George Orwell já dizia
* Por Urda Alice Klueger
(Escrito em 2004)
Impingiram-me,
lá na infância, que a grande democracia do mundo estava situada no
Hemisfério Norte e chamava-se Estados Unidos. Para tanto havia a
Igreja, o gloriosos Exército Brasileiro e otras cositas más, como
uma revistinha chamada Seleções, que vinha todos os meses e que nós
adorávamos, e que nos contava, mensalmente sobre o maravilhoso país
com o qual era certo sonhar, o glorioso país que nos defendia de uma
praga que ninguém sabia o que era, chamada Comunismo. Havia outras
revistinhas extremamente capitalistas que também inundavam o nosso
meio infantil, chamadas Pato Donald e Tio Patinhas, onde patinhos com
caras inocentes faziam sacanagens bem capitalistas mesmo aos seus
parentes – enfim, fizeram a nossa cabeça para acharmos os Estados
Unidos o máximo! Só que a gente vai vivendo, aprendendo coisas,
vendo coisas, e chega um dia em que já é mais difícil que nos
enganem. Quando li o livro “1984”, de George Orwell, já estava
bem crescidinha e já se tornava bastante difícil acreditar piamente
no poder das ditaduras, pois penso que George Orwell escreveu seu
livro pensando em Stálin, mas o que aconteceu é que o Grande Irmão
do Norte pode ser qualquer ditadura poderosa, e serve tão bem a
qualquer povo que acabou gerando um escabroso programa de televisão
que o povo adora, onde se prendem algumas pessoas num lugar sem
nenhuma liberdade dia e noite e espera-se que um coma o outro por uma
perna até que tenha vencido todos, a fim de ganhar um bocado de
dinheiro. Grande Irmão e Big Brother querem dizer exatamente a mesma
coisa – não sei se vocês já se tocaram para tal.
E
então temos, hoje, o Big Irmão do Norte aqui mesmo na parte norte
da América, em plena ditadura, sem nada daquela democracia
redentora que nos impingiram na infância, e você deve estar
dizendo: “A Urda endoidou? COMO que os Estados Unidos não é a
grande, a maior, a mais poderosa democracia do mundo?”
Vamos
ver isto mais de perto, meu amigo. Democracia talvez tivesse sido lá
em outros tempos – um povo que é governado por um louco como Bush
II, que sequer foi eleito naquela eleição que fez todos nós
rirmos, devido ao atraso da eleição deles perto das nossas
maquininhas chamadas urnas eletrônicas, já de cara não é um povo
que tenha uma democracia. Qualquer um pode ir lá e assumir o poder
do país de forma ditatorial, que eles aceitam, e o ditador que
assumir pode mentir, criar guerras, invadir outros países (entre
outras coisas, para dar emprego à rapaziada que lá está
desempregada), que, como vaquinhas de presépio acostumadas dentro de
ditaduras, a maioria da gente lá deles aceita tudo – e então a
rapaziada desempregada vai para uma guerra que sequer sabe onde fica,
e acaba morta, degolada, queimada, arrastada pelas ruas e pendurada
nos contrafortes de uma ponte por uma indignada multidão de país
invadido, como a nossa televisão nos mostrou outro dia, que as
gentes que vivem lá na ditadura nem ficam sabendo. Sabem por que?
Porque numa ditadura se escondem os fatos, e “não fica bem”
gente que vive dentro de uma ditadura ficar sabendo das verdades,
bem como a gente pode ler no livro “1984”, onde é tão forte o
Grande Irmão do Norte, ou Big Brother, como queiram.
Então
lhes conto: vocês pensam que a população estadunidense sabe que
seus rapazes estão morrendo em atentados no Iraque, que estão sendo
linchados, etc.? Não, não sabem. A censura própria das ditaduras
impede que tais notícias circulem na imprensa daquele país, pois o
IBOPE do tal presidente louco pode baixar. Pais recebem sacos
plásticos com filhos destroçados dentro, tratam de sepultá-los
logo, e no jornal sai uma notinha de falecimento, apenas como se ele
tivesse batido o carro numa bebedeira. Se os amigos se queimarem com
a perda do rapaz e quiserem fazer uma demonstração pública da sua
dor, estão proibidos, e se fizerem, a imprensa nada noticia. E
imagens de massacres, como vimos aqui faz pouco mais de uma semana?
Nem pensar – editam-se as imagens, quem sabe mostrem tanques
queimando, mas jamais dirão que há jovens corpos estadunidenses lá
dentro.
Democracia,
heim? Nem o pessoal que gosta do Big Brother conseguiria acreditar!
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e cinco livros (o 25º lançado em maio de
2018), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições),
“No tempo das tangerinas” (12 edições) e “No tempo da Magia”.
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