Percepção estética
A
beleza é um conceito controvertido e em raros aspectos é
consensual. Apresenta-se, basicamente, de duas formas: virtual e
conceitual. A primeira é a efêmera, fugaz e passageira, que se
transforma com o tempo e perde encanto e viço. É o caso da beleza
física, de uma pessoa, uma flor, um animal, não importa. Dura por
somente alguns anos, quando não dias ou, em casos extremos, meras
horas, e depois se decompõe, se corrompe, envelhece, murcha e
desaparece. Já a conceitual, embora difícil de definir, tem o
caráter de permanência. Impregna-se em nosso espírito e basta
fecharmos os olhos para podermos vislumbrar seus reflexos. Mas é
esquiva, caprichosa e escorregadia. Bem que o povo diz que “gosto
não se discute”. Ou, pelo menos, não deveria se discutir.
Como
escritor e, notadamente, poeta, já escrevi muito a respeito, daí
ser inevitável parecer (e de fato às vezes ser) repetitivo. Tenho
absoluta convicção de que a beleza, assim como a feiura, não está
nas pessoas, paisagens ou coisas. Está no nosso interior. Prende-se
aos nossos gostos e critérios de avaliação estética. O que é
feio para uns, pode não o ser para outros e vice-versa. E os
critérios de avaliação não são necessariamente fixos, mas variam
com o tempo, de uma geração a outra ou até mesmo ao longo de uma
mesma.
Nas
artes, isso ocorre com grande freqüência, maior do que se supõe.
Textos rebuscados, compostos de palavras que a maioria dos leitores
precisava recorrer seguidamente ao dicionário para entender, e que
eram considerados belos, senão “geniais” (em especial, poemas),
hoje são tidos como má literatura. Alguns, ainda assim, apesar de
um certo exagero no preciosismo, não deixam de continuar bonitos.
Não se pode generalizar.
Por
outro lado, mobílias pesadas, artística e pacientemente trabalhadas
por artesãos peritos que passavam os segredos desses valorizados
artesanatos de pai para filho, gerações afora, que eram objetos de
desejo das pessoas que tinham condições de pagar por eles há,
digamos, cinquenta anos, e cobiçadíssimos pelos que eram tidos e
havidos como “gente de bom gosto”, hoje são repudiados como
“velharias”. Apenas um ou outro colecionador, tido como
excêntrico e de gosto exótico e duvidoso, é quem procura esse tipo
de mobiliário, em lojas especializadas no comércio de antiguidades.
A
imaginação exerce papel preponderante – diria, decisivo – na
percepção estética. Mais do que ela, talvez a moda tenha
influência (e subjetiva) maior nos gostos preponderantes. Há, hoje
em dia, obsessão pela “modernidade” ou pelo que se julga que o
seja. Provavelmente, muita coisa que as pessoas opinam, publicamente,
afirmando que são antiestéticas e de mau gosto, são exatamente as
que secretamente achem as mais belas. Só não o declaram para não
“remarem contra a maré”. Tolice, claro.
Da
minha parte, à revelia da esposa que acha meu gosto horroroso, fiz
um mix original no meu gabinete de trabalho. Misturei mobília antiga
e sólida, no caso escrivaninha e estantes feitos de bom e precioso
(e cada vez mais raro) jacarandá, com gabinete de madeira compensada
tanto para os computadores e impressoras, quanto para arquivos. Os
que acham que estão moda e que eu não estou, dizem que essa
combinação que fiz é de “péssimo gosto”. Eu, contudo, acho-a
o máximo. Gosto não se discute. Como, ademais, prefiro vasos de
cerâmica de Creta antiga aos modernos e tão apreciados por
decoradores. E se pudesse escolher entre a porcelana chinesa, da
dinastia Ming, e peças de legitimo Sévres, optaria, sem pestanejar,
pelas antigas, pelas primeiras, da remotíssima antiguidade.
Como
diligente escultora, a imaginação desbasta as imperfeições das
formas de pessoas e coisas, tornando-as simétricas,
bem-proporcionadas e com aparência de perfeitas, quando de fato não
o são. Há certa confusão entre o que é belo ou, simplesmente,
bonito, elegante, suntuoso, gracioso e atraente. Não se tratam de
palavras sinônimas, mas de nomeações de conceitos bem diferentes,
embora possam parecer iguais. O artista, todavia, sabe fazer bem a
distinção. E eu me considero um deles (embora não possa me avaliar
se bom ou se medíocre na minha arte). Percepções estéticas mudam
com o tempo. Muita coisa que eu achava bonita, quando criança, hoje
já não acho mais. E o “vice-versa” igualmente é verdadeiro.
Aliás,
não são apenas os gostos que variam, mas também desejos e
expectativas. Querem um exemplo? John Lukács observa, no livro “O
fim do século 20 e o fim da Era Moderna”, que “há cem ou 150
anos nossos ancestrais desejaram que a estrada de ferro, ou o
telégrafo, a nova rodovia chegasse mais perto de onde viviam, quanto
antes melhor. Agora, a notícia de que se aproxima uma nova via
expressa, ou um novo oleoduto, ou um novo corredor comercial nos
provoca medo e aversão no coração”.
Há
umas três ou quatro décadas, morar no centro das grandes cidades
era considerado o máximo. Principalmente para quem trabalhasse em
algum escritório ou loja da região. Só pessoas muito pobres, sem
recursos para uma habitação mais confortável e digna, residiam em
subúrbios. E isso ocorria não apenas em metrópoles brasileiras, ou
sul-americanas, mas também nas dos Estados Unidos e Europa. Hoje,
tudo isso se inverteu. O advento do automóvel e as facilidades de
adquiri-lo mudaram essa relação. Pessoas de posses constroem
mansões em zonas suburbanas, não raro em condomínios em que
predominam luxo e segurança. Já as mais pobres...
Destaco,
antes de encerrar estas divagações, que nem sempre formas perfeitas
são parâmetro único de beleza. No caso de pessoas, por exemplo, há
muitas mulheres belíssimas exteriormente, mas que, na comparação
com outras sem a mesma perfeição formal, perdem para elas por
causa, digamos, de um sorriso bonito, de um olhar expressivo, de
lábios bem desenhados, de gestos graciosos, de cultura superior ou
por outros detalhes até mais sutis da rival menos perfeita. O gosto
estético, reitero, é em boa parte subjetivo e varia de pessoa para
pessoa e através do tempo. E ele não se discute. Estou me lixando
para como os meus são considerados!
Boa
leitura!
O
Editor.
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