terça-feira, 30 de junho de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Etapa vencida.

Coluna Tecelã de emoções – Risomar Fasanaro – crônica, “Passando a limpo”.

Coluna À flor da pele – Evelyne Furtado, poema “Zouk”.

Coluna Doces delírios – Fábio de Lima, crônica “Amor x sexo”.

Coluna Porta Aberta – Cacá Mendes, crônica “O olho da cara do sem-assunto”.

Coluna Porta Aberta – Murilo Mendes, poema “O poeta marítimo”.

Obs.: Se você for jornalista, atuar em qualquer área de Comunicação, ou for estudante dessas disciplinas e queira participar deste espaço, encaminhe seus textos para o editor do Literário: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Etapa vencida

Com a edição de hoje, o Literário completa seu terceiro mês no novo espaço, o que significa outra etapa vencida na dura batalha por sua consolidação. As dúvidas que ainda, eventualmente, poderiam restar, sobre nossa sobrevivência, creio que se dissiparam. Estamos firmes e fortes, rumo ao nosso quarto aniversário de existência, que vai ocorrer em março de 2010.
Os participantes desse empreendimento têm muito a comemorar. Todas as manifestações que temos recebido sobre a qualidade da nossa revista eletrônica são positivas. A única ressalva que todos fazem (e que temos cobrado e reiterado dos leitores), refere-se à interatividade. O nível de participação continua baixíssimo, embora não menor (posto que também não maior) do que ocorria em nossa “casa” anterior.
Creio que essa ampla participação virá ao seu devido tempo. Mas nosso novo formato só traz vantagens, tanto aos colunistas e colaboradores, quanto aos leitores. No espaço anterior, por exemplo, os textos eram postados na página, via de regra, após as 16 horas, não raro por volta das 18, o que restringia o acesso a eles e a conseqüente leitura. Ademais, não havia edições aos sábados, domingos e feriados. Aqui, o Literário tem a renovação do conteúdo todos os 365 dias do ano, a partir das 10 horas, ou, o mais tardar, até o meio-dia. Somente o editorial é postado 40 minutos mais tarde.
Outra vantagem, é o tratamento igual a todos os que escrevem. Pelo fato de todos os textos serem postados numa única página, não importa mais se eles aparecem em primeiro ou quinto lugar. Todos permanecem visíveis o tempo todo. Não há, pois, como o leitor passar batido dos que foram postados primeiro, como acontecia no espaço anterior, o que gerava protestos (no caso, justificados) dos colunistas e colaboradores.
Está em vigor, desde que nos mudamos para a nova casa, uma “nova regra’, que os participantes ainda não se deram conta: é o fato de não haver regra alguma. Todos têm o direito de interferir nas edições (desde que essa interferência seja para melhor, claro). Por exemplo, o colunista que achar que um único dia de publicação de sua coluna é pouco, pode reivindicar um segundo e será imediatamente atendido. Desde que abasteça o Editor com o respectivo texto, é claro.
Como se vê, o Literário é democrático, criativo e com conteúdo. Ademais, ao contrário do que ocorria no espaço anterior, o visual, convenhamos, é muito melhor, com a possibilidade que o Blogspot confere de ilustração dos textos, o que facilita, inclusive, a compreensão do que é publicado. Não é segredo para ninguém que uma simples imagem vale por mil palavras ou mais. Claro que buscaremos sempre melhorar nosso trabalho, para prendê-lo, definitivamente, a nós, caro leitor, cativando-o e tornando-o nosso cúmplice. Chegaremos lá!!!!

Boa leitura.

O Editor.



Passando a limpo

* Por Risomar Fasanaro

Em alguns momentos da vida sinto que preciso parar e passar a vida a limpo. Faço uma limpeza nos meus guardados, tanto materiais como espirituais.

Olho pasta por pasta de textos, de recortes de jornais, cartões, bilhetes, ingressos de teatro, de cinema, para escolher e jogar fora tudo que já não tem mais sentido em minha vida.

É uma tarefa difícil e, quase sempre, termino por guardar novamente 40% do que pensei jogar fora.

Fiquei dois dias sem internet, e para me ocupar, me entreguei a essa tarefa. Havia decidido que desta vez seria radical; achei que estava pronta para jogar no lixo tudo que não me diz mais nada. Reli textos que havia escrito havia dez, quinze anos, e que tinham ficado na última limpeza que fiz há dois.

Tenho a impressão de que quando a gente joga fora o que é exterior na vida da gente, provoca uma limpeza interior. Chego a esta conclusão ao perceber o quanto mexem comigo essas arrumações.

Encontrei escritos que me revelaram a diferença que existe entre a que sou hoje e a que fui. Alguns textos me pareceram tão estranhos à minha forma de pensar atual, que só acreditei serem meus por trazerem minha assinatura.

Crenças que defendi com unhas e dentes e que hoje já não acredito, foram para o lixo. Melhor não ter essas lembranças que me levam a sentir o tempo que desperdicei sem escrever, defendendo essas crenças. Rancor? Não. Nenhum. Apenas descrença. Apenas uma forma de diminuir a tristeza que a gente sente diante das desilusões.

Quando sentia que não teria coragem de jogar alguma revista, algum texto fora, pois “não conseguiria viver sem ele”, pensava: sim, posso. Se eu sobrevivi após a morte de algumas pessoas tão queridas, pessoas que eu achava que jamais sobreviveria sem elas, posso me desfazer dessa revista, posso me desfazer dessa apostila, desse texto...

Foi difícil, confesso. De alguns desses guardados veio o perfume que usava naquela ocasião, sem querer, ouvi Gilberto Gil cantando enquanto eu amassava uma poesia. Chico cantava Iolanda enquanto eu encontrava essa saída. E agora que a encontrei, nunca mais quero guardar coisas supérfluas.

É interessante como essa faxina provocou uma revolução em mim. Remexendo em tantas lembranças, eu, que durante toda a vida sempre tive pressão baixa, de repente senti uma pressão na nuca e centenas de luzes à minha volta. Conhecia esses sintomas – minha pressão arterial subiu e achei que era hora de parar. Tomei um chá de cidreira, meditei durante alguns minutos e melhorei.

As lembranças nos levam a perceber a ação que o tempo exerce sobre nós. Sim, o tempo e os reveses que passamos na vida deixam marcas, rugas e cicatrizes não apenas em nosso exterior, mas, e principalmente, na nossa alma.

Ainda não terminei a tarefa, mas já me sinto leve e tranquila. E assim como limpo este cômodo onde escrevo e guardo meus livros, também minha alma se prepara para o novo. O que há de vir e ainda não sei...

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.




Zouk

* Por Evelyne Furtado

E ela foi chamada para dançar.
Assim, sem mais nem menos, em plena rua.
Espantou-se.
Onde já se viu?
Para falar a verdade ela não o conhecia.
Não antes daquele dia.
Ali, em meio a praça, na frente de tanta gente,
ela então o enxergou.
Ainda que meio trôpega aceitou a dança do olhar.
E dançou com tudo que tinha direito: olhos, bocas, braços, pernas e fantasias.
Desde o começo, sabiam, os dois, a coreografia daquele dia
Além de todas as outras que os sentidos permitiriam.

* Poetisa e cronista de Natal/RN



Amor X sexo

* Por Fábio de Lima

Estou pensando sobre essa mania das pessoas de ‘ficarem’ umas com as outras sem nenhum compromisso. Aqueles relacionamentos moderninhos. Acho que isso surgiu no começo dos anos 1990, primeiro entre os adolescentes, e, hoje, já está disseminado entre as pessoas, de uma forma geral, principalmente os jovens.

Antes se pensava que dar uns beijos, mesmo que mal se conhecesse a pessoa, não teria problema algum. Afinal, que mal teria beijar alguém? Beijar e tão gostoso. Se deu vontade, beija e pronto. Se os dois gostarem do beijo pode haver repetição. Se os dois não tiverem interesse, ficará só naquela vez mesmo e fim.

Eu demorei para me adaptar a essa nova realidade dos relacionamentos. Durante muito tempo achei idiota ficar. Chegou uma hora que passei a encarar isso com naturalidade. Continuo acreditando no amor e prefiro mil vezes namorar alguém. Mas, se numa festa surge a oportunidade de eu apenas ficar – não me furto desse desejo.

Atualmente entro nos shoppings e me assusto com a baixa idade dos casais. Uns devem ter 11 ou 12 anos no máximo. Eles se abraçam e se beijam de tal forma que deixam pessoas mais velhas totalmente constrangidas. Essa sexualidade precoce e que também é chamada, por alguns, como ‘amor precoce’, me preocupa, embora eu não queira ser puritano. Creio que cada um sabe sobre seu coração e sobre seus desejos.

Agora, se namorar está fora de moda e se na própria TV o casamento já é mostrado como um conto de fadas que normalmente ocorre somente no último capítulo da novela, como deve ficar o amor e o sexo na cabeça das novas gerações de agora em diante? O amor e o sexo virarão contrapontos e se desligarão os significados de uma palavra para a outra, para sempre, ou estamos vivendo apenas uma fase?

* Jornalista e escritor, ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.



O olho da cara do sem-assunto

* Por Cacá Mendes

Hoje eu sou um sem assunto, um calado de mim num domingo com quase nada de sol e ainda muito frio numa São Paulo totalmente cinza. O meu cego do olho direito, provisório, nada vê mesmo, mas o meu outro que não é de rei, pode ver, com o jeito que a terra há de endurecer-se mesmo. Quem comigo não convive não suspeita do imediato acima de que falo, de minha visão parcial. Eu estou no aguardo de um dia do mês deagosto próximo, vindouro, pra arrancar uma lente nata do olho e no ali enfiar outro em seu lugar. E como também sou filho do SUS, a fila é um pouco maior do que minha sabedoria. Daí, a paciência precisa ser do tamanho da fila, acho, se que é que se alcança essa fila.
E falo do olho da cara, porque de outros me achariam por demais atrevido. Depois, coisa dos íntimos, nem no caso de morrido o titular do assunto, fica direito se mencionar ou bisbilhotar, não é verdade, pois, querido leitor?
O engraçado nisso tudo, de não ter assunto e ficar feito garoto com estilingue procurando o que fazer, como naqueles interiores de antes das tecnologias todas de “ais”, de “pods”, de pcs, “dissoa’qui” “daqui’loutro”... Ai, ui, ei... E me lembro bem de uma livrada que tomei na cabeça, bem no ato da minha primeira série na escola, e lembro isso, justamente porque não achando chifres em cavalos de hoje, hoje, voltei ao tempo pra buscar algum corno que ora me servisse no aqui deste preenchimento de espaço. Assim que aquela muito amável “pro”, mesmo com livrada e tudo, jamais será por demais esquecida, nem que seja para preencher o aqui deste infinito espaço para escrita ou não.

