitir o embarque sem inspeção nas malas. O guru, o norte-americano Lenie Dale, tão rigoroso no palco quanto porra-louca fora da ribalta.
Não são gratuitas as infusões do proscênio com cenas de repressão policial, vítimas prostradas na calçada, feições de generais inóspitos. Bem que o AI-5 poderia dar conta da trilha sonora de erros e acertos dos Dzi, de seus êxitos e fracassos. Entre os 45 depoimentos que emolduram a curta trajetória do grupo, não há quem o faça com o estofo do conhecimento histórico da intervenção militar urdida em Washington. O de Lisa Minnelli orna-os com a licença do show business internacional. O de Marília Pêra, o da vítima entre os atores do Teatro Opinião. Por aí segue. Toda a cena, o trajeto dos Dzi Croquettes foram seguidos de perto por aficionados da representação em teatros.
O documentário prova que o grupo fez escola, a influência das performances e das nuances do comportamento fora dos palcos. O final, não há que se negar, é pungente; como pungente foi o fim dos Dzi Croquettes. Treze artistas, alguns poliglotas; oito já mortos, quatro com a AIDS, três assassinados e um de AVC.
O trabalho foi premiado em onze festivais.

* Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.



Cola-tudo

* Por Flora Figueiredo

Encontrei um verso fraturado,
caído na esquina da rua do lado,
Tinha se perdido de um coração saudoso
que passava por ali,
desiludido.
Coloquei-o de pé,
emendei seus pedaços,
refiz suas linhas,
retoquei seus traços.
Afaguei suas dores como se fossem minhas.
Agora, novamente estruturado,
espero que ele não olhe para trás
e não misture sonhos
com amargas falências do passado;
que saiba enfeitar a estrela lá na frente
com fartos laços de rima colorida....
pois é para o futuro que caminham
todos os passos apressados desta vida.



* Poetisa, cronista e tradutora, autora de “O trem que4 traz a noite”, “Chão de vento”, “Calçada de verão”, “Limão Rosa”, “Amor a céu aberto” e “Florescência”; rima, ritmo e bom-humor são características da sua poesia. Deixa evidente sua intimidade com o mundo, abraçando o cotidiano com vitalidade e graça - às vezes romântica, às vezes irreverente e turbulenta. Sempre dentro de uma linguagem concisa e simples, plena de sutileza verbal, seus poemas são como um mergulho profundo nas águas da vida.

As pedras da memória – canto 3

* Por Ademir Antonio Bacca

Para Leila Pasquetti

não é tristeza
que traça o mapa
da velha cidade
que ainda se desenha
dentro de mim.

só saudade do que ela
foi um dia

(Do livro “O Relógio de Alice”).

* Jornalista, poeta, contista e produtor cultural).

terça-feira, 28 de setembro de 2010




Leia nesta edição:

Editorial – Ópera bufa?

Coluna À flor da pele – Evelyne Furtado, crônica “O que é respeito”.

Coluna Tecelã de emoções – Risomar Fasanaro, crônica “O Brasil e o Oscar”

Coluna Observações e Reminiscências – José Calvino de Andrade Lima, crônica “O melhor lugar é aqui”

Coluna Lira de sete cordas – Talis Andrade, poema “Varredura”.

Coluna Porta Aberta – Clóvis Campêlo, poema ”Da mulher a luta fica”.

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Ópera bufa?

Caros leitores, boa tarde.

“A vida é uma ópera bufa com intervalos de música séria”. Quem escreveu estas palavras foi Machado de Assis, no romance “Ressurreição”, uma das obras menos conhecidas do Bruxo do Cosme Velho, mas não menos genial. Parece-me, contudo, mera frase de efeito do nosso maior escritor. Ainda assim, tem relativo fundo de verdade, com todo o exagero que possa conter. Convido-o, paciente leitor, a acompanhar meu raciocínio.

