quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Ansiedade - Hilton Gorresen


Ansiedade


* Por Hilton Gorresen


A crise estava começando. Uma onda de frio e tremor percorria seu corpo, não pôde reprimir os bocejos constantes, esgarçando a boca ao máximo. Em seguida, a cabeça lhe pareceu tépida, entorpecida, como se estivesse mergulhada em água fervente. Começou a ficar agitado. Uma opressão dentro do peito. Sentiu que as pulsações tornavam-se mais frequentes. A sensação era de estranhamento, como se estivesse separado da realidade. Uma vontade de fugir, de chamar alguém. Foi ao banheiro dar uma urinada, seu membro estava tenso, contraído.

Passou a mão nervosa pelos cabelos. Agora vinha o pior: a pressão sanguínea ficou elevada, as mãos tremiam, o coração disparou. Parecia estar na iminência de um desmaio. Pensamentos negativos rondavam-lhe a cabeça. Sentiu-se só, desprotegido, nesses momentos em que o homem perde a força diante do inevitável. Abriu a porta da rua, buscando o ar gelado da noite. Pensou em bater à porta do vizinho mais próximo, precisava ter alguém ao lado. Bobagem, o que poderiam fazer?

Em quinze minutos, aproximadamente, a situação começou a normalizar: a frequência cardíaca diminuiu, a pressão baixou, a cabeça foi perdendo o torpor. Havia sido sempre assim, nos últimos dez anos, com intervalos de semanas ou mesmo de meses. Tinha medo de viajar ou de estar em lugares distantes, em que não houvesse socorro à mão no caso de necessidade. O medo era constante.

Ele sabia que não havia perigo, era uma crise terrível, mas passageira. Quantas vezes, no desespero, clamou pela assistência médica, pediu para levarem-no ao hospital, onde os exames nada revelavam de anormal. No entanto, cada crise parecia ser a derradeira, aquela que o levaria à morte.

O pior era a insegurança. A crise não escolhia hora para se manifestar, mesmo nos momentos em que estava mais descontraído, lendo ou assistindo a um filme na TV. Sem causa aparente, sem relação de causa e consequência. Por que isso lhe acontecia?

O início foi numa época de estresse. Quando caminhava no centro da cidade, sentiu uma leveza no andar, como se o fizesse sobre espumas, a cabeça começou a tontear, um calor terrível lhe subiu pelo corpo, vindo em onda lá de baixo, das raízes, como se fosse um tremendo orgasmo. Dormência no braço esquerdo. Achou que ia desabar ali mesmo. Conseguiu entrar numa farmácia.

Fizeram-no sentar e verificaram a pressão. A moça tentava acalmá-lo, trouxe um copo de água e um comprimido de relaxante. Quando tudo normalizou, ficou o estranhamento. O que seria isso?

Na segunda vez, estava dirigindo o carro. Parou num posto de gasolina e pediu pelo amor de Deus que chamassem os paramédicos. O medo o paralisava. Não sabia se iria aguentar até chegarem. Vieram rápido, mediram-lhe a pressão e deram um calmante. Foi conduzido ao hospital, por sorte tinha plano de saúde, fizeram vários exames, tudo normal. O diagnóstico foi um só: ansiedade.

De lá para cá, sua vida destrambelhou. Desistiu de uma viagem ao exterior, perdeu oportunidades de cursos e palestras na capital, passou a sentir ojeriza de elevadores (Deus me livre, ter um “ataque” ali dentro, fechado entre quatro paredes). Ainda bem que seu trabalho era efetuado em casa, fazia contabilidade de pequenas empresas. Um garoto fazia os serviços de rua, ia aos bancos, colhia assinaturas, cobrava mensalidades.

Tinha de haver uma saída. Se essas crises eram inofensivas, apesar do desconforto provocado, por que sempre o deixavam apavorado? Por que as aguardava com temor?

Não era de muita religião, quando a mulher era viva acompanhava-a aos domingos à missa; permanecia em pé nos fundos da igreja, mãos enlaçadas na frente do corpo, olhos para o alto, como se estivesse vislumbrando a própria Santíssima Trindade. Mas nada, estava é matutando nos problemas financeiros que queriam se avolumar. Agora, resolveu entrar algumas vezes na igreja, nunca se sabe, martirizava-o essa luta contra o incontrolável. Era uma igreja antiga, de construção barroca, o teto altíssimo pintado de azul com nuvens brancas. Atrás do altar, bem no alto, havia um nicho onde se achava uma imagem de Nossa Senhora cercada de anjos gordinhos, com pequenas túnicas esvoaçantes. Havia nos bancos umas cinco ou seis pessoas. Que dramas e sofrimentos não atormentariam essas pessoas que se refugiavam no silêncio de uma igreja nas horas modorrentas da tarde?

Um dia vislumbrou a solução. Coisa simples, como todas as boas ideias.

Não havia desistido das caminhadas pela manhã. Ao passar no portãozinho de uma casa, assustou-se com os berros desesperados de um garoto: de seus dedos gotejava um sangue vivíssimo, que respingava na roupa. A mãe veio correndo apavorada; quando viu do que se tratava, sacudiu o menino pelo braço, gritando:
Precisava me assustar assim por causa de um cortezinho? Pensei que estivesse morrendo!

Teve um insight. Seria por inspiração divina? Ele, por anos a fio, tinha sido esse menino. Apavorando-se por algo não mais nefasto de que um corte no dedo. Ficou claro em sua mente: uma coisa eram as sensações provenientes do estado de ansiedade; outra, era sua reação negativa a elas. O medo provocando mais medo, ampliando os efeitos da ansiedade.

Era preciso, então, eliminar um dos componentes do processo. Modificar suas reações. Deixar de lutar contra a maré. Aceitar as sensações desagradáveis como coisa natural, reação do corpo contra um perigo inexistente. Dito figurativamente: abaixar-se e deixar passar a tempestade. Por que nunca lhe haviam sugerido isso? Bem, são coisas que só funcionam se nós mesmos as absorvemos, se as plasmarmos na mente – pensou.

Surpreendeu-se a aguardar impaciente a próxima crise. Que soltassem as feras!

Tinha acabado de se deitar, quando começou a sentir a cabeça zonza, as pulsações se elevando, a ponto de não conseguir concentrar-se para pegar no sono. Não se levantou, como sempre fizera. Aguentou firme, falando como se fosse para o próprio corpo:
Que venham as pulsações, o aumento de pressão, o que vier, mas que venham logo! E que vão para o diabo, desapareçam depressa, que eu quero dormir.

Esperou um pouco, aceitando, acatando os imperativos do corpo, sem pensamentos de tragédia. Era a primeira vez que isso acontecia.

Mas desta vez as sensações não passaram disso, o coração acalmou; deixou o corpo largar-se na cama e dormiu. Se aquilo era uma batalha, tinha conseguido a primeira vitória.


* Escritor catarinense, autor de seis livros: cinco de crônicas e um de memórias


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