quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)

LINHA DO TEMPO: Dez anos, oito meses e um dia de criação.

Leia nesta edição:

Editorial – Homens múltiplos.

Coluna De Corpo e Alma – Mara Narciso, crônica, “Corram, a casa pode explodir!”

Coluna Verde Vale – Urda Alice Klueger, crônica, “Fidel e eu”.

Coluna Em Verso e Prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema, “A quem”.

Coluna Porta Aberta – Delasnieve Daspet, poema, “Teu olhar”.

Coluna Porta Aberta – Alda Lara, poema, “Lago”.

@@@

Livros que recomendo:

“Poestiagem – Poesia e metafísica em Wilbert Oliveira” (Fortuna crítica) – Organizado por Abrahão Costa Andrade, com ensaios de Ester Abreu Vieira de Oliveira, Geyme Lechmer Manes, Joel Cardoso, Joelson Souza, Levinélia Barbosa, Karina de Rezende T. Fleury, Pedro J. Bondaczuk e Rodrigo da Costa Araújo – Contato: opcaoeditora@gmail.com  
“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Boneca de pano” - Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Águas de presságio”Sarah de Oliveira Passarella – Contato: contato@hortograph.com.br
“Um dia como outro qualquer”Fernando Yanmar Narciso.
“A sétima caverna”Harry Wiese – Contato:  wiese@ibnet.com.br
“Rosa Amarela”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br
“Acariciando esperanças”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br   
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br



Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.



  

Homens múltiplos

  

O escritor espanhol Antônio Gala, em entrevista publicada pelo jornal "O Globo", em 11 de julho de 1993, disse que "o homem tem compartimentos estanques em sua alma: um quarto dedicado ao trabalho, outro à casa, outro a seus amigos, outro ao amor ou às suas aflições". Somos, portanto, múltiplos, com comportamentos e reações diferentes, adequados (ou pelo menos adaptados) a cada ocasião. Daí não ser estranhável a mudança de estilo de um intelectual que lide com textos, seja ele literato ou jornalista, não importa.

Fernando Pessoa, por exemplo, levou às últimas conseqüências essa multiplicidade, com seus heterônimos. O escritor português afirmou o seguinte a respeito: "Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhum e está em todas".

O incrível, nesse magnífico intelectual, é que para cada pseudônimo que adotava, para divulgar suas idéias, criava uma personalidade própria. Fazia surgir outra pessoa. Alterava, inclusive, o estilo, de sorte que, se não tivesse vindo a público que se tratava do mesmo indivíduo, leitor algum jamais iria desconfiar.

Em outro texto, tenta explicar o que o levou a agir assim. "Sendo nós portugueses, convém saber o que é que somos. Adaptabilidade, que no mental dá a instabilidade, e portanto a diversificação do indivíduo dentro de si. O bom português é várias pessoas (...) Nunca me sinto tão portuguesmente eu como quando me sinto diferente de mim – Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa e quantos mais haja".

Eu, embora não sendo de descendência lusitana (sou filho de russos), e não tendo sequer ínfima migalha do talento de Pessoa (antes tivesse), também me sinto multidão. Vários Pedros coabitam em minha mente. Elaboram os meus textos, variando de estilos e colocações. Analisam a vida e meus companheiros de jornada nesta curta aventura do existir, com visões e enfoques contraditórios. São um poço de contradições. Cada um desses Pedros disputa parcela maior de espaço, de prestígio, de renome, buscando o centro do palco da vida. Uns são vaidosos, outros inseguros, outros alienados e assim por diante.

Daí, inclusive, esta guinada em minha carreira, que talvez me seja prejudicial. Um desses múltiplos, possivelmente o mais desequilibrado deles, venceu a competição. Aposentei (por quanto tempo não sei) o comentarista político, o jornalista azedo e mal-humorado, inconformado com mazelas, loucuras e corrupções que freqüentam as manchetes da imprensa, para investir no trivial, no banal, no não noticiável, no lado mais ameno da vida.

É possível que esta faceta não interesse a ninguém. Pode ser que os leitores, que generosamente me suportaram por décadas, deixem de me prestigiar. Mas este outro Pedro é um malabarista. Está acostumado a riscos e disposto a corrê-los. É habituado a fazer piruetas na corda-bamba.