Claro que esse fenômeno, aparentemente raro no universo, não pode ser reduzido a uma conclusão tão simplista. Ademais, Machado, certamente, referiu-se ao comportamento humano, e não a vida em si, já que o homem, óbvio, não é o único e solitário ser vivente. Entre animais e vegetais, já foram catalogadas bilhões de espécies, e com uma infinidade de espécimes de cada, neste planetazinha azul de uma estrela de quinta grandeza, localizada nos “subúrbios” de uma galáxia de porte médio, a Via Láctea. .

A forma das pessoas se relacionarem sim é uma interminável e ininterrupta ópera bufa, ora com toques de comédia, ora de tragédia, ora de ambas, compondo estranha peça tragicômica. E por que isso acontece? Porque, a despeito das sucessivas gerações, dos avanços e recuos (mais os primeiros, óbvio) do conhecimento, temos, todos nós, indistintamente, deficiências e imperfeições. Apontem-me, se houver, ou se conhecerem, uma única e reles pessoa perfeita. Não há! E quantas já passaram pela Terra desde que nossa espécie existe? É possível, apenas, especular. Milan Kundera, no livro “A Imortalidade”, chuta que foram 80 bilhões. Acho pouco, mas... Que seja! Dessa quantidade imensa, quantas deixaram suas marcas, legaram contribuições relevantes para a civilização e o progresso da espécie? Proporcionalmente, poucas. Cabe, inclusive, o superlativo: pouquíssimas!

Aldous Huxley, no livro "Ronda Grotesca", dedica várias páginas a analisar as fraquezas mais comuns e universais do homem. Elas são tantas, que seriam necessários inúmeros e maçudos tratados para catalogá-las e ainda assim boa parte deixaria de ser mencionada. O citado escritor escreve a respeito, em determinado trecho: "Mas todo homem é ridículo quando visto de fora, sem levar em conta o que lhe vai no espírito e no coração. Pode-se transformar Hamlet numa farsa epigramática, com uma cena inimitável, quando ele surpreende sua adorada mãe em adultério. É uma questão de ponto de vista. Cada um de nós é uma farsa ambulante e uma tragédia ambulante ao mesmo tempo. O homem que escorrega numa casca de banana e fratura o crânio, descreve contra o céu, ao cair, o arabesco mais ricamente cômico".

E não é o que acontece? Claro que sim! Por mais que isso nos fira o ego, somos um feixe de defeitos e imperfeições. Daí nosso relacionamento ser essa prolixa e estúpida ópera bufa, com raríssimos intervalos de música séria. Quanto à vida... Esta não tem culpa da nossa fragilidade e limitação mental.

Pergunto-lhes: o universo é trágico ou cômico? É benigno ou maligno ao homem? A resposta mais convincente que encontrei para a questão foi a dada pelo célebre astrônomo Carl Sagan, que o considera “indiferente” ao ser humano. Embora as várias religiões nos coloquem como o centro da criação, afirmando que tudo o que existe surgiu em nossa função, é claro que isso não passa de delirante fantasia. Contraria a mais elementar lógica. O universo não foi nem criado para o usufruto do homem e muito menos à sua revelia. Com ele ou sem ele seguiria, certamente, o seu curso.

Quando traçamos um ligeiro esboço da estupidez humana, desponta como a maior de suas manifestações a depredação deste Planeta que nos acolhe. É espantosa a nossa insensibilidade em relação a isso. Emerge, espontânea, a primaríssima pergunta: será que vale a pena desequilibrar toda a natureza apenas para que a nossa locomoção, por exemplo, seja mais rápida (refiro-me à exploração do petróleo e à poluição que seus derivados causam)? É lícito que nos arrisquemos a morrer sufocados, apenas para que possamos andar elegantemente trajados (refiro-me aos tecidos sintéticos produzidos por processos altamente poluentes)? É vantajoso trocarmos nossos rios e lagos por mais açúcar e álcool ou os peixes dos nossos mares por mais óleo cru? E temos a estupidez de chamar a isso de "progresso"!!!

