Como
semear violência
*
Por Frei Betto
Tome-se
um país de 208 milhões de habitantes. Desses, 104 milhões e 200
mil se encontram em idade laboral. Mas o país não oferece trabalho
para todos. Estão desempregados 12 milhões e 966 mil. E 65 milhões
e 642 mil se encontram fora do mercado de trabalho. (IBGE
31.07.2018). De que vive tanta gente?
Desses 65,6 milhões que não estão empregados nem à procura de empregos, há jovens que preferem se dedicar aos estudos, aposentados e desalentados, ou seja, os que cansaram de buscar emprego. Vivem de quê?
Qualquer
anúncio de vagas de emprego atrai milhares de pessoas. Filas
quilométricas se formam. A maioria deixa o local sem contratação.
São mulheres chefes de família que, ao declararem terem filhos
pequenos, são preteridas; jovens sem qualificação profissional;
analfabetos funcionais (eles são 15 milhões no país, pessoas com
mais de 15 anos que mal sabem ler e escrever).
Hoje,
são 17,9 milhões de trabalhadores sem carteira assinada. E o número
de trabalhadores com carteira assinada no Brasil é de apenas 35,9
milhões.
O
rendimento médio mensal dos trabalhadores ocupados gira em torno de
R$ 2.095. Como comparação, o salário mínimo necessário,
calculado pelo DIEESE, deveria ser de R$ 3.674 – quase duas vezes
mais que a renda média dos ocupados, e quase quatro vezes o salário
mínimo nacional, de R$ 954,00. Ou seja, somos uma nação de
salários muito baixos.
Um
dos fatores que levam empregadores a diminuírem contratações com
carteira assinada é a reforma trabalhista do governo Temer, que
“flexibilizou” (leia-se: precarizou) as condições de trabalho e
aumentou os direitos dos patrões ao reduzir os dos empregados.
Ora,
se há cerca de 105 milhões de pessoas em idade laboral no Brasil,
das quais 12,9 milhões estão sem emprego e 65,6 milhões sobrevivem
da economia informal; se há 15 milhões de analfabetos funcionais;
se 63,6 milhões de brasileiros(as) são considerados “ficha suja”
pelo mercado, enquadrados no SPC por endividamento; o que esperar do
futuro desta nação? O Unicef divulgou, em 13 de agosto, que 60
milhões de crianças e jovens brasileiros vivem na pobreza.
No
Enem de 2017, a nota máxima em redação era 1.000. Foram entregues
4 milhões de redações. Apenas 53 mereceram a nota máxima. Como
obter emprego qualificado e salário digno quando sequer se sabe
redigir?
Para
muitos jovens semianalfabetos e excluídos do mercado de trabalho –
e eles são milhões – a “saída” é ingressar na
criminalidade, em especial no narcotráfico. Não adianta o governo
atuar apenas nos efeitos, como aumentar o efetivo policial e
multiplicar o número de cadeias. Há que enfrentar as causas. A
principal delas é a desigualdade social, seguida da falta de escola
pública gratuita e de qualidade.
Segundo
o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2017 ocorreram 63.880
assassinatos no Brasil. São 175 mortes por dia! Em comparação com
2016 houve aumento de 2,9%.
Como
deter essa escalada da violência? Entregando uma arma a cada
cidadão, como propõe certo candidato à presidência da República?
Instituindo a pena de morte? Ora, se tais medidas fossem eficazes os
EUA não seriam um país violento, com a maior população carcerária
do mundo: mais de 2 milhões de prisioneiros (o Brasil ocupa o
terceiro lugar, logo após a China).
Conclusão:
para semear a violência bastam um governo desprovido de políticas
sociais; o ensino sucateado; leis trabalhistas que protegem o capital
e prejudicam o trabalhador; políticos indiferentes ao bem comum; e
cidadãos incapazes de transformar sua indignação em luta por um
país melhor.
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Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou”
(Saraiva), entre outros livros.
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