Fora da órbita

(Reprodução de intimidade)

“(..) Essa delicadeza em "limpar" a casa, a alma, mexe muito comigo também. Fiz isso há poucos dias, logo quando me mudei. Joguei sacolas e sacolas de papel fora... Até alguns livros velhos, quase acabados tive que me desfazer. Mas teve coisa, como uma agenda de produção, de uma das primeiras que fiz na vida, onde havia anotações sobre artistas que trabalhei junto deles, que não tive coragem de descartar... Alguns desses artistas estão na mídia hoje, outros continuam no limbo. Mas um tempo bacana e que me fez tão bem. Mas no hoje, revendo isso fica um sabor de que se a vida nos contasse o futuro, seria tudo bem diferente. Não sei se melhor, mas traçaríamos tudo de outro jeito. É aí, nem sei se isso seria vida, não é? Olha eu aqui de dúvida, oh! Meu céu de azul e cinza, hoje de frio! Mas tudo bem, vou guardá-la (a tal agenda), como você guarda seus pertences, por mais um tempo, uns, ou muitos anos. Quem sabe..Beijo na sua alma, sempre limpa, camarada!”.

* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com

O Poeta Marítimo

* Por Murilo Mendes

A noite vem de Bornéu
Clotilde se enrola no astracã
A tempestade lava os ombros da pedra
O grande navio ancora nos peixes dourados
Um menino serve-se da história de Robinson
Alguém grita
Pedindo uma outra vida um outro sonho
Um outro crime
Entre o amor e o álcool
Entre o amor e o mar.
Ouve-se distintamente
O respirar das hélices
O céu inventou o vento
A sereia enrola o mar com o rabo.

* Poeta

segunda-feira, 29 de junho de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Capacidade de sugestão.

Coluna Sensibilidade e sutilezas – Aliene Coutinho, poema “Reverso”

Coluna Pessoas e Histórias – Eduardo Murta, conto “O olhar traiu até os magos da lógica”.

Coluna A vida como ela é – Celamar Maione, conto “O ex-marido cachorro”.

Coluna Pássaros da mesma gaiola – Daniel Santos, crônica “Hora de fechar a porta”.

Coluna Porta Aberta – Mara Narciso, crônica, “É preciso envelhecer com dignidade”.

Obs.: Se você for jornalista, atuar em qualquer área de Comunicação, ou for estudante dessas disciplinas e queira participar deste espaço, encaminhe seus textos para o editor do Literário: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Capacidade de sugestão

A Literatura é muito mais sugestão do que descrição. Quanto maior for a perícia de um escritor em despertar (e mexer com) a imaginação dos seus leitores, maior será seu potencial de prender sua atenção e torná-lo cúmplice da sua criação. Jorge Luís Borges afirmou, anos atrás, que nós, literatos, não criamos os contos e romances que nos são atribuídos. Limitamo-nos a “sugerir” as histórias, que são, na verdade, completadas ao gosto de cada um pelos que as lêem.
Sobre a poesia, nem é necessário ressaltar o quanto tem de sugestão. É um tipo de texto feito a caráter para a emoção e a imaginação, muito mais do que ao mero raciocínio. Abundam metáforas de toda a sorte que nos fazem viajar e adaptar as palavras escritas ao nosso gosto e à nossa realidade pessoal.
Em contos, novelas, romances e peças de teatro, por sua vez, não descrevemos os personagens de sorte a torná-los “reais”, de carne e osso. Para tanto, seria necessária uma fotografia, já que uma única imagem vale por mil palavras. Limitamo-nos a descrever características gerais deles, ou seja, se são gordos ou magros, altos ou baixos, maltrapilhos ou bem-vestidos etc.etc.etc. Cada leitor complementa a imagem que faz do sujeito que pretendíamos descrever à sua maneira. O mesmo vale em relação a cenários.
Por mais que descrevamos determinada casa, por sua vez, quem lê nosso texto interpreta nossa descrição (por mais perfeita e detalhada que seja) de uma forma pessoal, nunca igual à que imaginamos. Limitamo-nos a descrevê-la em linhas gerais, determinando se ela se localiza em uma favela e não passa de um barraco mambembe, se fica em um bairro de classe média e tem relativo conforto, posto que não tenha luxo ou se é alguma mansão, com todos os requintes que o dinheiro pode comprar.
Nunca, por exemplo, um romance, ao ser adaptado para o cinema, tem os “mesmos” personagens e cenários que o escritor criou, embora, não raro, sejam até melhores do que os da sua imaginação. É provável, por exemplo, que a heroína de algum dos meus contos, embora bela mulher, esteja infinitamente distante da beleza de uma Júlia Roberts (como, também, pode ser muitíssimo mais bonita) Ou que o sujeito cuja história estou narrando não tenha a mais remota semelhança com Tom Cruise.
Daí ser altamente desejável ao escritor que desenvolva sua capacidade de sugestão, mediante uma linguagem coloquial e amigável, que faça do “parceiro” da sua obra, o leitor, seu grande e competente cúmplice e não o afugente com cansativas e, em geral inócuas descrições.

Boa leitura.

O Editor.



Reverso

* Por Aliene Coutinho


Quero instigar-me,
colocar-me ao avesso,
parar de medir atitudes
e atos.
Nem menos, nem mais.
Quero ultrapassar limites,
enxergar mais que um palmo,
pisar fundo, estragar o sapato.
cuspir no chão
e nem esperar secar.
Chutar o pau da barraca,
não engolir mais sapos.
Vomitar desejos
e fazê-los realidade.
Olhar no espelho
e se ver sem medo,
nem vontade de
mudar.
Andar na rua, sem rumo.
Ter cabeça de vento
e ser boca aberta
por que não?
Chegar onde nem preciso
E ir além do que conheço.
Apertar a mão do estranho,
sorrir para quem nunca vi.
Dizer sim e não,
e o que der vontade.
Fazer tudo ao contrário
...reviV

* Jornalista e professora de Telejornalismo



O olhar traiu até os magos da lógica

* Por Eduardo Murta

O ano é 2053. Carvalho tem a tela de cristal à frente, fazendo a leitura sobre cada um dos que vivem sob sua vigilância. Somam mais de mil. Pelo mapeamento, percebe que Carlos se alonga ao banho há mais de 20 minutos. Que Carmela não se afasta do espelho, retocando a sobrancelha. Que Carmem deixou o serviço de varrição da casa pela metade. Que Carone insere, de novo!!!, uma revista pornográfica ao meio da apostila de normas e procedimentos.

Haviam passado do limite.

E ele estava ali justamente para evitar que a retidão fosse ignorada. Vai enviar o primeiro sinal de advertência. Um toque ao computador para que o bip comece a pulsar-lhes aos ouvidos. Num segundo, a freqüência equalizadora deixará todos fora de combate, em posição de misericórdia. No papel de capataz virtual, Carvalhaes fora eleito em concurso público: dez nas provas sobre o regimento da Federação, impecável na tese para táticas de controle individual e coletivo da massa. Aprovado com louvor. Chegara àquele ponto ostentando quatro medalhas por bravura e lealdade.

Fora iniciado adolescente, ainda, no dia em que entregou os pais às autoridades. O crime: sem ler os procedimentos legais daquela quarta-feira, saíram às ruas com calçados verdes, em lugar dos azuis recomendados. Uma patrulha os cercou na terceira esquina, ao alerta de Carvalhaes. Os oficiais viram ali um soldado do regime, logo incorporado a tarefas de treinamento e, por fim, se alistando como concursado nas fileiras do esquadrão.

Começou fazendo sucesso no setor de programação de perfis psicológicos. Avançou mais tarde para a tecnologia do corpo. Moldaria Carlota com silhueta de modelo, mas bambeza atípica na voz. Olhos que embalsamavam um azul de amanhecer de abril que convidava ao encantamento. Estrábicos, porém. Carregava aversão a cantadas baratas e perfumes de terceira. Ele se pós-graduando em enredos diabólicos, seguindo à risca a filosofia dos governantes, prepararia o terreno. O de promover conflitos para, à frente, mostrar como era necessária a ordem.

Não era casual, portanto, que já tivesse Carlito nas fôrmas daquele mesmo dia. Escaneou-lhe em barriga protuberante aos 28 anos, um certo desleixo com as unhas e queda sem freios para a auto-admiração. Tanto que enxergava em si uma beleza sem reparos. Se traía, na verdade, porque tinha nariz em excesso, boca triste, dentes sem privilégio, queixo retraído. Abusava das colônias xinfrins. E, grave, uma conversa que enjoaria até interlocutores mais pacientes.

Carvalhaes, claro, patrocinaria aquele encontro. Pensou nas circunstâncias, nos pormenores. Praça com vista para a Serra do Curral. Entardecer de setembro. As azaléias já dando o sinal de vida. Precisava agora de um terceiro personagem. Ah... o pipoqueiro. Perfeito. Bastou uma troca rápida de olhares, para que tudo acontecesse. Carlota viu Carlito à fila, empombado, como vendesse charme. Estudou um pouco mais a cena, ruminou, enquadrou o rosto.

Caiu em paixão. No estrabismo, Carlito achando que o contemplava. No fundo, se rendera era ao pipoqueiro. Este sem saber de nada, porque imaginava que a mulher, na verdade, paquerava o freguês. Era equação que computadores jamais resolveriam. Carvalhaes interveio. Intervindo, acionou o sinal equalizado, espetou os tímpanos de Carlota e a pôs em joelhos. Chorava. Agarrou-se às pernas do vendedor, como porto. E ele dizendo que sim, que a aceitava.
Foi que, naquele agosto de 2053, a situação fora de controle, Carvalhaes recebeu as orientações finais: limpar as gavetas, devolver as medalhas, empenhar os diplomas, porque não se admitiria ali capataz virtual que fosse traído pela sutileza do estrabismo. Menos ainda, por adestrador de pipocas que havia entrado em sua história como mero figurante e saíra em desconcertante protagonismo .