Não dar a devida atenção a esse (gravíssimo) problema, por exemplo, no século XVIII, quando do início da Revolução Industrial, ou no XIX, ou até mesmo até meados do XX, ainda se justificava. Não se sabia quais os efeitos reais da poluição sobre os ecossistemas do Planeta. Mas o que está acontecendo com as pessoas neste início de século XXI? Será que deu um ataque coletivo de burrice? Vemos, dia após dia, a Terra se aquecer, geleiras imensas derreterem, desertos avançarem sobre solos outrora férteis, a camada de ozônio apresentar rombos e mais rombos, e não movemos uma só palha para deter o processo de depredação do meio ambiente!

O pior é que tentam “ideologizar” o tema referente à proteção ambiental, como se fosse assunto apenas das facções de esquerda (ou da direita, como queiram) e não da totalidade dos habitantes do Planeta. O que a preservação do meio ambiente tem a ver com o sistema político “x”, “y” ou “z”? Estes “puristas ideológicos” serão capazes de conter a expansão do buraco na camada de ozônio? Farão chover nos locais que enfrentam devastadoras secas, salvando as suas safras? Evitarão catastróficas enchentes ou os deslizamentos de terra ou os máximos de frio e de calor, que se alternam, mundo afora? Claro que não! A preservação do meio ambiente, portanto, não é questão ideológica, mas de bom-senso e, sobretudo, de sobrevivência.
O que esperar, pois, de bufões, se não contínua e maluca ópera bufa? Não seria a hora, no entanto, de mudar o monótono e repetitivo programa e partir para a “música séria”, e somente a ela, até para assegurar a preservação da espécie? O trágico é que os que têm em mãos poder de decisão para mudar para melhor tudo isso, não dão ouvidos aos clamores dos raros indivíduos de bom-senso, que enxergam, pelo menos, “um palmozinho” adiante do nariz. E a massa bruta, entorpecida (ou ensandecida?) ri, gargalha, baba de satisfação, sem noção do por que da própria imbecilidade e da iminente destruição.

Boa leitura.

O Editor.



O que é respeito

* Por Evelyne Furtado

Há algum tempo sugeri uma atitude respeitadora a um amigo que retrucou me pedindo uma definição de respeito.
Eu não tinha a menor dúvida sobre o que é agir com respeito, mas diante da pergunta provocativa fiquei aflita na busca das palavras certas para uma definição.
Ele estava usando um artifício socrático para me confundir e de certa forma conseguiu, pois não me ocorreu um conceito pronto e na hora nem mesmo lembrei de citar um pensador que falasse por mim.
Sem querer dar mostras de total ignorância listei exemplos básicos de comportamentos respeitosos e usei algumas metáforas. Porém, restou-me uma sensação de que não tinha respondido a contento.
Recentemente, na sala de aula, um professor me pediu para conceituar respeito. De certa maneira era como se eu tivesse experimentando um déjà vu ou tendo uma segunda chance.
Diante da turma me senti na obrigação de dar uma resposta inequívoca. Não consegui.Sem tempo para pensar proferi sinônimos e outras palavras associadas ao tema tais como consideração, aceitação, admiração, tolerância e cuidado. Não falei em amor embora associar amor e respeito pareça-me inevitável.
Ainda não tenho um conceito definitivo sobre o respeito, porém estou cada vez mais convicta de que precisamos agir com zelo e quase reverência diante de valores, sentimentos, crenças, limites,virtudes e fragilidades próprias e do outro. Por enquanto é essa a minha concepção de respeito e gosto muito dela.

• Poetisa e cronista de Natal/RN



O Brasil e o Oscar

* Por Risomar Fasanaro

Pois é...o MINC- Ministério da Cultura abriu uma enquete para que o público indicasse que filme gostaria que representasse o Brasil no Oscar, e a participação popular foi intensa, apaixonada, talvez tão apaixonada quanto a que seria a de torcedores de futebol pelo seu time em dia de campeonato.

Percebia-se que havia verdadeiras torcidas por alguns filmes e eu visitei o site durante o período de votação todos os dias; acompanhei a votação passo a passo, pois eu também estava torcendo por um filme, fiz até campanha junto aos meus amigos.

