Carta
aberta ao general Mourão, o índio do
Amazonas
*
Por José Ribamar Bessa Freire
“Vamos
à luta, lutar para vencer. Se for preciso, lutar até morrer”.
Flávio
de Souza, 1968)
Exmo,
Sr. General de Exército Antônio Hamilton Martins Mourão
Mui
digno candidato a vice presidente da República
O
senhor acaba de se identificar oficialmente como “indígena” ao
registrar candidatura no Tribunal Superior Eleitoral. Isso foi logo
após a repercussão negativa de sua fala a empresários da Câmara
de Indústria e Comércio de Caxias do Sul, quando afirmou que o
Brasil é subdesenvolvido, porque“herdou
a cultura de privilégios dos ibéricos, a indolência dos índios e
a malandragem dos africanos”, o
que desagradou seus próprios eleitores que não gostaram de se ver
assim retratados. Parece que a mão esquerda tentou
consertar, então, o que fez a mão direita, mas disso decorrem
problemas de raciocínio. Por isso, desejando elucidar a lógica de
sua estreia espalhafatosa no cenário político nacional, me inspiro
no saudoso Waldick Soriano e lhe “escrevo
essa carta, mas não repare os senões”.
- Eu
sou indígena. Meu pai é amazonense –
essa foi sua justificativa.
Ainda
que mal pergunte: De qual etnia? Qual é a sua aldeia de referência?
A interpelação faz sentido. Olhe só, vou desenhar: o “cidadão
europeu” não existe em abstrato, no ar, ele vive em determinado
país da Europa, com um território, língua e cultura que marcam sua
identidade. O cara só é europeu porque é português, francês,
alemão, etc. Da mesma forma com os índios. Sônia, nossa candidata
a vice presidente (PSOL), só é índia porque é Guajajara, da
aldeia Lagoa Quieta, Terra Indígena Arariboia (MA). Não existem nem
o europeu sem pátria, nem o índio desfigurado sem relação étnica,
ainda que historicamente distante.
Alguns
esquecem, outros não. Muitos índios que vivem em contexto urbano há
algumas gerações lembram muito bem de tais referências. É o caso
de seu colega, criador do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), o
marechal Cândido Rondon. Consciente de que era bisneto de índios
Bororo e Terena, ele mantinha vínculo afetivo com a aldeia das
Garças de seus bisavós maternos. Quanto ao senhor, quais são as
suas referências? Com qual povo e aldeia o senhor tece laços de
afeto e de pertencimento? E nesse caso, admitindo que o senhor é um
índio genérico, qual é a conclusão que podemos tirar de suas
afirmações contraditórias?
Indolência
A
implacável lógica aristotélica, ensinada na Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército que o senhor cursou com tanto brilho, nos
leva inexoravelmente a um raciocínio dedutivo:
Premissa
maior:
Todo homem é mortal - Todo índio é indolente.
Premissa
menor:
Sócrates é homem - Mourão é índio.
Conclusão: Logo,
Sócrates é mortal - Logo, Mourão é indolente.
Foi
assim que eu aprendi lá no curso clássico do Ginásio Amazonense,
com a professora de Filosofia, Lindalva Mota, a “Lili Silogismo”,
mais conhecida pelo apelido de “Por-conseguinte-então”.
Vosso
candidato a presidente, o capitão Jair Bolsonaro, que na caserna
seria seu subordinado, tentou consertar a trapalhada, inventando que
“indolência”, em seu discurso, quer dizer “capacidade de
perdoar”. Mas não soube explicar qual a relação do perdão com o
atraso do Brasil e por isso foi obrigado a admitir que, no caso,
indolência quer dizer mesmo preguiça. Para se legitimar, recorreu à
autoridade de um economista: “Roberto
Campos falou a mesma coisa no prefácio do livro Manual do perfeito
idiota latino-americano”, que
parece ser um livro autobiográfico. A emenda foi pior do que o
soneto.