* Jornalista, autor de "Tantas Histórias. Pessoas Tantas", livro lançado em maio de 2006, que reúne 50 crônicas selecionadas publicadas na imprensa. É secretário de Redação do jornal Hoje em Dia, diário de Belo Horizonte. Já teve passagens também pelos jornais Diário de Minas e Estado de Minas, além de Folha de S.Paulo e revista Veja. É um dos colunistas do Hoje em Dia (www.hojeemdia.com.br), onde publica às quartas-feiras.




O ex-marido cachorro

* Por Celamar Maione

Rose andava apressada pelo Largo da Carioca, sendo perseguida por Ismael.
- Pára, Rose! Preciso falar com você.
- Me deixa em paz, Ismael! Some da minha vida!
- Não posso. Sou pai dos seus filhos!
- Então não enche o meu saco
.
Ismael alcançou a ex-mulher e segurou-a pelo braço.
- Me escuta, pelo amor de Deus! Você tem que me escutar.
- Larga meu braço , Ismael, tá todo mundo olhando.
- Você foi a mulher que mais amei na vida! Ainda amo!
- Foda-se!

Rose se desvencilhou e entrou no prédio. Ismael foi barrado pelo porteiro. A mulher chegou no escritório ofegante.
- Nossa, que bicho mordeu você?! Que cara feia! Dá um sorriso!
- Adivinha, Regina?
- Ismael, de novo?
- Isso. Atrás de mim no Largo da Carioca fazendo declaração de amor .
- Que homem insistente! Só pode ser doido.....
- E vai me enlouquecer...
.
Rose tomou um copo de água e nervosa, foi ler os e-mails. Não conseguiu se concentrar. Está separada há seis anos e não tem sossego. O ex-marido vive perseguindo-a. Manda mais de dez torpedos com declarações amorosas por dia. Telefona. Quando descobre que ela sai com alguém, envia flores ou vai visitar as crianças nas horas mais impróprias. Os pretendentes somem. Pensava na agonia vivida desde a separação, quando Regina grita:
- Tem um homem na cobertura ameaçando pular!

O coração de Rose acelera e ela dá um pulo assustada.
- Será que é Ismael?

Desce pelas escadas. Quando chega na portaria, a confusão está formada: Carro de polícia, bombeiro, imprensa e populares gritam e olham para o alto. No terraço, Ismael berra e tira a roupa. Quando se desfaz da cueca e atira na calçada, a multidão delira. As mulheres se estapeiam para levá-la. Rose chega na hora. Uma confusão de sentimentos invade-lhe o coração: sente nojo, vergonha e pena do ex-marido. Quando se aproxima para falar com um policial, avista a ex-sogra chegando com os netos.:
- O que a senhora faz aqui com os meninos?
- Eles viram o pai pela televisão.

Furiosa por Arminda colocar as crianças no meio da confusão, começa a discutir chamando a atenção. Um policial puxa-a pelo braço.
- A senhora é a Rose, esposa do homem que tá lá em cima?
- Ex, seu guarda. Ex.
- Ele grita seu nome toda hora e ameaça se atirar se a senhora não falar com ele.

Quando Rose chega no terraço, ele corre para abraçá-la e é agarrado pelo bombeiro. Ismael é levado para uma casa de repouso, enrolado num lençol e aplaudido pela multidão. Durante o tempo que ficou internado, Rose viveu em paz. Porém, estremeceu, ao pensar na possibilidade do ex-marido sair do hospital. Numa sexta–feira, depois do trabalho, chegou em casa exausta e encontrou Ismael sentado no sofá, vendo televisão com as crianças . Os meninos estavam eufóricos e correram para contar a novidade.:
- Papai saiu do hospital! Papai voltou!

Rose colocou a mão na cintura e falou decidida:
- Ismael, você não mora mais aqui! Vai pra casa da sua mãe, anda, arruma suas coisas!

Choroso, ele se ajoelhou e juntou as mãos implorando:
- Por favor, deixa eu ficar! Eu não atrapalho, juro. Faço o que você quiser.
- Ah é? Quer ficar? De qualquer maneira?

Balançou a cabeça eufórico. Sem dizer uma palavra, Rose bateu a porta e foi na rua. Voltou meia hora depois com uma sacola de compras.
- Vai ficar? Então, coloca a coleira no pescoço.

Não adiantou o protesto das crianças. Rose tirou os apetrechos caninos da bolsa. No fundo, ela tinha esperança de que ele desistisse e fosse embora. Impossível. Ela colocou a coleira em Ismael e ele ficou amarrado ao tanque, junto com o Yorkshire da família. Apesar da condição humilhante, estava feliz. Rose chegou ao exagero de levar Ismael para passear na coleira. Teve prazer em humilhá-lo. Um prazer sádico,até então, desconhecido por ela. Na vizinhança, o escândalo foi grande.
- Corre aqui , mãe, vem ver o Ismael passeando na coleira.
- Já não se faz mais homem como antigamente!
- A culpa é da imprensa que dá mau exemplo.
...
Chamada por uma vizinha, Arminda chegou na hora que o filho levantava a perna para fazer xixi no poste. Houve bate-boca. Arminda teve um ataque cardíaco e está internada no CTI. Rose passou a levar a família para passear aos domingos na Quinta da Boa Vista. Com a língua de fora e de quatro, Ismael corre satisfeito pelo gramado, para pegar o osso jogado pelas crianças. Em seguida, entrega-o à ex-mulher e gane de felicidade. Uma felicidade canina.

*Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.




Hora de fechar a porta

* Por Daniel Santos

Vinham de todas as partes, mas não mais com a ferocidade dos campos de guerra. Agora, a extrema inanição humilhava-os a ponto de sequer se encararem. Sem a presunção de superioridade, eram só ossos!

Súplices, olhos entocados de pavor sob a testa de sinuosas sem qualquer retidão, eles chegavam à casa de porta sempre aberta, onde há tempos a velha servia, ao menos, um prato de sopa a quem apetecesse.

Antes inimigos, sentavam-se lado a lado na grande mesa, silentes, cabisbaixos, unicamente entretidos com a maior das necessidades. E levavam a colher à boca, esganados, sem desperdício de uma só gota.

Muitos choravam ante a redenção do alimento, mas a antiga mesquinharia resistiu em alguns que sugeriam à velha escorraçar dali seus desafetos. Alheia a rancores, continuou provendo a quem minguava.

Só mais tarde, o grande sobressalto: ela viu a bonança derrotar não só a necessidade, mas também a memória. E recompôs-se a soberba! Tudo como antes. E, como antes, ela teria de voltar a abrir a porta. Para todos.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.



É preciso envelhecer com dignidade

* Por Mara Narciso

Uma senhora evangélica da Congregação Cristã do Brasil era uma convertida recente. Trabalhou muitos anos em São Paulo, e mostrava uma boa conversa. Queria seguir toda a doutrina, deixando a vaidade de lado, mas percebeu que no banco era encaminhada para a fila dos idosos, mesmo aos 55 anos. O motivo? Cabelos brancos. Quando pintava os cabelos, com o mesmo comportamento e vestuário, notava ser tratada com mais respeito, e utilizava a fila única. Então pediu licença ao pastor para colorir os cabelos, não para ficar bonita, mas por necessidade.

Uma moça contou que ia pela rua e à sua frente seguia uma mulher magra, elegante, bem vestida, de calças jeans justas e de marca cara, blusa de mangas longas, colada marcando uma cintura fina, e mostrando um fio de pele, que aparecia e desaparecia entre a calça e a blusa, à medida que ela andava. Os cabelos bem tratados, compridos e pretos, brilhavam ao sol daquela tarde. A cadência do gingar sobre os saltos altos mostrava bom porte e elegância. Mas quando a mulher foi ultrapassada, decepção: “era uma velha!”, a moça falou.

Ser magra, bem vestida e elegante em vez de ser motivo de elogio, é motivo de crítica. É bom procurar entender os motivos de a sociedade fazer esse tipo de julgamento. É preciso envelhecer com dignidade. Mas o que vem a ser isso? Deixar acontecer? Não interferir nas marcas da passagem do tempo? A vilã é a cirurgia plástica? Não se deve fazê-la, ou se deve utilizá-la até um limite? Qual seria esse limite? Quando é bom, e quando é ruim? Qual o momento certo para ser submetido a ela? E o Botox, Laser, ácidos e toda a parafernália de cremes anti-envelhecimento? As perguntas não são dirigidas aos profissionais da área, mas à sociedade leiga que faz análises do que vê. Alguém haverá de responder que o certo é o limite do bom senso. Pois é, assim como a inteligência, sobejamente distribuída a todos, já que não há ninguém que se julgue mal aquinhoado desse bem, o bom senso, dizem, todos possuem. E o uso de recursos para retardar a ação do tempo deve ser modulado por ele.

Aos mais radicais e que são totalmente contra todo e qualquer procedimento para aparentar mais jovem, pergunta-se: pintar os cabelos pode? Já foi dito que atitude rebelde é exatamente deixar os cabelos brancos, mas quem tem coragem para isso? Poucas aceitam esse desafio, é bem verdade, pois cabelos brancos numa mulher geralmente são encarados como ausência de vaidade, ou pior, que a mulher em questão entregou os pontos. Por outro lado, fazer ginástica é permitido? Ou se deve agir de forma natural, sem interferir de nenhuma maneira? Deve-se deixar a natureza agir livremente sem colocar um dedo que seja?

Ampliando o raciocínio, quem sabe não se deva deixar ao bel prazer do tempo todas as coisas? Será que não se deveria também largar as vacinas de lado, e não se prevenir? Afinal vacinar pode não ser uma coisa natural. E ainda, será que devemos não usar os antibióticos e deixar uma pneumonia evoluir ao seu tempo, sem ajuda externa? As bactérias encontram no indivíduo um arsenal de anticorpos. Melhor deixar que o organismo se cuide sozinho.

Vendo por esse prisma, se devem abandonar todos os confortos da civilização. Ou não? Interessante que até se pode pautar o raciocínio em cima de vivências alheias, mas quando chega a nossa vez, é que temos maior clareza da situação. As experiências dos outros servem muito, mas só se consegue fazer uma análise desapaixonada quando se vive coisa semelhante.