Pois é... mas nem o filme pelo qual torci tanto, nem o que a imensa maioria do público votou, foi escolhido para representar o país. O vencedor foi “Lula, o filho do Brasil” de Fábio Barreto.

Aliás, não sei, mas me parece que precisa ser da família Barreto para representar o Brasil no Oscar. Pois não é que pela terceira vez alguém da família vai colocar seus pezinhos naquele tapete vermelho, onde sonhei por vários dias que seria pisado pelo meu cineasta preferido?

Já imaginou, leitor, o Sílvio Tendler com seus sapatos Crocs (que número mesmo?) e uma de suas batas afro-baianas caminhando até aquele palco, no meio de todas aquelas mulheres lindas, daqueles homens charmosos, e eu aqui vendo tudo pela telinha, e chorando de emoção? Sim, porque fã acompanha o trabalho dos que admira, torce, vibra, e .... chora.

Mas sonhei em vão.

Inspirada em Thaís Araújo que fez promessa pra conseguir o papel principal em uma novela da Globo e conseguiu o milagre, também fiz uma novena pra Santa Terezinha. Mas foi em vão, parece que minha santinha se vendeu. Agora só atende às atrizes globais...

Fiquei triste, decepcionada. Mais do que isso, fiquei revoltada. Nunca pensei que um filme regular, quase ruim, com um ator pouco talentoso interpretando Lula, realizado em poucas semanas, e que só tem de elogiável a atuação da Glória Pires fosse ganhar de outros ótimos filmes que havia na concorrência, entre eles “Utopia e Barbárie” muitíssimo bem feito, construído ao longo de vinte anos, que traz sonhos e catástrofes de quase todos os povos do mundo, e que portanto representaria, até bem demais, o melhor filme estrangeiro, perdesse para aquele...aquele...

O público que entrava no site, parecia acreditar que seus votos teriam força na indicação, por isso votou em massa em “Nosso Lar”, que obteve 70% dos votos, mas assim como Santa Terezinha, o espírito de André Luiz também não ajudou em nada.

Será que o problema com a camada de ozônio anda impedindo nossas preces de chegarem aos céus?

A meu ver, “Lula” enfoca de forma superficial, a vida do presidente. O dado mais importante na sua história, a fundação do PT, e nem mesmo a estrela do partido aparecem.

A atuação de Glória Pires, impecável, é o ponto alto do filme. Enfim... torço para que o júri de lá o veja com o mesmo “estrabismo” do júri daqui, mas acho difícil.
Mas espero que nessa 3ª vez os Barretos sejam premiados.

Nada contra o Lula, muito pelo contrário, não só votei nele, fiz campanha doze horas por dia para elegê-lo. Minha revolta é contra a escolha desse que nada faz para tornar nosso cinema respeitado lá fora, pelo contrário. Parece escolhido apenas para agradar ao presidente. E Lula não precisa disso.


* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.



O melhor lugar é aqui



* Por José Calvino de Andrade Lima

Atualmente, pelas minhas andanças pelo Brasil afora, venho observando boas coisas que as prefeituras realizam referente a atrações turísticas. Admirado fico eu é com o nosso Pernambuco, que possui um fascinante ciclo turístico: a Feira de Caruaru, o espetáculo da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, Garanhuns, Goiana, Glória do Goitá, Pesqueira, Petrolina, Tracunhaém (Capital da Cerâmica), Itamaracá, corrida de jangadas em Olinda (mês de setembro).

Recife é a porta brasileira de quem vem da Europa. É o ponto de escala de linhas aéreas e marítimas européias... O clima do Recife é ameno. Nele o sol tropical faz contraste com a doçura dos ventos alíseos. Suas praias são famosas e belas. As do Pina e Boa Viagem são conhecidas no Brasil inteiro; plenas de piscinas naturais, areias alvas e finas. Um festival de luz, cor, gente, brisa, músicas, alegria, barcos, água de coco, guarda-sóis coloridos, coqueiros...