Decidi escrever crônicas... O Pedro articulista deixou o palco central em 1998. O Pedro cronista assumiu o seu lugar, esperando contar com a mesma paciência, generosidade, complacência e até cumplicidade dos leitores que seu antecessor contou.  Terei talento para encarar um gênero tão complexo? Afinal, não sou nenhum Rubem Braga ou algo que o valha. Pablo Picasso disse: "Nasço a cada dia". Também me sinto assim. E quero que o meu texto reflita esse deslumbramento diário, com um mundo diariamente novo para mim, como se estivesse entrando em contato com ele sempre pela primeira vez.

Foi um risco muito grande realizar essa mudança tão dramática, numa fase complicada da minha vida em que eu já era, digamos, um homem "um pouco maduro demais". Imaginem agora, com 18 anos a mais. Mas, como escreveu Vincent Van Gogh em carta a seu irmão Theo, quando não havia conseguido vender um único dos seus quadros (em vida foi um fracasso): "...Quero chegar ao ponto em que digam da minha obra: este homem sente profundamente, e este homem sente delicadamente". Esta, pelo menos, é a intenção do Mister Peter Hyde que existe em mim. Não posso prever, todavia, o que fará o malvado Doutor Peter Jekyll...

Boa leitura!

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk


Corram, a casa pode explodir!


* Por Mara Narciso


A maioria das casas tem seus botijões de gás trocados pelas distribuidoras na hora em que acabam, e o gás findado na hora do almoço (claro, o gás desligado não acaba), deixa as famílias esperando com fome. A maioria usa o botijão de 13 kg, que contém propano (chama azul, queima primeiro) e butano (chama amarela, queima por último), sendo 85% na forma líquida – por ser colocado no botijão sob pressão – e 15% na forma gasosa. Não se deve deitar o botijão, pois a forma líquida que fica na parte de baixo pode causar acidentes graves. Muitas vezes vi Milena, a minha mãe, usar álcool e fogo dentro de tampa de leite em pó sobre a trempe para terminar o almoço. Eram comuns leves vazamentos, verificados com bolhas de sabão, sendo preciso retirar a válvula e recolocá-la, pois a espiral da rosca do botijão (ou bujão) poderia estar em desacordo com a rosca da válvula do fogão. Essa providência resolvia quase todos os casos.

Quando menina, presenciei um incêndio em um depósito de gás no centro da cidade. Os botijões subiam como foguetes e eram vistos de longe. Uma vez houve um vazamento de gás na cozinha de minha mãe, durante a noite, e quando Du, a cozinheira, acionou o interruptor de luz houve uma explosão, que por pouco não a matou.

Há doze anos, numa noite de sábado, meu então marido trocava o gás, quando, ao puxar o novo botijão para o lugar, um desnível no chão fez o artefato tombar, bater na parede e romper o cano abaixo do regulador de pressão e acima da borboleta. O gás saiu em borbotões na forma líquida, como um repuxo. Estava dentro da cozinha, com vários aparelhos ligados, então, após empurrar o botijão parcialmente para a área externa, corremos ele, meu filho e eu para fora, e de lá ligamos para o Corpo de Bombeiros que orientou desligar o relógio de luz (estava inviolável e tivemos de arrombá-lo com uma faca do vizinho) e ficar na rua até o gás acabar. Depois chegaram paramentados os soldados do fogo. O botijão, que ainda vazava, foi colocado para fora da casa. Quando acabou, abrimos tudo para arejar e dissipar o gás mais rápido. O local estava irrespirável. Ligamos ventiladores, mas a casa ficou impregnada por muitas horas.  Na verdade, o gás de cozinha é inodoro, mas por ser venenoso, recebe componentes a base de enxofre para que sirva de alerta nos vazamentos.

Novembro de 2016: depois de meio dia e meia, a cozinheira precisou trocar o gás, e na troca surgiu um vazamento. Geny retirou e tentou recolocar a válvula, mas aconteceu uma súbita e imensa saída de gás, às golfadas, como uma água saindo da mangueira, o que a fez soltar um grito de pavor. Chamei a todos e saímos correndo, ela, meu filho e eu, desligando tudo e indo para fora. (Soube depois que só se deve desligar a chave geral se ela estiver do lado de fora da casa, e não se podem ligar ventiladores, durante o vazamento). Avisamos os vizinhos laterais. Alguns saíram com as crianças. Do outro lado da rua sentíamos o cheiro e ouvíamos o chiado característico.