A utilização de recursos em todas as áreas vai do conhecimento e da posse de cada um. Utilizar de meios que sejam úteis para inserir a pessoa numa sociedade de consumo, onde é preciso ser eternamente jovem, magra e bonita, é tarefa das mais frustrantes. Mesmo com todos os procedimentos reinantes, é missão impossível; porém, se deve pelo menos tentar atenuar os acontecimentos, para se ter algum conforto emocional. Assim, quem quiser que os utilize, sabendo que é preciso esperar resultados bons, mas, nessa areia movediça, nem sempre o sucesso, mesmo que temporário, é a norma.

* Médica, acadêmica de Jornalismo e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”

domingo, 28 de junho de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Recursos elogiáveis

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Verdadeira juventude”.

Coluna Clássicos – Victor Hugo, poema “De quem a culpa?”.

Coluna Por aí – Lançamentos e Dicas do Editor.

Coluna Estante – Livros mais vendidos

Obs.: Se você for jornalista, atuar em qualquer área de Comunicação, ou for estudante dessas disciplinas e queira participar deste espaço, encaminhe seus textos para o editor do Literário: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Recursos elogiáveis

Os recursos técnicos, proporcionados pelo Blogspot aos seus usuários, são excelentes para quem pretenda ter um blog dinâmico, inventivo e visualmente atrativo. O resto depende, claro, dessas pessoas, do seu talento, capacidade de comunicação e criatividade, para atrair (ou repelir) visitantes.
Foram estes recursos, aliás, que viabilizaram a nossa revista eletrônica (que tem a pretensão de ser muito mais do que um blog, embora com o formato deste) em nosso layout atual, e exatamente como o Editor a imaginou. Em nosso espaço anterior, isso era inviável.
Recentemente, um leitor nos consultou sobre a possibilidade de colocarmos um link nos capítulos do romance que o colunista Marco Albertim vem publicando há já três semanas. Ele não atentou, porém, que este recurso já existe. E para acessar qualquer texto e não especificamente este.
Se o leitor atentar bem, tudo o que é publicado no Literário está relacionado na coluna à esquerda de quem o visualiza, abaixo das fotos dos seguidores. Basta localizar o que deseja ler e clicar em cima do título. Imediatamente o texto surge na tela, inclusive com os comentários que recebeu (se foi comentado, é claro).
Temos recebido, por e-mail, inúmeras manifestações de apoio, além de elogios às nossas edições. Pena que esses leitores não as expressem, não se sabe por qual motivo, nos espaços reservados a comentários do próprio Literário. Estamos no caminho certo? Tomara que sim. Temos, todavia, consciência de que podemos (e devemos) melhorar. A meta tem que ser, sempre, nada menos do que a perfeição, mesmo conscientes de que esta é interdita a nós, humanos.
Ademais, os méritos da alegada excelência da nossa revista eletrônica sequer são do Editor. São dos colunistas e colaboradores, que produzem textos sóbrios, equilibrados, atrativos e de excelente qualidade. Nossa tarefa limita-se a editá-los da melhor maneira possível, ilustrá-los adequadamente, com imagens que sugiram situações expostas pelos autores e fazer uma programação inteligente, respeitando, sempre, o bom-gosto dos que nos acompanham diariamente (hoje são 43 os seguidores) e dos mais de 400 visitantes diários, que nos dão a honra e o privilégio da sua sempre bem-vinda presença.

Boa leitura.

O Editor.



Verdadeira juventude

* Por Pedro J. Bondaczuk

A velhice começa em qual idade? Há não muito, pessoas que mal passavam da faixa dos 50 anos já eram consideradas “velhas”. E assumiam-se como tal. Os progressos da medicina, todavia, bem como a melhor qualidade dos alimentos, da água e dos medicamentos estenderam bastante esse limite. Recentemente vimos, em reportagem da ESPN Brasil, um cidadão do Nordeste que, aos 52 anos, ainda é jogador profissional de futebol.

Romário encerrou a carreira aos 42. O volante Fernando, do Santo André, tem essa mesma idade e ainda continua defendendo o seu time, no Campeonato Brasileiro da Série A, com fôlego de dar inveja a muito garotão que atua nas categorias de base dos clubes.

Hoje, considera-se que aquilo que se convencionou chamar, eufemisticamente, de “Terceira Idade”, tem início quase duas décadas depois. Ou seja, aos 65 anos. E, pelo andar da carruagem, esse teórico limite da maturidade deverá (logo, logo) ser estendido para 80 ou mais aniversários.

Escrevi inúmeras vezes, e reitero aqui, que juventude e velhice não é questão cronológica, de calendário, mas um estado de espírito. Não me canso de repetir que conheço inúmeros “velhos” de 18 anos, desanimados, sem perspectiva e buscando a fuga da realidade no álcool e, não raro, nas drogas, e muitos “jovens” prestes a atingir a idade centenária.

Exagero? De forma alguma! Querem um exemplo? Alguém que não conhecesse Barbosa Lima Sobrinho pessoalmente – que foi por um tempão presidente da Associação Brasileira de Imprensa – e que lesse, com atenção e assiduidade, os textos que escrevia aos cem anos (isso mesmo, em idade centenária) para o Jornal do Brasil do Rio de Janeiro diria, em sã consciência, que se tratava de um “velho”? Duvido! Era tamanha a sua lucidez, tão grande o seu entusiasmo, tão ativa a sua participação na vida do País, que se diria que se tratava de um moço de 20 anos, se tanto.

E esse não é um caso único e nem o mais surpreendente. Conheço inúmeros outros. Meu avô Hilarion Bondaczuk, por exemplo, foi um desses “jovenzinhos” centenários. Com 98 anos completos, beirando os 99, veio, sozinho, de Porto Alegre a Campinas, apenas para conhecer pessoalmente suas novas bisnetas, minhas filhas, que na ocasião tinham dois e um ano, respectivamente. Faleceu, somente, um dia após completar 105 anos, e de morte natural. Ou seja, lúcido e saudável.

Por isso, está mais do que na hora de se pôr fim a esse estúpido preconceito em relação às pessoas que já fizeram, por exemplo, mais do que 65 aniversários. A estupidez desse comportamento preconceituoso fica mais evidente ainda quando se recorda que todos, absolutamente todos (a menos que a morte colha alguém antes, na juventude ou na maturidade, por exemplo), um dia iremos envelhecer. E as idéias que consolidarmos, a respeito das pessoas idosas, se voltarão, então, por inteiro, contra nós. Seremos, considerados inúteis, pesos mortos para a família e a sociedade, com mentalidade de criança ou de uma pessoa insana, mesmo que não sejamos assim. Por que? Porque alimentamos, ou ajudamos a alimentar esse preconceito.

Meu pai sempre dizia, do alto de sua sabedoria de homem simples, mas sensato: “Pedrinho (foi assim que sempre me chamou), lembre-se que você irá dormir na cama que arrumar”. Ou seja, tudo o que fizermos, de bom ou de ruim, um dia nos produzirá conseqüências, boas ou más.

O pai da psicanálise, Sigmund Freud, em entrevista dada a George Silvestre Vierek, para “Glimpses of the great”, em 1930, (reproduzida pelo jornal “Folha de São Paulo”, em 3 de janeiro de 1998), observou a respeito: “Biologicamente, cada ser vivo, por mais forte que arda nele o fogo da vida, tende ao nirvana, deseja que a febre chamada vida chegue ao seu fim. Podemos jogar com a idéia de que a morte nos alcança porque a desejamos. Talvez pudéssemos vencer a morte, se não fosse pelo aliado que ela tem dentro de nós. Assim, poderíamos dizer que toda morte é um suicídio encoberto”.

Ou seja, nós, subconscientemente, é que abrimos mão da vontade de viver. Isso, no meu entender, é o que determina a tal da “velhice”. Pode ocorrer tanto aos dezoito anos, quanto aos cem. Não se trata, pois, como não me canso de reiterar, de questão cronológica, mas de “cabeça”.

Aliás, achei Freud sumamente pessimista nesta entrevista, que oportunamente prometo abordar, para tratar de outros aspectos que o ilustre psicanalista também abordou. Nessa questão específica, porém, concordo plenamente com o que o padre Roque Schneider escreveu: “Ser jovem é ter os olhos molhados de esperança e adormecer com problemas, na certeza de que a solução madrugará no dia seguinte”. E isso nós podemos fazer, se tivermos estrutura espiritual para tanto, quer aos 16, 18 ou 20 anos, quer aos cem.

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com




De quem a culpa?

* Por Victor Hugo

"--- Tu fostes incendiar a Biblioteca?
--- Mas é um crime inaudito e ruim,
--- Sim,
queimei-a".
"Que mesmo contra ti, infame, praticaste!
A luz que a tua alma aclara, intrépido, apagaste!"
"É a tua própria luz que acabas de soprar.
Isso que teu ódio ímpio e louco ousa queimar
é teu bem, teu tesouro, a herança da tua alma,
o livro te protege, instrui, anima e acalma".

"O livro toma sempre a tua defensiva.
Vale uma biblioteca o ato de fé, que agora,
cada uma geração, nos livros, rediviva,
presta: é a noite rendendo um testemunho à aurora.
Oh! nesse venerando acervo de verdade,
nessas obras geniais jorrando claridades,
tumba da antigüidade erguida em repertório.

Nos séculos de luz, nesse genuflexório,
no passado, lição que soletra o porvir.
Nisso que se criou para não se extinguir.
Nos poetas, nos heróis, belos, imarscíveis,
na ruma divinal dos Eschylos terríveis,
dos Homeros, dos Jobs, de pé sobre o arrebol,
em Moliére, em Voltaire e Kant, à luz do sol,
ímpio! Foste chegar uma tocha inflamada!

Todo o espírito humano em cinza, em fumarada!
Esqueceste que o livro é teu libertador?
Lá na altura ele está, como altivo condor:
brilha. Porque ele brilha é que nos ilumina;
destrói o cadafalso, a miséria, a chacina.

Ele fala, e nos diz: nada de escravo ou pária.
Abre um livro, vai ler: Platão, Milton, Beccaria,
esses profetas: Dante, e Corneille e Shakespeare;
a alma imensa que têm, em ti sentes surgir;
lendo-os, sentes-te igual a eles todos, altivo;
lendo, tornas-te meigo, austero e pensativo.