O Carnaval, o maior do mundo, dura dez dias ou mais... passistas, sambistas, caboclinhos, maracatus e o frevo, ritmo e alegria do povo pernambucano. Blocos, troças e ursos, escolas de samba, carros alegóricos, pierrôs, colombinas, toureiros, ciganas, palhaços, bonecos, índios, coubóis, arlequins... Animação nos Clubes Sociais. Desfiles de clubes nas ruas e avenidas.

Recife com os seus rios e pontes simbolizando sua cidade, com a sua beleza natural. Com isso, também me veio à memória a lancha da então CTU, batizada com o nome de Garcia D'Ávila, que fazia o percurso Recife-Brasília Teimosa (atualmente Brasília Formosa), reservando muita emoção aos natos, visitantes e turistas. Agora, mudou. Os pobres, por exemplo, ficam sem participar, apenas assistindo nos festejos carnavalescos o desfile do Galo da Madrugada e da Galinha D'Água.


* Formado em comunicações internacionais, escritor, teatrólogo, poeta, compositor, membro da União Brasileira de Escritores, UBE-PE e rei do Maracatu Barco Virado. Como escritor e poeta, tem trabalhos publicados nos jornais: Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio, Folha de Pernambuco e em vários sites... Tem onze (11) títulos publicados e um (1) inédito, todas edições esgotadas. Em 2007, integrou-se na Antologia (Poetas Independentes).



Varredura

* Por Talis Andrade

O rico visita
o outro rico
cada um em seu palácio
cercado de grades
cercado de guardas

A raia miúda
entra na casa
do rico
a serviço

Uma legião de lacaios
varre o lixo

Os vigilantes
e os homens da lei
varrem o lixo

Varrem o caminho
retirando os intrusos
os pedintes

Todos varrem
os cadáveres do caminho
para os ricos passarem

Todos varrem o lixo
estendem os tapetes
vermelhos

(Do livro “Romance do Emparedado”, Editora Livro Rápido – Olinda/PE).

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).



Da mulher a luta fica

* Por Clóvis Campêlo

Da mulher a luta fica,
fica o exemplo e a história,
ficam momentos de glória
e tudo o que se predica.

A coragem e a beleza,
fica o instinto materno
que faz o Homem eterno
diante da Natureza.

Da mulher fica a ternura,
a eterna perseverança
que mantém a esperança
acesa na criatura.

Fica a firmeza do olhar
na clareza do seu tino,
a certeza do destino,
do caminho a caminhar.

Da mulher fica o segredo,
a face oculta da lua,
e em torno dela flutua
o homem com seu enredo.

Convite:



Convido a todos os que gostam de boa música a escutarem o programa “Boa Noite Blues”, todas as sextas-feiras, a partir das 18 horas, na Rádio Universitária AM do Recife, 820 Khz. Infelizmente, por questões técnicas, no momento, a Rádio não está podendo ser acessada pela internet. O programa, então, fica restrito aos que moram na Região Metropolitana do Recife. Os que amam o blues, no entanto, podem acessar o nosso blog e curtir as notícias e sons que ali estão postados.
É só clicar http://boanoiteblues.blogspot.com.


• Poeta, jornalista e radialista do Recife/PE

segunda-feira, 27 de setembro de 2010




Leia nesta edição:

Editorial – Genuína fidelidade

Coluna Sensibilidade e sutilezas –Aliene Coutinho, crônica “O ipê branco”

Coluna Planeta Manjaterra – Renato Manjaterra, crônica “Mataram o nosso Prefeito-2”

Coluna Pessoas e histórias – Eduardo Murta, conto “De miragens e moradas de encantamento”.

Coluna Em verso e prosa – Núbia Araújo Nonato do Amaral, poema “Foda-se”

Coluna Porta Aberta – Fabiana Bórgia, crônica “Inútil”..

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Genuína fidelidade

Caros leitores, boa tarde.


