Raios, relâmpagos e trovões
O
homem contemporâneo, a despeito do magnífico avanço tecnológico
que lhe permite interferir na própria natureza e deter em suas mãos
até mesmo o poder de destruir em minutos o Planeta, não é o
gigante que pensa ser. É, na verdade, um anão. Apresenta as
dimensões gigantescas que aparenta por estar de pé nos ombros dos
gênios do passado que o antecederam e que, partindo do nada,
elaboraram todas as artes, a ciência e o raciocínio.
Isto
somente foi possível graças ao trabalho, em geral anônimo, de uma
categoria sofrida, injustiçada, mas que sem ela o conhecimento
adquirido simplesmente se perderia no esquecimento: a dos
professores. Quem conseguiria ser um pesquisador espacial, chegar a
realizar maravilhosos transplantes de órgãos, alterar genes de uma
célula, ou mapear o próprio segredo da vida humana, se não
contasse com um mestre que lhe desse as noções elementares da
linguagem, do cálculo e das ciências?
Por
outro lado, todos temos em nós um artista, embora muitas vezes não
pareça que seja assim. Ocorre que alguns sufocam esse pendor
natural, voltados que estão para coisas aparentemente mais
importantes, mais "sérias" e que, na verdade, quando
submetidas a uma análise lógica mínima, se revelam supérfluas,
triviais, fantasiosas e absolutamente dispensáveis. Só a arte dá
dimensões divinas ao ser humano. É por seu intermédio que ele
verdadeiramente se revela em toda a sua grandeza e transcendência.
O
artista, em especial o poeta, desenvolve com anos de exercício a
aptidão de explorar sutilmente o subconsciente à cata de emoções
que lhe sirvam de matéria-prima para maravilhosas obras de arte.
Sons, imagens, odores, sensações agradáveis ditadas pelos cinco
sentidos, são transformados por esses criadores (que valorizam e dão
nobreza à vida humana) em melodias, telas, esculturas, palavras que
formam metáforas bem ajustadas e harmoniosas. Com o talento de que
são dotados, nos transmitem suas emoções, às quais agregamos as
nossas, ditadas por nossa própria experiência pessoal.
Há,
também, algumas pessoas muito especiais que conseguem realizar em
vida aquilo a que se propuseram, porque se empenharam, buscaram as
oportunidades e as aproveitaram, enquanto outras (a maioria), se
limitaram a sonhar e sequer tentaram fazer o mínimo esforço para
que seus sonhos se fizessem concretos e se transformassem em atos.
Tudo
o que estes omissos (quando não parasitas) fazem é procurar a mera
satisfação dos sentidos, e mesmo assim de forma desregrada e
imprudente. Há um outro grupo, ainda, que é o daqueles que obtêm a
cumplicidade alheia para suas ideias e projetos. E realizam seus
propósitos através de terceiros. São os gênios da espécie, os
líderes, os condutores de povos, os grandes semeadores.
Antônio
Vieira disse, em seu célebre “Sermão da Sexagésima”, pregado
na Capela Real de Lisboa, em 1655: “A nuvem tem relâmpago, tem
trovão e tem raio: o relâmpago para os olhos, trovão para os
ouvidos, raio para o coração; com o relâmpago alumia, com o trovão
assombra, com o raio mata. Mas o raio fere a um, o relâmpago a
muitos, o trovão a todos”.
O
homem evoluído, que tem consciência do seu papel no mundo e se
empenha na sua realização (raridade em todos os tempos), sem
esperar vantagem material, é, sobretudo, generoso. A evolução da
espécie humana deve tudo a essas pessoas abnegadas, que surgem a
cada geração, determinando saltos evolutivos desse estranho e
precioso animal que pensa (ou pelo menos conta com essa capacidade),
mas que nem sempre dá um sentido positivo ao pensamento.
Tais
indivíduos, por serem raros, podem ser comparados aos raios, que
atingem corações, na metáfora utilizada por Antônio Vieira em seu
sermão. São os responsáveis pelas descobertas científicas, pelo
desenvolvimento das artes, pela Justiça, pela organização política
e social, pelos sistemas econômicos e pela geração e veiculação
de ideias. Sua característica marcante é a generosidade. Semeiam
inteligência e princípios incansavelmente, sem sequer atentar para
o "solo" onde as sementes irão cair. Dão oportunidade a
todos os que queiram usufruir de sua ação, sem nenhuma espécie de
preconceito ou discriminação.
Os
mestres e os artistas, por seu turno, são os relâmpagos da “nuvem”
da sociedade. E quem seria, nesta pitoresca metáfora de Vieira o
trovão? O líder, sem dúvida! O revolucionário, o propagador de
ideias, o que sacrifica a própria vida em favor de toda uma geração,
quando não da espécie.
Compete-nos
sonhar. Sonhar a não mais poder. Compete-nos agir. Agir até o
limite das nossas resistências. Compete-nos criar. Criar universos
de fantasia, embora com a pobre matéria-prima da realidade.
Compete-nos avançar para além da vida. Compete-nos ser, na “nuvem”
da sociedade, raios, relâmpagos ou trovões, de acordo com nosso
potencial e a nossa capacidade (inata e/ou adquirida).
Somos
desafiados a cada instante a nos definir: O que somos? O que
queremos? Para o quê viemos a este mundo louco? Borges revela que
"cada um de nós se define para sempre, num único instante de
sua vida – instante esse em que cada qual se encontra para sempre
consigo mesmo".
Alguns
adiam, "sine die", esse dramático encontro. Outros jamais
o promovem. Mas os que têm a coragem de afrontar seus fantasmas
marcam, de forma indelével, sua passagem pelo mundo. Tornam-se ou
raios para o coração, ou relâmpagos para os olhos ou trovões para
os ouvidos. Mas concluem, invariavelmente: "apenas a vida não
nos basta…"
Boa
leitura!
O
Editor.
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