Eles, em tua mente, aumentam de grandeza.
À escuridão de um claustro a alva vem dar clareza.
À proporção que ele entra e afunda em tua mente,
tornas-te mais feliz, tornas-te mais vivente.
Tua alma torna-se apta a argüida responder.
Reconheces-te bom e sentes derreter
como a neve ao calor, a vaidade sombria,
o mal, o preconceito, a tirania!

Pois, no homem o saber é o que chega primeiro;
depois a liberdade. Esta divina luz
é tua, e foste tu que, de pronto, a apagaste.
O livro atinge os fins que tu próprio sonhaste.
Entra em teu pensamento e solta e desenleia
os grilhões com que o erro, a verdade aperreia.

A consciência é um nó górdio horrível, que asfixia.
O livro é teu guardião, teu médico, teu guia.
Tua raiva, ele acalma, e tira-te a demência.
Eis o que perdes, tu, por tua intransigência.
O livro é teu tesouro; é a riqueza, é o saber,
o direito, a verdade, a virtude, o dever,
a razão, aclarando a tua inteligência.
E tu queimaste tudo, infame!...
--- Eu não sei ler!"



Dicas do Editor

São as seguintes as dicas de leitura do Editor para esta semana:

1. As sandálias do pescador – Morris West - Romance.
2. O advogado do diabo – Andrew Neiderman – Romance.
3. Descanse em paz, meu amor – Pedro Bandeira – Romance.
4. Mundo sem fim – Ken Follett – Romance.
5. A hora da estrela – Clarice Lispector – Romance.
6. Renato Russo: o trovador solitário – Arthur Dapieve – Arte.
7. Tantas palavras – Chico Buarque - Arte.
8. Sociedades secretas – Sylvia Browne - História.
9. A lição final – Randy Pausch – Auto-ajuda.
10. Dor de cabeça, o que ela quer com você – Dr. Mário Peres - Saúde.

Lançamentos:


Título: Apresentação da poesia brasileira.
Autor: Manuel Bandeira
Sinopse:
Para apresentar nossos poetas ao leitor estrangeiro, Manuel Bandeira preparou este volume que, na verdade, são dois livros em um. A primeira parte traz um panorama crítico dos poetas, escolas e movimentos, de José de Anchieta ao Concretismo. A segunda parte se organiza como uma antologia – 125 poemas de 55 poetas, dos clássicos, como a “Canção do Exílio” e “Navio Negreiro”, aos achados de Bandeira, como os bissextos Pedro Nava e Pedro Dantas, chegando até Augusto de Campos e Ferreira Gular, então com vinte e poucos anos de idade. Editora Cosac NAify. Preço: R$ 69,00.

Título: Casa Mondavi – Ascensão e queda de uma dinastia do vinho
Autor: Julia Flynn Siler
Sinopse:
Escrito com base em mais de 500 horas de entrevistas, o livro monta um retrato de Robert Mondavi, cujo caráter enérgico e desbravador o fez acumular imensa fortuna, rapidamente dilapidada sob o peso da rivalidade fraterna, da amargura e da ganância. Enquanto este obstinado produtor e comerciante de vinhos seguia em busca de suas paixões, familiares se arruinavam movidos pelo alcoolismo, o adultério e tentativas de suicídio. Editora G. Ermakoff. Preço: R$ 56,00.

Título: O mundo é curvo, perigos para a economia mundial
Autor: David M. Smick
Sinopse:
Num mundo curvo, é impossível determinar o que há além da linha do horizonte. Essa é a imagem criada pelo autor para ilustrar a economia global contemporânea e apresentar uma análise da construção do sistema financeiro atual, revelando aos leitores segredos negociados nas salas de bancos centrais , empresas multinacionais e em gabinetes de ministros e presidentes. David explica por que a crise imobiliária norte-americana pode ser apenas a ponta do iceberg da instabilidade financeira. Este livro é destinado para todos os que querem entender os meandros da globalização e se precaver das conseqüências de negociações escusas no âmbito da economia mundial. Editora Best Seller. Preço: 39,90.

Título: Carta para você
Autor: Rosalind Porter e Joshua Knelman (organizadores)
Sinopse:
Um homem apaixonado escreve a uma mulher casada, sem saber que sua carta pode cair em mãos erradas; outro publica anúncios no jornal à procura de sua amante, que sumiu sem deixar vestígios. Uma mulher, após uma noite de amor, envia e-mails obsessivos sem ter resposta; outra responde por carta, emocionada, a um pedido de casamento. Um cupido escreve um anúncio em que cobra por seus serviços; um chimpanzé declara o seu carinho a uma primatologista. O livro reúne biografias, diários, memórias e correspondências. Editora Alfaguara Brasil. Preço: R$ 39,90.


Título: A construção social da cor – Diferença e desigualdade na formação da sociedade brasileira
Autor: José D’Assunção Barros
Sinopse:
O autor busca discutir como, a partir dos fundamentos do sistema colonial e da escravidão africana no Brasil, foi socialmente construída a idéia de uma raça negra por oposição à idéia de uma raça branca. Além de abordar a escravidão do período moderno contrastando-a inicialmente com a escravidão antiga e discutindo os modos como os conceitos de desigualdade e diferença têm interagido, a partir da formação da sociedade brasileira, nos discursos, práticas e representações que em alguns casos ainda persistem no mundo contemporâneo. Editora Vozes. Preço: 39,00.

Título: Mapas para amantes perdidos
Autores: Nadeen Aslam
Sinopse:
Amor e intolerância religiosa. Em uma cidade ao norte da Inglaterra, o casal paquistanês, Jugnu e Chanda desaparece. Os dois viviam juntos em uma união informal, o que fere as leis do islamismo. Na comunidade de imigrantes, há boatos de que a família dos amantes os teria punido como resposta ao desrespeito sagrado. Alguns dias depois, o casal é encontrado morto. É este justamente o ponto de tensão do romance do escritor paquistanês Nadeen Aslam, radicado na Inglaterra desde os 14 anos. Editora Record. Preço: R$ 49,00.

Título: Ciências sociais – Para aprender e viver
Autor: Marco Aurélio Nunes de Barros
Sinopse:
As ciências não substituirão a política na tarefa de construir uma vida melhor, mas compreender melhor a sociedade e a vida social pode cooperar para o surgimento de uma classe de pessoas comprometidas com a vida coletiva mais humana, solidária, sustentável, democrática ou uma vida decente. Editora Lúmen Júris. Preço: R$ 35,00.



Livros mais vendidos

(Semana de 24 de junho a 1° de julho de 2009)

Fonte: Revista Veja

FICÇÃO

1. A Cabana – William Young [ 1 42] SEXTANTE
2. Crepúsculo – Stephenie Meyer [ 3 56#] INTRÍNSECA
3. Lua Nova – Stephenie Meyer [ 2 37] INTRÍNSECA
4. Eclipse – Stephenie Meyer [ 4 23] INTRÍNSECA
5. Leite Derramado – Chico Buarque [ 6 13] COMPANHIA DAS LETRAS
6. O vendedor de sonhos – Augusto Cury – [ 7 49#] – ACADEMIA DA INTELIGÊNCIA
7. Os homens que não amavam as mulheres – Stieg Larsson – [ 8 7#] - SEXTANTE
8. Anjos e demônios – Dan Brown – [ 5 116#] - SEXTANTE
9. O caçador de pipas – Khaled Hosseini – [ 10 168#] – NOVA FRONTEIRA
10. A cidade do sol – Khaled Hossein – [ 0 65#] – NOVA FRONTEIRA
11. A menina que roubava livros – Markus Susak – INTRÍNSECA
12. O pequeno príncipe – Antoine de Saint-Exupéry – AGIR
13. O vendedor de sonhos e a revolução dos anônimos – Augusto Cury – ACADEMIA DA INTELIGÊNCIA
14. Marcada – P. C. Cast e Kristin Cast – NOVO SÉCULO
15. O senhor dos anéis-Edição completa – J. R. R. Tolkien – MARTINS FONTES
16. Formaturas infernais – Várias autoras – GALERA RECORD
17. O menino de pijama listrado – John Boyne – COMPANHIA DAS LETRAS
18. A menina que brincava com fogo – Stieg Larsson – COMPANHIA DAS LETRAS
19. Indignação – Philip Roth – COMPANHIA DAS LETRAS.
20. A caça de Harry Winston – Lauren Weisberger - RECORD

NÃO- FICÇÃO

1. Comer, rezar, amar – Elizabeth Gilbert [ 1 64] OBJETIVA
2. Mentes perigosas – Ana Beatriz Barbosa Silva [ 2 31#] FONTANAR
3. O clube do filme – David Gilmour – [ 6 2] - INTRÍNSECA
4. Marley e eu – John Grogan [ 3 140#] PRESTÍGIO
5. 1808 – Laurentino Gomes [ 5 89] PLANETA
6. Uma breve história do mundo – Geoffrey Blainey [ 5 74] - FUNDAMENTO
7. 1000 lugares para conhecer antes de morrer – Patrícia Shultz [ 10 46#] – SEXTANTE
8. Uma breve história do século XX – Geoffrey Blainey [ 8 31] - FUNDAMENTO
9. Resistência – Agnes Humbert – [ 9 ! 10#] – NOVA FRONTEIRA
10. Renato Russo – o filho da Revolução – Carlos Marcelo – [ 0 1] – AGIR
11. Gomorra – Roberto Saviano – BERTRAND BRASIL
12. Maioridade penal – Rogério Ceni e André Pilhal – PANDA
13. O crime do restaurante chinês – Boris Fausto – COMPANHIA DAS LETRAS
14. O ponto da virada – Malcolm Gladwel – SEXTANTE
15. A viúva Clicquot – Tilar J. Mazzeo – ROCCO
16. Dewey – Vicki Myron e Bret Witter – GLOBO
17. 1001 filmes para ver antes de morrer – Steven Jay Schneider – SEXTANTE
18. A grande história da evolução – Richard Dawkins – COMPANHIA DAS LETRAS
19. Vips – Histórias reais de um mentiroso – Mariana Caltabiano - JABOTICABA
20. Revolução na cozinha – Jamie Oliver – GLOBO