Talvez,
general, seja recomendável ler outros pesquisadores, uma vez que o
ministro do Planejamento na ditadura militar, Bob
Fields,
assim conhecido por sua subserviência ao imperialismo americano,
nunca viu um índio em seus 84 anos de vida e repetiu preconceitos
dos “perfeitos idiotas”. Recomendo-lhe a leitura de “A
queda do
céu” do
Davi Kopenawa e Bruce Albert (Cia. das Letras, 2015), cuja leitura
certamente o fará pedir desculpas aos índios e aos negros que
construíram esse país com seu sangue e seu suor:
- “Os
brancos [...] devem pensar que as plantas crescem sozinhas, à toa.
Enquanto isso, chegam a nos chamar de preguiçosos, porque não
destruímos tantas árvores quanto eles! Essas palavras ruins me
deixam com raiva. Não somos nem um pouco preguiçosos! [...] Sabemos
trabalhar sem descanso em nossas roças debaixo do sol. Mas não
fazemos do mesmo modo que os brancos” –diz
Davi Yanomami (p.469).
Sangue
índio
Quem
deu mais detalhes foi o etnólogo francês Jacques Lizot, que viveu
mais de 20 anos com os Yanomami e cronometrou o tempo que dedicam à
atividade produtiva: uma média diária de três horas e meia para
viverem em abundância com todas necessidades satisfeitas, sem buscar
lucro ou acumular riquezas. O tempo que sobra é empregado em outras
atividades espirituais de estudo e lazer: observam e estudam a fauna
e a flora, pesquisam, elaboram hipóteses, experimentam, produzem
conhecimentos sofisticados, desenvolvem cultura artística e
mitológica, cantam, dançam, rezam, brigam e brincam, praticam
rituais, namoram, se divertem, riem, descansam. Enfim, vivem.
Alguns
acham, general, que sua auto identificação como indígena é
oportunismo eleitoreiro e manifestam desconfiança, posto que o
senhor só assumiu tal identidade agora, aos 65 anos de idade,
ignorando sempre o índio que agora diz ser e sem saber que índio é.
Outros acham que é pura chacota, gozação com os índios. Prefiro
acreditar, mesmo sob o risco de parecer ingênuo, que se trata de uma
descoberta tardia, mas sincera, de quem conhece os índios e a
floresta, pois já comandou a 2ª. Brigada de Infantaria de Selva em
São Gabriel da Cachoeira (AM) e fez o curso de guerra na selva.
-
No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é – já disse um
dia Eduardo Viveiros de Castro, um antropólogo que vale a pena ler.
O senhor, general, não se considera exceção, porque seu pai é
amazonense, o meu também, portanto compartilhamos o sangue indígena,
que todo brasileiro tem, uns nas mãos, outros nas veias, outros na
alma. O saudoso marechal Rondon não tinha sangue indígena nas mãos.
Seu lema era: “Morrer se for preciso; matar, nunca”. Essa é a
tradição do glorioso exército brasileiro que precisamos resgatar.
Mas
nesse momento alguém está com as mãos ensanguentadas. No domingo
passado (12/8) foi assassinado Jorginho Guajajara, líder do
movimento contra a invasão do seu território por madeireiros que
destroem a floresta. General, não basta se declarar indígena. Não
basta pareceríndio. Não
basta colocar um cocar: isso até a senadora Kátia Motoserra
Abreu fez. É preciso ser índio.
Para isso, temos que ser solidários com os parentes. Aguardamos
urgentemente seu pronunciamento vigoroso cobrando a punição dos
assassinos. É alentador, depois de cinco séculos de massacres e de
roubo de terras, ter na vice-presidência alguém com sangue índio
na alma e nas veias.
Lutar
até morrer
Afinal
o senhor, que se diz indígena, é general. Bolsonaro, que não gosta
de índios, é apenas capitão. Use a hierarquia para ordenar que
seja incorporado aos programas do PSL e do PRTB a exigência pela
demarcação das terras de seus parentes, fazendo cumprir a
Constituição de 1988.
Contamos
ainda com seu apoio ao movimento suprapartidário de 74 candidatos
índios, de diversos partidos, em quase todos os estados brasileiros:
25 a deputado federal, entre os quais Eunice Kerexu (Psol-SC),
Francisco Piyanko (Psol-AC), Joênia Wapixana (Rede-RR), Anapuaka
Tupinambá (PPS-RJ), Almir Surui (Rede-RO) e Rondon Terena (Psol-GO);
44 a deputado estadual ou distrital, entre eles Hyral Moreira
(Rede-SC) e Gersem Baniwa (Rede- AM); Uma (1) candidata ao Senado, um
(1) a governador e uma (1) a vice presidente da República, todos
agrupados na Frente Parlamentar Indígena (ver lista abaixo).
