O governo federal mente
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Por Viegas Fernandes da Costa
Qual
nosso papel diante do colapso do governo Temer?
O
governo federal mente. Fraco e sem legitimidade, mente desde que
Michel Temer foi alçado à presidência da República. Desde os
primeiros momentos, mente com o beneplácito do mercado financeiro e
da mídia. Deturpou números, fomentou ódio, destruiu direitos.
Enquanto o país aprofundava sua crise, a manipulação dos dados
econômicos e sociais e a narrativa do marketing oficial produziam a
impressão da recuperação econômica. Esta recuperação nunca
existiu, e a pobreza nas ruas, a ascensão da violência urbana e o
desemprego mostravam isto. Ocorre que a crise chegou à classe média
e agora a sufoca. A mesma classe média que se vestiu de ódio para
criminalizar o governo petista.
Escrevi
há alguns dias que o movimento dos caminhoneiros tinha
características de lockout, mas não só, e que não seria prudente
subestimar e deslegitimar a mobilização, que conta também com
trabalhadores em greve. O acordo para encerrar as mobilizações
anunciado na noite quinta-feira, que incluiu as empresas de
transporte de cargas na não oneração da folha de pagamento, mostra
claramente que o governo falava principalmente às empresas do setor
e não aos trabalhadores.
O
pronunciamento de Michel Temer na sexta-feira reforçou o tom da
desorganização, fragilidade e falta de legitimidade do atual
governo. Temer, mais um vez, blefou. Ao anunciar respostas duras às
paralisações, incluindo o uso das forças armadas e a requisição
da posse de caminhões, o governo acreditou que intimidaria os
caminhoneiros. Foi um blefe, não intimidou e tampouco cumpriu com a
palavra. Na sexta-feira o movimento prosseguiu e ganhou a adesão de
diversos setores da sociedade que agora exigem, também, a redução
do preço da gasolina. Políticos da base do governo, incluindo-se
governadores e prefeitos, criticam abertamente Michel Temer. Em
Florianópolis (SC) o prefeito Gean Loureiro (MDB) manifestou
publicamente apoio aos caminhoneiros paralisados após estes
garantirem o abastecimento da frota de ônibus, da guarda municipal e
da empresa de coleta de resíduos da capital catarinense. Os ratos
sentem quando o navio está afundando.
Neste
contexto, cresce também o apoio de movimentos e partidos do campo da
esquerda à greve dos caminhoneiros, e juntamente à pauta da redução
de impostos começa a aparecer o debate a respeito do papel da
Petrobrás que, como estatal, deveria ter compromisso com o Estado e
a sociedade brasileira. A inclusão do debate sobre o caráter da
Petrobrás e a percepção da sua responsabilidade no preço dos
combustíveis ao consumidor e nas condições de vida da população
é elemento importante para catalisar o apoio das esquerdas à greve
(embora esta ainda mantenha características de lockout). O que mais
me preocupa, entretanto, é não perceber com clareza qual a pauta
que está sendo reivindicada e, neste sentido, o atual momento me
lembra 2013.
Um
amigo historiador se deslocou nesta manhã de sábado (26/05) de
Florianópolis (SC) a Porto Alegre (RS) pela BR-101. Deparou-se com
diversos "bloqueios" de caminhoneiros na estrada. Em todos
eles viu faixas com dizeres em apoio à intervenção militar. Então
pergunto, afinal, qual o pleito dos caminhoneiros em greve? Falo dos
trabalhadores, não dos empresários que retêm seus caminhões nos
pátios. Trata-se de um movimento que: a) deseja reduzir o custo do
diesel por meio da redução e eliminação de impostos além de
outros pleitos específicos à categoria, como no caso das taxas
cobradas nos pedágios?; b) reivindica o controle do Estado sobre a
política de preços da Petrobrás, reforçando seu caráter de
estatal?; c) pretende derrubar o governo de Michel Temer? No caso da
opção "c" estar incluída como condição para o fim do
movimento, qual a alternativa que o movimento considera? É o regime
de exceção? Penso que estas questões devem ficar claras inclusive
para a população que não atua nas estradas e para os movimentos de
esquerda que apoiam a greve dos caminhoneiros. Apoiam o quê? Quais
as pautas que apoiamos? Porque, particularmente, não posso estar ao
lado de grupos que pedem por intervenção militar.
Ontem
(sexta-feira) escrevi que não acredito que a alternativa que está
sendo acordada nos bastidores da política real seja a intervenção
militar. Vejo muitas análises fazendo referência ao golpe militar
do Chile na década de 1970, cuja gênese foi um lockout de
caminhoneiros. Não percebo um contexto internacional parecido com
aquela época. Intervenções e regimes militares também precisam de
respaldo da comunidade internacional para não colapsarem. Obviamente
posso estar completamente enganado, mas espero não estar. Mas estar
ao lado de pessoas que consideram a opção militar ou qualquer outro
regime de exceção não é,em definitivo, uma opção para mim. De
qualquer modo, o desespero claramente manifestado pelo governo Temer,
seja nos seus blefes, seja no caráter de súplica externado nos
pronunciamentos do ministro Carlos Marun, permite-nos pensar na
hipótese de colapso do atual governo. E a história brasileira
mostra que colapsos são evitados a qualquer custo pelas elites
nacionais (o caso mais emblemático disto foi a derrocada da ditadura
militar e sua transição por meio de eleições indiretas e da
manutenção de José Sarney na presidência). Diante do colapso, o
que tramam nos bastidores? Quais os acordos que costuram? E, por fim,
qual o papel que estamos representando neste contexto?
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Viegas Fernandes da Costa é Historiador, Mestre em Desenvolvimento
Regional e Professor do Instituto Federal de Santa Catarina.
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