AUTO-AJUDA E ESOTERISMO

1. Cartas entre amigos – Fábio de Melo e Gabriel Chalita – [ 1 7] - EDIOURO
2. Quem Me Roubou de Mim? – Fábio de Melo [ 2 31] CANÇÃO NOVA
3. O Código da Inteligência – Augusto Cury [ 4 32] THOMAS NELSON BRASIL
4. Vencendo o passado – Zibia Gasparetto [ 3 29] VIDA E CONSCIÊNCIA
5. A Arte da Guerra – Sun Tzu – [ 10 63#] – VÁRIAS EDITORAS
6. O Monge e o Executivo – James Hunter – [ 0 227#] – SEXTANTE
7. Casais inteligentes enriquecem juntos – Gustavo Cerbasi – [ 6 158#] – GENTE
8. Família de alta performance – Içami Tiba – [ 9 2] – INTEGRARE
9. Gêmeas - não se separa o que a vida juntou – Mônica de Castro – [ 8 7] - VIDA & CONSCIÊNCIA
10. A cabeça de Steve Jobs – Leander Kahney – [ 0 19#] – AGIR
11. Espíritos entre nós – James Van Praagh – SEXTANTE
12. O ciclo da autossabotagem – Stanley Rosner e Patrícia Hermes – BEST SELLER
13. Nunca desista de seus sonhos – Augusto Cury – SEXTANTE
14. Salomão o homem mais rico que já existiu – Steven K. Scott - SEXTANTE
15. Os segredos da mente milionária – T. Hary Eker - SEXTANTE
16. Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes – Stephen Covey – BEST SELLER
17. O segredo – Rhonda Byrne – EDIOURO
18. A História – The Zondervan Corporation – SEXTANTE
19. O poder do agora – Eckhart Tole - SEXTANTE
20. A lei da atração – Michael J. Losier – NOVA FRONTEIRA

[AB#] – A] posição do livro na semana anterior
B] há quantas semanas o livro aparece na lista
#] semanas não consecutivas

Fontes: Balneário Camboriú: Livrarias Catarinense; Belém: Laselva; Belo Horizonte: Laselva, Leitura; Betim: Leitura; Blumenau: Livrarias Catarinense; Brasília: Cultura, Fnac, Laselva, Leitura, Nobel, Saraiva, Siciliano; Campinas: Cultura, Fnac, Laselva, Siciliano; Campo Grande: Leitura; Caxias do Sul: Siciliano; Curitiba: Fnac, Laselva, Livrarias Curitiba, Saraiva, Siciliano; Florianópolis: Laselva, Livrarias Catarinense, Siciliano; Fortaleza: Laselva, Siciliano; Foz do Iguaçu: Laselva; Goiânia: Leitura, Saraiva, Siciliano; Governador Valadares: Leitura; Ipatinga: Leitura; João Pessoa: Siciliano; Joinville: Livrarias Curitiba; Juiz de Fora: Leitura; Jundiaí: Siciliano; Londrina: Livrarias Porto; Maceió: Laselva; Mogi das Cruzes: Siciliano; Mossoró: Siciliano; Natal: Siciliano; Navegantes: Laselva; Niterói: Siciliano; Petrópolis: Nobel; Piracicaba: Nobel; Porto Alegre: Fnac, Cultura, Livrarias Porto, Saraiva, Siciliano; Recife: Cultura, Laselva, Saraiva; Ribeirão Preto: Paraler, Siciliano; Rio Claro: Siciliano; Rio de Janeiro: Argumento, Fnac, Laselva, Saraiva, Siciliano, Travessa; Salvador: Saraiva, Siciliano; Santa Bárbara d'Oeste: Nobel; Santo André: Siciliano; Santos: Siciliano; São José dos Campos: Siciliano; São Paulo: Cultura, Fnac, Laselva, Livrarias Curitiba, Livraria da Vila, Martins Fontes, Nobel, Saraiva, Siciliano; São Vicente: Siciliano; Sorocaba: Siciliano; Uberlândia: Siciliano; Vila Velha: Siciliano; Vitória: Laselva, Leitura, Siciliano; internet: Cultura, Fnac, Laselva, Leitura, Nobel, Saraiva, Siciliano

sábado, 27 de junho de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Preconceito sem sentido.

Coluna Jornalista do Sertão – Seu Pedro, crônica “Já ando em curto-circuito”.

Coluna Clássicos – Alcântara Machado, conto “A insigne Cornélia”.

Coluna Porta Aberta – Nelson Ascher, poema “Mais dia menos dia”.

Coluna Porta Aberta – Torquato Neto – poema, “Cogito”.

Coluna Porta Aberta – Belo de Souza, poema “Deus e o Mundo”.

Obs.: Se você for jornalista, atuar em qualquer área de Comunicação, ou for estudante dessas disciplinas e queira participar deste espaço, encaminhe seus textos para o editor do Literário: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Preconceito sem sentido

Qualquer tipo de preconceito, seja em relação a o que for, é nocivo e, portanto, condenável. O próprio significado da palavra já sugere o quão insensato e perigoso é esse comportamento. Preconceber alguma coisa é formar juízo sobre ela sem nenhum conhecimento prévio a respeito. Se, portanto, nos relacionamentos sociais é condenável, em Literatura descamba para a burrice explícita.
Há, neste vasto campo, objeto da nossa preocupação diária e razão de ser desta nossa revista eletrônica, inúmeros preconceitos, em especial a propósito de alguns gêneros. O alvo maior desse comportamento nocivo e sem sentido é a novela (embora a poesia também seja vista com maus olhos por muitos) e, por extensão, a dramaturgia em geral.
Inúmeros intelectuais, com empáfia e arrogância, torcem o nariz face a essa autêntica “mania nacional”, grande filão de audiência das emissoras de televisão, notadamente da Rede Globo. Alguns, acusam-na de disseminar maus-hábitos e comportamentos imorais entre as pessoas, principalmente as menos instruídas e mais imaturas, no caso, crianças e jovens. Bobagem!
Dizia-se o mesmo, por exemplo, no século XIX (e boa parte do século XX) a propósito do romance. Era comum, em colégios internos, professores proibirem expressamente aos alunos a leitura de livros desse gênero. Este Editor, inclusive, passou por esse tipo de constrangimento quando jovem.
Literatura não forja e nunca forjou comportamentos e muito menos os nocivos e atentórios à moral e bons costumes, como argumentam os moralistas de plantão. Limita-se a reproduzir a vida como ela é, ou como poderia (e às vezes deveria) ser.
Moralidade e imoralidade estão na cabeça das pessoas. Ademais, esse conceito varia com os tempos e gerações. Muita coisa que já foi tida como “imoral”, num passado não muito remoto, hoje é encarada como normalíssima e vice-versa. Em arte, não existe moralidade ou imoralidade (desde que a obra seja, de fato, artística). O que há é bom ou mau-gosto. Mas isso já é uma outra história...
A novela, aliás, é não somente alvo de preconceito, mas até um gênero de difícil caracterização, por ser limítrofe. Há quem, por exemplo, negue que sequer exista, caracterizando-a ou como um conto mais extenso, ou como um romance mais curto. Entendo, todavia, que essa é uma questão meramente acadêmica e sem nenhuma relevância para quem quer que seja. É o mesmo que discutir “sexo dos anjos” ou algo que o valha.
Defendo, sim, a difusão do gênero na televisão e, ao contrário dos seus detratores, vejo nisso até um benéfico efeito didático, num país em que a educação ainda é cheia de imperfeições e considerada “privilégio” de determinadas classes sociais. Ademais, cabe exclusivamente aos pais esclarecer os filhos sobre a natureza do que assistem na telinha, distinguindo o que é nobre, bom e saudável do que é vicioso, inoportuno e errado.
Há quem tenha a mania de achar que “todas” as pessoas são estúpidas, imaturas e tolas e que são influenciáveis pelas histórias mais simples e banais, que, na verdade, se analisadas com rigor e bom-senso, não passam de “água com açúcar” quando comparadas aos terrores, patifarias e taras da vida real. Idiotas da objetividade, por favor, deixem as pessoas sonhar!!!

Boa leitura.

O Editor.



Já ando em curto-circuito

* Seu Pedro

Quando a energia elétrica aumenta a tensão, o que eu noto pelo giro do ventilador cujas palhetas saem da brisa suave indo para um vendaval, ou pelas lâmpadas que clareiam mais e me trazem a impressão que vão estourar, a isto se chama “pico de energia”. Por ser assim, quando ela sai dos 220W, padrão aqui da Bahia, e vai para abaixo dos 200, eu pego o telefone e reclamo. E sei que está assim porque meu computador apaga, me fazendo perder crônicas, artigos e notícias, na maioria na finalização do texto. A minha taxa de glicemia sobe e eu saio do sério. Se isto acontecesse uma vez ao ano, menos mau. Mas há dias em que acontece tantas vezes que a cada hora me aborreço por um ano.

E isso acontece depois de haver levado para o conserto o estabilizador de computador, o que não pode ser consertado, após três dias consecutivos com o desce e volta da energia da Coelba, concessionária que atende pessimamente este sertão, ao ponto de haver deixado dezenas de cidades às escuras por dois dias, no fim de ano de 2007. Foi a queda de um poste da linha de transmissão. Imaginem se caem dois!

Irritado e com atitude de nada amigo, telefonei para reclamar. E não o faço pelo fone reclamação via 0800, pois a cada ordem da gravação para apertar a tecla de um número, e são tantas, o número de minha glicemia, causado por minha diabete emocional, sobe intoleravelmente. Ainda mais se a voz do outro lado disser: “Aguarde um minuto”, que comigo já chegou a vinte minutos, e quem sabe quanto seria se eu não houvesse desligado.

Foi mal para meu emocional telefonar para a gerência local quando do outro da linha um funcionário graduado da empresa, até amigo em algumas horas, vestindo a camisa surrada e apertada da empresa, tentou justificar: “Mas nem sempre é culpa da empresa, os moradores ligam muitos aparelhos...”. Antes que dissesse “ao mesmo” tempo deu vontade de lhe dizer uma feiúra verbal.

E para quê então servem os aparelhos?! Por isso, para que não me aleguem que não houve “pico”, eu, doravante, chamarei as quedas de voltagem de “buraco negro”. Aquele em que nada se vê, assim como não vemos algum bom atendimento na empresa, que só sabe mandar diretores a cada falha, tal como nas setenta e duas horas de breu.

