Memórias de um idealista
* Por Pedro J.
Bondaczuk
O
poeta alemão Johan Wolfgang Göethe escreveu que "o importante
é ter na vida um alto e definitivo ideal com aptidão e perseverança
suficiente para consegui-lo". Objetivos elevados a maioria tem.
No entanto, parte considerável das pessoas não conta com talento
suficiente para tornar o sonho concreto, mesmo que parcialmente.
Outros, embora talentosos, não sabem perseverar. Perdem-se pelo
caminho, vencidos pelos obstáculos.
Este
não fpo o caso, porém, do paraibano Celso Furtado, nascido na
cidade de Pombal, em 1921, e que morreu, em 20 de novembro de 2004,
ao qual não faltaram nem aptidão e muito menos perseverança para
atingir seus mais elevados ideais. E abundaram os obstáculos.
Guindado
à Academia Brasileira de Letras em agosto de 1997, é, hoje um dos
brasileiros mais conhecidos e reconhecidos no mundo. Aliás, sua
longa carreira transcorreu, por força das circunstâncias (como o
golpe militar de 1964 que o levou para o exílio e seu estágio na
Comissão Econômica para a América Latina, Cepal, da qual foi
praticamente cofundador), a maior parte no Exterior.
Em
fevereiro de 1997 foi criado, pela Academia de Ciências do Terceiro
Mundo, com sede em Trieste, o Prêmio Celso Furtado, conferido a cada
dois anos ao melhor trabalho de um cientista do Terceiro Mundo no
campo da economia política.
É
um reconhecimento mais do que justo a um homem que dedicou a maior
parte da vida ao estudo do fenômeno do subdesenvolvimento e,
sobretudo, à busca de caminhos para a sua superação. Toda a sua
trajetória, como economista, professor, administrador e ministro da
Cultura no governo do presidente José Sarney foi nesse sentido.
A
editora Paz e Terra lançou em 1997, em três tomos, "Celso
Furtado --- Obra Autobiográfica", onde o autor relata sua longa
experiência nos cargos e países pelos quais passou, o que se
constitui, mais do que uma obra memorialística, num precioso
documento de toda uma época na América Latina.
A
apresentação da coleção é de Francisco Iglésias, que destaca:
"Esses textos têm alto valor como depoimentos para a história
administrativa e política, e também para a da ‘inteligentsia’
patrícia. Ademais, valem, para caracterizar com rigor, uma carreira
que foi sempre eficiente e lúcida, em compreensão do regional e do
nacional, nos planos teórico e prático --- coisa bastante rara na
perspectiva brasileira".
O
leitor desavisado pode achar que se trata de uma autobiografia
convencional, em que se narram fatos estritamente pessoais. Esta, no
entanto, resvala mais para o histórico, do que para o biográfico.
Iglésias
esclarece: “O memorialismo de Celso Furtado é um marco para melhor
compreensão da vida nacional em todos os seus aspectos e aumenta o
patrimônio cultural do País neste fim de século em que ele teve
relevante papel".
A
"Obra Autobiográfica" --- com prefácio do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, com o qual conviveu por um breve período
durante o exílio de ambos no Chile e seu admirador --- está
dividida em três tomos, perfazendo mais de mil páginas, escritas em
um estilo claro e fluente, sem o uso, mesmo quando se refere aos mais
complexos conceitos econômicos, do "economês".
O
primeiro volume divide-se em duas partes: "Contos da vida
expedicionária" e "Fantasia organizada". Na primeira,
revela seus dotes literários --- que aliás lhe valeram a eleição
para a Academia Brasileira de Letras.
São
histórias escritas em 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial,
em que narra, através de personagens reais (com nomes mudados), a
participação brasileira no conflito, nos campos da Itália.
Na
introdução, Celso Furtado esclarece: "Os fatos narrados nestes
contos são substancialmente verdadeiros. Mas porque são traços
gerais, não pertencem a ninguém. Muitos nos encontraremos aí;
entretanto, não nos faltará a certeza de que as experiências
gerais couberam a todos nós".
Na
segunda parte desse primeiro volume, "A Fantasia Organizada",
narra as peripécias para a criação da Cepal e, sobretudo, para a
sua consolidação, ameaçada que estava a entidade de ser desfeita
por interferência dos Estados Unidos. Ressalta, nos textos, sua
profunda admiração e respeito intelectual pelo economista argentino
Raul Prebish, com o qual estabeleceu sólida amizade.
O
tomo II também se divide em duas partes: "Aventuras de um
economista brasileiro" (texto escrito em Paris em março de
1972, a pedido da Unesco, para um número comemorativo da publicação
"International Social Sciences Journal" e "A fantasia
desfeita".
Nesta
última, relata as demarches que levaram à criação da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), a qual
comandou até que o golpe de 1964 o levasse a partir para o exílio.
Traça um perfil bastante realista da região em fins dos anos 50 e
início dos 60, no governo do presidente Juscelino Kubitschek.
Detalha
o declínio de autoridade do presidente João Goulart, a criação
das Ligas Camponesas, o cenário para o golpe de 1964 e a deposição
do governador Miguel Arraes.
Finalmente,
o tomo III também se divide em duas partes: "Entre
inconformismo e reformismo" (texto escrito por solicitação do
Banco Mundial para a obra sobre os pioneiros do desenvolvimento em
1987) e "Os ares do mundo", onde relata suas andanças por
países como a França, os Estados Unidos, a Venezuela, etc. e seus
contatos com personalidades econômicas, políticas, literárias etc.
Trata-se
de obra imperdível para quem pretenda conhecer detalhes da história
recente do País e sobre (e escrita por) um intelectual reconhecido
no plano mundial, por sua intensa atuação em vários órgãos das
Nações Unidas, com visão internacional de economia, política e
sociologia, mas sem perder a identidade brasileira e sobretudo as
raízes nordestinas. Não sei se foi publicada uma outra edição.
Caso não tenha sido, vocês, provavelmente, a encontrarão em algum
sebo. Vale a pena ler.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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