A fidelidade é uma das mais nobres virtudes, que se torna (infelizmente) cada vez mais rara nos dias que correm. Somente sendo fiéis – às pessoas, aos princípios, às causas que nos empolguem, aos nobres ideais e aos valores que cultivarmos e, sobretudo, a nós mesmos – nos tornamos plenamente confiáveis. Apenas agindo dessa forma teremos o direito de exigir reciprocidade dos outros. Ou seja, que os que nos rodeiam e que convivem conosco ajam da mesma forma.

A fidelidade essencial, contudo, que devemos levar às últimas conseqüências, é para com quem amamos. É em relação a quem nos dedique (e por quem venhamos a nutrir) amizade. É para quem confie no nosso talento e na nossa capacidade produtiva e nos prestigie quando o mundo todo nos vira as costas e se volta contra nós. Há pessoas assim? Não sei! Respondam vocês. Eu, da minha parte, creio que haja.

A vida é constituída de escolhas, cuja exatidão vai determinar nosso sucesso ou fracasso, felicidade ou amargura, bem ou mal. Escolhemos profissões, companhias, amizades etc. e até clubes de futebol para torcer. Somos sempre instados a escolher alguém ou alguma coisa, e não nos é permitido errar. Essas escolhas têm que ser estudadas, ponderadas e, sobretudo, cautelosas.

Se escolhermos certo, é sábio e prudente nos mantermos fiéis a essas escolhas. Caso contrário... Temos que descartar o que foi escolhido equivocadamente (amor, amizade, causa etc.). Isso não caracteriza infidelidade, mas reciclagem. Persistir no erro é que é grande burrice. É saudável, necessário e indispensável fazermos revisões periódicas de nossas crenças, amizades, preferências etc. – para testar sua veracidade e intensidade – e analisar o conjunto de valores que norteiam e direcionam nossa vida.

Trata-se de atitude sábia, que só nos traz benefícios ao impedir que incorramos (ou permaneçamos) em erro. Aquilo em que acreditamos é o roteiro pelo qual pautamos pensamentos, sentimentos e atos. Na vida impera a lei natural da causa e conseqüência. Tudo o que fizermos, de bom ou de ruim, nos trará resultados de idêntica natureza. Não podemos nos manter fiéis ao que nos prejudique, desvalorize ou que, até, mesmo que apenas potencialmente, possa nos matar.

Precisamos uns dos outros, é fato. Ninguém é auto-suficiente, o que é para lá de óbvio. O cronista Mário da Silva Brito escreveu, em uma crônica de 1961, publicada no Suplemento Literário do jornal "O Estado de São Paulo": "Nunca fui eu só, ou só eu. Mas todos os outros. Os antepassados, os que me rodeiam, os que pertencem ao meu tempo. Os que amo e até os desconhecidos. Estou feito de pedaços. Sou uma soma de múltiplas parcelas humanas. Consigo somar até quantidades heterogêneas".

Todos somos assim. Nosso próximo tende a nos enriquecer (ou depreciar), a ampliar (ou estreitar) nossos horizontes e a estimular (ou deprimir) em nós o espírito de competição, sem o qual, desde que sadio, ninguém se sente motivado para qualquer realização (mesmo quando se opõe a nós). Mas pode, como ressaltei, igualmente, nos corromper, desvalorizar, diminuir e até nos matar.

As verdadeiras amizades, que duram para sempre e crescem, mais e mais, à medida que o tempo passa, são livres, espontâneas, sem regras nem obrigações. Não impõem deveres nem cobranças de parte a parte. Não restringem idéias e comportamentos e dispensam censuras, elogios ou reprimendas.

Existem, belas, simples, livres e soltas, como fenômenos naturais e inexplicáveis. Sequer requerem explicações. Desenvolvem, mutuamente, espontânea gratidão, que nem mesmo exige declaração. Os amigos lêem nos olhos uns dos outros esse sentimento, que os aproxima ainda mais. O complicado é identificar tais amizades. É ter certeza que de fato existem e apresentam essas características. Como saber? Nunca se sabe!

