Geografia
do veneno
*
Por Frei Betto
Em
meio à Copa, deputados federais aprovaram, em 25 de junho, o parecer
que propôs reduzir o controle governamental sobre o uso de
agrotóxicos no Brasil. Vitória da bancada ruralista. Atualmente,
30% dos agrotóxicos permitidos no Brasil são proibidos na União
Europeia.
A
fome, como questão política, entrou na agenda brasileira desde
1946, quando Josué de Castro publicou o clássico Geografia da fome,
sublinhando que a desnutrição de milhões de pessoas nada tem a ver
com a fatalidade, seja climática, seja religiosa.
Passados
70 anos, a geógrafa e professora da USP Larissa Mies Bombardi
publica o atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões
com a União Europeia, um conjunto de mais de 150 imagens entre
mapas, gráficos e infográficos que radiografam os impactos do uso
de agrotóxicos no Brasil.
O
Brasil é o campeão mundial no uso de agrotóxicos no cultivo de
alimentos. Cerca de 20% dos pesticidas fabricados no mundo são
despejados em nosso país. Um bilhão de litros ao ano: 5,2 litros
por brasileiro!
Há
direta relação entre uso de agrotóxicos e o agronegócio no
Brasil. As plantações de soja, milho e cana utilizaram 72% de todo
agrotóxico comercializado no país em 2015. Estas são três das
principais mercadorias da agricultura capitalista que estão no topo
da lista de exportações brasileiras.
Ao
recorde quantitativo soma-se o drama de autorizarmos o uso das
substâncias mais perigosas, já proibidas na maior parte do mundo
por causarem danos sociais, econômicos e ambientais.
O
conjunto de mapas do Atlas está dividido em seções que abordam,
por exemplo, as intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, com
mapas em escalas nacional, regional, estadual e municipal. As
intoxicações são detalhadas segundo a circunstância da
intoxicação, o sexo da população intoxicada, a faixa etária, os
grupos étnico-raciais, a exposição ao trabalho e a escolaridade.
De
2007 a 2014, os casos de intoxicação por agrotóxicos notificados
ao Ministério da Saúde somam 25 mil ocorrências – na média,
oito intoxicações diárias. Entretanto, estima-se que, para cada
caso notificado, outros 50 não foram notificados.
Os
mapas sobre intoxicação por agrotóxicos revelam que a principal
ocorrência no Brasil é a de tentativa de suicídio, com números
alarmantes: mais de 9.500 casos de tentativas de suicídio com
ingestão de agrotóxicos entre 2007 e 2014.
Os
mapas que abordam a intoxicação por faixa etária revelam uma
realidade que afronta diretamente os direitos humanos e, em especial,
os direitos das crianças e adolescentes: cerca de 20% da população
intoxicada é de crianças e jovens com idade até 19 anos. Mesmo
bebês de 0 a 12 meses são intoxicados por agrotóxicos: em números
oficiais, somaram mais de 340 casos entre 2007 e 2014.
O
Atlas mostra profunda assimetria entre os limites permitidos para
resíduos de agrotóxicos em alimentos e na água, no Brasil e na
União Europeia.
No
Brasil, o limite de resíduo de malationa (inseticida) no brócolis é
250 vezes maior do que o permitido na União Europeia. No feijão,
essa diferença é 400 vezes maior por aqui.
Na
água potável, a diferença de resíduos é 5 mil vezes maior para o
agrotóxico glifosato (o herbicida mais vendido no Brasil) em relação
à União Europeia.
Outro
conjunto de mapas mostra que 70% dos municípios paulistas são
atingidos pela pulverização aérea de agrotóxicos, prática
proibida na União Europeia desde 2009.
O
Estado brasileiro tem atuado de forma a subvencionar o capital das
corporações fabricantes de agrotóxicos. No Brasil, o ICMS tem
redução de 60% e há isenção total de PIS/COFINS e de Imposto
sobre Produtos Industrializados para a produção e o comércio de
agrotóxicos.
Segundo
o defensor público Marcelo Novaes, apenas no Estado de São Paulo e
no ano de 2015, o governo deixou de arrecadar cerca de R$ 1,2 bilhão
por conta dessas desonerações.
Enquanto
a fome segue sendo realidade sofrida para milhões de brasileiros, o
capital transforma alimentos em commodities e em agroenergia, segundo
o modelo baseado na estrutura fundiária concentrada e no uso massivo
de agrotóxicos.
Há
que buscar solução na transição agroecológica, ou seja, na
gradual e crescente mudança do sistema atual para um novo modelo
baseado no cultivo orgânico, mantendo o equilíbrio do solo e a
biodiversidade, e redistribuindo a terra em propriedades menores.
*
Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou”
(Saraiva), entre outros livros.
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