quarta-feira, 25 de julho de 2018

Selva de Pedra - Mara Narciso


Selva de Pedra


* Por Mara Narciso
 
A novela Selva de Pedra de Janete Clair protagonizou com Simone e Cristiano, o casal central vivido por Regina Duarte e Francisco Cuoco, algo impensável até então. O capítulo 152 do folhetim, em quatro de outubro de 1972, num episódio de tribunal parou o Brasil. Todos os televisores estavam ligados na novela da Rede Globo em plena Ditadura Militar. Imagina o poder? Era mais do que o quarto poder, influenciava todos os poderes (ainda que o Congresso Nacional tenha sido fechado) e não apenas isso. Indiretamente, acalmava a população e mandava no país.
 
Revi o último capítulo da trama. Volta ao passado foi pouco, assessorada pela envolvente Rock and Roll Lullaby – B. J. Thomas, uma cantiga de ninar, música tema da dupla. Naqueles anos de imprensa amordaçada, de medo e repressão totais, em minha casa meu pai silenciava toda a família. Alcides Alves da Cruz era fã da “Revolução”. O seu carro ostentava a flâmula “Brasil ame-o ou deixe-o”. Tudo era proibido, exceto obedecer.
 
Na tela acontecia o açucarado romance criado pela novelista que fez escola. Janete Clair, esposa de Dias Gomes, teatrólogo da Academia Brasileira de Letras conhecido pelas suas posições esquerdistas, laboriosamente, conseguia rezar pela cartilha dos militares e da Rede Globo, e assim fazer sucesso numa época estranha, uma calmaria de aparente normalidade, mas sem liberdade. Homens de camisas cor-de-rosa e cabelos longos sublevavam a ordem anterior. Era o máximo permitido. Nos porões do órgão de repressão DOI-CODI – Destacamento de Operações de Informação e Centro de Operação e Defesa Interna, os 434 brasileiros, que, pelos números oficiais viriam a morrer, sofriam todo o tipo de sevícias. A população nem suspeitava das torturas. A novela entorpecia, e muito, aquela gente e eu, enquanto “dormia a nossa Pátria Mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações” (Vai Passar – Chico Buarque).
 
Nas imagens em preto e branco, o que chama a atenção é a ingenuidade levada a cabo, os cenários precários, a atuação pouco expressiva, e a lentidão dos acontecimentos. Janete Clair, nesta e noutras novelas, criou muitos dos atuais chavões, como filho que não é filho, mãe que não é mãe, e, principalmente pai que não é pai. Sem mencionar os, hoje manjados, dupla identidade, pobre que fica rico e o “largar a noiva no altar”- esse ponto foi exigência da Censura Federal, pois para ela configurava bigamia, apesar de Simone estar supostamente morta. Cristiano fez isso com Fernanda, personagem de Dina Sfat. Humilhação diante de toda a sociedade, numa chocante atitude canalha.
 
Ah, como amávamos Francisco Cuoco! Devido à beleza e a fama era endeusado. No auge do seu sucesso esteve em Montes Claros e não faltaram mulheres solteiras e casadas fazendo fila para beijá-lo na boca. Imaginem a transgressão para aquela época de extremas proibições? Pois, na varanda do Automóvel Clube senhoras enlouquecidas agarravam o ator.
 
Revi a moda exagerada da década de 1970. Era bastante cafona e simultaneamente feia e bonita, pois o convívio na juventude forja os nossos gostos. As imagens estão aí à disposição dos estudiosos, para analisar o comportamento humano e dar seus veredictos. Observando as cenas, senti saudades da juventude e das coisas que não vivi, por não ser permitido. Enquanto a novela colocava vilão e mocinho dentro do mesmo personagem, seja Simone, seja Cristiano Vilhena, mostrando que ninguém é de todo bom ou mau, torcíamos por ambos, que depois de nove meses de peripécias e 243 capítulos, beijam-se romanticamente no convés de u


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”



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