Não
incluímos seu nome na lista, general, porque aguardamos sua posição
firme em defesa da demarcação das terras indígenas. Vamos barrar o
avanço dos ruralistas que querem tomar as terras dos que aqui vivem
antes da chegada do Cabral.. Por enquanto, de cabeça erguida e peito
estufado, podemos cantar juntos, general, o nosso hino de guerra, de
autoria do Flávio de Souza:
Vamos
à luta, lutar para vencer.
Se
for preciso, lutar até morrer.
Lutar
com disciplina e destemor
Mostra
a todo mundo o teu valor.
Esse
é o hino do glorioso Nacional Futebol Clube, de Manaus, pelo qual o
senhor também deve torcer, que lidera hoje o Grupo A3 da Série D.
No contexto da atual luta política, podemos ressignificá-lo.
Amos.
Atos. Obros.
P.S.
Montagem da foto superior a partir da foto abaixo: UGAGOGO.
Ver
a seguir a lista dos candidatos da Frente Parlamentar Indígena -
Movimento Suprapartidário
REGIÃO
NORTE
Tocantins:
Tocantins:
1
- Markinho Karajá - Deputado Estadual (PCdoB)
2 - Vilmar Xerente - Deputado Estadual (PTC)
Amapá:
2 - Vilmar Xerente - Deputado Estadual (PTC)
Amapá:
3
- Eclemilda Galiby Marworno - Deputada Estadual ( PDT)
4 - Elton Karipuna - Deputado Estadual (DEM)
Pará:
4 - Elton Karipuna - Deputado Estadual (DEM)
Pará:
5
- Ubirajara Sompré - Deputado Federal (PMDB)
6 - Gedeão Arapiuns - Deputado Estadual ( PROS)
7 Conserlei Sompré - Deputada Estadual ( PP)
8 - Paratê Tembé - Deputado Estadual (Podemos)
9 - Maciel Pataxó - Deputado Estadual ( Podemos)
10 - Narha Munduruku - Deputada Federal (Podemos)
Amazonas
6 - Gedeão Arapiuns - Deputado Estadual ( PROS)
7 Conserlei Sompré - Deputada Estadual ( PP)
8 - Paratê Tembé - Deputado Estadual (Podemos)
9 - Maciel Pataxó - Deputado Estadual ( Podemos)
10 - Narha Munduruku - Deputada Federal (Podemos)
Amazonas
11
- Gersem
Baniwa - Deputado Estadual ( REDE)
12 - Marcos Apurinã - Deputado Federal ( DC)
13 - Perpétua Kokama - Deputada Federal (PSOL)
14 - Angélisson Tenharin - Deputado Estadual (PSOL)
15 - Turi Sateré - Deputado Estadual (PSOL)
16 - Sinésio Tikuna - Deputado Estadual ( PP)
17 - Izac Tikuna - Deputado Estadual (PSOL)
18 – Enfermeira Edilene Kokama - Deputada Federal (PDT)
19 - Adriel Kokama - Deputado Federal (Avante)
20 - Iza Maia - Deputada Estadual (Solidariedade)
Acre
12 - Marcos Apurinã - Deputado Federal ( DC)
13 - Perpétua Kokama - Deputada Federal (PSOL)
14 - Angélisson Tenharin - Deputado Estadual (PSOL)
15 - Turi Sateré - Deputado Estadual (PSOL)
16 - Sinésio Tikuna - Deputado Estadual ( PP)
17 - Izac Tikuna - Deputado Estadual (PSOL)
18 – Enfermeira Edilene Kokama - Deputada Federal (PDT)
19 - Adriel Kokama - Deputado Federal (Avante)
20 - Iza Maia - Deputada Estadual (Solidariedade)
Acre
21 - Francisco Piyanko - Deputado Federal ( PSOL)
22 - Sabá Manchinery - Deputado Federal ( PHS)
23 - Manoel Kaxinawa - Deputado Estadual ( PP)
24 - Roque Yawanawa - Deputado Estadual (PHS)