Acho que, não só a mim, mas a muitos consumidores, a “vingança” chegou quando a Defensoria Pública do Estado denunciou o “estelionato da Coelba”, ou “golpe do seguro”, através do núcleo de Defesa do Consumidor. A justiça tem em mãos uma ação civil pública contra a empresa, por esta contrariar o código ao oferecer, em paralelo ao último extrato de consumo mensal, um seguro opcional de forma equivocada.

Agora é torcer para que, sem oscilações, aplique pesada multa, e que seja aumentada em dobro por seu descaso neste sobe e desce da energia, não só causando o prejuízo material, mas a perda pelo tempo parado, o agravamento das doenças dos diabetes ou das cardiovasculares, e ainda a chateação do preenchimento de tantos formulários e a longa espera pela indenização. Que saudades do lampião de querosene! Pena que ainda não inventaram um computador movido a tal combustível!

(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.




A insigne Cornélia

* Por Alcântara Machado

(Dona Cornélia Castro Freitas)

O sol batia nas janelas. Ela abriu as janelas. O sol entrou.
- Nove horas já, Orozimbo! Quer o café?
- Que mania! Todos os dias você me pergunta. Quero, sim senhora!
Não disse palavra. Endireitou a oleogravura de Teresa do Menino Jesus (sempre torta) e seguiu para a cozinha. O café já estava pronto. Foi só encher a xícara, pegar o açúcar, pegar o pão, pegar a lata de manteiga, pôr tudo na bandeja. Mas antes deu uma espiada no quarto do Zizinho. Deu um suspiro. Fechou a porta à chave. Foi levar o café.
- E a Folha.?
- Acho que ainda não veio.
- Veio, sim senhora! Vá buscar. Você está farta de saber...
Para que ouvir o resto? Estava farta de saber. Trouxe a Folha. Voltou para a cozinha.
- Aurora! Ó Aurora!
Pensou: essa pretinha me deixa louca.
- Onde é que você se meteu, Aurora?
Pensou: só essa pretinha?
Começou a varrer a sala de jantar. E a resolver o caso da Finoca. O médico quer tentar de novo as injeções. Mas da outra vez deram tão mal resultado. Será que não prestavam? Farmácia de italiano não merece confiança. Massagem é melhor: se não faz bem mal não faz. Só se doer muito. Então não. Chega da coitadinha sofrer.
- A senhora me chamou?
Tantas ordens. Esperar a passagem do verdureiro. Comprar alface. Não: alface dá tifo. Escolher uma abobrinha italiana, tomates e um molho de cheiro. Lavar a cozinha. Passar o pano molhado na copa. Matar um frango. Fazer o caldo da Finoca. Não se esquecer de ir ali no Seu Medeiros e encomendar uma carroça de lenha. Mas bem cheia e para hoje mesmo sem falta.
A indignação de Orozimbo com os suspensórios caídos subiu ao auge:
- Porcaria de casa! Não tem um pingo de água nas torneiras!
- Na cozinha tem.
Encheu o balde. Levou no banheiro.
- Por que não mandou a Aurora trazer?
- Não tem importância.
Pisando de mansinho entrou no quarto da Finoca. Ajeitou a colcha. Pôs a mão na testa da menina. Levantou a boneca do tapete. Sentou-a na cadeira.
Endireitou o tapete com o pé. Apesar de tudo saiu feliz do quarto da Finoca.
- Então?
- Sem febre.
- Não era sem tempo. O Zizinho já se levantou?
Deu de varrer desesperadamente. Orozimbo olhava sentado com os cotovelos fincados nas pernas e as mãos aparando o rosto. Os chinelos de Cornélia eram de pano azul e tinham uma flor bordada na ponta. Vermelha com umas cousas amarelas em volta. Antes desses que chinelos ela usava mesmo? Não havia meio de se lembrar. De pano não eram: faziam nheque-nheque. De couro amarelo? Seriam?
- Como eram aqueles chinelos que você tinha antes, hem, Cornélia?
- Por que você quer saber?
- Por nada. Uma idéia. Diga.
- Não me lembro.
Está bem. Levantou-se. Espreguiçou-se. Deu dois passos.
- Onde é que vai?
- Ver se o Zizinho está acordado.
Cornélia opôs-se. Deixasse o menino dormir, que diabo. Só entrava no serviço às onze horas. Tinha tempo. Depois a Aurora estava lavando a cozinha. Molhar os pés logo de manhã cedo faz mal. Quanto mais ele que vivia resfriado. Não fosse não.
- Vou sim. Tem de me fazer um serviço antes de sair.
Cornélia ficou apoiada na vassoura rezando baixinho. Prontinha para chorar. E ouvia as sacudidelas no trinco. E os berros do marido. Depois o silêncio sossegou-a. Recomeçou a varrer com mais fúria ainda.
Orozimbo entrou judiando do bigode. Deu um jeito no cós das calças e arrancou a vassoura das mãos da mulher.
- Que é isso, Orozimbo? Que é que há?
- Há que o Zizinho não dormiu hoje em casa e há que a senhora sabia e não me disse nada!
- Não sabia.
- Sabia! Conheço você!
- Não sabia. Depois ele está no quarto.
- A chave não está na fechadura!
- Então já saiu.
- E fechou a porta! Para quê, faça o favor de me dizer, para quê?
Então Cornélia puxou a cadeira e atirou-se nela chorando. Orozimbo andava, parava, tocava piano na mesa, andava, parava. Começava uma frase, não concluía, assoprava a ponta do nariz, começava outra, também não concluía. Parou diante da mulher.
- Não chore. Não adianta nada.
Depois disse:
- Grande cachorrinho!
E foi pôr o paletó.
Cornélia enxugou os olhos com as mãos. Enxugou as mãos na toalha da mesa. Ficou um momento com o olhar parado na Ceia de Cristo da parede. Muito cautelosamente caminhou até o quarto do Zizinho. Tirou a chave do bolso do avental. Abriu a porta. Começou a desfazer a cama depressa. Mas quando se virou deu com o Zizinho.
- Ah seu... Onde é que você andou até agora?
- Quem? Eu?
- Quem mais?
- Eu? Eu fui a Santos com uns amigos...
- Você está mentindo, Zizinho.
- Eu, mamãe? Não estou, mamãe. Juro. Vá jurar para seu pai.
Zizinho tirou o chapéu. Sentou-se na cama. Esfregava as mãos. Maria olhava para ele sacudindo a cabeça.
- Por que que a senhora mesma não explica para papai, hem? Faça esse favorzinho para seu filho, mamãe.
Disse que não e deixou o filho no quarto bocejando.
Orozimbo quando soube da chegada do Zizinho quis logo ir arrancar as orelhas do borrinha. Mas ameaça ir - resolve ir depois, resolve ir mesmo - precisa ficar por causa das lágrimas da mulher, precisa dar uma lição no pestinha - a raiva vai diminuindo: não foi. Seja tudo pelo amor de Deus. Depois se o menino virasse vagabundo de uma vez, apanhasse uma doença, fosse parar na cadeia, ele não tinha culpa nenhuma. A culpa era todinha de Cornélia. Ele, o pai, não queria responsabilidades.
- Você não almoça?
- Vou almoçar com o Castro. Eu lhe disse ontem.
- Tem razão.
- Mas não se acabe dessa maneira!
- Não. Até logo.
- Até logo.
Zizinho jurou que outra vez que tivesse de ir para Santos com os amigos avisava os pais nem que fosse à meia-noite. E Cornélia estalou uns ovos para ele. Estavam ali na mesa satisfeitos porque tudo se acomodou bem.
- A senhora não come?
- Não. Estou meio enjoada.
Finoca de vez em quando levantava um gemido choramingado no quarto e ela corria logo. Não era nada graças a Deus. Cousas da moléstia.
Antes de sair Zizinho fez outra promessa de cigarro aceso: assim que chegasse na Companhia iria pedir perdão ao pai. Daria esse contentamento ao pai.
Tudo se acomodou tão bem. Cornélia ajudada pela Aurora pôs a Finoca na cadeirinha de rodas.
- Mamãe leva o benzinho dela no sol.
Costurar com aquela luz nos olhos.
- Mamãe, leia uma história pra mim.
Livro mais bobo.
- É melhor você brincar com a boneca.
- Não, mamãe. Eu quero que você leia.
A formiguinha pôs o vestido mais novo que tinha e foi fiar na porta da casa. Fiar criança brasileira não sabe o que é: a formiguinha toda chibante foi costurar na porta da casa dela. O gato passou e perguntou pra formiguinha: Você quer casar comigo. formiguinha? A formiguinha disse: Como é que você faz de noite?
- Miau-miau-miau!
- Viu? Você já sabe todas as histórias.
- Mas leia, mamãe, leia.
A costura por acabar. Tanta cousa para fazer. Um enjôo impossível no estômago. A formiguinha preparou as iguárias ou as iguarias?
Aurora ficou toda assanhada quando viu quem era.
- Ó Dona Isaura! Como vai a senhora, Dona Isaura?
- Bem. Você está gorda e bonita, Aurora.
- São seus olhos, Dona Isaura! Muito obrigada!
O vestido vermelho foi furando a casa até o terraço do fundo. Não quis sentar-se Era um minuto só. Mexia-se. Virava de uma banda. De outra.
- Eu vim lhe pedir um grande favor, Cornélia.
Aurora encostada no batente da cozinha escutava enlevada.
- Vá fazer seu serviço, rapariga!
Não foi sem primeiro ganhar um sorriso e guardar bem na cabeça o feitio do vestido. Atrás principalmente.
- Você não imagina como estou nervosa!
- Mamãe como vai?
Vai bem. Mas não é mamãe não. É a Isaurinha. Você não pode imaginar como a Isaurinha está impertinente, Cornélia. É um horror! Quase me acaba com a vida! Hoje de manhã não quis tomar o remédio. E agora às duas horas tem que tomar justamente aquele que ela mais detesta. Só em pensar, meu Deus!.
Até Finoca sorria com a boneca no colo. Isaura abriu a bolsa e passou uma revista demorada no rosto e no chapéu levantando e abaixando o espelhinho.
- Titia está muito bonitinha.
Virou-se de repente, fechou a bolsa e fez uma carícia na cabeça da menina.
- Que anjo! Olhe aqui, Cornélia. Eu queria que você por isso me fizesse a caridade (olhe que é caridade) de dar daqui a pouco um pulo lá em casa. Isaurinha com você perto toma o remédio e fica sossegada. Tem uma verdadeira loucura por você, não compreendo!
Cornélia que estava implicando com a toalha de banho ali no terraço levantou-se, pegou a toalha, dobrou, chamou a Aurora, mandou levar a toalha no banheiro. Aurora foi recuando até a sala de jantar.
E você, Isaura, onde se atira?
- Eu? Ah! Eu vou, imagine você, eu tenho cabeleireiro justamente às duas horas. Mas você me faz o favor de ir ver a Isaurinha, não faz?
- E a Finoca?
Isaura deu logo a solução:
- Você leva na cadeira mesmo. Põe no automóvel.
- Que automóvel?
Pensou em oferecer o dinheiro. Mas desistiu (podia ofender, Cornélia é tão esquisita) e disse:
- No meu! Ele me leva na cidade, depois vem buscar vocês.
- Está bem.
Deixaram a menina no terraço e foram para o quarto de Cornélia. Isaura estava entusiasmada com a companhia de revistas do Apolo. Cornélia não podia imaginar. Que esperança. Nem Cornélia nem ninguém. Só indo ver mesmo. Era uma maravilha. Na última peça principalmente tinha um quadro que nem em cinema podiam fazer igual. Toda a gente reconheceu. Chamado No Reino da Quimera. Quando a cortina se abria aparecia um quarto iluminado de roxo (uma beleza) com uma mulher quase nua deitada num sofá e fumando num cachimbo comprido. Bem comprido e fino. Era um tango: Fumando Espero. Há? Que lindo, hem? Depois entrava um homem elegantíssimo com a cara do Adolfo Menjou. Mas a cara igualzinha. Uma cousa fantástica. Outro tango (bem arrastado): Se Acabaron los Otarios.
Cornélia passou a mão na testa, caiu na cadeira diante do toucador.
- Que é que você tem?
- Nada.
Um ameaço de tontura.
- Você não almoçou?
- Não. Nem cheiro da comida eu suporto..
Isaura olhou bem para a irmã. Teve pena da irmã.
- Será possível, Cornélia?
Levantou a testa da mão. Deixou cair a testa na mão.
Então Isaura não se conteve e começou a dar conselhos em voz baixa. Não fosse mais boba. Havia um meio. E mais isto. E mais aquilo. Não tinha perigo não. Fulana fazia. Sicrana também. Ela Isaura (nunca fez, não é?) mas se precisasse faria também, por que não? Ninguém reparava. Pois está claro. Religião. Que é que tem religião com isso? Estarem ali se sacrificando? Não.
Mas Cornélia ergueu o olhar para a irmã, fez um esforço de atenção:
- Não é o choro da Finoca?
Não era. Parecia que sim. Era sim. Não era. Era no vizinho.
- E então?
- Isso é bom para as mulheres de hoje, Isaura. Eu sou das antigas...
Insensivelmente a gente abaixa os olhos.
Está bem. Desculpe. Não se fala mais nisso. Até loguinho, Cornélia. Eu mando o automóvel já. Até loguinho. E muito obrigada, sabe:
A irmã já estava longe quando ela respondeu devargarzinho:
- Ora... de nada...