Albert Einstein escreveu em seu livro “Como vejo o mundo”: "Centenas de vezes por dia lembro a mim mesmo que minha vida interior e exterior depende dos labores de outros homens, vivos e mortos, e que preciso esforçar-me para dar na mesma medida em que tenho recebido e estou recebendo". É a essas pessoas que devemos fidelidade irrestrita, desde que, claro, se mostrem merecedoras dela.

Minhas reflexões diárias, posto que espontâneas e livres – e, portanto, descompromissadas – estas que partilho com quem me é fiel e leal (ou que julgo que o seja), não passam disso: são frágil tentativa da minha parte de retribuir, um pouco, o muito de carinho, atenção e incentivo que recebo de todos vocês. Mesmo dos que se mantêm silenciosos e anônimos, como imperceptíveis sombras, e cuja presença percebo, apenas, pelos rastros sutis e inidentificáveis que deixam. Muito obrigado por sua fidelidade, que anseio, fervorosamente, que seja genuína.

Boa Leitura

O Editor.










O ipê branco

* Por Aliene Coutinho





No meio do cerrado castigado pela seca parecia até uma visão. As flores brancas contrastavam com o cinza das queimadas. Um ipê branco. E florido. Era quase um milagre. Ao seu redor havia um manto branco, sinal que suas flores já começavam a cair. O ipê branco, diferente dos de outras cores que se exibem por até uma semana, floresce por apenas dois dias. E pelo visto aquele era o último.
Por anos tentei registrar essa imagem. Quantas não foram as vezes que adiei a foto por falta de tempo, por preguiça de voltar em casa e pegar a máquina. Seria agora ou nunca. Afinal estava ali, na esquina de casa e tão bonito.
Em época de seca, os ipês de Brasília aliviam a paisagem, colorem, refrescam a visão quando florescem as margens das pistas, nos parques, no meio do mato. Com uma temperatura média de 30 graus, umidade em torno de 18 por cento, e sem chuva a mais de 100 dias, nada como se deparar com ipê, e branco então, é quase um brinde à vida. Símbolo da resistência.
E ali estava ele, em pleno sol de meio-dia. Sem pressa de despir-se, esperava por mim. Ajoelhei na terra vermelha e capturei sua alma numa Sony digital. Fiz o foco e o retratei em ângulos diferentes. Conferi o resultado satisfeita em saber que logo ia poder compartilhar com quem quisesse aquele instantes da natureza. E ao sair, andando de costas para guardá-lo também na memória fui presenteada com uma das flores que voou e pousou em meus cabelos.