Roraima
25 - Telma Taurepang - Senadora ( PCB)
26 - Joenia Wapichana - Deputada Federal (REDE)
27 - Mário Nicácio - Deputado Estadual ( PTB)
28 – Dr. Raposo Macuxi - Deputado Estadual ( PR)
29 - Márcio Feitosa Wapixana - Deputado Estadual (PCB)
30 - Ivaldo André - Deputado Estadual (REDE)
31 - Iranir Macuxi - Deputada Estadual (Rede )
32 - Ozelio Macuxi - Deputado Estadual (PV)
33
- Emerson Duarte -Deputado Federal ( PRP )
34 - Ohana Brasil - Deputada Estadual ( PR )
35 - Francinete Raposo - Deputada Federal (PMN)
34 - Ohana Brasil - Deputada Estadual ( PR )
35 - Francinete Raposo - Deputada Federal (PMN)
36
– Marly – Deputada Estadual (PL)
37-
Telmário Mota – Governador (PTB)
Rondônia
38 - Almir Suruí - Deputado Federal (REDE)
REGIÃO
NORDESTE
Alagoas
39
- Cacique Nina - Deputada Estadual (PCdoB)
Bahia
Bahia
40
- Cacique Aruã Pataxó - Deputado Estadual ( PCdoB)
Ceará
Ceará
41 - Antônio Anacé - Deputado Estadual ( PSOL)
Maranhão
42 - Sônia Guajajara - Vice Presidente (PSOL)
43 - Lourenço Krikati - Deputado Estadual (PODEMOS)
44 - Elói Filho Wirá Murutinga - Deputado Federal (PSOL)
Pernambuco
45 - Eudes Pankararu - Deputado Estadual (PV)
SUDESTE
São
Paulo
46 - Lúcio Xavante - Deputado Estadual (PSOL)
47 - Chirley Pankará - Deputada Estadual Mandato Coletivo (PSOL)
48 - Cristine Takua - Deputada Federal Mandato Coletivo (PSOL)
49 - Jupira Terena - Deputada Federal ( PSOL)
Rio de Janeiro
50
- Anápuáka Muniz Tupinambá - Deputado Federal (PPS)
51 - Serginho Guarani -Deputado Federal (PHS)
Minas Gerais
51 - Serginho Guarani -Deputado Federal (PHS)
Minas Gerais
52
- Avelin Buniacá Kambiwá - Deputada Estadual ( PSOL)
53 - José Nunes Xakriabá - Deputado Federal (PT)
Espírito Santo
53 - José Nunes Xakriabá - Deputado Federal (PT)
Espírito Santo
SUL
Paraná
54 - Paulina Martinez - Deputada Federal (PSOL )
55- Ivan Kaingang - Deputado Estadual ( PHS)
Rio Grande do Sul
56
- Luíz Salvador (Saci) - Deputado Estadual (PSOL)
Santa Catarina
Santa Catarina
57 - Eunice Kerexu - Deputada Federal (PSOL)
58 - Marcos Djekupé - Dep Estadual (PSOL)
59 - Hyral Moreira - - Dep Estadual (REDE)
60 - Leopardo Huni Kuin - Dep Federal (REDE)
CENTRO
OESTE
Mato
Grosso do Sul
61 - Anísio Guató - Dep Estadual ( PSOL)
62- Gilberto Fernandes-Dep Estadual ( PT)
63 - Éder Terena - Dep Estadual ( MDB)
Mato Grosso
64- Matudjo Kayapó - Deputado Estadual (PSOL)
65 - Rondon Terena - Deputado Federal ( PSOL)
Brasília - DF
66 - Araju Sepeti Guarani - Deputado Federal (PPS)
67- Júnior Xukuru - Deputado Federal ( PSOL )
68 - Kamuu Dan Wapichana - Deputado Federal ( REDE)
69 - Airy Gavião - Mandato Coletivo Distrital (PSOL)
70
– Euclides Papiros – Deputado Distrital (PPS)
71
– Francisca Corte – Deputada Distrital (PDT)
72 – Divina Silva – Deputada Distrital (MDB)
72 – Divina Silva – Deputada Distrital (MDB)
*
Jornalista e historiador.
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