Quando a fama torna-se
obsessão
As
pessoas – entra geração, sai geração – pouco ou nada mudam no
que se refere aos comportamentos básicos na vida em sociedade. Por
exemplo, não há quem não sonhe, mesmo que jamais revele a ninguém
e até mesmo negue, em ser famoso algum dia. Os mais esclarecidos até
sabem que a fama, mesmo que fundamentada em méritos reais e em obras
consistentes, é passageira, como um raio numa tempestade, mas
acreditam que com eles, por algum motivo que só eles sabem (ou
julgam saber), as coisas serão diferentes. Claro que, embora eu
escreva a respeito na terceira pessoa, também me incluo no rol
desses sonhadores.
Tais
indivíduos estão convictos, secretamente, que seus livros serão
lidos até o fim dos tempos, se forem escritores. Ou que os quadros
que pintaram irão embasbacar apreciadores de artes do ano 3011 ou,
quiçá, 5011, se artistas plásticos. Ou que as esculturas que
fizeram serão tidas por parâmetros de perfeição, se escultores.
Ou que os recordes que estabeleceram jamais serão quebrados, se
atletas. Ou que os gols que marcaram nunca serão igualados, se
jogadores de futebol. Ou que as canções que compuseram serão
admiradas e cantadas para “sempre”, se compositores etc.etc.etc.
Enfim, tendem a achar, íntima e secretamente, que sua fama irá
perdurar por séculos, por milênios, até pela eternidade afora. Não
irá, claro, (e isso se o tal sonhador chegar, por qualquer razão ou
mérito, a ser minimamente famoso. A imensa maioria jamais chega).
Nós
temos obsessão pela fama. Caso não levemos as coisas às últimas
consequências (e raramente não levamos), essa ambição pelo
reconhecimento, mesmo que frustrada (geralmente é), não irá nos
gerar maiores problemas. Sentir-nos-emos decepcionados, provavelmente
até injustiçados, mas tocaremos nossas vidas. Pior é quando o
sujeito se torna famoso e, num piscar de olhos, cai no ostracismo.
Quando
o livro que um dia esgotou edições, por exemplo, deixa de ser lido
e comentado e vai parar em um sebo ou algo pior, em um depósito como
papel velho a ser reciclado. Ou quando as telas, que atraíram
multidões nas galerias durante exposições e obtiveram imensas
cotações se desvalorizam e passam a ser consideradas ultrapassadas
e são descartadas pelos que as adquiriram. Ou quando as esculturas
feitas para durar para sempre um dia são retiradas das praças em
que estavam e vão parar em depósitos de tralhas. Ou quando os
recordes estabelecidos com ingentes sacrifícios são batidos por
dezenas de outros atletas mais aptos. Ou quando os gols marcados são
esquecidos por não terem o mínimo registro de imagem. Ou quando as
canções que embalaram toda uma geração passem a ser consideradas
como velharias sem nenhum valor etc.etc.etc.
Esse
é o caminho natural da fama, ou, mais especificamente, do fim dela.
Há quem argumente que deseja ser famoso não por vaidade, mas por
razões eminentemente práticas: para vender livros, telas,
esculturas e composições. Ou para obter patrocínios. Ou para
firmar vantajosos contratos com clubes milionários. Tudo isso até
que faz certo sentido, mesmo que não condiga com a verdade. Artistas
ou desportistas desconhecidos acabam fracassando, por falta de um
mínimo estímulo, principalmente o financeiro. É impossível dizer,
com segurança, todavia, se essas alegações são verdadeiras ou
não. Acredito que não. Não há pessoa que não se empolgue com
elogios, bajulações, homenagens as mais variadas e com o lado
supostamente bom da fama: dinheiro, muito dinheiro. Esse tipo de
indiferença, convenhamos, não é um comportamento normal.
Bilhões
de pessoas, que viveram no passado, já quiseram a mesma coisa que
nós queremos hoje. Outras tantas ainda a querem. Dessas, milhões
querem obsessivamente. Milhares irão conseguir, para, em seguida, se
frustrar. A concorrência é imensa! Seja qual for nosso feito, o que
nos tornou relativamente famosos, a probabilidade dele ser superado
algum dia é imensa. E, quando menos esperarmos... eis-nos
despencando no abismo do ostracismo e da frustração.
Até
quem vive à margem da sociedade ambiciona ser famoso de alguma
maneira. Conheci, por exemplo, perigosos bandidos, presos várias
vezes por inúmeros delitos, que fugiram da cadeia e se tornaram
fugitivos da justiça, que colecionavam recortes de jornais narrando
suas peripécias, ou seja, suas atividades delituosas. Não é raro
(pelo contrário, é muito comum), topar com rematados vagabundos,
protótipos do fracasso, alcoólatras, viciados em drogas e
miseráveis, sentindo-se “reis” por sua “valentia”, ou seja,
julgando-se “especiais” por serem (ou se acharem) os valentões
do pedaço. Isso, até que deem de cara com outros, da sua laia, com
a mesmíssima obsessão, que lhes derrube o topete, até terem o
próprio também derrubado e, assim, sucessivamente.
Fama,
fama, fama é uma espécie de mantra, na maioria das vezes secreto,
das pessoas de todos os tempos e de todos os graus de cultura e
condições econômicas e sociais. A tal ponto que se tornou
praticamente clichê a afirmação feita, em certa ocasião, pelo
artista pop norte-americano, Andy Warhol, que sentenciou: “No
futuro, todo mundo será famoso por 15 minutos”. Exagero dele,
claro! Mas sua citação pegou. Todavia, o próprio autor dessa
afirmação sentiu na carne um dos lados ruins da fama (há inúmeros
deles). Alguns anos antes de morrer, Warhol declarou, após haver
sofrido um atentado a bala, numa entrevista: “Acho que ser famoso
não é realmente muito importante. Se eu não fosse famoso, não
teria levado uns tiros por ser Andy Warhol. Talvez tivesse levado uns
tiros por estar no exército. Ou talvez fosse um professor bem
gordo”.
A
filósofa Hannah Arendt (que também já foi muito famosa quando viva
e que hoje é citada, apenas, ocasionalmente, nos meios acadêmicos),
afirmou a esse propósito: “Nada mais efêmero em nosso mundo,
nada de mais precário que esta forma de conquista conferida pelo
renome. Nada ocorre com tanta rapidez e facilidade do que o
esquecimento”.
Vocês
já pararam para pensar quantos escritores, filósofos, generais,
reis, gladiadores, desportistas diversos, artistas de todas as artes
etc. etc.etc. do passado, famosíssimos no seu tempo, foram
esquecidos e dos quais não restou o menor vestígio de que sequer
existiram? Até reinos inteiros caíram no total esquecimento, alguns
dos quais, vira e mexe, são desenterrados por algum arqueólogo.
Sei
que esta é uma amarga reflexão, mas, creiam-me, é rigorosamente
verdadeira. O padre Antonio Vieira, em memorável sermão proferido
na Capela Real, em Lisboa, num domingo qualquer de 1657, advertiu a
respeito: “Sonhastes no último quarto da noite, quando as
representações da fantasia são menos confusas, que possuíeis
grandes riquezas, que gozáveis grandes delícias e que estáveis
levantado a grandes dignidades; e quando depois acordastes, vistes
com os olhos abertos, que tudo era nada? Pois assim passam a ser nada
em um abrir de olhos todas as aparências deste mundo”.
Boa
leitura!
O
Editor.
Se não fama, pelo menos algum brilho em determinada fase da vida.
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