O gás doméstico é mortal, explosivo e inflamável diante de qualquer fagulha, por isso não se deve usar nada metálico para bater e apertar a borboleta. O Corpo de Bombeiros disse que só viria caso pegasse fogo. Quando reduziu o barulho e o gás estava no fim (quase duas horas), chamamos o fornecedor que trocou o botijão, pegou o que veio com problema, cuja cor azul estava branca, coberta com uma carapaça de gelo e ensinou que, se acontecer um grande vazamento, como foi o caso, é preciso ter calma, enfiar uma chave de fendas no buraco do botijão, girar duas vezes para acionar a válvula de segurança, e parar o vazamento.

Voltamos, ventilamos a casa, esperamos o almoço, e tivemos um final feliz, porém contaminamos a atmosfera, mais uma vez. Poucos conseguirão ter sangue frio para tentar parar a saída do gás. Não será o meu caso.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



Fidel e eu



* Por Urda Alice Klueger


Na minha vida já fui mais de uma vez a Cuba, aquela ilha paradisíaca, mas lá só o vi pela televisão. Estive muito próxima dele fisicamente foi aqui no Brasil, naquele primeiro de janeiro em que um operário assumia, pela primeira vez, o cargo de presidente do Brasil. Eu estava dentro daquela multidão estimada em 200.000 pessoas que, espalhada pela Esplanada dos Ministérios, viera de todos os cantos do país para ver aquele acontecimento quase milagroso. Viajara num daqueles ônibus bate-volta que arfava de cansaço e que levou umas 30 horas para chegar até lá, ônibus bastante milagroso, também, pois foi nele que conheci a companheira Gina Couto, a mais guerreira das uruguaias e que um dia adotou o mundo como sua pátria grande. Há que falar da Gina, neste momento, lembrando que ela partiu faz tão pouco tempo!

Era aquele o tempo em que não se tinha medo de ser feliz, quando os muitos ônibus que enveredavam para Brasília vindos de todos os lados se encontravam nas paradas ou postos de gasolina e todos os que viajávamos éramos irmãos e nos abraçávamos, porque um tempo novo chegara e era a vez de se acreditar no futuro. E na tarde daquele primeiro de janeiro, lá na Esplanada dos Ministérios, pudemos ver, pela primeira vez, como os sonhos eram possíveis, quando nosso presidente operário assumiu – de quebra, pela primeira vez na vida estive assim tão perto de Fidel, que lá também estava e que até saiu por um momento para fora do palácio, para abanar para nós! Pelas minhas contas ele, então, estaria com 77 anos.

Lembro tão bem dos tempos seguintes em que nós, amigos, fizemos tantos planos para estar em Havana quando ele fizesse 80 anos... Penso, agora, que já não lembro o que nos impediu de ir ao aniversário mais ilustre que poderia ter ido, e também lembro que ele adoeceu pouco antes – com mais de 600 atentados contra sua vida no curriculum, não é estranho pensar que alguém fez alguma coisa para impedir que ele chegasse aos 80 – mas ele sobreviveu.

Na verdade, por todo o tempo ele esteve presente na minha vida e muitíssimo a influenciou, mesmo quando eu era uma recém-nascida e ele já era um político que concorria a um cargo de deputado, em eleição que foi cancelada, mas começando assim a dar seus passos para fazer diversas mudanças no planeta e a levar muitíssima gente a poder acreditar que um mundo melhor é possível.

Fui reencontrá-lo bem de perto quando fez 90 anos e traduzi um texto de Hernando Calvo Ospina, jornalista do Le Monde Diplomatique de Paris, que tivera, anos antes, a ventura de encontrá-lo de verdade e no momento mais inesperado. Foi uma das traduções mais saborosas que fiz na vida (Eu, o rum e o Comandante), onde o autor deixa aflorar o lado mais humano que se possa imaginar desse ícone da História.

E eu cá e ele lá, era ele como um norte para a minha caminhada, a bússola na minha mão tantas vezes incerta, o traçado de rumo da minha embarcação frágil – li tantas coisas que escreveu, tantas das suas reflexões, quantas vezes me abriu os olhos e me fez ver o que eu não enxergava sozinha – e na última madrugada ele partiu. Só o soube hoje pela manhã, e como chorei, então, como chorei... Não foi nem de dor, mas de pena, pois como posso pensar que agora o mundo já não tem a ele? Como ficará o mundo agora?