* Jornalista e professora de Telejornalismo



Mataram o nosso Prefeito – 2

* Por Renato Manjaterra


.. No último episódio o Delegado Seccional Osmar Porcelli, depois de tentar montar uma farsa com quatro favelados, apresentou ao judiciário uma peça apontando como o autor do disparo que matou o prefeito Toninho o perigoso Andinho, líder de uma quadrilha especializada em sequestros.
Pois é. Com muito pouco tempo aquela versão esfarrapada de que quatro rapazes, montados em duas motos, tocaiavam a saída do Shopping Iguatemi para roubar Palios e, à resistência de um motorista, teriam atirado, matando o cara e deixando tudo intacto deixou de fazer sentido até mesmo para os cabaços do Correio Popular, que vinham a seu modo ajudando a polícia civil.
Ah! No último episódio um bolinho de policiais havia ido a Caraguatatuba executar quatro outros rapazes - um ou dois deles ligados ao Andinho e os outros, claro, trabalhadores. No último episódio a polícia civil encontrou um Vectra igual ao que as testemunhas viram na cena do crime abandonado na Rodovia Dom Pedro e devolveu o veículo à companhia seguradora. Em algum break comercial do último episódio todas as testemunhas sumiram.
No último episódio o Delegado Porcelli chamou o irmão do Toninho para um canto e afirmou ter indícios de um crime passional e de uma relação extraconjugal homoafetiva do Prefeito, e que por isso, achava melhor deixar o caso “desse jeito mesmo”. Paulinho, o irmão do Prefeito, pediu que a versão fosse divulgada e o delegado nunca mais tocou no assunto.
Este episódio então começa com o Ministério Público recebendo a nova peça ficcional da polícia e passando para a frente, abraçando, processando agora o tal do Andinho pelo homicídio do Prefeito Toninho.
A despeito de toda a fragilidade da nova versão, que sequer chegou a ser passada a limpo, a despeito dos vícios que a mesmíssima equipe demonstrava para proceder a qualquer investigação e a despeito de toda a força das demais hipóteses possíveis para o caso, que foram deliberadamente descartadas pela polícia, esse Ministério Público, composto por playboys arvorados em Elliots Ness a serviço da elite pós-cafeeira da cidade, resolveu aceitar o inquérito e enfiar essa peça ridícula goela abaixo da justiça.
Diversas evidências teriam sido conhecidas pela polícia se depoimentos importantes da viúva, de Secretários Municipais e de pessoas próximas ao Toninho tivessem sido levados em consideração. Um dossiê encomendado pelo Toninho junto à reitoria da USP, sobre uma falsa professora indicada pelo Advogado Roberto Telles Sampaio para fazer parte do Conselho de Segurança da cidade, a senhora Maria Piedade Eça de Almeida, por exemplo, foi a única coisa que sumiu do carro do Prefeito.
Nenhuma menção à renegociação dos contratos de coleta de lixo da cidade foi feita, e estes custaram ao consórcio e à empresa Bauruense milhões de reais.
Nada disso foi para a polícia civil mais importante do que fechar logo a pasta e remeter aos promotores, que se encarregariam do restante da farsa.
Só para os leitores que não conhecem a cidade de Campinas terem uma idéia do que é o Ministério Público de Campinas: na semana passada foi desarticulada pela Polícia Federal uma quadrilha de fraudadores de contratos junto a órgãos públicos. Computadores de uma empresa que tinha como segurança o tal do Alcyr Biason Junior foram apreendidos. Pois na noite seguinte foram furtados de dentro da sede do Ministério.
Da polícia civil de Campinas não se espera nada. Nada de bom. O que eles tinham a oferecer, eles ofereceram. Uma peça de humor negro com quatro favelados torturados para confessar e uma nova peça de ficção onde o Prefeito estaria atrapalhando a fuga de um bandido perigoso e por isso foi alvejado.
Estranha-se um colegiado de promotores de justiça usarem este pomposo nome nos crachás e demonstrarem tamanho desapego pela verdade. Se fossem minimamente competentes eu reputaria cumplicidade com a polícia no homicídio, mas pelos meus poucos anos de convivência com os estudantes de Direito, sei que podem bem ter desempenhado esse papel por puro despreparo, ou medo. Igualzinho aos jornalistas.
Quando essa nova peça de ficção chegou finalmente ao judiciário, encontrou no Dr. José Henrique Rodrigues Torres um crítico e criterioso leitor. Não se sabe se ele chegou a ler toda a fábula, mas ele se recusou a dar andamento à farsa. O Juiz impronunciou o Andinho, o que quer dizer que não aceitou a acusação por estar esta embasada em um inquérito que não para em pé.
O caso continua então em aberto. Para o juiz, não há como proceder ao julgamento de ninguém por este crime porque a polícia simplesmente não cumpriu o seu papel.
Eu não sei agora o que acontece, se mandam esses mesmos policiais escreverem novo conto ou se pode um juiz ordinário determinar a entrada da Polícia Federal no caso.
Sei que esse pedido foi feito por milhares de cidadãos em abaixo assinado e foi entregue pessoalmente pela viúva Roseana Garcia ao Presidente Lula, que prometeu atender.
Diz a lenda que o pedido aguarda sobre a mesa do Procurado Geral da República - já há quatro anos.
A grande quadrilha instalada na Cidade sob o nome de Polícia Civil conta os dias restantes até a prescrição do caso, a 11 de setembro de 2021.

* Jornalista e escritor, webdesigner, colunista esportivo, pontepretano de quatro costados, autor do livro “Colinas, Pará” com prefácio do Senador Eduardo Suplicy, bacharel em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCAMP, blog http://manjaterra.blogspot.com