Deus e o Mundo

* Por Belo de Souza

Deus todo poderoso
Deu tanta beleza ao mundo
Fez o imenso e o profundo
Mar de tantas aventuras.

Fez os campos, os passarinhos
Para servir de enfeito
Deus fez tudo perfeito
Curtos e longos caminhos.

Fez as flores, as lindas plantas
Para delas eu cuidar
Deus fez coisa chega encanta
E o homem deve amar.

Fez a chuva. Oh! Que beleza!
Para a planta não morrer
Fez tudo com clareza
Enfeitou a natureza
Pra nela o homem viver.

Fez a luz, o sol brilhante
As montanhas, as lindas serras
Fez os rios gigantes
O Amazonas em nossas terras.

Deus todo poderoso
Ainda fez a criatura
Fez o livro majestoso
Que chamamos de escritura.

Depois de tudo feito
Deus apenas contemplou
E viu que tudo era bom
Então ele abençoou.

Deus o criador
Nós filhos devemos honrar
A Ele, o nosso amor
E ao seu mundo venerar.

* Poeta paraibano, autor do livro “Sentimento das horas”.



Cogito

* Por Torquato Neto

eu sou como eu sou
pronome.
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível.

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora.

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim.

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.

* Poeta

Mais dia menos dia

* Por Nelson Ascher

Coágulos de perda
de tempo, adiamento,
atraso e espera, ou seja,
minúsculas metástases

de caos se interpõem entre
— irrelevante qual
dos dois corre na frente
—a tartaruga e Aquiles

(o débito na conta;
no trânsito, a demora;
um ácido no estômago;
frente ao correio, a fila;

o mofo no tecido;
nos músculos, a inércia;
cupins na biblioteca;
sob o tapete, o lixo;

um óxido no ferro;
nas pálpebras, o sono)
e, como que aderindo,
à guisa de entropia,

ao âmago dos nervos,
embotam mais um pouco
o ritmo do arraigado
relógio biológico.

(Do livro “Algo de Sol”, Editora 34, São Paulo, 1996).

* Poeta

sexta-feira, 26 de junho de 2009


Leia nesta edição:

Editorial – Realidade dá baile na ficção.

Coluna Pássaros da mesma gaiola – Daniel Santos, crônica “Michael Jackson ou Shirley Temple”

Coluna Contrastes e confrontos – Urariano Mota, crônica “Final de Copa do Mundo”.

Coluna Do real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire – texto, “Pílulas literárias (X)”.

Coluna No sopro do Minuano – Rodrigo Ramazzini, conto “A vida de um desconhecido cronista”.

Coluna Porta Aberta – Clara dos Anjos, crônica “Impeça-me!”

Obs.: Se você for jornalista, atuar em qualquer área de Comunicação, ou for estudante dessas disciplinas e queira participar deste espaço, encaminhe seus textos para o editor do Literário: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


Realidade dá baile na ficção

O destaque desta edição é a oportuna crônica de Daniel Santos, que trata de uma das figuras mais fascinantes e ao mesmo tempo controvertidas do nosso tempo, o cantor e “showman” Michael Jackson, que morreu, ontem, nos Estados Unidos.
A carreira e, sobretudo a vida deste astro da música pop compõem um enredo tão dramático e surreal que nenhum escritor, por mais competente e criativo que fosse, conseguiria criar. Nem mesmo Franz Kafka faria uma história com as componentes de originalidade e absurdo como foi a deste cantor.
Daniel Santos traça, com argúcia e pertinência, um paralelo da vida desse fascinante personagem com a de Shirley Temple, a “menininha prodígio” de Hollywood, que encantou as platéias norte-americanas (e do mundo todo) na primeira metade do século XX, com suas peripécias, travessuras e, sobretudo, com seu precoce talento.
As crianças, todavia, crescem. E a garotinha travessa, que encantava as sensíveis mamães (hoje vovós, quando não bisavós) também cresceu. E embora tenha sido nomeada embaixadora dos Estados Unidos, transformou-se, na verdade, em figura caricata e obscura, muito distante do prodígio que foi em sua dourada infância.
Refletindo sobre a vida dessas duas personagens emblemáticas, é o caso de, com uma caveira nas mãos (como o Hamlet, de Shakespeare) repetir a surrada (mas sempre verdadeira) exclamação latina: “sic transit gloria mundi”. O papel principal da literatura, aliás, é exatamente o de suscitar reflexões, não importa se inspiradas em pessoas e ocorrências reais ou se em situações que sejam fruto exclusivo da imaginação e talento dos escritores.
Reitero o que não canso nunca de afirmar: somos testemunhas oculares do nosso tempo. Nossos textos, que não raro passam batidos dos olhares dos leitores desavisados, em um futuro nem tão remoto assim serão preciosos documentos de um período da história humana. É esse caráter documental que dá importância e validade àquilo que escrevemos.

Boa leitura.

P Editor.



Michael Jackson ou Shirley Temple?

* Por Daniel Santos

Os meninos brancos são mais felizes. Os meninos brancos bem vestidos são ainda mais felizes. Os meninos brancos bem vestidos e que tomam sorvete, esses nem se fala. Mas melhor mesmo é viver a infância!

A infância foi, no entanto, o que vetaram ao “virtuose” da talentosa família Jackson – esse tal Michael ... nem preto nem branco, nem criança nem adulto, nem homem nem mulher: ele, sim, metamorfose ambulante!

Viveu enclausurado na Terra do Nunca, a sua Neverland, na pífia fantasia de Peter Pan. Mas este era menino por pirraça existencial e que se negava a crescer, enquanto Michael, mesmo adulto já, vivia regredido.

Quanto mais velho, mais a voz esganiçava-se na vã tentativa de se convencer (mais que ao mundo) da própria pureza, e mal disfarçava o medo de que alguém lhe dissesse que a vida não é rosa, mas encardida.

Maior o medo, maior o grito ... que nunca foi de revolta. E como se revoltar, se tinha de renovar disfarces para escapar aos mortos-vivos de “Thriller” (todos lembram da obra-prima, claro) que lhe faziam o cerco?

Pois tanto correu dos monstros que ultrapassou a própria vida e, agora, não pode mais voltar. Sim, foi-se de vez! Pequeno e indefeso em excesso para suportar uma realidade que nunca entendeu, abdicou-se!

O mundo há de prantear essa perda; mais ainda os Estados Unidos, que assinalam uma relação metafórica com o grande astro: chega a hora de os americanos saberem que, por força da crise, terminou a bonança.

Nunca mais as mansões, os carrões ... Ah, nunca mais! Mas quem lhes dirá isso? Obama está tentando, mas o poder de convencimento depende da capacidade de autocrítica, de se aceitar um pouco menor.

Ou encara-se a iminência de uma nova ordem mundial, ou restará aos americanos a zanga dos pirracentos. Aí, em vez de Michael Jackson, veremos o prodígio Shirley Temple espernear numa fúria sem glórias.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.