Ouvi mais de um companheiro, hoje, dizer que é o fim de uma era, que com ele acaba-se um tempo e o mundo começará novo ciclo. Quero crer que será um ciclo do Bem, pois ele partiu, mas deixou os atos, os fatos, as reflexões, a sua lucidez ímpar, a raridade da sua inteligência incomparável, a grandeza da sua ternura...

Boa viagem, Comandante! A Gina deve estar por aí para lhe dar a mão! Hasta la vitória siempre!

FIDEL Y YO
                                  
Urda Alice Klueger (Brasil)

Traducción: Luis Angel Ramil (Argentina)
En mi vida ya fui más de una vez a Cuba, aquella isla paradisiaca, aunque allá solo lo vi por televisión. Mas estuve físicamente muy próxima a él, aquí en Brasil, en aquel primero de enero en que un obrero asumía por primera vez la presidencia del Brasil. Yo estaba dentro de aquella multitud estimada en doscientas mil personas, que respaldadas por la explanada de los ministerios que veo desde todos los rincones del país para ver aquel acontecimiento casi milagroso. Viaje en uno de aquellos autobuses vuelteros, que bufaba de cansancio y que tardo unas 30 horas en llegar hasta allá. Autobús bastante milagroso también, porque fue en el que conocí a la compañera Gina Couto, la más guerrera de las uruguayas que un día adopto al mundo como su patria grande. Debo hablar de Gina, que partió hace tan poco tiempo!


Era aquel tiempo en que no se tenía miedo de ser feliz, cuando la multitud de autobuses venidos desde todas partes y marchaban a BRASILIA se encontraban en los puestos de gasolina y quienes viajábamos en ellos, éramos hermanos, y nos abrazábamos porque un tiempo nuevo llegara y podíamos creer en el futuro. En la tarde de aquel primero de enero, en la explanada de los ministerios, pudimos ver por primera vez como los sueños eran posibles. Cuando nuestro presidente obrero asumió de hecho por primera vez estuve así tan cerca de Fidel, quien allá también estaba, y hasta salió por un momento del palacio para saludarnos. Según mis cuentas, el estaría en los 77 años.

Recuerdo también los tiempos siguientes en que nosotros, unos amigos y yo hicimos tantos planes para estar en la Habana a sus 80 años. No recuerdo ahora que nos impidió ir a la Habana en aquella época, al cumpleaños más ilustre que podría haber ido. Recuerdo también que poco antes él empezó a padecer de algunas dolencias – con más de 600 atentados contra su vida en su currículo, no es extraño pensar que alguien hiciera alguna otra cosa para evitar que llegara a esa edad - pero él sobrevivió y la excedió.

La verdad es que por todo el tiempo él estuvo presente en mi vida y la influencio muchísimo. Incluso cuando yo era recién nacida él ya era un político que habia concurrido a una elección para diputado en una elección que fue cancelada. Sin embargo fue así que empezó a dar los pasos para cambiar diversas cosas en el planeta y hacer que muchísima gente creyera que hacer este mundo un lugar mejor, era posible.
                                 
Fui a reencontrarlo bien de cerca cuando cumplió los 90 años y traduje un texto de Hernando Calvo Ospina, periodista de Le Monde Diplomátic de París, que tuvo años antes la suerte de encontrarlo de verdad y en el momento más inesperado. Fue una de las traducciones más sabrosas que hice en mi vida (Yo, el ruhm y el Comandante) donde el autor deja aflorar el lado más humano que se pueda imaginar de ese icono de la Historia.

Y yo aquí y el allá, era como un norte en mi camino. Él puso en mis manos inciertas, el trazado del rumbo de mi frágil embarcación. Leí tantas cosas que escribió, tantas de sus reflexiones…cuantas veces abrió mis ojos y me hizo ver lo que yo no podía percibir sola.
Y en la última madrugada partió, yo lo supe esta mañana…y como llore, entonces…como llore... No fue de dolor, fue de pena, porque como puedo pensar que ahora el mundo no lo tiene…como quedara el mundo ahora?

Oí hoy a mas de un compañero decir que era el fin de una era, que con él se acaba un mundo y empieza otro ciclo. Quiero creer que será un ciclo de bien, pues al partir dejó sus palabras, su ejemplo, sus reflexiones, su lucidez sin par a la vez que su rara inteligencia y la grandeza de su ternura.

Buen viaje, Comandante! La Gina ya debe estar por ahí para darte una mano. HASTA LA VICTORIA SIEMPRE !

