Está
tudo censurado
*
Por Mara Narciso
Cinco
colegas no colégio, com treze anos de idade, saíram do centro da
cidade, onde os cinemas passavam filmes proibidos para menores de 18
anos e foram ao matiné no bairro. Decidiram arriscar e ver a fita
censura 14 anos. Todas passaram pelo “olhômetro”, um avaliador
de idade do porteiro, mas a mais velha delas, a um mês de completar
os anos exigidos pelo cartaz, foi barrada no baile. Felizmente, em
solidariedade a ela, as amigas desistiram, foram tomar sorvete e
depois voltaram para casa.
Quem
vê como positivas as características autoritárias da Ditadura
Militar, que duraram 21 anos – 1964 a 1985 -, e pensa que naquele
governo não houve corrupção, precisa se lembrar que a censura
vetava vir a público fatos desfavoráveis. A maquiagem ou a mentira
completa fazia o feio parecer bonito. O lápis vermelho e a tesoura
dos censores amputavam obras de arte, cortavam letras de músicas,
falas inteiras em peças de teatro e filmes, capítulos de novela ou
uma novela inteira (Roque Santeiro, de Dias Gomes, já com vários
capítulos gravados, foi engavetada pela censura, retornando em
1985), jornais e revistas eram caçados nas bancas. Cortes obrigavam
jornais a preencher o vazio com receitas. Uma edição da revista
Realidade, que trazia fotos médicas de um parto foi recolhida.
Alguns exemplares foram comercializados e viraram peças valiosas. As
matérias da revista Playboy americana eram publicadas na revista
Homem. As fotos de mulheres nuas não tinham tarjas pretas, mas
vinham borradas nos seios e na genitália. O regime proibia uma
pessoa adulta de ver um corpo nu. Isso em nome da moral e dos bons
costumes. Torturar e matar brasileiros não eram considerados
imorais. Diante da ocultação de cadáveres, esconder documentos
comprometedores foi rotina.
Cada
um tem a sua censura pessoal. Até para se lembrar de sonhos há um
bloqueio interno. A pessoa sonha e veta algum fato que não aprovaria
acordado. Simplesmente não se lembra. Caso cada um se lembrasse de
todos os seus sonhos, pensaria bem de si mesmo? Os maus pensamentos
são proibidos pelas religiões, e elas, mais do que as normas
sociais e legais seguram o pensar e as vontades. Muitos rejeitam as
próprias escolhas levados pelos preceitos religiosos, que castram,
podam, cerceiam, direcionam, teoricamente em nome de Deus e do bem.
Nisso a exclusão das outras religiões é emblemática. Quem reza
por outra cartilha é do mal, apenas o credo pessoal é do bem. E por
religião se mata e se morre há milênios. Sem contar os incrédulos
e os céticos. Estes jamais serão perdoados.
Todos
podem externar sua opinião nas redes sociais. A permissão existe em
tese, porque os censores não titulados não permitem essa liberdade.
Caso o incauto decida pensar diferente do senso comum, será
trucidado pelos carabineiros diante do paredão. Há os que gostam de
ser diferentes, e andam na contracorrente, sabendo e arcando com os
riscos. Para isso se armam de bons argumentos e grandes certezas.
Mesmo assim perdem algumas penas durante as refregas. Também existem
os que se juntam no contra-ataque para derrubar o oponente. Sem
contar os permanentes anarquistas, que mantém o surrado “se há
governo, sou contra”. À primeira vista os justiceiros parecem
seguir a lei e a ordem, mas, na verdade são seletivos contra apenas
um lado e não consideram as pregações de quem pensa diferente. Na
fraqueza do argumento, destroem o missivista. Também há os
invisíveis, que, mudos, sabem de tudo. São as sombras. Pessoalmente
podem falar sobre os desgostos com a opinião contrária, coisa que
os martiriza.
Assim
como um jogo é apenas um jogo, mesmo quando um resultado
desfavorável faça sangrar, uma opinião é apenas uma opinião, que
não muda a sua vida. Ainda que algumas opiniões atuem como censura,
querendo amputar suas ideias e ideais, ignore. Continue fazendo seu
discurso para os que pensam semelhantes a você. Mudar o pensamento
de alguém não deve ser prioridade, afinal, na maior parte das vezes
será perda de energia. Livre pensar é só pensar.
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
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