Enseada de Brito, 26 de noviembre de 2016.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).


A quem


* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral


Não pedi teto
não pedi chão.
Se me águas
me assanho
fico prosa
crente que já
sou flor.
Anda primavera!
Faz a tua parte
me revela em
partes, me desmancha
em cor.

* Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário


Teu olhar


* Por Delasnieve Daspet


Na folha em branco,
Palavras escritas,
Em vermelho sangue, ferida!

Na sepultura dos sonhos,
Enfrentando as lutas,
Deixo-me morrer
Frente a frente aos seus olhos,
Sem jamais te alcançar.

No azul das algas salgadas,
Nas tormentas e marés calmas,
Lá longe, castanho, severo,
Brilha o teu olhar!

* Poetisa e advogada


Lago


* Por Alda Lara


Todo o meu ser
é um lago fundo e doce…

Por onde passeiam barcos
com meninos…

namorados que se beijam
em noites sem destino…

e também tu! Oh belo solitário
inesquecível…

Todo o meu ser é um lago
doce e fundo…

onde a tristeza,
é uma ansiosa e definível
aspiração…


* Poetisa angolana.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Literário: Um blog que pensa

(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)

LINHA DO TEMPO: Dez anos e oito meses de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Cabeças pensantes.

Coluna À flor da pele – Evelyne Furtado, poema, “Enluarada”.

Coluna Observações e Reminiscências – José Calvino de Andrade Lima, trecho de livro, “Ah, os menosprezos!”.

Coluna Do real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire, conto, “Magritte ‘la magia nera’”.

Coluna Porta Aberta – André Luís Aquino, crônica, “Tico e Teco”.

Coluna Porta Aberta – Yeda Prates Bernis, poema, “Libertação”.

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Livros que recomendo:

“Poestiagem – Poesia e metafísica em Wilbert Oliveira” (Fortuna crítica) – Organizado por Abrahão Costa Andrade, com ensaios de Ester Abreu Vieira de Oliveira, Geyme Lechmer Manes, Joel Cardoso, Joelson Souza, Levinélia Barbosa, Karina de Rezende T. Fleury, Pedro J. Bondaczuk e Rodrigo da Costa Araújo – Contato: opcaoeditora@gmail.com  
“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Boneca de pano” - Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Águas de presságio”Sarah de Oliveira Passarella – Contato: contato@hortograph.com.br
“Um dia como outro qualquer” Fernando Yanmar Narciso.
“A sétima caverna” Harry Wiese – Contato:  wiese@ibnet.com.br
“Rosa Amarela”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br
“Acariciando esperanças”Francisco Fernandes de Araujo – Contato: contato@elo3digital.com.br   
“Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br




Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

 


Cabeças pensantes


Os líderes nacionais que conduzem os seus povos às guerras deveriam se conscientizar da gravidade de seus atos. Precisariam ter noção das desgraças que vão causar. Deveriam entender (mas não entendem) a real natureza do poder que lhes é outorgado. Necessitariam ter em mente o todo, e se conscientizar que o período que vivem é mero segmento de algo muito maior, infinitamente mais amplo, que é o eterno.

Não há glória alguma em destruir, causar dor, matar. E nem há ciência.. Na verdade, não somos nada. Somos menos do que um piscar de olhos na eternidade. E, no entanto, alguns de nossos atos têm um alcance tão grande, que continuam a produzir efeitos através dos anos. Às vezes, até por séculos, muito tempo depois da nossa extinção como pessoas.

As sociedades, desde tempos imemoriais, sempre precisaram de líderes, de cabeças pensantes, de pessoas muito especiais, dotadas de iniciativa, com capacidade inata de comunicação e talento, para guiá-las. Em cima dessa necessidade é que se estruturaram as hierarquias –  desde as familiares (nos clãs), às tribais e posteriormente comunitárias e nacionais.

Como ocorre com todos os animais, possivelmente até por questões genéticas, alguns indivíduos nascem com aptidões maiores do que outros. São os que normalmente constituem as elites. Quando não, se transformam em rebeldes, em contestadores, em questionadores que não se submetem ao status vigente. São os revolucionários, fatores essenciais de mudanças, para o bem e para o mal. A maioria da humanidade, no entanto, é integrada por pessoas comuns. É composta pelos que são incapazes de iniciativas ousadas ou de juízos mesmo que rudimentares.

Os grupos de pessoas, a que se convencionou denominar de “massa”, constituem, sem dúvida, forças descomunais, que tanto podem ser sumamente destrutivas, quanto construtivas. Para adquirirem a segunda (e desejável) característica, carecem de uma liderança segura, sábia, lúcida e honesta. Portanto, são sempre indivíduos (jamais o coletivo) que se tornam os verdadeiros cérebros desses amorfos grupamentos.

Morris West, no romance “O Embaixador”, faz essa constatação através de um dos seus personagens: “O segredo da vida, da sobrevivência e da melhoria está no indivíduo e não na massa. Assim, o que tiver de ser feito para melhorar o seu trabalho, ou o de qualquer outra pessoa, deverá ser feito por intermédio do íntimo dos indivíduos”. Há, até, uma disciplina que estuda o comportamento das pessoas quando em grupos: a “Psicologia das Massas”. Portanto, busque sempre no seu interior as soluções para os seus problemas e os da sua comunidade.

Os homens criativos, que têm algo a acrescentar aos grupos que integram, desde seu restrito e particular núcleo familiar à própria e gigantesca família humana, precisam contar não com uma, duas, cinco, dez ou cem "sementes", ou seja, idéias, valores e princípios norteadores de ações. Devem ter milhares delas, para espalhar por todas as partes.

Jesus Cristo, em uma de suas mais profundas parábolas, tratou desse tema. Destacou as dificuldades das mensagens espalhadas frutificarem, em virtude do "solo" (no caso a mente das pessoas que são alvos do que se pretende semear) muitas vezes não ser propício. Os tíbios, os egoístas e os acomodados, mesmo que semeiem ideais, quase sempre fracassam. E o insucesso deve-se à insuficiência de sementes. Basta que estas caiam em lugar errado para que seu empenho acabe sendo vão. Desistem. Ou querem colher frutos pessoais mesmo onde estes não existam e sejam impossíveis de existir.

O ser humano conquistou o átomo, embora não tenha feito sempre o melhor uso dessa ciência. Descobriu e mapeou os códigos genéticos, responsáveis pelas características de todos os seres. Aprendeu a duplicar animais e vegetais. O casal primitivo desobedeceu o Criador e comeu o fruto da Árvore do Bem e do Mal, como se vê. Perdeu a inocência original, embora conquistasse o potencial de saber de tudo. Ou quase tudo. Só um conhecimento, e para o seu próprio bem, lhe foi vedado e para sempre: O do mistério da essência da vida. Caso o conhecesse, provavelmente conduziria à extinção da espécie.

A modernidade, nos dias que correm, é confundida, via de regra, com permissividade, com a ruptura de todos os freios morais, que construíram as civilizações (que, bem ou mal, pelo menos se mantêm). Enquanto uma pequena parcela da humanidade usufrui as “delícias” de um consumismo desregrado e perdulário, a grande maioria passa fome. Enfrenta privações de toda a sorte, sem saber como será o amanhã, que talvez nem mesmo venha a ter.

As pessoas, no processo acelerado de massificação pelo qual o mundo passa, sequer param para pensar qual a razão de suas existências. Não especulam (salvo exceções, naturalmente) acerca do que estão fazendo sobre a face da Terra. Em suma, não se entendem e nem procuram se entender. Não se estimam e nem se desestimam. Vivem porque vivem, e pronto! E se não têm um grau de estima genuíno por si próprias... não podem, jamais, sentir qualquer coisa de realmente profundo pelos outros. São “massa” e sentem-se perdidas, desgovernadas e sem rumo na ausência de líderes conscientes, sábios, honestos e, sobretudo íntegros.

Boa leitura!

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk


Enluarada


* Por Evelyne Furtado


E esse querer-não-poder
Que mata meu serenar
De onde vem meu senhor?
Ainda pergunta, minha filha
Dele se esquece e olha o céu,
Pois hoje teu não serenar
Quase todo vem do luar.


* Poetisa e cronista de Natal/RN
Ah, os menosprezos!

* Por José Calvino


No Morro o calor era grande. Chuviscava e, de vez em quando, ventava. À observação de minha companheira, a quem chamavam de Conceição, perguntando se estava ouvindo “Conceição”, na voz de Cauby, não consegui responder. Fiquei calado por alguns minutos, até que uma sua amiga com voz alta recitou melodiando “Viver Morro”. Ouviu-se de pronto uns tiros de arma de fogo e gritos.
- Minha Nossa Senhora! – exclamou Conceição, ferida. – Não é bala perdida!

A sua amiga continuou recitando “Balas perdidas”:

Balas perdidas,
Polícia ou Favela?

A maioria das vítimas é gente humilde e trabalhadora...

Do Morro, eu gostava de ver da janela gradeada do botequim da Mira, a linda paisagem. Do lado de fora, uma ambulância esperava. Subimos para o socorro de urgência e, com a sirene ligada a todo volume, descemos o Morro pela contramão até o Hospital da Restauração. No leito do hospital ela dormiu e sonhou, alguns, que se tornaram realidade na vida:

“Com a chegada do Natal, os poderosos conseguem fazer um festival de hipocrisia, aos quatro cantos do planeta, com festividades gigantescas... Mandam mensagens natalinas e cristãs... Bilhões de dólares são derramados com gastos militares, apesar da miséria absoluta dos países latinos e africanos...”

“- Morri! – pensou, mas no mesmo instante se via ora sentada, ora de cócoras. As luzes das janelas dos edifícios, para Conceição eram como as das favelas, tão distantes. Ela ouvia várias intermitentes sirenes das viaturas das polícias Civil e Militar abertas e buzinando descontroladamente, com luzes vermelhas e azuis enfileiradas nas duas subidas do Morro. As escadarias, cheias de imundícies: merda, lixo, vômitos... um homem louco, ora parecido com um padre, ora parecido com um militar.

Como padre: ‘Em nome do Pai, do filho e do Espírito Santo, amém...’.

Como militar: ‘Todos ladrões, assassinos, bandidos, vagabundos, todos, todos... o lugar é na cadeia’.

Sobem as escadarias vários padres, militares, mendigos, operários, catadores de lixo, prostitutas, cegos tateando, todos pisando nos dejetos, vômitos, alguns caindo de escadaria abaixo... Vozes: ‘É um inferno!’”

Como era de costume, os jovens conversavam entre si. Na Era do Rádio ouvia-se muito na voz de Dalva de Oliveira, a música de Herivelto Martins:

“Se o doutor subir lá na favela
vai ver coisas de cortar o coração
barracos caindo
crianças chorando
pedindo pedaço de pão”.

E ainda:

“Barracão de zinco
pendurado lá no morro
pedindo socorro
lá no céu...”

As autoridades nunca olharam e nem subiram os morros durante décadas, e hoje o que vemos? Aonde iremos nós?

Ouve-se “Conceição”, na voz de Cauby:

“Conceição
Eu me lembro muito bem
Vivia no morro a sonhar
Com coisas que o morro não tem...
Se subiu
Ninguém sabe, ninguém viu
Pois hoje o seu nome mudou
E estranhos caminhos pisou...”

Muitas vezes perguntei a mim mesmo, como é possível aos moradores do Morro como Conceição suportarem os menosprezos daquela vida? Certa vez, eu a fiz dizer o por quê de querer mudar seu nome.
A maioria dos jovens, após ouvirem “Conceição”, fica a imaginar como será a vida no Morro.
- Por onde anda Avagina?
- Se mudou e nunca mais voltou.
- Dizem que está no Rio, e mudou de nome. Se fosse erro de grafia não precisava de advogado...

O seu pai assistia filmes o tempo todo. Chamavam-no de “mago-da-tela”, porque ele sabia os nomes dos artistas de cinema de cor: Marlon Brando, Humprhey Bogart, Cornel Wilde, Victor Mature, John Wayne, Robert Taylor, Alan Ladd, Gary Cooper, Errol Flynn, Tyrone Power, Gregory Peck, Paul Newman, Charlton Heston, Burt Lancaster, Arturo de Córdova... Marilyn Monroe, Sofia Loren, Elisabeth Taylor, Grace Kelly, Dorothy Lamour, Ingrid Bergman, Greta Garbo, Ava Gardner e Gina Lolobrígida... E foi em homenagem às artistas de cinema Ava Gardner e Gina Lolobrígida que seu pai registrou-a em cartório como Avagina. Ava, de Ava Gardner e Gina, de Gina Lolobrígida. (Risos)
- Estão dizendo que ela é candidata a deputada federal...
- Avagina – Avagina – diziam em coro – Avagina...

Nota:

O final desse texto foi extraído do livro: “Drogas & Crimes”- Capítulos XVII, pp. 52-3 e XXIII, p. 86.

*Escritor, poeta e teatrólogo.